Proc. nº 1019/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 11 de Julho de 2019
Descritores:
- Erro na forma de processo
- Acção para reconhecimento de direitos
- Acção sobre contratos administrativos
SUMÁRIO:
I - Nos termos do art. 100º, nºs 1 e 2, do CPAC a acção para reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos depende da verificação de requisitos negativos e mistos, incluindo-se entre os primeiros a inexistência de acto administrativo anulável, e entre os segundos a existência de acto administrativo nulo ou inexistente ou operação material (ou via de facto), dos quais não tenham sido interpostos recursos contenciosos.
II - Se o autor imputa ao contraente público a impossibilidade de executar o contrato de concessão na sua integralidade, por causa da construção por este de uma via pública na área do terreno concessionado, o que, em sua óptica representa alteração unilateral do objecto da concessão pela RAEM, e se na petição formula pedidos com base nessa causa de pedir, então o meio processual apropriado para fazer valer a pretensão é a acção sobre contratos administrativos prevista no art. 113º do CPAC.
Proc. nº 1019/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
B##, casado com C## no regime de separação de bens, residente em Macau, representado pela sua procuradora “Companhia de Fomento Predial D, Limitada”, sociedade por quotas, com sede na Avenida ......, n.º ...-... B, R/C, Macau, -----
Instaurou no Tribunal Administrativo (Proc. nº 311/18-RDILP) -----
Acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos contra: -----
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU.
O pedido formulado foi o seguinte:
“Pelo exposto, e nos demais termos de direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, deve ser julgada procedente a presente acção e, por conseguinte, reconhecer-se ao Autor:
(i) ser reconhecido ao Autor o direito à justa indemnização pela expropriação indirecta (ou por via de facto) da área bruta que o mesmo deixou de poder aproveitar devido ao traçado da XX街, no valor de $351.539,00 actualizado aquando da decisão final do processo, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor (IPC), com exclusão da habitação; ou no valor que for liquidado em execução de sentença;
(ii) ser reconhecido ao Autor o direito à restituição da parte do prémio e da renda indevidamente pagos a mais no valor total de MOP$1.030.049,00 (acrescido de juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento) por causa da redução unilateral da área da concessão ou, subsidiariam ente, por enriquecimento sem causa;
Subsidiariamente, a não proceder ou a não ser conhecido qualquer um dos pedidos formulados nas alíneas anteriores:
(iii) ser reconhecido ao Autor o direito à exoneração da contraprestação de conclusão do complexo residencial conforme as alíneas c) e d) do n.º 1 e o n.º 2 da cláusula terceira do contrato de concessão, por o cumprimento integral dessa obrigação nos termos do disposto nos artigos 752.º, n.º 1 e 753.º, n.º 2 do Código Civil se ter tornado impossível por causa imputável ao concedente (artigo 784.º, n.º 2 do Código Civil; ou, subsidiariamente,
(iv) ser, por força do disposto do 321.º do Código Civil ex vi do ponto 1 da cláusula segunda do contrato de concessão, reconhecido ao Autor o direito ao diferimento do termo inicial do prazo de caducidade da concessão até ao momento em que o direito de aproveitamento dela resultante, tal como foi (re)definido no título constitutivo alterado pelo Despacho n.º 101/SATOP/92, pudesse ter sido legalmente exercido em toda a extensão da área concessionada, designadamente em toda a extensão da parte da área da parcela B destinada à piscina e campo de ténis e instalações de apoio em conformidade com a alínea d) do n.º 1 da cláusula terceira do contrato de concessão, ou até ao momento da sua revisão.”
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Após audição do autor, o juiz titular do processo, por erro na forma de processo, mandou dar baixa dos autos, determinando a sua redistribuição como “Acção sobre contratos administrativos”.
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É contra esse despacho que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cuja alegação o autor formulou as seguintes conclusões:
“A. A norma do artigo 100.º do CPAC, tem como princípio rector a tutela judicial efectiva (art.º 2.º do CPAC).
