--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 10/07/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 651/2019
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor material da prática de 1 crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, p. e p. pelo art. 14° e 13° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 3 anos; (cfr., fls. 232 a 238 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, vem o arguido recorrer para afirmar (apenas) que “excessiva” é a pena; (cfr., fls. 249 a 253).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 260 a 262).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Recorre A do acórdão exarado a fls. 232 e seguintes dos autos, que o condenou na pena de 3 anos de prisão, como autor material de um crime de usura para jogo com exigência de documentos, previsto e punível pelo artigo 14.°, da Lei n.° 8/96/M, com referência aos artigos 13.°, n.° 1, da mesma Lei e 219°, n.° 1, do Código Penal.
Na motivação do recurso insurge-se contra a medida da pena, que considera excessiva, dizendo que viola os artigos 40.° e 65.° do Código Penal, por não ter atendido a todas as circunstâncias que lhe eram favoráveis.
Em resposta à motivação, o Ministério Público na primeira instância pronuncia-se pela improcedência do recurso, rebatendo os argumentos avançados pelo recorrente.
Também nós temos por insubsistentes os fundamentos em que o recorrente se louva para defender o abaixamento da pena.
Importa notar, antes de mais, que o recorrente não identifica as alegadas circunstâncias favoráveis que não foram tomadas em linha de conta pelo tribunal.
Depois, haverá que ter presente, considerando a moldura abstracta de 2 a 8 anos, que a pena se situou no patamar inferior dessa moldura. Assim, e tendo em conta as finalidades de prevenção que presidem à determinação das penas, sendo certo que, no campo da usura com exigência de documentos, a finalidade de prevenção geral tem especial acuidade em Macau, não parece, à partida, que se esteja face a um excesso injustificado de pena.
Acresce que a confissão em audiência foi parcial – assumindo o recorrente uma postura diversa daquela que adoptara em Inquérito, perante o Ministério Público e perante a polícia, quando ainda era primário – o que, revelando algum refinamento da astúcia, em resultado da familiarização com o mundo da usura, impede que tal confissão possa ser encarada como índice de arrependimento.
Por fim, e como já se aflorou, apesar de ser primário ao tempo do cometimento dos factos, o recorrente veio entretanto a sofrer várias condenações por crimes de natureza idêntica.
Ponderadas que se mostram, pelo acórdão recorrido, todas as circunstâncias que podiam influir na determinação da pena, e dada a acentuada intensidade do dolo e as elevadas exigências de prevenção geral, tal como a decisão enfatizou, crê-se que a pena não atingiu uma medida excessiva.
De resto, e como temos dito variadas vezes, os parâmetros em que se move a determinação das penas, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins das penas e à culpa que as delimita, o que não é o caso.
Ante quanto se deixa dito, crê-se manifesta a improcedência do recurso, pelo que o nosso parecer vai no sentido de ser rejeitado ou de lhe ser negado provimento”; (cfr., fls. 325 a 326).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 233 a 235, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, p. e p. pelo art. 14° e 13° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 3 anos.
Pede (apenas) a redução da pena (principal) que lhe foi aplicada, não impugnando a decisão da matéria de facto e sua qualificação jurídico-criminal que, por não merecer qualquer censura, se tem aqui como definitivamente fixada.
Dito isto, e consignando-se desde já que se mostra de se acompanhar, na íntegra, as doutas considerações pelo Ministério Público tecidas em relação à pretensão apresentada, vejamos.
Ao crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento” pelo recorrente cometido cabe a pena de 2 a 8 anos de prisão; (cfr., art. 13° e 14° da Lei n.° 8/96/M).
Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.
Nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Por sua vez, imprescindível é atentar no art. 65° do mesmo C.P.M., (onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”), e em relação ao qual temos repetidamente considerado que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 21.02.2019, Proc. n.° 5/2019, de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019 e de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019).
Outrossim, há que ter presente que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).
Com efeito, acompanhando o Tribunal da Relação de Évora temos igualmente considerado:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018, de 28.03.2019, Proc. n.° 133/2019 e de 09.05.2019, Proc. n.° 403/2019).
No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
E, como se tem decidido:
“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).
“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16)
No caso, o arguido não é “primário”.
