Processo n.º 305/2019
(Revisão de decisões do exterior de Macau)
Relator: Fong Man Chong
Data: 11/Julho/2019
ASSUNTOS:
- Requisitos necessários à revisão e confirmação de decisões do exterior de Macau.
- Revisão e confirmação da decisão complementar de árbitro de Hong Kong proferida no âmbito de contratos de subempreitada
SUMÁRIO:
I. Depende da verificação dos requisitos fixados pelo artigo 1200º do Código de Processo Civil (CPC) a revisão e confirmação de decisões proferidas por instâncias judiciais ou árbitros do exterior de Macau.
II. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a determinadas decisões proferidas por instâncias do exterior de Macau satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
III. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1 do artigo 1200º do CPC, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
IV. É de rever e confirmar, por não colidir directamente com o disposto nos artigos 20º e 1200º/1-c) e nº 2 do CPC, a decisão complementar proferida por um árbitro de HK no âmbito de contratos de subempreitada, tendo a decisão principal anteriormente proferida pelo mesmo árbitro no âmbito dos mesmos contratos sido confirmada e revista por acórdão deste TSI já transitado em julgado.
O Relator,
_________________
Fong Man Chong
Processo nº 305/2019
(Revisão de decisões do exterior de Macau)
Data : 11/Julho/2019
Requerente : A Limited (A有限公司)
Requerida : B Limitada (B有限公司)
*
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
A Limited (A有限公司), Requerente, com os sinais identificativos nos autos, veio, em 20/03/2019, intentar a presente processo de CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA POR ÁRBITROS DO EXTERIOR DE MACAU, com os seguintes fundamentos(fls.2 a 23):
I. IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES E IDENTIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM ESTIPULADA NOS CONTRATOS DE SUBEMPREITADA CELEBRADOS ENTRE ELAS:
1. A Requerente é uma sociedade constituída sob a lei da Região Administrativa Especial de Hong Kong, com representação permanente na XXXXXX, em Macau, tendo por objecto 消防、機電及水處理系統的設計供應安裝,維修,保養及操作等服務 (cf. certidão do registo comercial da Requerente, que ora se junta como Documento n.º 1 e se dá, para todos os efeitos, por reproduzida);
2. São representantes da Requerente na Região Administrativa Especial de Macau as seguintes pessoas singulares:
(i) a Senhora C, residente em Hong Kong, em 香港XXXXXX;
(ii) o Senhor D, residente em Hong Kong, em香港XXXXXX; e
(iii) o Senhor E, com domicílio em Macau, em 澳門XXXXXX.
(cf. Documento n.º 1 junto supra)
3. A Requerida é uma sociedade comercial constituída e registada na Região Administrativa Especial de Macau, tendo por objecto "sondagens geológicas, consolidação de terrenos e fundações; construção e reparação de edifícios; trabalhos de engenharia civil; trabalhos de instalações que concorrem para a construção de edifícios; construções e obras públicas n.e.; gestão e exploração de imóveis comerciais; serviços de gestão de instalações" (cf. certidão do registo comercial da Requerida, que ora se junta como Documento n.º 2 e se dá, para todos os efeitos, por reproduzida);
4. São administradores da Requerida as seguintes pessoas singulares:
(i) o Senhor F, com domicílio em Hong Kong, em XXXXXX, Happy Valley;
(ii) o Senhor G, com domicílio em Hong Kong, em XXXXXX, Kowloon;
(iii) o Senhor H, com domicílio em Hong Kong, em XXXXXX, New Territories;
(iv) o Senhor I, com domicílio em Macau, na XXXXXX, em Coloane; e
(v) o Senhor J, com domicílio em Hong Kong, XXXXXX, New Territories.
(cf. Documento n.º 2 junto supra)
5. Por contrato de subempreitada celebrado em 16 de Agosto de 2013, a Requerida contratou a Requerente para a realização dos trabalhos de fornecimento, instalação, ensaio, comissionamento e manutenção do sistema de aquecimento, ventilação e ar condicionado da Fase 2 do empreendimento K Resort & Casino na zona do Cotai, em Macau, de ora em diante, designado apenas como o "primeiro contrato de subempreitada" (cf. documentos n.º 3 e 4, que ora se juntam e cujo teor se dá, para todos os efeitos, por reproduzido).
6. Na cláusula 22 das condições gerais do primeiro contrato de subempreitada (sob a epígrafe "Arbitragem"), as partes convencionaram submeter a arbitragem a resolução dos litígios que pudessem surgir entre si durante ou após a execução dos trabalhos objecto do referido contrato, nos termos e condições que ora se citam para facilidade de referência de V. Exas.:
"22 Arbitragem
Na eventualidade de qualquer disputa ou divergência entre o Empreiteiro Principal e o Subempreiteiro, que se verifiquem durante a execução, ou após a conclusão ou abandono dos Trabalhos Subcontratados, ou depois da determinação dos serviços do Subempreiteiro no quadro deste Subcontrato (seja por infracção ou por qualquer outro motivo), em relação a qualquer assunto ou coisa, seja de que natureza for, decorrentes deste Subcontrato ou com o mesmo relacionados, qualquer das partes deve notificar a outra por escrito de tal disputa ou divergência e tal disputa ou divergência serão, e são por este meio, submetidos à arbitragem da pessoa que as Partes possam, para tal, concordar em nomear como Árbitro ou, na ausência de acordo sobre esta matéria, da pessoa que possa ser nomeada a pedido de qualquer das partes pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente, à altura, do Hong Kong Institute of Architects, conjuntamente com o Presidente ou o Vice-Presidente Sénior do Hong Kong Institute of Surveyors e de acordo com e sujeitos às disposições da Portaria de Arbitragem ou qualquer alteração legais da mesma em vigor na altura e vinculativas para as partes.