B. A esse propósito LUÍS SOUSA FABRICA, in “A Acção para o Reconhecimento de Direitos e Interesses Legalmente Protegidos”, Estudo publicado no Boletim do Ministério da Justiça (BMJ). Nº 365/22, nota 5, pg. 63, resume de forma exemplar o âmbito daquela acção: “A ideia geral é a de que a acção para reconhecimento de direitos e interesses legítimos se aplica, enquanto meio complementar de tutela, às acções não cobertas ou deficientemente cobertas pelos meios contenciosos já existentes - e acima de tudo pelo recurso contencioso: situações em que não exista acto administrativo, situações em que existindo acto administrativo este não seja contenciosamente recorrível, situações em que existindo acto administrativo contenciosamente recorrível da aplicação do processo de recurso não resulte uma efectiva tutela dos direitos ou interesses do particular.”.
C. Importa, pois, determinar se, neste caso, existe, ou não, acto administrativo contenciosamente impugnável e, caso exista, se o recurso contencioso de anulação e a respectiva execução de julgado asseguram à recorrente a tutela judicial efectiva do seu direito.
D. A resposta é necessariamente negativa por a expropriação indirecta (ou por via de facto) da área bruta da concessão que o ora Recorrente deixou de poder aproveitar devido à construção da XX街 não ter resultado da prática de qualquer acto administrativo contenciosamente impugnável, tratando-se antes de uma actuação da Administração não legitimada por acto administrativo prévio (art.º 138/1 do CPA).
E. Posto isto, resta perguntar se, no caso concreto, existia outro meio processual especialmente previsto para a situação “sub judice” que o ora Recorrente devesse ter usado.
F. E a resposta também é negativa por a acção sobre contratos administrativos prevista no artigo 133.º do CP AC não ser o meio processual próprio para o ora Recorrente ver reconhecido o seu direito.
G. Isto por a presente acção não ter por finalidade a anulação ou declaração de nulidade ou inexistência jurídica de quaisquer actos administrativos relativos à formação e execução do contrato de concessão, nem dirimir qualquer litígio sobre a sua interpretação, validade ou execução, nem a efectivação de responsabilidade civil dele emergente.
H. É que, in casu, tanto o reconhecimento de direito ao pagamento de quantia em dinheiro a que se referem as alíneas (i) e (ii) do pedido principal, como o reconhecimento do direito à exoneração da contraprestação de conclusão do complexo residencial ou do direito ao diferimento do termo inicial do prazo de caducidade da concessão a que se referem as alíneas (iii) e (iv) do pedido subsidiário, não emergem da violação do clausulado do contrato de concessão, mas da operação material descrita, entre outros, nos artigos 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 82.º e 83.º da petição inicial, a qual configurou uma expropriação indirecta (ou por via de facto) por parte do então Território de Macau, actual RAEM, que, na prática, reduziu a área da concessão ao Autor de forma irreversível.
I. Não está, pois, em causa directamente uma forma de actuação administrativa (acto, contrato ou regulamento administrativo), nem um prejuízo causado por qualquer dessas formas, antes se pretende uma tutela judicial do direito lesado por um acto material da Administração, ou seja, pela construção da via pública denominada Rua de XX na parcela «C» e em parte da parcela «B» da planta cadastral n.º 29/1989 datada 22/03/95, localizada no meio do terreno concedido ao Autor, sem o consentimento do mesmo e sem qualquer tipo de contrapartida.
J. Por outro lado, os argumentos expendidos pelo Tribunal a quo a fls. 82 e não impunham a prolação da decisão ora recorrida.
