Processo n.º 571/2016
(Autos de recurso cível)
Data: 18/Julho/2019
Descritores: Procuração com poderes especiais
SUMÁRIO
A procuração que confira poderes para celebrar negócio consigo mesmo pode funcionar como um instrumento ou como um meio para a realização de finalidades do contrato de compra e venda.
Pode acontecer que, outorgada a procuração e recebido o preço integral do preço, o outorgante da procuração deixa de ter qualquer interesse nas futuras transmissões do bem. E esse bem pode ser adquirido tanto pelo procurador como por qualquer terceiro.
Estando o outorgante da procuração bem ciente de que foi feita uma procuração a favor do procurador, e pese embora aquele pretender transferir os seus direitos a favor deste, essa transmissão só será concretizada com a celebração da escritura pública, funcionando a tal procuração apenas como um instrumento para efectivar a compra e venda daqueles direitos.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo n.º 571/2016
(Autos de recurso cível)
Data: 18/Julho/2019
Recurso interlocutório
Recorrente:
- A (Autor)
Recurso da decisão final
Recorrentes:
- Companhia de Construção e Investimento Predial X Lda (2ª Ré)
- Companhia de Desenvolvimento Predial X Lda (3ª Ré)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformado com o despacho que indeferiu a condenação da 2ª Ré Companhia de Construção e Investimento Predial X Lda e da 3ª Ré Companhia de Desenvolvimento Predial X Lda como litigantes de má fé, recorreu o Autor A jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“a. As Rés impugnaram a alegação do Recorrente de que o empréstimo de 2010 não havia sido lançado na escrituração de cada uma delas, o que valeu como a negação de que a apontada omissão tivesse ocorrido, ou seja, valeu como a afirmação de que o empréstimo de 2010 foi escriturado nos livros das Rés.
b. É este e apenas este o sentido que se pode extrair dos artigos 96º e 127º das contestações da 2ª Ré e da 3ª Ré, respectivamente (note-se que, nas referidas contestações, as Rés baralham as suas posições, intitulando-se a 2ª Ré de terceira e a 3ª Ré de segunda).
c. Assim o entendeu, aliás, o Tribunal a quo logo ao levar o facto – não lançamento do empréstimo nos livros das Rés – à Base Instrutória.
d. Pois que, sendo o facto pessoal, se entendesse que as Rés não se lhe haviam oposto, o Tribunal a quo tê-lo-ia levado aos Factos Assentes e não à Base Instrutória (v. artigo 410º, n.ºs 1 e 3, do CPC).
e. A confissão posterior das Rés de que efectivamente não lançaram o empréstimo de 2010 nos seus livros demonstra que elas cometeram uma falsidade quando impugnaram esse mesmo facto nas suas contestações.
f. Por consequência, as Rés deduziram oposição cuja falta de fundamento conheciam e alteraram a verdade dum facto – a não escrituração do empréstimo de 2010 – que é relevante para a decisão da causa, dada a sua manifesta importância para se estabelecer a convicção de que o dito empréstimo foi simulado.
g. A confissão das Rés só surgiu in extremis, quando aquelas se viram na iminência de ter que expor os seus livros à inspecção do tribunal, o que demonstra que agiram com dolo.
h. Estão assim reunidos os requisitos da litigância de má-fé previstos no artigo 385º, n.º 2, a) e b) do CPC.
Por tudo exposto, e com douto suprimento deve julgar-se provado e procedente este recurso, revogando-se a decisão recorrida e condenando-se as Rés como litigantes de má-fé, devendo o Recorrente ficar isento das custas do incidente que suscitou, as quais deverão ser antes imputadas às Rés, e condenando-se estas nas custas, selo e demais encargos deste recurso e, bem assim no pagamento de justa procuradoria ao Recorrente, com o que se fará Justiça!”
*
Ao recurso respondeu as 2ª e 3ª Rés, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
*
Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido, foi julgada parcialmente procedente a acção.
Inconformadas, interpuseram as 2ª e 3ª Rés recurso jurisdicional para este TSI, formulando as seguintes conclusões:
“a. O Autor não faz a prova, como lhe competia, dos factos necessários à procedência da acção.
b. O Tribunal deu como provado certos factos essenciais, que levaram à procedência da causa, aceitando especulações como certezas e, a partir delas, presumindo o que, por lei, lhe estava vedado presumir.
c. Os termos em que estão redigidas as respostas aos quesitos 1º, 8º e 12º da Base Instrutória causam dificuldades sérias de interpretação e fixação de prova, difíceis de ultrapassar.
d. O primeiro aspecto em que há uma fundamental ambiguidade, por indeterminação, nas respostas aos quesitos 8º e 12º prende-se com o título por que a 2ª Ré teria entregue ao 1º Réu uma quantia em dinheiro: os factos assentes, como os factos provados constantes da base instrutória, não contêm nenhum indício de que a quantia tenha sido entregue a título de pagamento do preço.
e. O facto de ter sido entregue uma quantia em dinheiro [cf. resposta ao quesito 1º], de o 1º Réu não fazer intenção de proceder ao reembolso da quantia recebida [cf. resposta ao quesito 7º] e de a 2º Ré não fazer intenção, por não ter interesse, em ser reembolsada [cf. resposta ao quesito 6º] não são suficientes nem para se sustentar que houve pagamento do preço nem, muito menos, para se sustentar que houve um pagamento integral do preço convencionado.