Na condição de que tal Árbitro não inicie a arbitragem antes da conclusão ou abandono dos Trabalhos do Contrato Principal sem o consentimento por escrito do Arquitecto ou do Empreiteiro Principal e, em todos os casos, do Subempreiteiro, excepto para arbitrar sobre a questão de um certificado ter sido, ou não, indevidamente retido ou não estar conforme aos termos do Contrato Principal.
E na condição de que, em tal arbitragem, tal como disposto nesta cláusula, qualquer decisão do Arquitecto que seja definitiva e vinculativa para o Empreiteiro Principal, ao abrigo do Contrato Principal, também deve ser definitiva e vinculativa, e como tal considerada, no que se refere ao Empreiteiro Principal e ao Subempreiteiro, e entre o Empreiteiro Principal e o Subempreiteiro."
(Fim de citação - cf. Tradução certificada da cláusula compromissória constante do primeiro contrato de subempreitada que se junta como documento n.º 4 e cujo teor se dá, para todos os efeitos, por reproduzido).
7. A cláusula imediatamente antes citada foi modificada pelas partes nas condições especiais do primeiro contrato de subempreitada (sob a epígrafe "Alterações às Condições Gerais do Contrato de Subempreitada", constante da página SCC/105), nos termos que ora se citam para facilidade de referência de V. Exas.:
“CES 22 - Arbitragem
É expressamente acordado que as expressões "e de acordo com e sujeitos a ……" na quarta última linha do primeiro parágrafo ao final desse parágrafo devem ser apagadas.
É expressamente acordado que o parágrafo seguinte deve ser inserido como o segundo parágrafo, com o segundo parágrafo original a tornar-se no terceiro parágrafo e o terceiro parágrafo original a tornar-se no quarto parágrafo:
Tais disputas ou divergências serão exclusivamente resolvidas através de arbitragem em Hong Kong. As disposições da Portaria de Arbitragem de Hong Kong (Capítulo 609) e as disposições da Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional da UNCITRAL, que se reconhece expressamente terem força de lei em Hong Kong, aplicar-se-ão a qualquer processo arbitral no âmbito deste Contrato, com quaisquer eventuais alterações da lei ou acrescentos à lei em vigor na altura. O processo arbitral terá lugar em Hong Kong. A arbitragem será levada a cabo em Inglês e a decisão do Árbitro em questão será definitiva e vinculativa para as Partes."
(Fim de citação - cf. Tradução certificada do primeiro contrato de subempreitada junto como documento n.º 4, supra)
8. Em consequência desta modificação, a convenção arbitral passou a ter a seguinte redacção consolidada:
22 Arbitragem
Na eventualidade de qualquer disputa ou divergência entre o Empreiteiro Principal e o Subempreiteiro, que se verifiquem durante a execução, ou após a conclusão ou abandono dos Trabalhos Subcontratados, ou depois da determinação dos serviços do Subempreiteiro no quadro deste Subcontrato (seja por infracção ou por qualquer outro motivo), em relação a qualquer assunto ou coisa, seja de que natureza for, decorrentes deste Subcontrato ou com o mesmo relacionados, qualquer das partes deve notificar a outra por escrito de tal disputa ou divergência e tal disputa ou divergência serão, e são por este meio, submetidos à arbitragem da pessoa que as Partes possam, para tal, concordar em nomear como Árbitro ou, na ausência de acordo sobre esta matéria, da pessoa que possa ser nomeada a pedido de qualquer das partes pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente, à altura, do Hong Kong Institute of Architects, conjuntamente com o Presidente ou o Vice-Presidente Sénior do Hong Kong Institute of Surveyors.
Tais disputas ou divergências serão exclusivamente resolvidas através de arbitragem em Hong Kong. As disposições da Portaria de Arbitragem de Hong Kong (Capítulo 609) e as disposições da Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional da UNCITRAL, que se reconhece expressamente terem força de lei em Hong Kong, aplicar-se-ão a qualquer processo arbitral no âmbito deste Contrato, com quaisquer eventuais alterações da lei ou acrescentos à lei em vigor na altura. O processo arbitral terá lugar em Hong Kong. A arbitragem será levada a cabo em Inglês e a decisão do Árbitro em questão será definitiva e vinculativa para as Partes.
Na condição de que tal Árbitro não inicie a arbitragem antes da conclusão ou abandono dos Trabalhos do Contrato Principal sem o consentimento por escrito do Arquitecto ou do Empreiteiro Principal e, em todos os casos, do Subempreiteiro, excepto para arbitrar sobre a questão de um certificado ter sido, ou não, indevidamente retido ou não estar conforme aos termos do Contrato Principal.
E na condição de que, em tal arbitragem, tal como disposto nesta cláusula, qualquer decisão do Arquitecto que seja definitiva e vinculativa para o Empreiteiro Principal, ao abrigo do Contrato Principal, também deve ser definitiva e vinculativa, e como tal considerada, no que se refere ao Empreiteiro Principal e ao Subempreiteiro, e entre o Empreiteiro Principal e o Subempreiteiro.
