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Proc. nº 1119/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 04 de Julho de 2019
Descritores:
- Intervenção principal

SUMÁRIO

Se, de acordo com a causa de pedir e com a posição do contestante, não houver uma situação que mostre a existência de co-devedores que possam ser responsabilizados ao lado dos réus, ou que ilustre que estes tenham direito de regresso sobre outrem, não há lugar a intervenção principal.




Proc. nº 1119/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A (A), do sexo masculino, solteiro, maior, de nacionalidade chinesa, titular do Bilhete de Identidade de Residente da R.A.E.M. n.º 52*****(1), residente em Macau, na Travessa ......, n.ºs ...-..., ....... Garden, ...º andar ..., ----
Instaurou no TJB (Proc. nº CV1-17-0082-CAO) acção ordinária contra:
- B Property Investment Ltd. (B地產置業有限公司) (doravante designada simplesmente por “1ª Ré”), titular da licença de mediador imobiliário n.º MI-10*****-6, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e Bens Móveis sob n.º SO 3****, sedeada em Macau, na Taipa, na Rua ......, n.º ..., ...... Garden, bloco ..., R/c “...”. e ---
- C (C), do sexo masculino, maior, residente em Macau, na Taipa, na Rua ......, n.º ..., ...... Garden, bloco ..., R/c “...”, e ---
- D (D), do sexo masculino, maior, residente em Macau, na Taipa, na Rua ......, n.º ..., ...... Garden, bloco ..., R/c “...”----
Pedindo a anulação do “contrato de mediação imobiliária” - no qual ele constituía mediadora a 1ª ré, da qual o 2º réu era seu empregado e o 3º réu, alegadamente, seu sócio administrador, mediante o pagamento da comissão de 1% na aquisição da fracção “XXXX 6-A” na Taipa, com a consequente restituição solidária do valor de HKD $730.000,00, equivalente à comissão por si paga e que seria para ser entregue à agência imobiliária “F Estates, Ltd” da promotora “G-Urbanizações, Limitada”
Subsidiariamente, pediu:
i) O pagamento dos 1º a 3º Réus da referida quantia, por violação dos arts. 18º, 21º e 23º da Lei nº 16/2012;
ii) A nulidade do aludido contrato de mediação e restituição solidária pelos três RR da referida quantia, por violação do art. 19º, nº4, da Lei nº 16/2012;
iii) A declaração de nulidade do negócio e a condenação solidária dos três RR da quantia assinalada por violação do princípio da boa fé e por abuso de direito.
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Na contestação comum, os três RR pediram a intervenção principal provocada de “F Estates, Ltd” e “G - Urbanizações, Limitada”, como parte principal a título de condevedores, ou subsidiariamente, com fundamento no direito de regresso que eles tenham sobre esses mesmos requeridos.
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No despacho saneador, o juiz do processo indeferiu o pedido, tanto o de intervenção principal, como o de intervenção acessória daquelas requeridas.
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É contra esta decisão que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações as RR/recorrentes formularam as seguintes conclusões:
“1. Os Recorrentes e F Estates, Ltd. fomentaram comummente a transacção, a par disso, o montante de HKD600.000,00 da quantia total recebida pelos Recorrentes do Autor, no valor de HKD730.000,00, foi entregue a F Estates, Ltd., pelo que, conforme os motivos da verificação do engano invocados pelo Autor, é possível que F Estates, Ltd. e os Recorrentes se tornem condevedores.
2. Os direitos e deveres do acto praticado por F Estates, Ltd. como agente da parte outorgante, devem ser assumidos por G – Urbanizações, Limitada, portanto, é possível que F Estates, Ltd. e G – Urbanizações, Limitada tenham de proceder à restituição da quantia cobrada adicionalmente, no valor de HKD600.000,00.
3. Se F Estates, Ltd. enganar o Autor, G – Urbanizações, Limitada como comitente, deve assumir a responsabilidade solidária por ser comitente.
