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Processo nº 203/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 27 de Junho de 2019

ASSUNTO:
- Procuração com poderes especiais
- Agir em nome próprio
- Incumprimento do contrato
- Obrigação de indemnização


SUMÁRIO:
- Não obstante possuir uma procuração com poderes especiais para celebrar negócio consigo mesmo, não significa que o seu titular não pode agir em nome próprio no acordo celebrado com o Autor.
- Se da factualidade assente e provada não resultar que o titular da procuração tinha agido em nome e em representação da 1ª Ré no acordo celebrado com o Autor, antes figurado como parte própria, nunca pode imputar à 1ª Ré a responsabilidade de indemnização pelo incumprimento culposo do acordo em causa.
O Relator




Processo nº 203/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 27 de Junho de 2019
Recorrente: A, Limitada (2ª Ré)
Recorrido: B (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 26/06/2018, julgou-se improcedentes as excepções invocadas pela 2ª Ré A, Limitada, julgou a acção procedente e condenou a 1ª Ré C, Limitada e 2ª Ré solidariamente a pagar ao Autor B a quantia de MOP$47,429,749.00 acrescida dos juros de mora à taxa dos juros legais a contar desde a data da citação mais recente de entre as das duas Rés até efectivo e integral pagamento.
Dessa decisão vem recorrer 2ª Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso da douta sentença explicitada em 26 de Junho de 2018, na acção intentada por B contra (i) C LIMITADA (1.ª Ré) e (ii) A, LIMITADA (2.ª Ré e ora Recorrente) e, em consequência, considerou improcedente a prescrição do direito do Autor, invocada pela ora Recorrente em sede de contestação, tendo reconhecido ao Autor o direito de reaver, em dobro, o montante pago a título de sinal, acrescido de juros de mora a contar da citação até integral pagamento, condenando-se, solidariamente, as 1.ª e 2.ª Rés - a primeira como devedora principal e a segunda por ter assumido singular e cumulativamente a dívida daquela para com o Autor - a pagar ao Autor o montante global de MOP$47.429.749,00 (quarenta e sete milhões, quatrocentos e vinte e nove mil, setecentas e quarenta e nove patacas).
2. A Recorrente impugna a decisão do Tribunal a quo no sentido de considerar improcedente a prescrição dos direitos derivados de um contrato-promessa, entendendo que tal decisão deriva de uma interpretação da cláusula resolutiva inserta no mencionado contrato, que não corresponde à vontade das partes.
3. A Recorrente considera que o douto Tribunal a quo, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas aos factos dados por assentes pelo Exm.º Colectivo que julgou a matéria de facto, concluíu que, no acordo de 23 de Dezembro de 1992 celebrado com o Autor, a D, Limitada, interveio em representação da 1.ª Ré, a C, Limitada, facto esse que não consta, quer da factualidade dada por assente, quer do documento incorporado a fls 81 e 82 dos autos, que foi dado por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, não tendo feito, assim, uma correcta aplicação do critério interpretativo do negócio jurídico fixado na lei, isto é, não fez uma correcta interpretação do "acordo" celebrado entre o Autor e a E, Limitada.
4. A Recorrente imputa, ainda, à douta decisão recorrida um outro erro de interpretação, porquanto, ao debruçar-se sobre o pedido da "resolução do contrato-promessa de compra e venda" celebrado, em 23 de Dezembro de 1992, entre o Autor e a 1.ª Interveniente Principal e a consequente indemnização prevista na lei, considerou que estavam reunidos todos os requisitos para considerar culposo o incumprimento por parte da 1.ª Ré, e não dando qualquer relevância ao facto do elevado montante pago pelo Autor, a título de sinal ter sido entregue a um terceiro, a 2.ª Interveniente Principal, F, Lda, em violação do que prescreve o art.º 759.º do Código Civil, condenou, solidariamente, as 1.ª e 2.ª Rés a pagar ao Autor a quantia de MOP$47.429.749,00.