9. Por contrato de subempreitada celebrado em 2 de Dezembro de 2013, a Requerida contratou a Requerente para a realização dos trabalhos de fornecimento, instalação, teste e comissionamento e manutenção do sistema eléctrico (pódio) da Fase 2 do empreendimento K Resort & Casino na zona do Cotai, em Macau, de ora em diante, designado apenas como o "segundo contrato de subempreitada" (cf. documentos n.º 5 e 6, que ora se juntam e cujo teor se dá, para todos os efeitos, por reproduzido).
10. Na cláusula 22 das condições gerais do segundo contrato de subempreitada (sob a epígrafe "Arbitragem"), as partes convencionaram submeter a arbitragem a resolução dos litígios que pudessem surgir entre si durante ou após a execução dos trabalhos objecto do referido contrato, nos termos e condições que ora se citam para facilidade de referência de V. Exas.:
"22 Arbitragem
Na eventualidade de qualquer disputa ou divergência entre o Empreiteiro Principal e o Subempreiteiro, que se verifiquem durante a execução, ou após a conclusão ou abandono dos Trabalhos Subcontratados, ou depois da determinação dos serviços do Subempreiteiro no quadro deste Subcontrato (seja por infracção ou por qualquer outro motivo), em relação a qualquer assunto ou coisa, seja de que natureza for, decorrentes deste Subcontrato ou com o mesmo relacionados, qualquer das partes deve notificar a outra por escrito de tal disputa ou divergência e tal disputa ou divergência serão, e são por este meio, submetidos à arbitragem da pessoa que as Partes possam, para tal, concordar em nomear como Árbitro ou, na ausência de acordo sobre esta matéria, da pessoa que possa ser nomeada a pedido de qualquer das partes pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente, à altura, do Hong Kong Institute of Architects, conjuntamente com o Presidente ou o Vice-Presidente Sénior do Hong Kong Institute of Surveyors e de acordo com e sujeitos às disposições da Portaria de Arbitragem ou qualquer alteração legais da mesma em vigor na altura e vinculativas para as partes.
Na condição de que tal Árbitro não inicie a arbitragem antes da conclusão ou abandono dos Trabalhos do Contrato Principal sem o consentimento por escrito do Arquitecto ou do Empreiteiro Principal e, em todos os casos, do Subempreiteiro, excepto para arbitrar sobre a questão de um certificado ter sido, ou não, indevidamente retido ou não estar conforme aos termos do Contrato Principal.
E na condição de que, em tal arbitragem, tal como disposto nesta cláusula, qualquer decisão do Arquitecto que seja definitiva e vinculativa para o Empreiteiro Principal, ao abrigo do Contrato Principal, também deve ser definitiva e vinculativa, e como tal considerada, no que se refere ao Empreiteiro Principal e ao Subempreiteiro, e entre o Empreiteiro Principal e o Subempreiteiro.”
(Fim de citação - cf. Tradução certificada da cláusula compromissória constante do segundo contrato de subempreitada que se junta como documento n.º 6 e cujo teor se dá, para todos os efeitos, por reproduzido).
11. A cláusula imediatamente antes citada foi modificada pelas partes nas condições especiais do segundo contrato de subempreitada (sob a epígrafe "Alterações às Condições Gerais do Contrato de Subempreitada", constante da página SCC/105), nos termos que ora se citam para facilidade de referência de V. Exas.:
"CES 22 -Arbitragem
É expressamente acordado que as expressões "e de acordo com e sujeitos a ……" na quarta última linha do primeiro parágrafo ao final desse parágrafo devem ser apagadas.
É expressamente acordado que o parágrafo seguinte deve ser inserido como o segundo parágrafo, com o segundo parágrafo original a tornar-se no terceiro parágrafo e o terceiro parágrafo original a tornar-se no quarto parágrafo:
Tais disputas ou divergências serão exclusivamente resolvidas através de arbitragem em Hong Kong. As disposições da Portaria de Arbitragem de Hong Kong (Capítulo 609) e as disposições da Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional da UNCITRAL, que se reconhece expressamente terem força de lei em Hong Kong, aplicar-se-ão a qualquer processo arbitral no âmbito deste Contrato, com quaisquer eventuais alterações da lei ou acrescentos à lei em vigor na altura. O processo arbitral terá lugar em Hong Kong. A arbitragem será levada a cabo em Inglês e a decisão do Árbitro em questão será definitiva e vinculativa para as Partes."
(Fim de citação - cf. Documento n.º 6, junto supra)
12. Em consequência desta modificação, a convenção arbitral passou a ter a seguinte redacção consolidada:
22 Arbitragem
Na eventualidade de qualquer disputa ou divergência entre o Empreiteiro Principal e o Subempreiteiro, que se verifiquem durante a execução, ou após a conclusão ou abandono dos Trabalhos Subcontratados, ou depois da término dos serviços do Subempreiteiro no quadro deste Subcontrato (seja por infracção ou por qualquer outro motivo), em relação a qualquer assunto ou coisa, seja de que natureza for, decorrentes deste Subcontrato ou com o mesmo relacionados, qualquer das partes deve notificar a outra por escrito de tal disputa ou divergência e tal disputa ou divergência serão, e são por este meio, submetidos à arbitragem da pessoa que as Partes possam, para tal, concordar em nomear como Árbitro ou, na ausência de acordo sobre esta matéria, da pessoa que possa ser nomeada a pedido de qualquer das partes pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente, à altura, do Hong Kong Institute of Architects, conjuntamente com o Presidente ou o Vice-Presidente Sénior do Hong Kong Institute of Surveyors.