4. Os factos invocados pelos Recorrentes têm razões suficientes para provocar a intervenção de F Estates, Ltd. e de G – Urbanizações, Limitada.
5. A decisão de indeferimento do pedido de intervenção provocada de F Estates, Ltd. e de G – Urbanizações, Limitada, proferida no despacho recorrido, violou os artigos 271º e subsequentes do Código de Processo Civil.
Nestes termos, pelas razões acima expostas, requer-se ao Mm.º Juiz que revogue o despacho recorrido, autorizando a aludida intervenção provocada.”
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Não houve resposta ao recurso.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
Formulado o requerimento de intervenção principal, ou acessória, provocada por parte dos RR, o Juiz do processo proferiu o seguinte despacho:
“- Intervenção provocada de “F Estates, Ltd.” e de G – Urbanizações, Limitada
Na contestação, os três Réus apontaram que “F Estates, Ltd.”, como agência vendedora da “fracção 6A” da promotora “G – Urbanizações, Limitada”, tinha direito de discutir sobre a condição da venda do imóvel em representação de “G – Urbanizações, Limitada”, condição essa que consistia em acrescentar uma quantia de HKD600.000,00 sobre o preço do imóvel (HKD8.922.000,00) e, por seu turno, o Autor aceitou-a e comprou a “fracção 6A”; e, in loco, a promotora “G – Urbanizações, Limitada” responsabilizava-se pela gestão da venda de imóveis novos e pela ordem do local em causa, portanto, “G – Urbanizações, Limitada” sabia e consentia, ou, pelo menos concordava tacitamente com o aumento do preço feito pela mediadora imobiliária com representação, “F Estates, Ltd.”, por conseguinte, se o Autor tivesse direito à indemnização, deveria intentar acção contra, simultaneamente, “G – Urbanizações, Limitada” e “F Estates, Ltd.”. Nesta conformidade, nos termos do disposto no art.º 262º do Código de Processo Civil, os três Réus requereram a intervenção de “F Estates, Ltd.” e de “G – Urbanizações, Limitada” na causa, juntamente com os mesmos, como parte principal.
Face a esse requerimento de intervenção provocada, o Autor não deu nenhuma resposta.
O n.º 1 do art.º 267º do Código de Processo Civil prevê que qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
O art.º 271º do Código de Processo Civil prevê que o réu pode provocar a intervenção do terceiro na causa, juntamente com o mesmo, como interveniente principal. E o n.º 1 deste artigo dispõe: “O chamamento de condevedores ou do principal devedor, suscitado pelo réu que nisso mostre interesse atendível, é deduzido na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, no prazo em que esta deveria ser apresentada.”
Deste modo, constata-se que os Réus podem provocar a intervenção dos condevedores e do principal devedor na causa, juntamente com os mesmos, como interveniente principal.
In casu, o Autor fundamentou os seus pedidos em quatro causas, nomeadamente:
1) Por os três Réus terem praticado acto enganoso contra o Autor durante o processo de promoção da transacção da fracção em causa, o Autor pediu a anulação do acto de pagamento da diferença do preço, no valor de HKD730.000,00, à 1ª Ré, e da declaração de vontade da assinatura da declaração de dívida (confirmação de comissão), bem como pediu aos 1ª, 2º e 3º Réus que lhe restituíssem a quantia de HKD730.000,00;
2) Por três Réus terem recebido do Autor uma quantia de HKD730.000,00 como comissão que não foi estipulada no contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes, o Autor pediu a condenação dos três Réus no pagamento da quantia de HKD730.000,00 ao mesmo, a título de indemnização;
3) Por ser nulo o contrato de mediação imobiliária celebrado entre os três Réus e o Autor, devido à violação dos artigos 19º, n.º 4 e subsequentes da Lei n.º 16/2012 (Lei da actividade de mediação imobiliária), o Autor pediu a restituição da quantia de HKD730.000,00 ao mesmo;
4) Por três Réus terem violado o princípio da boa fé e constituído o abuso do direito, o Autor pediu a declaração de nulidade do negócio jurídico e a restituição da quantia de HKD730.000,00 pelos três Réus.