5. Finalmente, imputa a Recorrente à decisão recorrida um vício de violação da lei substantiva consistente em erro de interpretação, na medida em que o Meritíssimo Juiz a quo, para decidir, interpretou a norma do art.º 590.º do Código Civil com um sentido que o respectivo texto não comporta por não ter correspondência com o pensamento legislativo e por ter feito, também, uma interpretação errada do acordo de transmissão de obrigações celebrado em 16 de Março de 2007, entre as 1.ª e 2.ª Rés.
6. A prescrição é uma excepção peremptória, porque actua como facto extintivo do efeito jurídico do facto constitutivo alegado pelo autor e, em consequência, importa a absolvição do pedido (art.º 412.º do Código de Processo Civil) e nos termos do art.º 303.º do Código Civil de 1966, a que corresponde o art.º 296.º do Código Civil de Macau, o tribunal não pode suprir, oficiosamente, a prescrição, devendo ser invocada por aquele a quem aproveita, razão por que a ora Recorrente, em sede de Contestação, alegou esta excepção como meio de defesa.
7. Nos termos do art.º 309.º do Código Civil de 1966 (o aplicável), os direitos derivados de um contrato-promessa, designadamente, o direito de indemnização por responsabilidade contratual, prescrevem no prazo de 20 anos, começando o prazo a correr do dia em que devia ter sido cumprido o contrato definitivo.
8. Conforme consta do documento a fls 81 e 82 dos autos que o douto Tribunal a quo deu por integralmente reproduzido, para todos os efeitos, no dia 23 de Dezembro de 1992, o Autor, ora Recorrido, na qualidade de promitente-comprador, e a D, Lda., 1.ª Interveniente Principal, celebraram um "acordo" escrito que denominaram de "contrato-promessa de compra e venda", que recaiu sobre um terreno, com a área de 200.210 pés quadrados, destinado à construção do prédio urbano a que seria atribuído o n.º 8, integrado no prédio sito na Estrada XX, n.ºs 14 a 17.
9. Resulta claramente desse acordo, entre outras condições, que a escritura pública de compra e venda iria ser celebrada 20 dias a contar da aprovação por parte do Governo do projecto de construção que incidia sobre o terreno, a qual se previa vir a ser concedida até 23 de Junho de 1993 e caso essa data chegasse e a autorização não tivesse ainda sido concedida, o Autor poderia resolver o contrato, com direito a exigir a devolução do sinal pago e a receber uma indemnização, a título de juros, calculados à taxa mensal de 3% sobre o valor do sinal pago ou aguardar pela aludida aprovação, situação em que teria que celebrar novo acordo com as mesmas cláusulas, devendo o 2.º outorgante, isto é, foi introduzida uma cláusula resolutiva do contrato-promessa.
10. O douto Tribunal a quo, sobre a matéria da excepção da prescrição, entendeu que competia ao Autor, na qualidade de promitente-comprador, fazer funcionar a condição resolutiva, designadamente, fazendo descaso do que fora, também, acordado entre as partes, no sentido de que, se fosse para aguardar pela aprovação do projecto de construção, teria que ser celebrado novo acordo com as mesmas cláusulas, devendo o 2.º outorgante (leia-se Autor/recorrido) decidir no prazo de 3 dias.
11. Tomando em consideração todas as circunstâncias de facto deve reconhecer-se a existência da prescrição do exercício do direito a que o autor se arroga porque, de acordo com o que se fez constar na cláusula 3.ª do acordo de 23 de Dezembro de 1992, o ónus de diligenciar pela marcação de nova data para a realização da escritura incidia sobre o Autor que passou a deter o direito ao agendamento e celebração do contrato prometido, sendo que, no caso, para aferição do termo inicial do prazo de prescrição é aplicável a data de 23 de Junho de 1993, data prevista para a entrega da aprovação do projecto pela DSSOPT, pois existia uma convenção negocial no sentido da estipulação de um prazo necessário de cumprimento, que dependia do credor.