Tais disputas ou divergências serão exclusivamente resolvidas através de arbitragem em Hong Kong. As disposições da Portaria de Arbitragem de Hong Kong (Capítulo 609) e as disposições da Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional da UNCITRAL, que se reconhece expressamente terem força de lei em Hong Kong, aplicar-se-ão a qualquer processo arbitral no âmbito deste Contrato, com quaisquer eventuais alterações da lei ou acrescentos à lei em vigor na altura. O processo arbitral terá lugar em Hong Kong. A arbitragem será levada a cabo em Inglês e a decisão do Árbitro em questão será definitiva e vinculativa para as Partes.
Na condição de que tal Árbitro não inicie a arbitragem antes da conclusão ou abandono dos Trabalhos do Contrato Principal sem o consentimento por escrito do Arquitecto ou do Empreiteiro Principal e, em todos os casos, do Subempreiteiro, excepto para arbitrar sobre a questão de um certificado ter sido, ou não, indevidamente retido ou não estar conforme aos termos do Contrato Principal.
E na condição de que, em tal arbitragem, tal como disposto nesta cláusula, qualquer decisão do Arquitecto que seja definitiva e vinculativa para o Empreiteiro Principal, ao abrigo do Contrato Principal, também deve ser definitiva e vinculativa, e como tal considerada, no que se refere ao Empreiteiro Principal e ao Subempreiteiro, e entre o Empreiteiro Principal e o Subempreiteiro.
II. IDENTIFICAÇÃO DO PROCESSO DE ARBITRAGEM E DOS FUNDAMENTOS POR QUE SE REQUER A CONFIRMAÇÃO NA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU DA DECISÃO ARBITRAL AÍ PROFERIDA:
13. A ora Requerente e a ora Requerida assumiram, respectivamente, a posição de demandante e de demandada no âmbito do processo de arbitragem com a numeração Ref: H46052/ARB/RC-RC, que correu os respectivos termos na Região Administrativa Especial de Hong Kong ao abrigo da respectiva Lei de Arbitragem ("Arbitration Ordinance Cap. 609") e que teve por objecto um litígio existente entre si relativo ao cumprimento das obrigações resultantes do primeiro contrato de subempreitada e do segundo contrato de subempreitada (de ora em diante, apenas designado o "processo de arbitragem").
14. O referido processo de arbitragem foi conduzido por um árbitro único, o Senhor R, designado em 7 de Março de 2017.
15. Em 16 de Outubro de 2018, o árbitro único proferiu decisão arbitral nos termos da qual decidiu condenar a Requerida no pagamento à Requerente do valor total de MOP 48.781.958,34 (quarenta e oito milhões, setecentas e oitenta e uma mil, novecentas e cinquenta e oito Patacas e trinta e quatro avos), repartidos do seguinte modo:
(1) A quantia de MOP 36.825.111,88, ao abrigo do primeiro contrato de subempreitada;
(2) A quantia de MOP 11.956.846,46, ao abrigo do segundo contrato de subempreitada;
16. Tal decisão, não admitindo recurso ordinário e tendo-se tomado imediatamente obrigatória para as partes, não foi cumprida pela Requerida, pelo que a Requerente iniciou o respectivo processo de reconhecimento de sentença arbitral junto desse Venerando Tribunal, o qual se encontra a correr termos sob o número 1072/2018 (cfr. documento n° 7, que ora se junta e cujo teor se dá, para todos os efeitos, reproduzido).
17. Tal sentença arbitral, contudo, não incluiu a decisão do Tribunal arbitral sobre juros e custos, tendo relegado para momento posterior, no âmbito do mesmo processo, a decisão arbitral quanto a tais matérias.
18. Assim, por decisão arbitral datada de 04 de Março de 2019, proferida no mesmo processo arbitral com a referência H46052/ARB/RC-RC, o tribunal arbitral decidiu, em suma, que:
1) A Requerida deverá pagar à Requerente juros sobre a quantia de MOP 48.781.958,34, antes arbitrada, os quais deverão ser contados do seguinte modo:
a) Juros simples à taxa de juro primária do banco HSBC acrescida de 1%, contados desde a data da realização de cada uma das deduções impropriamente realizadas pela Requerida ao abrigo dos subcontratos de empreitada até ao dia 22 de Janeiro de 2019, inclusive, (com excepção de uma das referidas deduções: a dedução realizada ao abrigo da "contra-charge" CC-044 ao abrigo do Subcontrato AVAC);
b) De 22 de Janeiro em diante, até integral pagamento, juros calculados à taxa de juro sobre julgados fixada pelo Tribunal Superior ("High Court") da Região Administrativa Especial de Hong Kong;
2) A Requerida deverá pagar todos os custos da arbitragem, cujo montante deverá ser objecto de acordo entre as partes ou, na falta desse acordo, de nova decisão a proferir pelo Tribunal arbitral; e, ainda;
3) A Requerida deverá pagar juros simples à taxa primária do banco HSBC acrescida de 4% sobre o valor dos custos que vierem a ser acordados ou fixados, desde a data da decisão (04 de Março de 2019) e até integral pagamento.
