Processo n.º 652/2018 Data do acórdão: 2019-7-11 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
Há erro notório na apreciação da prova quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 652/2018
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 297 a 308v do Processo Comum Colectivo n.° CR4-17-0237-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de resistência e coacção, p. e p. pelo art.o 311.o do Código Penal (CP), na pena de um ano e seis meses de prisão, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos art.os 175.o , n.o 1, e 178.o do CP, na pena de dois meses e 15 dias de prisão, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), na pena de cinco meses de prisão, com inibição de condução (a ser executada quando o arguido vier a ter liberdade) por um ano e seis meses, e de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.o 92.o, n.o 2, da LTR, conjugado com o art.o 312.o, n.o 2, do CP, na pena de oito meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas penas, finalmente na pena única de um ano e dez meses de prisão efectiva, para além de ficar condenado a pagar a quantia total indemnizatória de MOP1.727,00 (mil setecentas e vinte e sete patacas) a favor do polícia ofendido, com juros legais desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento, veio o arguido A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a sua absolvição, em prol do princípio de in dubio pro reo, do crime de injúria agravada, e rogar a redução das penas (por sobretudo ter ele confessado os outros três crimes por que vinha condenado no aresto recorrido), para passar a ser condenado em um ano e três meses de prisão no crime de resistência e coacção, em três meses de prisão com um ano de inibição de condução (com excepção na condução como taxista) no crime de condução em estado de embriaguez, em seis meses de prisão no crime de desobediência qualificada, e finalmente em um ano e seis meses de prisão única, com suspensão da execução por dois anos (cfr. em detalhes, o teor da sua motivação apresentada a fls. 328 a 334 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público (a fls. 336 a 344 dos presentes autos), no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer (a fls. 353 a 354v), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cabe decidir do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 297 a 308v, cuja fundamentação fáctica, probatória e jurídica se dá por aqui integralmente reproduzida.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesse enquadramento, vê-se que o arguido imputou materialmente à decisão condenatória recorrida o vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP no respeitante ao crime de injúria agravada, e excesso da medida da pena.
Sempre se diz que haverá erro notório na apreciação da prova quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
O art.º 400.º, n.º 2, corpo, do CPP manda atender também aos “elementos constantes dos autos” para efeitos de verificação do vício de erro notório na apreciação da prova.
Portanto, todos os elementos probatórios examinados em sede própria pelo Ente Julgador ora recorrido também têm que ser examinados na presente sede recursória, para se poder aquilatar da ocorrência ou não desse vício de julgamento de factos.
No caso, o Tribunal a quo teceu a fundamentação probatória da sua decisão sobre a matéria de facto em toda a página 11 e em quase toda a página 12, do texto do acórdão recorrido, a fl. 302 a 302v.
Pois bem, depois de vistos todos os elementos probatórios constantes dos autos e então examinados e como tal referidos pelo Tribunal recorrido nessa fundamentação probatória do seu acórdão, entende o presente Tribunal de recurso que não é patentemente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito por esse Tribunal inclusivamente na parte respeitante ao crime de injúria agravada, pelo que é legalmente correcta a decisão condenatória do arguido também neste crime.
E agora da questão da medida da pena: ponderadas em conjunto todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância com pertinência à medida da pena aos padrões vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, 65.o, n.os 1 e 2, e 71.o, n.os 1 e 2, do CP dentro das molduras penais aplicáveis, tendo em conta também, no caso concreto do arguido, as inegáveis exigências da prevenção especial (por o arguido já não ser um delinquente primário) e geral, é de louvar mesmo, nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do CPP, toda a decisão já tomada pelo Tribunal recorrido na matéria da medida da pena, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada, sendo de frisar que o exercício da profissão de taxista não basta, à luz da jurisprudência repetida e constante deste TSI, para fazer activar o mecanismo da suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução, previsto no art.o 109.o, n.o 1, do LTR.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com três UC de taxa de justiça, e três mil e quinhentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Comunique a presente decisão (com cópia do acórdão recorrido) ao Corpo de Polícia de Segurança Pública e ao polícia ofendido.
Macau, 11 de Julho de 2019.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 652/2018 Pág. 9/9