12. Atendendo à ratio deste instituto, foi a partir da data de 23 de Junho de 1993, que concedia ao Autor a possibilidade de realização, no prazo de 20 dias após a não aprovação do projecto pela DSSOPT, que se iniciou a possibilidade do exercício do seu direito à celebração do contrato prometido, sendo que a sua inércia na não efectivação desse direito só a si lhe pode ser imputada, porque tinha três dias, a contar de 23 de Junho de 1993, para decidir sobre se devia aguardar pela aprovação do projecto ou não, mediante um novo acordo a celebrar com a Interveniente Principal, D, Lda.
13. O Autor, ora Recorrido, não apresentou qualquer acordo e a sua inércia perdurou por mais de 20 anos, porquanto os vários contactos por si feitos não bastam para interromper a prescrição.
14. Os factos, entretanto, invocados pelo Autor como sendo idóneos para fazer interromper o prazo prescricional não têm aplicação no caso, pois, tal como vem sendo decidido por essa Venerando Tribunal, ora Tribunal ad quem, "a ratio legis do art.º 315.º, n.º 1, do CC é atribuir o efeito interruptivo da prescrição de um direito à prática de um acto judicial que permite dar a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer o mesmo direito", certo sendo que direito que o Autor pretendia fazer valer no processo-crime (PCI-051-11-2) não é o mesmo que pretende fazer valer na presente Acção Ordinária, logo, aquela participação criminal que culminou com uma desistência por parte do Participante (Autor na Acção Ordinária) não pode ser tida como um meio judicial equiparado a uma citação com o efeito de interromper o prazo de prescrição.
15. Porque o Autor, ora Recorrido, na sua petição inicial, alegou que celebrara, no dia 23 de Dezembro de 1992, na qualidade de promitente-comprador, com a D, Lda., um "acordo" escrito que denominaram de "contrato-promessa de compra e venda", que recaiu sobre um terreno, com a área de 200.210 pés quadrados, destinado à construção do prédio urbano a que seria atribuído o n.º 8, integrado no prédio sito na Estrada XX, n.º 14 a 17, a 2.ª Ré, ora Recorrente, não pôde deixar de requerer o chamamento da D, Limitada, para figurar como Ré na Acção, tal como não pôde deixar de requerer o chamamento da F, Limitada, para figurar como Ré na presente acção, porquanto o Autor, na sua petição inicial, alegara, expressamente, que entregara o valor do sinal à F, Lda.
16. Tendo em conta o facto de o contrato a que se reportam os autos ter sido celebrado em 1992, a esse contrato é aplicável o regime regulado na vigência do C.C. de 1966, face ao disposto do art.º 6.º do C.C.M, com excepção da situação prevista nos art.ºs 11.º e 16.º do C.C.M., interessando saber com quem, efectivamente, o Autor celebrou o contrato.
17. Da factualidade dada por assente, não se extrai que, no mencionado acordo de 23 de Dezembro de 1992, existe a menção de que a D, Limitada, interveio na qualidade de procuradora da 1.ª Ré; apenas, foi dado como provado que foi anexada uma procuração.
18. Tal como não se extrai que o Autor pagou o montante, a título de sinal, à D, Limitada, com a qual, efectivamente, celebrou um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel.
19. Resulta, claramente, do art.º 410.º, n.º 2, do C.C., que o documento assinado pelos promitentes não é exigido apenas para prova da declaração como, também, resulta que o reconhecimento do contrato em juízo não pode ser feito por qualquer outro meio de prova.
20. Para se considerar que a D, Limitada interveio na qualidade de procuradora da Primeira Ré, no contrato promessa celebrado com o Autor em 23 de Dezembro de 1992, seria preciso que essa representação voluntária estivesse, expressamente, mencionada no próprio texto do contrato.