19. Cita-se, para mera facilidade de referência por V. Exas., o trecho decisório em causa:
18."Tendo considerado todos os elementos, fundamentos legais e provas submetidos perante mim, PELO PRESENTE DETERMINO E DECIDO, com os Fundamentos apresentados no Anexo 1 composto por 33 páginas (p. 9 - 41) junto ao presente e intitulado "Fundamentos conducentes à Decisão Final, Com Exclusão da Avaliação de Custos", que:-
(1) O Demandado terá de pagar ao Demandante todos os seus custos do processo arbitral (quer os custos da arbitragem quer os custos da decisão) com base num fundo comum, a avaliar pelo Árbitro em caso de desacordo.
(2) O Demandado terá de pagar ao Demandante juros simples sobre o montante de MOP 48.781.958,34 (correspondendo ao valor total dos montantes decididos ao abrigo do Subcontrato AVAC e do Subcontrato ESS, tal como estabelecido na referida Decisão), da seguinte forma:-
O Demandado terá de pagar juros ao Demandante sobre o valor de cada contra-reembolso em disputa (excepto o CC-044 sob o Subcontrato AVAC) à taxa primária de empréstimo do HSBC acrescida de 1% p.a. a contar da data de dedução do referido contra-reembolso em disputa pelo Demandado até, inclusive, 22 de Janeiro de 2018, e daí em diante e até pagamento, à taxa sobre julgados fixada pelo Tribunal Superior.
(3) O Demandado terá de pagar ao Demandante juros simples sobre os custos à taxa primária de empréstimo do HSBC acrescida de 4% p.a a partir da data da presente Decisão até ao seu pagamento.
(Fim de citação ‒ cfr. documentos n° 8 e 9, que ora se juntam e cujo teor se dá, para todos os efeitos, por reproduzido).
20. O Demandante referido na decisão arbitral imediatamente antes transcrita é a ora Requerente, sendo o Demandando a aqui Requerida,
21. Sendo, de igual modo, a mesma insusceptível de recurso ordinário e imediatamente obrigatória para as partes.
22. Pelo que a Requerente voltou a interpelar a Requerida para o pagamento dos valores em que esta foi condenada pela decisão arbitral de 16 de Outubro de 2018 acrescidos dos respectivos juros, tal como determinados pela decisão arbitral de 04 de Março de 2019, cujo reconhecimento é objecto dos presentes autos (cfr. documento n° 10, que ora se junta e cujo teor se dá, para todos os efeitos, por reproduzido).
23. Porém, até à presente data, a Requerida não procedeu ao pagamento de qualquer das quantias em que foi condenada no referido processo arbitral, seja a título de capital, seja a título de juros,
24. Pelo que a ora Requerente não tem outra solução que não seja promover a respectiva execução judicial na Região Administrativa Especial de Macau, por ser aqui o local onde se encontrará localizado o respectivo património, por se localizar aqui a respectiva sede e principal centro de negócios.
25. Para tal, a Requerente tem que, primeiro, proceder ao reconhecimento das decisões arbitrais proferidas a seu favor na Região Administrativa Especial de Hong Kong,
26. Tendo já requerido o reconhecimento da sentença proferida em 16 de Outubro de 2018, cujo pedido corre termos sob os autos de numeração 1072/2018,
27. E cabendo-lhe, agora, proceder ao reconhecimento da decisão judicial proferida em 04 de Março de 2019, respeitante juros e custos.
28. Sendo por isso inquestionável a respectiva legitimidade e interesse nos presentes autos.
III. DA VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DO PEDIDO DE CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL E DA COMPETÊNCIA DO VENERANDO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DE MACAU PARA A SUA ADMISSÃO:
29. O n.º 1 do artigo 1199.° do Código de Processo Civil dispõe do modo que ora se transcreve para facilidade de referência de V. Exas.:
"Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas."
(Fim de citação)
30. Por sua vez, rege o n.º 1 do artigo 2.° do Acordo sobre a Confirmação e a Execução Recíprocas de Decisões Arbitrais entre a Região Administrativa Especial de Macau e a Região Administrativa Especial de Hong Kong, publicado com o Aviso do Chefe do Executivo n.º 2/2013, que "na fala de cumprimento, por uma das partes, das decisões arbitrais proferidas na RAEM ou na RAEHK, a outra parte pode requerer a sua confirmação e execução junto do tribunal competente do lugar do domicílio ou da situação dos bens do requerido".
31. O n.º 2 do mesmo preceito acrescenta que "na RAEM, a competência para admitir o pedido de confirmação das decisões arbitrais é do Tribunal de Segunda Instância (...)",
32. - estipulação que vai de encontro à que consta do parágrafo 13) do artigo 36.° da Lei n.º 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária.
33. Considerando que a ora Requerida não cumpriu decisão arbitral proferida por árbitro da Região Administrativa Especial de Hong Kong
34. E que a Requerida tem a sua sede na Região Administrativa Especial de Macau,
35. Está demonstrado o interesse e fundamento para a dedução pela ora Requerente do presente pedido de confirmação da decisão arbitral,
36. Bem como a competência do Tribunal de Segunda Instância de Macau para o admitir.
*
Foi oportunamente citada a Requerida, que não deduziu qualquer oposição (fls.355).