Pelas quatro causas acima expostas, as relações jurídicas litigiosas invocadas pelo Autor são associadas à relação jurídica de mediação imobiliária existente entre o Autor e os três Réus, o que releva é que os três Réus praticaram acto enganoso contra o Autor durante o processo de promoção da transacção da fracção em causa (os três Réus, empregando o artifício de criar o pretexto de ser necessário pagar a diferença do preço a agência mediadora imobiliária com representação para a aquisição da fracção em causa, obtiveram, fraudulentamente, o dinheiro do Autor) e receberam a comissão ilegal.
G – Urbanizações, Limitada (promotora do edifício em causa) e F Estates, Ltd. (mediadora imobiliária com representação para a venda da fracção em causa), cuja sua intervenção provocada é pretendida pelos três Réus, não são, evidentemente, sujeitos das relações jurídicas litigiosas invocadas pelo Autor, já que não existe nenhuma relação de contrato de mediação imobiliária entre o Autor e G – Urbanizações, Limitada e F Estates, Ltd. A par disso, segundo as alegações do Autor, as supracitadas duas sociedades nunca intervieram na promoção da transacção em causa, nem praticaram qualquer acto contra o Autor, de que resultasse a responsabilidade de indemnização. Mesmo conforme os factos alegados pelos Réus, F Estates, Ltd. apenas recebeu uma quantia adicional do Autor, na qualidade de mediadora particular constituída pela promotora, e não praticou nenhum acto ilegal contra o Autor.
Deste modo, este Juízo não verifica que, neste caso, “G – Urbanizações, Limitada”, “F Estates, Ltd.” e os três Réus sejam condevedores ou principal devedor.
Na verdade, só por “F Estates, Ltd.” ter tido direito de representar “G – Urbanizações, Limitada” a discutir sobre a condição da venda do imóvel (nomeadamente, acrescentar uma quantia de HKD600.000,00 sobre o preço do imóvel), e por “G – Urbanizações, Limitada” ter concordado com o aumento do preço feito por “F Estates, Ltd.”, os Réus pediram a intervenção provocada da supracitadas duas sociedades na causa, e não indicaram a razão de as ditas sociedades serem condevedores ou principal devedor da dívida invocada pelo Autor.
Nesta conformidade, se os Réus pretenderem provocar a intervenção do terceiro, juntamente com eles, como réu, tal terceiro terá de ser condevedor ou principal devedor da dívida invocada pelo Autor, contudo, in casu, não se averigua que “G – Urbanizações, Limitada” e “F Estates, Ltd.” sejam condevedores ou principal devedora da dívida invocada pelo Autor, pelo que, por requerimento da intervenção principal provocada apresentado pelos três Réus ser incompatível com o disposto no n.º 1 do art.º 271º do Código de Processo Civil, indefere-se o requerimento da intervenção provocada de “F Estates, Ltd.” e de “G – Urbanizações, Limitada” na causa, juntamente com os três Réus, como parte principal, apresentado pelos Réus.
Cumpre-se analisar o requerimento subsidiário apresentado pelos três Réus.
Apontaram os três Réus que, in casu, “F Estates, Ltd.” e “G – Urbanizações, Limitada” intervieram na fomentação da transacção e na celebração do contrato-promessa de compra e venda, bem como compartilharam a “quantia adicional, no valor de HKD600.000,00”, pelo que estas gozavam do direito de regresso contra os 1ª a 3º Réus, requerendo, nos termos do disposto no art.º 272º do Código de Processo Civil, a intervenção acessória provocada de “F Estates, Ltd.” e de “G – Urbanizações, Limitada” como auxiliar na defesa.