21. Não constando essa menção, conforme resulta dos factos dados por assentes pelo douto Colectivo que julgou a matéria de facto e se pode constatar do documento a fls 81 e 82 dos autos, inexiste um contrato promessa de compra e venda entre o Autor e a 1.ª Ré.
22. Inexistindo um contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré, mas sim um contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor, ora Recorrido, e a 1.ª Interveniente Principal, a D, Limitada, e uma vez que o Autor/Recorrido não é credor da 1.ª Ré, acrescendo que o Autor pagou o sinal, à F, Lda., 2.ª Interveniente Principal, com a qual o Autor nunca celebrou qualquer negócio ou estabeleceu qualquer relação comercial, não estando, também ela (F, Lda.) mandatada pela 1.ª Ré, para em seu nome, receber qualquer quantia, designadamente, o montante estabelecido a título de sinal por qualquer contrato-promessa de compra e venda do imóvel a que se referem os autos, não é de prosseguir o conhecimento das demais questões suscitadas.
23. Por mera cautela de patrocínio, a Recorrente pronuncia-se sobre a questão da sub-rogação, dizendo ser verdade que, quando celebraram os referidos contratos-promessa, as 1.ª e 2.ª Rés fizeram inserir uma cláusula 4.a no primitivo contrato-promessa datado de 3/1/2007 e, posteriormente, esta mesma cláusula 4.ª desenvolveu-se em duas cláusulas; trata-se das cláusulas 4.ª e 5.ª nos contratos-promessa de 18/1/2007 e 16/3/2007, que devem ser interpretadas em conjunto.
24. Na interpretação de um ou mais contratos, a efectuar de acordo com as normas previstas nos artigos 228.º a 231.º do Código Civil, deve buscar-se não apenas o sentido das declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global mas procurar-se o sentido juridicamente relevante daquele contexto, atendendo, em especial, à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a celebração do contrato ou são contemporâneas das mesmas, às negociações entabuladas pelas partes e às finalidades por elas prosseguidas, ao próprio tipo negocial, à lei, aos usos e costumes e à posição assumida pelas partes na concretização do negócio.
25. Foi o representante da 2.ª Ré, ora Recorrente, quem subscreveu as cláusulas e resulta das regras da experiência comum que nunca poderia ter assumido toda e qualquer obrigação relacionada com tal terreno, sem qualquer limitação, certo sendo que o Administrador da 2.ª Ré, interessado na sua própria empresa e nos interesses desta, não podia ter assumido dívidas da 1.ª Ré, de forma incondicional e ilimitada.
26. A Recorrente, porém, não reconhece nenhum direito do Autor resultante do "acordo" escrito, celebrado em 23 de Dezembro de 1992 com a "D, Limitada", ao qual as partes designaram "contrato-promessa de compra e venda e, não reconhecendo nenhuma eficácia ao acordo escrito celebrado entre B, Autor, ora Recorrido, e a D, Limitada", 1.ª Interveniente Principal na presente acção, relativamente à 1.ª Ré, não tem a obrigação de pagar ao Autor qualquer quantia em dinheiro, designadamente, a título de devolução (em dobro) do sinal que, confessadamente e foi dado por provado nos autos, entregou à F, Lda.
27. Não pode a ora Recorrente, responder, solidariamente com a 1.ª Ré, pelo pagamento de uma indemnização no valor de MOP$47.429.749,00 (quarenta e sete milhões, quatrocentas e vinte e nove mil, setecentas e quarenta e nove patacas), a título de reembolso do sinal pago à empresa "F, Limitada", por via de um contrato-promessa, celebrado em 23 de Dezembro de 1992, com a "D, Lda", contrato esse feito em próprio benefício desta.