K. Primeiro, porque o direito que o Autor pretende ver reconhecido com a presente acção não se funda na violação do contrato de contrato de concessão, mas na actuação da Administração traduzida na expropriação por utilidade pública na modalidade de expropriação indirecta (ou por via de facto) sem precedência de acto administrativo que a legitimasse;
L. Segundo, porque a relação material controvertida é a expropriação indirecta (ou por via de facto) da área bruta do terreno concessionado que o Autor deixou de poder aproveitar devido ao traçado daXX街;
M. Terceiro, porque tanto o direito à justa indemnização pela expropriação indirecta (ou por via de facto) da área bruta do terreno concessionado que o Autor deixou de poder aproveitar devido ao traçado daXX街, como o direito à restituição da parte do prémio e da renda indevidamente pagos, mais não são do que o desdobramento do direito à justa indemnização por expropriação por utilidade pública (art.º 18.º da Lei n.º 12/92/M) na modalidade de expropriação indirecta (ou por via de facto) que o ora Recorrente pretende ver reconhecido com a presente acção;
N. Quarto, porque inexiste acto administrativo que legitime tal expropriação indirecta (ou por via de facto) por parte da Administração (art.º 138/1 do CPA);
O. Quinto, porque «O reconhecimento de direitos ao pagamento de quantia em dinheiro, de direito a entrega de coisa ou de direito a uma prestação de facto, pode implicar a dedução cumulativa de um pedido de condenação, como se dispõe no artigo 102.º. [VIRIATO LIMA e ÁLVARO DANTAS in “Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado”, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, Macau, 2015, p. 304, anotação 3 ao artigo 100.º.]
P. Sexto, porque reconhecimento do direito à exoneração da contraprestação de conclusão do complexo residencial conforme as alíneas c) e d) do n.º 1 e o n.º 2 da cláusula terceira do contrato de concessão, ou o reconhecimento do direito ao diferimento do termo inicial do prazo de caducidade da concessão a que se referem as alíneas (iii) e (iv) do pedido subsidiário formulado na presente acção emergem da actuação da Administração traduzida na expropriação por utilidade pública de parte do terreno concessionado na modalidade de expropriação indirecta (ou por via de facto), pelo que também não cai no âmbito da acção sobre contratos administrativos.
Q. Isto porque, ainda que por qualquer razão improcedesse ou não se pudesse conhecer das alíneas (i) e (ii) do pedido principalo, o conhecimento de qualquer uma das alíneas (iii) e (iv) do pedido subsidiário só se poderia fazer no âmbito da presente acção de reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido, dado o reconhecimento de qualquer um dos direitos ali peticionados não se inscrever na finalidade de nenhuma outra das acções previstas no CPAC.
NESTES TERMOS e com o mais que V. Exas., muito doutamente, não deixarão de suprir, deverá o aliás douto despacho recorrido ser revogado, com as legais consequências.
Assim, mais uma vez, farão V. Exas. JUSTIÇA!”
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A RAEM respondeu ao recurso, concluindo a sua contra-alegação pela seguinte forma:
“1. O litígio no presente recurso refere-se à questão da forma ou meio processual adequado.
2. A forma processual é determinada pelo pedido apresentado pelo requerente, mas isto não significa que o autor pode escolher, por meio de designar a expressão dos pedidos processuais, a forma processual que o tribunal deve empregar.
3. De facto, o autor não tem liberdade completa na escolha das formas ou meios processuais, aos quais a lei atribui, na fixação de cada forma processual, as funções e naturezas únicas, e consequentemente, deixa estes susceptíveis de satisfazer pedidos determinados.
4. O critério determinante da forma processual adequada não é meramente os pedidos apresentados na petição inicial pelo autor, mas o fim da acção. Quando o fim da forma processual não corresponde ao fim da proposta da acção pelo autor, aparece erro na escolha da forma processual.
5. Quer a teoria quer a jurisprudência, considera a acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos como um meio subsidiário dos outros meios processuais. Por outras palavras, se a relação jurídica e o litígio envolvida na acção são derivados dum contrato administrativo e outros meios processuais conseguem oferecer garantia judicial mesma ou melhor, o autor não pode propor a acção para reconhecimento de direitos ou de interesses legalmente protegidos.