*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto deste TSI emitiu o parecer constante de fls. 357 - cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais -, opinando pela confirmação da decisão revidenda.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III - FACTOS
Em face dos documentos juntos aos autos, considera-se assente a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão da causa:
1. A Requerente é uma sociedade constituída sob a lei da Região Administrativa Especial de Hong Kong, com representação permanente na Avenida Infante D. Henrique, nºs 60-62, Centro Comercial Central, 18.° Andar, em Macau, tendo por objecto 消防、機電及水處理系統的設計供應安裝,維修,保養及操作等服務 (cf. certidão do registo comercial da Requerente, que ora se junta como Documento n.º 1 e se dá, para todos os efeitos, por reproduzida);
2. São representantes da Requerente na Região Administrativa Especial de Macau as seguintes pessoas singulares:
(i) a Senhora C, residente em Hong Kong, em 香港新界XXXXXX;
(ii) o Senhor D, residente em Hong Kong, em香港新界XXXXXX; e
(iii) o Senhor E, com domicílio em Macau, em 澳門XXXXXX.
(cf. Documento n.º 1 junto supra)
3. A Requerida é uma sociedade comercial constituída e registada na Região Administrativa Especial de Macau, tendo por objecto "sondagens geológicas, consolidação de terrenos e fundações; construção e reparação de edifícios; trabalhos de engenharia civil; trabalhos de instalações que concorrem para a construção de edifícios; construções e obras públicas n.e.; gestão e exploração de imóveis comerciais; serviços de gestão de instalações" (cf. certidão do registo comercial da Requerida, que ora se junta como Documento n.º 2 e se dá, para todos os efeitos, por reproduzida);
4. São administradores da Requerida as seguintes pessoas singulares:
(i) o Senhor F, com domicílio em Hong Kong, em XXXXXX, Happy Valley;
(ii) o Senhor G, com domicílio em Hong Kong, em XXXXXX, Kowloon;
(iii) o Senhor H, com domicílio em Hong Kong, em XXXXXX, New Territories;
(iv) o Senhor I, com domicílio em Macau, na XXXXXX, em Coloane; e
(v) o Senhor J, com domicílio em Hong Kong, XXXXXX, New Territories.
(cf. Documento n.º 2 junto supra)
5. Por contrato de subempreitada celebrado em 16 de Agosto de 2013, a Requerida contratou a Requerente para a realização dos trabalhos de fornecimento, instalação, ensaio, comissionamento e manutenção do sistema de aquecimento, ventilação e ar condicionado da Fase 2 do empreendimento K Resort & Casino na zona do Cotai, em Macau, de ora em diante, designado apenas como o "primeiro contrato de subempreitada" (cf. documentos n.º 3 e 4, que ora se juntam e cujo teor se dá, para todos os efeitos, por reproduzido).
6. Na cláusula 22 das condições gerais do primeiro contrato de subempreitada (sob a epígrafe "Arbitragem"), as partes convencionaram submeter a arbitragem a resolução dos litígios que pudessem surgir entre si durante ou após a execução dos trabalhos objecto do referido contrato.
7. A cláusula citada foi modificada pelas partes nas condições especiais do primeiro contrato de subempreitada (sob a epígrafe "Alterações às Condições Gerais do Contrato de Subempreitada", constante da página SCC/105), nos termos aí mencionados.
9. Por contrato de subempreitada celebrado em 2 de Dezembro de 2013, a Requerida contratou a Requerente para a realização dos trabalhos de fornecimento, instalação, teste e comissionamento e manutenção do sistema eléctrico (pódio) da Fase 2 do empreendimento K Resort & Casino na zona do Cotai, em Macau, de ora em diante, designado apenas como o "segundo contrato de subempreitada" (cf. documentos n.º 5 e 6, que ora se juntam e cujo teor se dá, para todos os efeitos, por reproduzido).
10. Na cláusula 22 das condições gerais do segundo contrato de subempreitada (sob a epígrafe "Arbitragem"), as partes convencionaram submeter a arbitragem a resolução dos litígios que pudessem surgir entre si durante ou após a execução dos trabalhos objecto do referido contrato.
11. A cláusula imediatamente antes citada foi modificada pelas partes nas condições especiais do segundo contrato de subempreitada (sob a epígrafe "Alterações às Condições Gerais do Contrato de Subempreitada", constante da página SCC/105), nos termos aí mencionados.
13. A ora Requerente e a ora Requerida assumiram, respectivamente, a posição de demandante e de demandada no âmbito do processo de arbitragem com a numeração Ref: H46052/ARB/RC-RC, que correu os respectivos termos na Região Administrativa Especial de Hong Kong ao abrigo da respectiva Lei de Arbitragem ("Arbitration Ordinance Cap. 609") e que teve por objecto um litígio existente entre si relativo ao cumprimento das obrigações resultantes do primeiro contrato de subempreitada e do segundo contrato de subempreitada.
14. O referido processo de arbitragem foi conduzido por um árbitro único, o Senhor R, designado em 7 de Março de 2017.
15. Em 16 de Outubro de 2018, o árbitro único proferiu decisão arbitral nos termos da qual decidiu condenar a Requerida no pagamento à Requerente do valor total de MOP 48.781.958,34 (quarenta e oito milhões, setecentas e oitenta e uma mil, novecentas e cinquenta e oito Patacas e trinta e quatro avos), repartidos do seguinte modo:
(1) A quantia de MOP 36.825.111,88, ao abrigo do primeiro contrato de subempreitada;
(2) A quantia de MOP 11.956.846,46, ao abrigo do segundo contrato de subempreitada;
16. Tal decisão, não admitindo recurso ordinário e tendo-se tomado imediatamente obrigatória para as partes, não foi cumprida pela Requerida, pelo que a Requerente iniciou o respectivo processo de reconhecimento de sentença arbitral junto desse Venerando Tribunal, o qual se encontra a correr termos sob o número 1072/2018 (cfr. documento n° 7, que ora se junta e cujo teor se dá, para todos os efeitos, reproduzido).