28. O douto Tribunal a quo, ao decidir que o contrato-promessa celebrado em 23 de Dezembro de 1992 manteve-se válido até 5 de Setembro de 2014, fez uma errada interpretação da sua cláusula 3.ª, na qual está vertida a vontade dos contratantes.
29. O douto Tribunal a quo, ao considerar que, no contrato-promessa de compra e venda do imóvel a que se reportam os autos, a "D, Limitada", mesmo sem que dele conste tal menção, interveio na qualidade de procuradora da 1.ª Ré, fez uma errada interpretação do art.º 410.º, n.º 2, do C.C. de 1966, do qual resulta claramente que o contrato-promessa é rigorosamente formal, ao qual a solenidade exigida para a sua realização deve considerar-se como formalidade ad substantiam, sem o que é nulo o contrato.
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O Autor respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 616 a 642 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) O prédio urbano sito na Estrada XX, nºs XX, XX, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 2XX6, do livro XX, fls. XX, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 071027, encontrava-se registado a favor da Primeira Ré pela inscrição nº 1XXX08, resultante da Apresentação nº 67 de 13.09.1991, em conformidade com o teor da certidão junta a fls. 15 a 24 que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, e assim esteve até 16 de Março de 2007; (alínea a) dos factos assentes)
b) A Primeira Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção civil e investimento no sector imobiliário, conforme certidão do registo comercial que junta a fls. 60 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; (alínea b) dos factos assentes)
c) A Segunda Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de investimento imobiliário, conforme certidão do registo comercial que junta a fls. 76 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; (alínea c) dos factos assentes)
d) No dia 28 de Julho de 1992, G, na qualidade de gerente da sociedade 1ª Ré, outorgou procuração através da qual constituiu procuradora da sua representada a D, Lda., à qual conferiu plenos poderes para, relativamente ao prédio números catorze, quinze, dezasseis e dezassete da Estrada XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 2XX6, do livro XX, fls. XX (…) c) livremente prometer vender, vender, trocar ou parcialmente da sua titularidade (…), tudo em conformidade com o teor da procuração junta a fls. 83 a 88 dos autos e cujo teor aqui se reproduz integralmente; (alínea d) dos factos assentes)
e) No dia 23 de Dezembro de 1992, o Autor, na qualidade de promitente-comprador, e a D, Lda., celebraram um acordo escrito que denominaram de contrato-promessa de compra e venda, que recaiu sobre um terreno, com a área de 200.210 pés quadrados, destinado à construção do prédio urbano a que seria atribuído o nº 8, integrado no prédio sito na Estrada XX, nº XX, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 81 e 82 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais; (alínea e) dos factos assentes)
f) De acordo com o estipulado na Cláusula 1ª do acordo aludido em e) o preço acordado pelas partes foi estabelecido à razão de HKD230.00 (duzentos e trinta dólares de Hong Kong) por pé quadrado, sendo que a área de construção prevista e então sujeita a aprovação do terreno objecto do contrato era de 200.210 (duzentos mil, duzentos e dez) pés quadrados, no total de HKD46.048.300,00 (quarenta e seis milhões, quarenta e oito mil e trezentos dólares de Hong Kong) a que correspondiam MOP47.429.749,00 (quarenta e sete milhões, quatrocentas e vinte e nove mil, setecentas e quarenta e nove patacas); (alínea f) dos factos assentes)
g) Mais acordaram as partes que, na data da celebração desse acordo, o Autor pagaria a título de sinal, o valor de HKD23.024.150,00 (vinte e três milhões, vinte e quatro mil, cento e cinquenta dólares de Hong Kong), a que correspondiam MOP23.714.874,50 (vinte e três milhões, setecentas e catorze mil, oitocentas e setenta e quatro patacas e cinquenta avos); (alínea g) dos factos assentes)