6. De acordo com a descrição do autor e os documentos prestados, a relação jurídica envolvida no presente caso e o litígio derivado são provenientes dum contrato da concessão (por arrendamento) de terreno estabelecido em 1987 pelo autor e pela ré. O acto, como alega o autor, que prejudicou o interesse do uso do terreno concedido, ou seja, o acto de “expropriação indirecta”, é nada mais do que acto de alteração do clausulado do contrato da concessão de terreno ou acto de expropriação por utilidade pública.
7. O litígio envolvido no presente caso não é nada mais do que as questões da atribuição da culpa da impossibilidade da conclusão do uso do terreno por parte do autor no prazo da existência do contrato da concessão de terreno estabelecido entre o autor e a ré, bem como da indemnização derivada e da restituição das quantia recebidas indevidamente, as quais são litígios existentes no cumprimento do contrato administrativo.
8. É claro que existe no presente caso um contrato administrativo, que a relação jurídica em causa e o litígio são derivados directamente do contrato administrativo, bem como que o emprego da acção sobre contratos administrativos não prejudica que o tribunal satisfaça o pedido do autor e confirme o direito em causa. Assim, o meio processual correspondente ao pedido do autor é a acção sobre contratos administrativos.
9. Por outro lado, se no presente caso ainda é empregada a acção para reconhecimento de direitos ou de interesses legalmente protegidos, nos termos do art.º 101.º do CPAC, a acção deve ser proposta contra o órgão que é competente para reconhecer os direitos ou os interesses legalmente protegidos, mas não contra a pessoa colectiva a que pertence este órgão. A RAEM, como pessoa colectiva, carece da legitimidade na presente acção.
Por isso, pede negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.
Em fim, pede justiça!”.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
1. Para obter a procedência dos pedidos transcritos no Relatório, o autor B intentou no T.A. acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos.
2. Aberta conclusão dos autos ao juiz titular, por este foi proferido o seguinte despacho (sic):
“Nos autos, o A. vem intentar a acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos contra a Região Administrativa Especial de Macau. Segundo o entendimento do A., o não aproveitamento integral do terreno objecto de concessão, com subsequente não conversão da concessão em definitiva, se deve à alteração unilateral do contrato pelo Governo através da utilização da parte do terreno concedido para construir uma via pública denominada “Rua de XX”. Com efeito, se pede a restituição do prémio e da renda já pago pela área correspondente no valor de MOP1.030.049,00, com a fixação de indemnização, pelo menos, na quantia de MOP351.539,00.
Em simultâneo, requer, a título subsidiário, o reconhecimento do seu direito de exoneração da contraprestação de conclusão do complexo residencial conforme aos clausulados do contrato de concessão por causa imputável ao concedente, ou do direito ao diferimento do termo inicial do prazo de caducidade da concessão até ao momento em que o direito de aproveitamento dela resultante, tal como foi (re)definido no título constitutivo alterado pelo Despacho n.º 101/SATOP/92, pudesse ter sido legalmente exercido em toda a extensão da área concessionada, designadamente, em toda a extensão da parte da área da parcela B destinada à piscina e campo de ténis e instalações de apoio em conformidade com o clausulado do contrato de concessão, ou até ao momento da sua revisão.
Aparentemente a relação jurídica posta em causa é da origem do respectivo contrato de concessão do terreno, com pedidos de condenação formulados correspondem ao alegado pagamento indevido por força dos clausulados do contrato de concessão.
Pelo que, sem prejuízo de corrigir o eventual erro na distribuição já efectuada, ao abrigo do art.º 12.º, n.º 1, do C.P.A.C., notifique o A. para pronunciar, no prazo de 10 dias, o que tiver por conveniente.
Notifique e D.N.”
