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Processo n.º 164/2018 Data do acórdão: 2019-7-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– crime de coacção e resistência
– art.o 311.o do Código Penal
– advertência prévia por parte de funcionário
– acto de detenção
S U M Á R I O

A norma incriminadora do art.o 311.o do Código Penal fala de “acto relativo ao exercício das suas funções”, e não exige, para verificação cabal do crime de coacção e resistência em questão, a feitura de advertência prévia por parte de funcionário, nem de acto de detenção por parte de membro das forças de segurança.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 164/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 65 a 71v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-16-0478-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado, na parte penal falando, como autor material, na forma consumada, de um crime de ofensa qualificada à integridade física, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.os 140.o, 137.o, n.o 1, e 129.o, n.o 2, alínea h), do Código Penal (CP), em sete meses de prisão, e de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos art.os 175.o, n.o 1, 178.o e 129.o, n.o 2, alínea h), do CP, em dois meses de prisão por cada, e finalmente, em cúmulo jurídico, na pena única de nove meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, isto apesar de o arguido ter sido acusado finalmente pelo Ministério Público pela prática de um crime de coacção e resistência e de dois crimes de injúria agravada.
Veio a Digna Delegada do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando ao Tribunal sentenciador, na motivação apresentada a fls. 77 a 81v dos presentes autos correspondentes, o erro de interpretação da norma incriminadora do art.o 311.o do CP, por o tipo legal de coacção e resistência aí previsto não exigir a advertência policial prévia nem a realização do acto de detenção contra o agente deste crime, pelo que o crime de ofensa qualificada à integridade física do arguido deveria ser convolado para o crime de coacção e resistência, com aplicação de nove meses de prisão, devendo o arguido passar a ser condenado em um ano de prisão única (suspensa na execução por dois anos), como resultante do cúmulo jurídico da pena a aplicar ao crime de coacção e resistência e das duas penas de injúria agravada.
Ao recurso, não foi exercido o direito de resposta pela Defesa.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 90 a 91, pugnando pelo provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada nas páginas 3 a 4 do texto do acórdão recorrido (ora concretamente a fls. 66 a 66v) e sendo o objecto do recurso circunscrito materialmente à problemática da qualificação jurídico-penal dos factos provados, é de tomar tal factualidade provada como fundamentação fáctica da presente decisão de recurso, nos termos permitidos pelo art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal.
Ficou descrito como inclusivamente provado nesse acórdão que:
– um dos guardas policiais ofendidos no caso dos autos recebeu uma participação e na sequência da qual descobriu o arguido a dormir em estado de bêbado dentro de um autocarro numa estação terminal de autocarros;
– por isso, o arguido foi acordado por esse guarda policial, e depois de acordado, o arguido disse palavrões ao mesmo guarda, na sequência do que esse guarda pediu ao arguido que exibisse documento de identificação, mas o arguido não ligou e tentou sair do autocarro, perante o que o mesmo guarda foi impedir de imediato a saída do arguido, e no meio disso o arguido feriu, às garras da mão, o pescoço do mesmo guarda, fazendo com que este tenha necessitado de um dia para convalescença.
Na fundamentação desse acórdão, afirmou o Tribunal a quo que como não conseguiu ter por provado que o arguido tenha oposto resistência a acto de detenção policial, por o conflito corporal entre o arguido e o pessoal policial ter já ocorrido antes de qualquer advertência policial sobre a detenção e mesmo antes de qualquer acto de detenção policial, não poderia condenar o arguido pela prática do crime de coacção e resistência.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, a Digna Delegada do Procurador traz à discussão a questão da interpretação da norma incriminadora do art.o 311.o do CP, que prevê a punibilidade da conduta de coacção e resistência, nos seguintes termos: “Quem empregar violência ou ameaça grave contra funcionário ou mesmo das forças de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão até 5 anos”.
No caso dos autos, perante a factualidade já descrita como provada no acórdão recorrido e referida em concreto na parte II do presente acórdão de recurso, procede a objecção do Ministério Público sobre a decisão recorrida.
Com efeito, a norma incriminadora em causa, do art.o 311.o do CP, fala de “acto relativo ao exercício das suas funções”, e não exige, para verificação cabal do crime em questão, a feitura de advertência prévia por parte de funcionário, nem de acto de detenção por parte de membro das forças de segurança.
Portanto, o crime de ofensa qualificada à integridade física por que vinha condenado o arguido deve ser convolado para o crime de coacção e resistência do art.o 311.o do CP, como tal vinha ele já finalmente acusado pelo Ministério Público.
Este crime é punível com pena de prisão até cinco anos.
Assim, ponderando todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância, com pertinência à medida da pena aos padrões dos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.o, n.os 1 e 2, do CP, entende-se por justo e equilibrado aplicar ao arguido nove meses de prisão para o crime de coacção e resistência, passando a condená-lo na pena única de dez meses de prisão (como resultante do cúmulo jurídico dessa pena do crime de coacção e resistência e das duas penas de prisão já aplicadas no aresto recorrido aos dois crimes de injúria agravada), pena única nova essa a ser suspensa na sua execução por dois anos, sendo intacta toda a restante decisão já tomada nesse acórdão, inclusivamente no tocante ao arbitramento oficioso de indemnização.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, passando a convolar o crime de ofensa qualificada à integridade física por que vinha condenado o arguido no acórdão recorrido para o crime de coacção e resistência do art.o 311.o do Código Penal, crime este punido com nove meses de prisão, e passando a condenar o arguido na pena única de dez meses de prisão suspensa na execução por dois anos (sendo intacta toda a restante decisão já tomada nesse acórdão).
Sem custas na presente lide recursória.
Comunique aos dois guardas policiais ofendidos e ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 18 de Julho de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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