h) O remanescente do preço de HKD23.024.150,00 (vinte e três milhões, vinte e quatro mil, cento e cinquenta dólares de Hong Kong), seria pago aquando da celebração da escritura pública de compra e venda; (alínea h) dos factos assentes)
i) A qual, nos termos do ponto 2, da cláusula 2ª, deveria ser celebrada no prazo de 20 dias a contar da aprovação do projecto de construção que havia sido apresentado junto da entidade administrativa competente, e que se previa acontecer em 23 de Junho de 1993; (alínea i) dos factos assentes)
j) No acto da outorga do acordo aludido em e) estavam presentes, pelo menos, H e I sócios da D, sociedade que se dedica ao investimento imobiliário; (alínea j) dos factos assentes)
k) Ao acordo escrito aludido em e) foi anexada uma cópia de uma planta cartográfica, um requerimento apresentado à DSOPT e uma procuração; (alínea k) dos factos assentes)
l) Na data de celebração do acordo aludido em e) o Autor procedeu à entrega do valor de HKD23.024.150,00 (vinte e três milhões, vinte e quatro mil, cento e cinquenta dólares de Hong Kong) tendo-lhe sido entregue um recibo comprovativo do pagamento de tal quantia em nome da F, Lda., assinado por J; (alínea l) dos factos assentes)
m) À data da celebração do acordo aludido em e) a D, Lda. tinha como gerentes do grupo A) J, H, I e o não sócio K, e do grupo B) os não sócios L, M, N e O, obrigando-se a sociedade pela assinatura conjunta de dois gerentes do grupo A), sendo sempre necessária a assinatura do gerente J e de um gerente do grupo B; para os actos de mero expediente a assinatura de qualquer um dos gerentes, em conformidade com o teor da certidão junta a fls. 93 a 98 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais; (alínea m) dos factos assentes)
n) À data da celebração do acordo aludido em e) a F, Lda. tinha como sócios P, Q, ambos do grupo A), K, J e I, todos do grupo B), cabendo a gerência a todos os sócios, sendo P gerente-geral e obrigando-se a sociedade pela assinatura conjunta de dois membros da gerência, pertencendo um a cada grupo, conforme certidão junta a fls. 101 a 107 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzida; (alínea n) dos factos assentes)
o) O Autor nunca celebrou qualquer negócio ou estabeleceu qualquer relação comercial com a F, Lda; (alínea o) dos factos assentes)
p) Em 16 de Março de 2007, a Primeira Ré celebrou com a Segunda Ré um contrato-promessa de compra e venda referente ao prédio melhor identificado em a) através do qual, pelo preço de HKD188.300.000,00 (cento e oitenta e oito milhões e trezentos mil dólares de Hong Kong), a Primeira Ré prometeu vender à Segunda Ré, e esta prometeu comprar-lhe o aludido prédio; (alínea p) dos factos assentes)
q) Na data de celebração desse acordo e com base no mesmo, foi efectuado o registo provisório de aquisição a favor da Segunda Ré na Conservatória do Registo Predial, titulado pela Apresentação nº 77 de 16 de Março de 2007, tendo posteriormente, a data desse contrato sido rectificada para 18 de Janeiro de 2007; (alínea q) dos factos assentes)
r) Em 10 de Janeiro de 2009, por escritura pública lavrada no Cartório do Notário Privado R, a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o aludido prédio declarando que o fazia pelo preço de HKD188.300.000,00, equivalentes a MOP194.231.450,00 (cento e noventa e quatro milhões duzentos e trinta e um mil quatrocentas e cinquenta patacas); (alínea r) dos factos assentes)
s) Em 16 de Fevereiro de 2009, com base na mencionada escritura de compra e venda celebrada entre as Rés, foi requerida e obtida a conversão em definitivo do registo provisório de aquisição a favor da Segunda Ré, conforme Apresentação nº 31 de 16 de Fevereiro de 2009; (alínea s) dos factos assentes)