O n.º 1 do art.º 272º do Código de Processo Civil prevê que o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
Geralmente, a doutrina e as jurisprudências entendem que a acção de regresso mencionada no n.º1 do art.º 272º do Código de Processo Civil abrange a acção de indemnização por responsabilidade civil intentada contra terceiro pelo réu em consequência do prejuízo resultante da perda da demanda.
Como ensina o académico português, Salvador da Costa: O conceito de acção de regresso, pressuposto do chamamento para este tipo de intervenção acessória provada, é diverso do conceito de direito de regresso delineado nos artigos 497º/2, 521º/1 e 524º/1 do CC, derivando o prejuízo do réu da sua condenação por virtude da pretensão formulada pelo autor. A referida acção de regresso envolve o direito de restituição ou de indemnização do réu contra o terceiro chamado a intervir pelo montante em que venha a ser condenado a pagar ao autor na hipótese de procedência da acção principal, a qual é susceptível de emergir da lei, de negócio jurídico, de facto gerador de responsabilidade civil e de enriquecimento sem causa gerador da obrigação de restituir, visando permitir-lhe a obtenção da indemnização pelo prejuízo que eventualmente lhe advenha da perda da demanda1.
Assim sendo, é necessário ponderar se os três Réus podem ou não reclamar indemnização a “F Estates, Ltd.” e a “G – Urbanizações, Limitada” ou lhes pedir a restituição da quantia em causa, face ao prejuízo resultante da perda da demanda.
In casu, como mencionado anteriormente, o Autor pediu a restituição da quantia em apreço pelos três Réus com fundamento na obtenção fraudulenta da quantia paga pelo Autor e na recepção da quantia indevidamente cobrada.
Os três Réus apenas invocaram o facto de “G – Urbanizações, Limitada” e “F Estates, Ltd.” terem compartilhado o montante de HKD600.000,00 da quantia em causa (HKD730.000,00) como fundamento da intervenção acessória das aludidas sociedades na causa, mas não especificaram concretamente o fundamento de direito e a causa que demonstrassem que os três Réus gozavam do direito de regresso contra as duas sociedades.
Conforme os factos alegados pelos três Réus (o montante de HKD600.000,00 da quantia, cuja restituição foi solicitada pelo Autor, foi recebido por “F Estates, Ltd.” a título da quantia adicional necessária para a aquisição da fracção autónoma em causa), este Juízo não vê em que título se baseia o requerimento apresentado pelos três Réus que se reclame a quantia que o Autor pagou (através dos três Réus) a “F Estates, Ltd.”.
Primeiro, não se vê que o “acordo de cooperação entre mediadores imobiliários” celebrado entre os três Réus e “F Estates, Ltd.” possa servir de fundamento.
Segundo, não se vê que, neste incidente, “F Estates, Ltd.” tenha praticado qualquer acto ilegal contra os três Réus que os levem a reclamar a “F Estates, Ltd.” por prejuízo sofrido (incluindo a quantia emergente da perda da demanda).
Terceiro, conforme os factos alegados pelos Réus, “F Estates, Ltd.” recebeu a quantia de HKD600.000,00 em causa, porque esta era a agência particular de “G – Urbanizações, Limitada” e, baseando-se nisso, recebeu a despesa adicional do Autor que pretendia adquirir o imóvel em causa, além disso, celebrou o “acordo de cooperação entre mediadores imobiliários” com a 1ª Ré, a fim de receber a aludida quantia. Isto é, conforme mencionado pelos Réus, “F Estates, Ltd.” recebeu razoavelmente a quantia em causa. Por esta razão, não se vê que “F Estates, Ltd.” tenha enriquecido sem causa em virtude do prejuízo sofrido pelos três Réus.
Pelas razões acima expostas, este Juízo não apurou que os três Réus gozassem do direito de regresso contra “F Estates, Ltd.”, pelo que indefere o pedido de intervenção acessória provocada de “F Estates, Ltd.” formulado pelos três Réus.