Com efeito, provado está que:
“Segundo o registo criminal do arguido, o arguido não é delinquente primário, tem os seguintes registo criminais:
1. No âmbito do processo n.º CR2-18-0156-PCC, o arguido foi condenado na pena de 2 anos e 9 meses de prisão por ter cometido um crime “usura e exigência de documentos”, com a suspensão da execução da pena de prisão por um período de 2 anos; bem como a pena acessória de proibição de entrada nos casinos da RAEM por um período de 2 anos. A sentença já tenha transitado em julgado em 18/7/2018. Os factos ocorreram em Dezembro de 2015. A pena do processo acima referido foi cumulada com a pena do processo n.º CR4-18-0149-PCC.
2. No âmbito do processo n.º CR1-18-0140-PCC, o arguido foi condenado na pena de 10 meses de prisão por ter cometido um crime de “usura para jogo”, bem como a pena acessória de proibição de entrada nos casinos da RAEM por um período de 3 anos; na pena de 3 anos e 6 meses de prisão por ter cometido um crime de “burla de valor consideravelmente elevado”; em cúmulo dos dois crimes, na pena efectiva de 4 anos de prisão e pena acessória de proibição de entrada nos casinos da RAEM por um período de 3 anos. O arguido interpôs o recurso ao TSI, o TSI julgou improcedente o recurso do arguido. A sentença já tenha transitado em julgado em 7/3/2019. Os factos ocorreram em Março de 2017.
3. No âmbito do processo n.º CR4-18-0149-PCC, o arguido foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão por ter cometido um crime de “exigência ou aceitação de documentos”, com a suspensão da execução da pena de prisão por um período de 2 anos, bem como a pena acessória de proibição de entrada nos casinos da RAEM por um período de 2 anos e 6 meses; após o concurso da pena condenada ao arguido no presente processo e da pena condenada no processo n.º CR2-18-0156-PCC, em cúmulo dos dois crimes, o arguido foi condenado na pena efectiva de 3 anos e 9 meses de prisão e na pena acessória de proibição de entrada nos casinos da RAEM por um período de 4 anos e 6 meses. A sentença já tenha transitado em julgado em 16/1/2019. Os factos ocorreram em Setembro de 2017.
4. No âmbito do processo n.º CR2-18-0418-PCC, o arguido foi condenado na pena efectiva de 1 ano de prisão por ter cometido um crime “usura para jogo”, bem como a pena acessória de proibição de entrada nos casinos da RAEM por um período de 2 anos (Não se inclui na contagem a duração da execução efectiva da pena de prisão). A sentença já tenha transitado em julgado em 12/3/2019. Os factos ocorreram em Outubro de 2017.
5. No âmbito do processo n.º CR3-18-0120-PCC, o arguido foi condenado em cometer um crime de “usura para jogo” e um crime de “sequestro”, o tribunal proferirá a sentença em 10/5/2019.
6. No âmbito do processo n.º CR4-18-0383-PCC, o arguido cometeu um crime de “usura para jogo”, um crime de “exigência ou aceitação de documentos” e um crime de “sequestro”, o tribunal realizará a audiência de julgamento em 15/5/2019”; (cfr., fls. 234 a 235 e 291 a 293).
E, perante esta “insistência em delinquir”, evidente se apresenta que muito fortes são as necessidades de prevenção criminal especial que impedem qualquer redução da pena aplicada, que se encontra tão só a 1 ano do seu mínimo legal (e a 5 do máximo), podendo apenas pecar por benevolência.
Nos termos do art. 48° do C.P.M.:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Sobre o assim estatuído teve já este T.S.I. oportunidade de consignar que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.04.2018, Proc. n.° 228/2018, de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018 e a Decisão Sumária de 24.04.2019, Proc. n.° 364/2019).
E perante o que se deixou consignado, ainda que a pena em questão não seja em “medida superior a 3 anos de prisão”, há que dizer que, ponderando na factualidade dada como provada, e atenta também a forte necessidade de prevenção criminal geral em face do tipo de crime em questão, cujos índices tem registado um significativo aumento, evidente se mostra também que inviável é uma decisão no sentido de se suspender a execução da pena que ao recorrente foi fixada.
Dest’arte, há que decidir como segue
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 10 de Julho de 2019
José Maria Dias Azedo
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