3. Após pronúncia do autor sobre a matéria do despacho, o titular do processo lavrou então o seguinte despacho (sic):
“Não obstante o esclarecimento prestado pelo requerente quanto à adequação do presente meio processual ao pedido subsidiário deduzido, dúvida não deixa está em causa um litígio configurado como “expropriação indirecta” do terreno a ele concessionado. Efectivamente, os direitos alegadamente lesados que o requerente pretende reconhecer são, no fundo, os interesses do aproveitamento do terreno concessionado que entende ser prejudicados pela actuação da Administração.
Nestes termos e com os motivos já expostos no despacho anterior, decide-se rejeitar a presente acção por erro na escolha do meio processual, ao abrigo do art.º 12.º, n.º 1, do C.P.A.C. e decide-se dar baixa aos presentes autos, redistribuindo-os em Acção sobre Contratos Administrativos, nos termos art.º 97.º, alínea d) do C.P.A.C..
Custas pelo requerente.
Registe, notifique e D.N.”.
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III – O Direito
1. Será a acção para reconhecimento de direito o meio processual próprio para vingar a pretensão do autor?
O juiz do processo entende que não, que o meio adequado seria a acção sobre o contrato.
Ora, para se saber qual o instrumento processual adequado, haverá que atentar na pretensão (pedido) e nos fundamentos invocados (causa de pedir).
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2. Neste caso, na petição inicial da acção o autor invocava o seguinte:
- Ser titular de um direito de construir determinadas obras (14 moradias, unifamiliares de 3 pisos cada, um clube, uma piscina e instalações para ténis);
- Esse direito adveio-lhe pela concessão por arrendamento celebrada no dia 12/06/1987;
- Construiu as moradias, que ficaram concluídas em 1991;
- Devido a ampliação do terreno circundante à parcela A do terreno, em virtude de obras de aterro realizadas pela Administração, teve lugar uma revisão do contrato, sendo permitido ao autor que, em vez do clube, fossem construídas mais 7 moradias unifamiliares de 2 pisos cada;
- Após essa revisão, porém, a Administração construiu uma via pública na parcela C e em parte da parcela B do terreno, que passou irreversivelmente para o domínio público rodoviário;
- Essa construção reduziu-lhe a área de concessão em 27,7 por cento, o que configura uma expropriação indirecta;
- Tal construção impediu-o de realizar o aproveitamento do terreno conforme previsto no contrato, impossibilitando-o de construir a piscina e as instalações de ténis;
- O Chefe do Executivo, com fundamento em não aproveitamento de parte do terreno concessionado, declarou a caducidade da concessão da parte do terreno correspondente às parcelas demarcadas com as letras B, C, D1, D2 e E na planta cadastras nº 29/1989 e destinando a parcela B a integrar o domínio privado da RAEM e as parcelas C, D1, D2 e E a integrar o seu domínio público.
- Ao declarar a caducidade parcial da concessão provisória e desanexando as referidas parcelas do lote PO2 concessionado, o Chefe do Executivo cindiu a concessão e reduziu o seu objecto, alterando unilateralmente o contrato;
- Deste despacho foi interposto recurso contencioso para este TSI, que o julgou improcedente por acórdão de 12/07/2018 no Proc. nº 541/2016, que foi mantido pelo TUI, por acórdão de 6/03/2018, no Proc. nº 107/2018..
- O não aproveitamento integral deveu-se à redução da área concessionada em razão da “expropriação indirecta” ou “via de facto” para a construção da via pública, sem ter renegociado com o A os termos do contrato ou dele ter obtido consentimento e sem lhe ter concedida uma nova parcela de terreno susceptível de aproveitamento similar.
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3. Parece-nos que estão ali desenhados os principais factos que corporizam a causa de pedir: A Administração impediu-o definitivamente de levar a cabo o aproveitamento total do objecto da concessão, não por causa da declaração de caducidade feita pelo Chefe do Executivo (de cujo despacho foi interposto recurso contencioso, ainda pendente), mas por causa do comportamento da Administração em, sem renegociar o contrato de concessão, e através daquilo a que chama “expropriação indirecta” ou “via de facto”, lhe ter reduzido a área da concessão para construção de uma via pública.