17. Tal sentença arbitral, não incluiu a decisão do Tribunal arbitral sobre juros e custos, tendo relegado para momento posterior, no âmbito do mesmo processo, a decisão arbitral quanto a tais matérias.
18. Assim, por decisão arbitral datada de 04 de Março de 2019, proferida no mesmo processo arbitral com a referência H46052/ARB/RC-RC, o tribunal arbitral decidiu, em suma, que:
1) A Requerida deverá pagar à Requerente juros sobre a quantia de MOP 48.781.958,34, antes arbitrada, os quais deverão ser contados do seguinte modo:
a) Juros simples à taxa de juro primária do banco HSBC acrescida de 1%, contados desde a data da realização de cada uma das deduções impropriamente realizadas pela Requerida ao abrigo dos subcontratos de empreitada até ao dia 22 de Janeiro de 2019, inclusive, (com excepção de uma das referidas deduções: a dedução realizada ao abrigo da "contra-charge" CC-044 ao abrigo do Subcontrato AVAC);
b) De 22 de Janeiro em diante, até integral pagamento, juros calculados à taxa de juro sobre julgados fixada pelo Tribunal Superior ("High Court") da Região Administrativa Especial de Hong Kong;
2) A Requerida deverá pagar todos os custos da arbitragem, cujo montante deverá ser objecto de acordo entre as partes ou, na falta desse acordo, de nova decisão a proferir pelo Tribunal arbitral; e, ainda;
3) A Requerida deverá pagar juros simples à taxa primária do banco HSBC acrescida de 4% sobre o valor dos custos que vierem a ser acordados ou fixados, desde a data da decisão (04 de Março de 2019) e até integral pagamento.
19. Cita-se o trecho decisório em causa:
18."Tendo considerado todos os elementos, fundamentos legais e provas submetidos perante mim, PELO PRESENTE DETERMINO E DECIDO, com os Fundamentos apresentados no Anexo 1 composto por 33 páginas (p. 9 - 41) junto ao presente e intitulado "Fundamentos conducentes à Decisão Final, Com Exclusão da Avaliação de Custos", que:-
(1) O Demandado terá de pagar ao Demandante todos os seus custos do processo arbitral (quer os custos da arbitragem quer os custos da decisão) com base num fundo comum, a avaliar pelo Árbitro em caso de desacordo.
(2) O Demandado terá de pagar ao Demandante juros simples sobre o montante de MOP 48.781.958,34 (correspondendo ao valor total dos montantes decididos ao abrigo do Subcontrato AVAC e do Subcontrato ESS, tal como estabelecido na referida Decisão), da seguinte forma:-
O Demandado terá de pagar juros ao Demandante sobre o valor de cada contra-reembolso em disputa (excepto o CC-044 sob o Subcontrato AVAC) à taxa primária de empréstimo do HSBC acrescida de 1% p.a. a contar da data de dedução do referido contra-reembolso em disputa pelo Demandado até, inclusive, 22 de Janeiro de 2018, e daí em diante e até pagamento, à taxa sobre julgados fixada pelo Tribunal Superior.
(3) O Demandado terá de pagar ao Demandante juros simples sobre os custos à taxa primária de empréstimo do HSBC acrescida de 4% p.a a partir da data da presente Decisão até ao seu pagamento.
(Fim de citação ‒ cfr. documentos n° 8 e 9, que ora se juntam e cujo teor se dá, para todos os efeitos, por reproduzido).
20. O Demandante referido na decisão arbitral imediatamente antes transcrita é a ora Requerente, sendo o Demandando a aqui Requerida,
21. Sendo, de igual modo, a mesma insusceptível de recurso ordinário e imediatamente obrigatória para as partes.
22. A Requerente voltou a interpelar a Requerida para o pagamento dos valores em que esta foi condenada pela decisão arbitral de 16 de Outubro de 2018 acrescidos dos respectivos juros, tal como determinados pela decisão arbitral de 04 de Março de 2019, cujo reconhecimento é objecto dos presentes autos (cfr. documento n° 10, que ora se junta e cujo teor se dá, para todos os efeitos, por reproduzido).
23. Até à presente data, a Requerida não procedeu ao pagamento de qualquer das quantias em que foi condenada no referido processo arbitral, seja a título de capital, seja a título de juros,
24. A ora Requerente veio promover a respectiva execução judicial na Região Administrativa Especial de Macau, por ser aqui o local onde se encontrará localizado o respectivo património, por se localizar aqui a respectiva sede.
25. Tendo já requerido o reconhecimento da sentença proferida em 16 de Outubro de 2018, cujo pedido corre termos sob os autos de numeração 1072/2018,