Face a “G – Urbanizações, Limitada”, este Juízo também não vê o fundamento que permita que os três Réus reclamem a “G – Urbanizações, Limitada” a quantia a pagar, conforme a condenação, pelos mesmos neste caso, já que, por um lado, não existe nenhuma relação jurídica entre “G – Urbanizações, Limitada” como promotora do edifício em causa, e os três Réus; e, por outro lado, não se vê que “G – Urbanizações, Limitada” tenha praticado determinado acto que leve o Autor a intentar acção contra os três Réus. Ademais, também não se vê que “G – Urbanizações, Limitada” tenha enriquecido sem causa em virtude da quantia a pagar, conforme a condenação, pelos três Réus neste caso.
Assim sendo, indefere-se o pedido de intervenção acessória provocada de “G – Urbanizações, Limitada” formulado pelos três Réus, por não ter sido apurado o direito de regresso gozado pelos três Réus contra “G – Urbanizações, Limitada”.
Custas deste incidente pelos três Réus.
Notifique.”
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III – O Direito
1 - O caso
Precisando a situação descrita pelas partes, podemos sintetizá-la da seguinte forma:
Havia um empreendimento imobiliário designado “XXXX”, na ilha da Taipa, para venda das respectivas fracções.
A promoção da venda dessas fracções estava entregue à empresa “G – Urbanizações, Limitada”. No entanto, esta empresa delegou essa actividade a determinadas agências imobiliárias de mediação. A mediação respeitante à fracção 6-A da XXXX” estava delegada à agência “F Estates, Ltd”.
O autor deslocou-se até à agência “B Property Ltd” com vista à aquisição de uma fracção na “XXXX”, que acabou por ser a fracção “6-A”.
*
2 - De acordo com a causa de pedir, o A. celebrou com a 1ª Ré um “contrato de mediação imobiliária”, segundo o qual pagaria a esta 1% do preço da fracção que viesse a adquirir na “XXXX”.
A fracção encontrada pela 1ª ré foi o dito “6-A”, cujo preço era de HKD 9.294.000,00, segundo informação da promotora “G – Urbanizações, Limitada”.
No entanto, o A. alega que os 2º e 3º RR lhe comunicaram nessa altura que o preço total seria de HKD 10.024.000,00, e que a diferença (HKD 730.000,00) seria o valor da comissão a entregar à mediadora “F”, como representante de “G”, tendo aceitado assinar um documento “Nota de comissão”.
O A. dirigiu-se, posteriormente, à promotora para celebrar o contrato-promesa de compra e venda, tendo na ocasião conseguindo um desconto no preço, obtendo a fracção pelo preço de HKD 8.922.000,00, pagando logo o sinal no montante de HKD 1.000.000,00, por meio de livrança.
E em 5/12/2016, por meio de transferência bancária, pagou o referido valor da alegada comissão de HKD 730.000,00.
Soube depois, inclusive pelo Instituto de Habitação, que a 1ª ré cobrou aquele valor global ilegalmente, pois ele não era para ser entregue à mediadora representante da promotora, como comissão, mas para si própria, o que constituía fraude e abuso de direito, na medida em que ultrapassava a comissão directamente convencionada com os clientes, nomeadamente consigo, autor, que havia sido de 1%.
Sentindo-se dolosamente enganado, perante esta situação de fraude, divulgada pelo “facebook” e confirmada pelo IH, vem agora pedir a devolução da requerida quantia de HKD 730.000,00.
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3 - Os RR defenderam-se dizendo:
- Face à procura de interessados na aquisição das fracções do empreendimento “XXXX”, em número superior ao da oferta imobiliária, era preciso pagar às agências representantes da promotora (no caso à “F”) quantias adicionais ao preço pedido pela promotora, que nalguns casos chegavam a ser de um milhão de patacas. E o A. soube disso na ocasião, quando a “F” exigiu pagamento de HKD 600.000,00, a que haveria de acrescer a comissão a si (1ª ré) devida no valor de HKD 100.000,00 (os 30.000,00 restantes seriam o valor da renda que o A devia ao proprietário do empreendimento “YYYY”, onde o A. era arrendatário, e que a 1ª Ré pagou por ele.
