Processo n.º 613/2019 Data do acórdão: 2019-6-27
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
Há erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 613/2019
(Autos de recurso penal)
Recorrentes:
2.o arguido A
3.o arguido B
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 367 a 378 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-18-0460-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficaram condenados:
– o 2.o arguido A, como co-autor material de um crime consumado de uso de documento falsificado de especial valor, p. e p. pelos art.os 245.o e 244.o, n.o 1, alínea c), do Código Penal (CP), em dois anos de prisão, como co-autor material de um crime consumado de furto qualificado (por valor consideravelmente elevado), p. e p. pelos art.os 198.o, n.o 2, alínea a), e 196.o, alínea b), do CP, em quatro anos e seis meses de prisão, e como co-autor material de um crime consumado de dano, p. e p. pelo art.o 206.o, n.o 1, do CP, em um ano de prisão, e, em cúmulo jurídico, finalmente em cinco anos e seis meses de prisão única;
– e o 3.o arguido B, como co-autor material de um crime consumado de furto qualificado (por valor consideravelmente elevado), em quatro anos e seis meses de prisão, e como co-autor material de um crime consumado de dano, em um ano de prisão, e, em cúmulo jurídico, finalmente em cinco anos de prisão única.
Inconformados, vieram esses dois arguidos recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
Alegou o 3.o arguido, na sua essência, na motivação apresentada a fls. 400 a 402 dos presentes autos correspondentes (com conclusões tecidas em 2.a via a fl. 440 dos mesmos autos, a convite do Tribunal recorrido), que eram severas as penas de prisão por que vinha condenado no aresto recorrido, para rogar que passasse a ser condenado em penas de prisão inferiores, à luz dos art.os 40.o e 65.o do CP.
Enquanto o 2.o arguido alegou, na sua essência, na motivação apresentada a fls. 404 a 419 dos presentes autos, que tinha havido erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal sentenciador no tocante à investigação do crime de uso de documento falsificado, pelo que deveria ser ele absolvido, e que fosse como fosse seria excessiva a medida da sua pena feita no aresto recorrido.
Aos dois recursos, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 427 a 433v dos autos, no sentido igual de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 456 a 457v, opinando pelo não provimento dos dois recursos.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 367 a 378, cuja fundamentação fáctica, probatória e jurídica se dá por aqui integralmente reproduzida.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O 2.o arguido alegou que o Tribunal a quo tinha cometido erro notório na apreciação da prova sobre o crime de uso de documento falsificado.
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Civil (CPP), quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto, inclusivamente sobre o crime de uso de documento falsificado de especial valor.
O resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel.
Quanto à questão da medida concreta da pena, simultaneamente levantada pelos dois arguidos recorrentes, é de louvar a decisão recorrida nesta matéria, sem mais indagação por ociosa (cfr. o art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do CPP).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não providos os recursos.
Custas do recurso do 2.o arguido a cargo deste, com três UC de taxa de justiça e duas mil patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Custas do recurso do 3.o arguido a cargo deste, com duas UC de taxa de justiça, e mil e oitocentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 27 de Junho de 2019.
________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 613/2019 Pág. 8/8