t) Em 19 de Maio de 2010, o Autor apresentou uma Participação Criminal junto dos Serviços do Ministério Público da RAEM em que eram participados S e T, imputando-lhes a prática de um crime de burla agravada, tudo em conformidade com o teor dos documentos juntos a fls. 262 a 284, 287 a 293, 311 a 313 que aqui se dão por integralmente reproduzidos; (alínea t) dos factos assentes)
u) As partes outorgantes do acordo aludido em e) acordaram que, caso o dia 23.06.1993 chegasse e a autorização não tivesse sido concedida, o Autor poderia aguardar pela aludida aprovação; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
v) A 2ª Ré tinha celebrado com a 1ª Ré um acordo de assunção de obrigações decorrentes de negócios que tinham como objecto o referido terreno; (resposta ao quesito nº 10 da base instrutória)
w) O Autor, B, em 07 de Abril de 2010, havia outorgado, perante um Notário privado, uma procuração em favor de U; esta constituiu, em nome de B, mandatário judicial para apresentar a participação criminal, certo sendo que, posteriormente, isto é, em 27 de Julho de 2011, B revogou esta procuração por instrumento notarial que apresentou em 11 de Novembro de 2011, no processo-crime PCI-051-11-2, tendo declarado, no requerimento de junção não ratificar todos os actos praticados em seu nome no âmbito desses autos, nomeadamente, os actos de abertura de instrução e, portanto, não considerava que os actos praticados por U produziram quaisquer efeitos legais na sua esfera jurídica. (resposta ao quesito nº 14 da base instrutória).
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III – Fundamentação
A sentença recorrida na parte que diz respeito à prescrição do direito do Autor tem o seguinte teor:
“…
  Alega a 2ª Ré que o contrato de promessa de compra e venda celebrado pelo Autor havia de ser cumprido até 23.06.2013, pelo que, quando a acção foi instaurada há muito que haviam decorrido os 20 anos do artº 309º do C.Civ. de 1966.
  Relativamente a esta matéria provou-se o que consta das alíneas i) e u) de onde resulta que se estabeleceu uma data incerta para a realização da escritura pública de compra e venda e que seria 20 dias após a aprovação do projecto de construção. Mais estabeleceram as partes que se “previa” que essa aprovação viesse a ocorrer em 23 de Junho de 1993, mas se tal não acontecesse o promitente comprador aqui Autor podia optar entre resolver o contrato ou continuar a aguardar até que aquela fosse emitida.
  Ou seja de acordo com o disposto no artº 270º do C.Civ. de 1966 as partes – outorgantes do contrato de promessa de compra e venda – sujeitaram o contrato de promessa a condição resolutiva, ou seja, o contrato podia ser resolvido na data indicada se o projecto de construção não fosse aprovado mas, essa resolução dependeria da vontade do promitente-comprador em querer continuar a esperar ou não.
  No caso em apreço não se demonstra nem se alega que o promitente-comprador haja feito funcionar essa condição, uma vez que, na data indicada não resolveu o contrato continuando a aguardar pela aprovação do projecto de construção.
  Contrariamente ao que a 2ª Ré alega a manutenção dos efeitos do contrato não dependia da celebração de um acordo para além daquele, uma vez que estava apenas na dependência da vontade do promitente comprador fazer funcionar ou não a condição resolutiva. Não o tendo feito o contrato de promessa e compra e venda manteve-se válido havendo de ser cumprido 20 dias após a data em que viesse a ser aprovado o projecto de construção.
  Não se alegando em momento algum que esse momento – 20 dias após a aprovação do projecto de construção – ocorreu 20 anos antes da data de citação das Rés, nem resultando dos autos quando é que tal evento aconteceu, impõe-se concluir pela improcedência da alegada prescrição, ficando prejudicada a apreciação do que demais se invocava a este respeito…”.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar a posição do Tribunal a quo.
