Processo n.º 302/2018 Data do acórdão: 2019-7-11
Assuntos:
– crime de reentrada ilegal
– crime permanente
– art.o 111.o, n.o 2, alínea a), do Código Penal
– revogação da pena suspensa
– art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal
S U M Á R I O
1. O crime de reentrada ilegal do art.o 21.o da Lei n.o 6/2004 deve ser qualificado como um crime permanente.
2. Se é certo que para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento penal por este crime, o prazo de prescrição só corre, nos termos do art.o 111.o, n.o 2, alínea a), do Código Penal, desde o dia em que cessar a consumação do próprio crime (ou seja, no caso dos autos, desde o dia 5 de Maio de 2017 em que o arguido foi interceptado policialmente numa via pública de Macau), não é menos certo que o arguido já entrou em Macau por natação sensivelmente em Agosto de 2016, altura essa em que ele já consumou a sua conduta de reentrada ilegal em Macau, sem que existisse ainda a decisão condenatória dele em pena única de prisão suspensa (por causa de outros dois crimes praticados em Novembro e Dezembro de 2015).
3. Por isso, não é aplicável ao caso a norma do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 302/2018
(Recurso em processo penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrido (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Veio o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal Judicial de Base recorrer do despacho judicial proferido a fl. 103 a 103v do Processo Comum Singular n.º CR4-16-0451-PCS do 4.o Juízo Criminal desse Tribunal Judicial de Base, não revogatório da suspensão da execução, por um ano e seis meses, da pena única de nove meses de prisão pela qual tinha sido condenado o arguido A por prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de falsas declarações sobre a identidade, p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, e de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.o 312.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), por decisão condenatória já transitada em julgado em 20 de Março de 2017 no âmbito do mesmo processo penal, imputando a esse despacho, na motivação apresentada a fls. 106 a 111v dos presentes autos correspondentes, a violação do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP, dado que, no seu entender, o crime de reentrada ilegal do arguido deve ser tido como praticado permanentemente até 5 de Maio de 2017, data essa que já se situou no período da vigência da suspensão da execução daquela pena única de nove meses de prisão, razões por que deveria ser revogada a recorrida decisão não revogatória da pena suspensa, com consequente determinação da revogação da pena suspensa em causa.
Ao recurso respondeu o arguido a fls. 114 a 116 dos presentes autos, no sentido de improcedência do mesmo.
Subido o recurso, emitiu, em sede de vista, a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 123 a 124 dos autos, opinando que estava em causa um crime permanente, pelo que deveria ser determinada a baixa do processo ao Tribunal recorrido, para este julgar da verificação ou não do pressuposto material para a revogação da pena suspensa previsto no art.o 54.o, n.o 1, do CP.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
O arguido ora recorrido A ficou condenado, por sentença de 28 de Fevereiro de 2017 (de fls. 69 a 73) do subjacente Processo Comum Singular n.º CR4-16-0451-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, já transitada em julgado em 20 de Março de 2017 (cfr. a nota do trânsito em julgado lançada a fl. 78), na pena única de nove meses de prisão, suspensa na execução por um ano e seis meses, por prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de falsas declarações sobre a identidade (cometido em 25 de Novembro de 2015), p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, e de um crime de desobediência (cometido desde 3 de Dezembro de 2015), p. e p. pelo art.o 312.o, n.o 1, alínea b), do CP.
Por sentença transitada em julgado em 9 de Outubro de 2017, no âmbito do Processo Comum Singular n.o CR2-17-0299-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o mesmo arguido ficou condenado como autor material de um crime consumado doloso de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.o 21.o da Lei n.o 6/2004, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, por ter sido aí dado por provado que o arguido entrou, por natação, em Macau sensivelmente em Agosto de 2016, e que em 5 de Maio de 2017 foi interceptado pela Polícia numa via pública em Macau (cfr. o teor certificado dessa sentença, a fls. 87 a 90 dos presentes autos recursórios).
Em face dessa nova condenação penal do arguido, e ao contrário do promovido pelo Ministério Público, acabou o M.mo Juiz titular do ora subjacente processo penal em primeira instância por decidir em não revogar a suspensão da execução da pena única de nove meses de prisão então imposta ao mesmo arguido, com fundamento em que tendo o crime de reentrada ilegal em causa sido cometido em Agosto de 2016, este mesmo crime não foi assim praticado durante o período da suspensão da execução da pena única de nove meses de prisão outrora imposta, não sendo, pois, aplicável o regime de revogação da pena suspensa do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP (cfr. o teor do ora recorrido despacho, a fl. 103 a 103v dos presentes autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
A questão fulcral a resolver prende-se com a natureza do crime de reentrada ilegal praticado pelo arguido recorrido.
Pois bem, no caso dos autos, o crime de reentrada ilegal do arguido deve ser efectivamente qualificado como um crime permanente.
Contudo, isto não basta para revogar o despacho ora recorrido, pois se é certo que para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento penal por este crime permanente praticado pelo arguido, o prazo de prescrição só corre, nos termos do art.o 111.o, n.o 2, alínea a), do CP, desde o dia em que cessar a consumação do próprio crime (ou seja, o dia 5 de Maio de 2017, data em que o arguido foi interceptado pela Polícia numa via pública de Macau), não é menos certo que o arguido já entrou em Macau por natação sensivelmente em Agosto de 2016, altura essa em que ele já consumou a sua conduta de reentrada ilegal em Macau, sem que existisse ainda a decisão condenatória na pena única de nove meses de prisão em causa.
Por isso, não é aplicável ao caso do arguido o art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP, por ser de entender que ele já praticou um mesmo crime de reentrada ilegal antes do início do período da suspensão da execução dessa pena única de prisão.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso do Ministério Público.
Sem custas.
Fixam em mil e setecentas patacas os honorários da Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido, a suportar pelo Gabinente do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão ao Processo n.o CR2-17-0299-PCS.
Macau, 11 de Julho de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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