26. Requer agora, o reconhecimento da decisão judicial proferida em 04 de Março de 2019, respeitante juros e custos.
* * *
IV – FUNDAMENTOS
O objecto da presente acção reside no pedido de revisão e confirmação da decisão complementar do árbitro, proferida em HK, em 04/03/2019, pela qual se decidiu condenar a Requerida a pagar à Requerente as seguintes quantias:
1) A Requerida deverá pagar à Requerente juros sobre a quantia de MOP 48.781.958,34, antes arbitrada, os quais deverão ser contados do seguinte modo:
a) Juros simples à taxa de juro primária do banco HSBC acrescida de 1%, contados desde a data da realização de cada uma das deduções impropriamente realizadas pela Requerida ao abrigo dos subcontratos de empreitada até ao dia 22 de Janeiro de 2019, inclusive, (com excepção de uma das referidas deduções: a dedução realizada ao abrigo da "contra-charge" CC-044 ao abrigo do Subcontrato AVAC);
b) De 22 de Janeiro em diante, até integral pagamento, juros calculados à taxa de juro sobre julgados fixada pelo Tribunal Superior ("High Court") da Região Administrativa Especial de Hong Kong;
2) A Requerida deverá pagar todos os custos da arbitragem, cujo montante deverá ser objecto de acordo entre as partes ou, na falta desse acordo, de nova decisão a proferir pelo Tribunal arbitral; e, ainda;
3) A Requerida deverá pagar juros simples à taxa primária do banco HSBC acrescida de 4% sobre o valor dos custos que vierem a ser acordados ou fixados, desde a data da decisão (04 de Março de 2019) e até integral pagamento.
O pedido visa permitir que tal decisão complementar pode produzir directamente os seus efeitos e eficácia.
A decisão passa pela análise das seguintes questões:
- Requisitos formais necessários para a confirmação;
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
- Ausência do contraditório;
- Compatibilidade com a ordem pública.
*
Como não há qualquer contestação ao pedido de revisão, não obstante regularmente citada a Requerida.
Importará analisar as questões acima referidas. Na ausência de qualquer obstáculo à revisão da decisão de arbitragem em causa, esta só terá eficácia no ordenamento da RAEM, depois de aqui confirmada, tal como resulta do artigo 1199º/ 1 do CPC.
*
2. Nesta matéria, prevê o artigo 1200º do Código de Processo Civil (CPC):
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à RAEM, facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades exteriores, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a decisão do exterior satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
*
3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Não parecendo haver dúvidas de que a sentença objecto de revisão - a existir - encontrar-se-ia corporizada por um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se um procedimento que correu seus termos consignados no texto da decisão de arbitragem, junto aos autos.
*
4. Sobre o alcance do conteúdo da decisão e inteligibilidade da decisão
O texto da decisão de arbitragem não oferece dúvidas, sendo claros os seus termos, nomeadamente o conteúdo executando que se encontra expressamente consignado na documentação junta aos autos.
*
5. Requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório.
Dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior2, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria à Requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam3.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.4
De todo o modo, sobre a questão de saber se essa decisão dita final é efectivamente uma decisão definitiva e transitada ou se a sua validade foi de algum modo posta em crise, sempre se refere que não há elementos que permitam duvidar de que a decisão revidenda esteja, importando atentar que estamos perante uma decisão proferida no âmbito da Common Law, onde não é usual tal certificação, não obstante a existência de um regime da res judicata condition.
*
Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CPC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau;
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, ainda aqui se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice no que diz respeito à matéria submetida à arbitragem.
*
6. Também não se colocam questões relativas à regularidade da citação ou à observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, cumprida que foi a lei em vigor em HK, aliás, ambas as partes aceitaram tal arbitragem, resta a execução da decisão.
*
7. Da ordem pública
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o artigo 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”5
E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
Como referia Ferrer Correia6, o que importa é saber se o reconhecimento da pretensão, alicerçada na lei estrangeira competente, traduz em si um resultado imoral ou atentatório da ordem pública. Pode essa lei mostrar-se inspirada em ideias manifestamente contrárias à ordem pública da lex fori - e todavia não ser inadmissível o resultado a que leva a sua aplicação ao caso concreto. E dava até o exemplo de não repugnar o reconhecimento de certos efeitos jurídicos (por exemplo patrimoniais) a um matrimónio celebrado na América (Estado de Nova Iorque) entre dois americanos, padrasto e enteada, ao abrigo da respectiva lei nacional (que não reconhece o impedimento da afinidade em linha recta.
Mota Pinto entende por ordem pública “o conjunto dos princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas.” - TGDC, 3ª ed., 5517, numa abordagem semelhante à de Galvão Telles para quem ordem pública “é representada pelos superiores interesses da comunidade” – Dto das Obrigações, 5ª ed., 44.8
No caso em apreço, em que se pretende confirmar uma decisão de arbitragem proferida em matéria de execução de contratos de subempreitada, o que em nada interfere com as normas ou os princípios imperativos do ordenamento jurídico de Macau.
Tirando isso, nada se conexiona com a nossa ordem interna, não se invocando qualquer conexão de ordem pessoal, cujos interesses houvesse que defender à luz de justas e legítimas expectativas face ao direito interno.
A decisão proferida mostra-se transitada e os seus efeitos ainda não foram destruídos por nenhuma outra decisão que tenha sido proferida até ao presente momento.
Pelo que, é de conceder a revisão e confirmação da decisão complementar proferida pelo árbitro de HK com o conteúdo constante da decisão junta aos autos, por estarem preenchidos todos os requisitos exigidos pelo artigo 1200º do CPC.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em conceder a revisão e confirmação à decisão complementar arbitral proferida por árbitro da Região de Administrativa Especial de Hong Kong no dia 04 de Março de 2019, de forma a produzir na RAEM todos os seus efeitos legais.
*
Custas pela Requerente.
*
Registe e Notifique.
Macau, 11 de Julho de 2019.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
3 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
4 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
5 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
6 - BMJ 24º, 66.
7 - TGDC, 3ª ed., 551
8 - Dto das Obrigações, 5ª ed., 44.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
2019-305-Arbitragem-HK 20