- E, ciente disso, o Autor acedeu em pagar aquele adicional de 600.000,00, que a 1ª ré entregou à “F” através de cheque por si emitido.
- Mas parte daquele valor de HKD 600.00,00 era para a própria promotora “G”.
- Assim, a 1ª ré, da quantia entregue pelo A, no valor de HKD 730.000,00, apenas ficou com o valor da sua comissão, ou seja, HKD 100.000,00.
- Quanto aos 2º e 3º RR, eram apenas empregados da 1ª ré, pelo que não são minimamente responsáveis pelo pagamento a qualquer indemnização ao A.
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4 - Do Recurso
4.1 - O pedido de intervenção principal foi feito com fundamento na circunstância de também os requeridos “F” e “G” serem condevedores.
Contudo, de acordo com a tese do A., o pagamento daquela importância só é reclamado pelo A pelo facto de se dizer enganado, de ter sido fraudulosamente levado a desembolsá-la, por iniciativa da Ré (e restantes demandados). Ou seja, o A. acha que a culpa desse pagamento indevido se deve exclusivamente à atitude dolosa e abusiva da Ré, que teria querido apropriar-se de uma quantia que, nem a agência representante (“F), nem a promotora “G”) exigiam pela venda da fracção.
Portanto, se esta tese vingar de acordo com os factos que se vierem a provar, parece claro que a Ré não pode fazer intervir os requeridos, por nada terem que ver com a situação dolosa provocada exclusivamente pela 1ª ré e, enfim, por não poderem ser co-devedores.
Face ao exposto, a posição do despacho saneador impugnado, cujo teor acima transcrito aqui damos por reproduzido, é de aplaudir e confirmar, o que fazemos ao abrigo do art. 631º, nº5, do CPC.
*
4.2 - Quanto ao pedido subsidiário de intervenção dos mesmos requeridos, o fundamento invocado pelos RR na sua contestação foi o de que teriam direito de regresso sobre esses mesmos requeridos “F” e “G”.
Mas, também neste ponto, os recorrentes não têm razão, por não estar desenhado nos autos nenhum motivo legal que lhes confira o direito de regresso sobre os requeridos.
Na verdade, se a tese do A for procedente, então a ilicitude verificada não envolve minimamente os requeridos, pelo que não podem ser demandados, nem sequer a título de intervenção principal podem figurar nos autos como devedores.
E se for verdade que o pagamento daquela quantia de HKD 600.000,00 (100.000,00 seria o valor da comissão da 1ª ré, pelo que não integrará a apontada ilicitude, e 30.000,00 seria o valor pago por esta da renda devida pelo A. da casa que ocupava na YYYY) foi feito, porque o A bem sabia que esse era o preço adicional do negócio exigido pela mediadora “F” enquanto representante da promotora “G”, então, do mesmo modo, estes não serão responsabilizados, porque não pode ver-se aí qualquer ilicitude relevante, mas sim e apenas o “custo” acrescido de acordo com as regras do mercado, em face da imensa procura e da escassez da oferta. Ou seja, nesse caso, se verdadeiro, a aceitação desse pagamento adicional tem que ser enquadrado no âmbito do princípio da liberdade contratual, de que encontramos emanação nos artigos 392º e 399º do Código Civil, por exemplo. E, nessa hipótese, tais requeridos não poderiam, em princípio, ser responsabilizados.
Também por isso o transcrito despacho impugnado, que aqui mais uma vez damos por reproduzido, tem que ser confirmado nos seus termos, de acordo com o disposto no citado art. 395º, nº5, do C.C.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 04 de Julho de 2019
(Relator) José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong


1 Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 3ª Edição, pág. 130 e 128.
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