A cláusula 3ª do acordo celebrado entre o Autor e a D, Lda. tem o seguinte teor (fls. 81 dos autos):
   “…
三、 甲方承諾工務局批出草則的時間不能遲過1993年6月23日,如果草則於1993年6月23日尚未批出,乙方有權不買,並且要求甲方在壹拾天內將乙方所交的訂金全部款項退回乙方,另甲方要賠償乙方的損失,其計算方法是乙方所交的訂金按月息 3分計算,如到期草則未批出,乙方有權繼續等候,到時按上述條款另簽協議,乙方要在三天內決定…” 。
Resulta desta cláusula contratual que caso o dia 26/06/1993 chegasse e a autorização não tivesse sido concedida, o Autor tinha o direito de opção no sentido de:
a) deixar de comprar e exigir a devolução do sinal pago, com taxa de juro mensal de 3% a título de indemnização; ou
b) continuar à espera da aprovação, e, neste caso, as partes teriam de assinar um novo acordo nos termos anteriores.
Uma vez que não foi fixado qualquer prazo para o exercício desse direito de opção, o Autor tem o prazo de 20 anos para o fazer, a contar a partir do dia 23/06/1993, que é o prazo da prescrição ordinária previsto no artº 309º do C.C. de 1966, então vigente.
Como se vê, à data da propositura da acção, dia 05/09/2014, o direito da opção do Autor em referência já se encontra prescrito.
Ora, não tendo o Autor exercido em momento oportuno o seu direito de opção e deixando o prescrever, não pode, depois de decorrido mais de 20 anos, vir exigir indemnização com fundamento no incumprimento culposo do acordo por parte da contratante contrária.
Este direito de indemnização só existiria caso o Autor tivesse optado continuar à espera da aprovação dentro do prazo de 20 anos e celebrado um novo acordo com a contratante contrária.
Face ao expendido, a invocada excepção da prescrição não deixará de se julgar procedente.
1. Do mérito da causa:
O Tribunal a quo considerou que a D, Lda. celebrou o acordo com o Autor em representação da 1ª Ré (C, Limitada), no uso da procuração conferida por esta última.
Salvo o devido respeito, não se nos afigura que tal consideração esteja correcta.
Da factualidade assente e provada não resulta que a D, Lda., no acordo celebrado com o Autor, tinha agido em nome e em representação da 1ª Ré.
O que consta da factualidade apurada é o seguinte:
“No dia 23 de Dezembro de 1992, o Autor, na qualidade de promitente-comprador, e a D, Lda., celebraram um acordo escrito que denominaram de contrato-promessa de compra e venda, que recaiu sobre um terreno, com a área de 200.210 pés quadrados, destinado à construção do prédio urbano a que seria atribuído o nº 8, integrado no prédio sito na Estrada XX, nº XX, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 81 e 82 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais” (al. E) dos factos assentes)
Da cópia do acordo junta pelo Autor aos autos a fls. 81 e 82, também nada revela que a 1ª Ré é parte contratante do acordo e representada pela D, Lda..
Também não existe qualquer menção da procuração passada pela 1ª Ré a favor da D, Lda. no texto do acordo em referência.
É certo que a 1ª Ré passou procuração a favor da D, Lda., mas isto não significa que esta última não pode agir em nome próprio no acordo celebrado com o Autor.
Uma vez que a D, Lda. está figurada como parte própria no acordo, nunca pode imputar à 1ª Ré a responsabilidade de indemnização pelo incumprimento culposo do acordo em causa.
Não tendo a 1ª Ré qualquer responsabilidade no caso sub justice, torna-se inútil apreciar se a 2ª Ré assumiu ou não esta obrigação de indemnização.
Pelo exposto e sem necessidade de demais delongas, se conclui pela existência de erro de julgamento na sentença recorrida, que implica a sua revogação.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida, julgando a procedência da excepção da prescrição, bem como a improcedência da acção e absolvendo das Rés do pedido.
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Custas em ambas as instâncias pelo Autor.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 27 de Junho de 2019.

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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong




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203/2019