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4. E o pedido do autor é o de obter sentença que lhe reconheça o direito a:
a) - Justa indemnização face à “expropriação indirecta” (ou “via de facto”) da área bruta, no valor de $351.539,00 (actualizável no termo do processo) ou em valor que for liquidado em execução de sentença;
b) - Restituição da parte do prémio e da renda indevidamente pagos a mais no valor de MOP$ 1.030.049,00;
Ou subsidiariamente, ---
c) Exoneração da contraprestação da sua parte, correspondente à conclusão do complexo residencial por impossibilidade por causa imputável ao concedente (art. 784º, nº2, do CC);
Ou subsidiariamente, ---
d) Deferimento do termo inicial do prazo de caducidade da concessão (por força do art. 321º do CC e ponto 1, da cláusula 2ª do contrato de concessão) até ao momento em que pudesse ter sido legalmente exercido em toda a extensão da área concessionada ou até ao momento da revisão.
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5. O despacho em crise mostra que o titular do processo é de opinião que a relação jurídica estabelecida entre as partes deriva do contrato de concessão do terreno, com pedidos de condenação assentes no pagamento indevido de rendas e prémios, bem como em indemnização.
E isto, em sua opinião, é matéria para a acção sobre contrato (art. 97º, al. d), do CPAC).
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6. Ora bem. É verdade que a acção para reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos depende da verificação de requisitos negativos e mistos, incluindo-se entre os primeiros a inexistência de acto administrativo anulável, e entre os segundos a existência de acto administrativo nulo ou inexistente ou operação material (ou via de facto), dos quais não tenham sido interpostos recursos contenciosos1.
Mas, se não é o despacho declarativo de caducidade que está a ser erigido como a causa e fundamento dos pedidos formulados na acção, mas sim a via de facto ou a operação material da Administração que levou à redução da área de terreno concessionada, à partida, e numa primeira análise, parece que nada obstaculizaria o meio processual escolhido pelo autor, porque os requisitos legais se adequariam à situação material descrita.
Porém, nem todas as situações são iguais. Quer dizer, a abstracção contida na previsão dos nºs 1 e 2 do art. 100º citado valerá para todas as situações em que, em cada caso concreto, se não justifique a sua cedência perante outro enquadramento. E este é, precisamente, um desses casos.
Com efeito, aquela via de facto, se se quiser, ou a designada pelo autor “expropriação indirecta”, isto é, a redução unilateral e autoritária por parte da Administração da área da concessão consensualizada em contrato bilateral, aparenta constituir uma afectação dos direitos e interesses do contraente autor.
Na verdade, aquela redução da área de construção privada, mesmo que à sombra de razões de interesse público (rodoviário, urbanístico, ou outro), não tem outro efeito senão impedir definitivamente o concessionário de corresponder ao sinalagma prestacional que lhe cumpria realizar no âmbito do contrato. Isto é, o contraente privado deixa de realizar o objecto da concessão na sua integralidade por acção-motivo do contraente público. Dito de outra maneira, esta atitude do contraente público parece reunir todos os condimentos para se ser levado a pensar que se está perante eventual causa recíproca de inexecução do contrato: o autor não teria executado o objecto do contrato em toda a sua dimensão em virtude de o contraente público não ter executado a sua parte no contrato, retirando-lhe uma parcela do terreno para construção de uma via rodoviária. Ora, isso projecta a situação para a previsão do nº1, do art. 113º do CPAC.
Sendo assim, a acção sobre o contrato é a mais adequada à discussão em torno de uma hipotética (in)execução do contrato por parte da RAEM, onde é possível formular pedidos próprios da “efectivação da responsabilidade civil contratual” (nº1, cit. art. 113º, do CPAC), como tudo indica serem os pedidos formulados pelo autor em (i), (ii) e (iii) e, eventualmente, também o (iv).
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Andou bem, portanto, o despacho impugnado.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 11 de Julho de 2019
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
1 José Cândido de Pinho, Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, II, pág. 8).
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