f. Caso deva aceitar-se, como aparentemente aceita o douto Acórdão recorrido, que a quantia foi entregue a título de pagamento do preço, em contrato de compra e venda, o segundo aspecto em que há uma fundamental ambiguidade, por indeterminação, nas respostas aos quesitos 8º e 12º da Base Instrutória, prende-se com o objecto do contrato.
g. O Tribunal a quo deveria ter atendido, para determinar se a eventual compra e venda tinha por objecto todos os imóveis ou se só alguns dos imóveis referidos na procuração o montante da quantia em dinheiro (entregue pelo 1º Réu à 2ª Ré): se a quantia em dinheiro fosse suficientemente avultada para que pudesse constituir o correspectivo da alienação das quotas ideais num “grande número de imóveis” faria sentido que tivesse por objecto todos os imóveis referidos na procuração; se não fosse suficientemente avultada, faria sentida que tivesse por objecto alguns, e só alguns dos imóveis referidos, devendo então determinar-se quais.
h. A manifesta insuficiência de elementos de prova devido às ambiguidades e indeterminação assinaladas, e que não poderiam ter sido supridas por presunções judiciais, não permitem que aqueles quesitos pudessem ter disso dado como provados.
i. Mesmo assim, o Tribunal entendeu que a procuração junta aos autos como doc. 1 consubstancia uma compra e venda, pelo que teria de ser declarada nula por falta de forma.
j. O Tribunal desconsiderou outras situações plausíveis que resultaram do julgamento, e que poderiam ser admissíveis de acordo com a experiência da vida, como um simples mandato oneroso típico, ou a promessa de compra e venda, ainda que com pagamento de sinal e sujeita a condição, ou em contrato de parceria através do qual o 1º Réu disponibilizava os seus bens e a 2º Ré disponibilizava a sua reconhecida expertise para tirarem rendimentos e lucros de um futuro desenvolvimento imobiliário, ou a procuração ter sido uma simples garantia de um empréstimo, ou, no limite um qualquer negócio inominado permitido por lei.
k. O Tribunal decidiu a partir de depoimentos que nada disseram de concreto sobre alguns concretos quesitos que se impugnam por se considerar que foram incorretamente julgados (art. 599º, n.º 1, al. a) do CPCM).
l. Mais concretamente, os quesitos 1º, 6º, 7º, 8º a 12º, e, por razões diversas, os quesitos 15º, 16º e 17º.
m. Esses quesitos foram dados como por provados por recurso a presunções mas sem que as conclusões tiradas tivessem correspondência com alguma prova feita em julgamento.
n. “As presunções judiciais inspiram-se nas regras da experiência, nos juízos correntes de possibilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, traduzem-se em juízos de valor formulados perante os factos provados e reconduzem-se ao julgamento da matéria de facto.”
o. No Acórdão de resposta aos quesitos escreve-se que “em relação aos actos praticados pelo 1º Réu previamente à outorga da procuração e a sua intenção, designadamente nos quesitos 1º a 5º a 12º, o tribunal teve em conta, em primeiro lugar, o depoimento da 1º Testemunha do Autor e da testemunha da 2ª Ré.”
p. A 1º Testemunha, filho do Autor, mostrou não ter conhecimento directo sobre as matérias a que se referem os quesitos 1º, 6º, 7º, 8º e 12º. A razão de ciência do que foi declarado é irrelevante: ouviu dizer, aqui e ali – como referiu mais do que uma vez em Tribunal: “havia rumores” -, mostrou um enorme desconhecimento de muitos factos importantes, confundiu diversas situações essenciais, prestou declarações contraditórias e, naturalmente, repetiu o que havia conversado com o seu advogado, que o elucidou dos documentos trazidos aos autos e a partir dos quais estabeleceu as relações que motivaram a acção aqui em análise.
q. A 1ª testemunha do Autor, por essas razões e pelo seu interesse na causa, deveria ter sido desconsiderada em relação à prova dos quesitos 1º a 5º a 12º e não, como aconteceu, ser considerada um dos principais razões para a formação da convicção do Tribunal.
r. O outro depoimento principal para as respostas aos mesmos quesitos foi a testemunha da 2ª Ré, B.
s. O seu depoimento não permite concluir, nem sequer por aproximação, sustentar a tese acolhida pelo Tribunal de que “a procuração é a própria compra e venda!”
t. Além do mais, as hipóteses de explicação para o eventual negócio – que foram levadas à Base Instrutória e constavam dos arts. 9º, 10º e 11º - foram todos dados como não provados.
u. O facto de os três referidos quesitos (9º, 10º e 11º) terem sido considerados como não provados, retira definitivamente, qualquer fundamento lógico, previsível e consequente à presumida conclusão do tribunal de que houve uma compra e venda.
v. Não é legítima, nem legal, a presunção única do tribunal – que não fez sequer o exercício de enunciar e excluir outras alternativas, o que seria importante para se perceber melhor o seu processo analítico e decisório – de que tivesse havido uma compra e venda e que o que as partes quiseram efectivamente foi proceder a uma compra e venda.
w. É uma presunção ilegal e que não tem sustentação na prova produzida em tribunal, razão pela qual, os quesitos 1º, 6º, 7º, 8º e 12º foram incorretamente julgados e nunca poderiam ter sido dados como provados.
x. O tribunal analisou e julgou segundo os mesmos critérios e padrões a escritura de mútuo com hipoteca de 2001 e a escritura de mútuo com hipoteca de 2010, quando as circunstâncias de facto de cada uma delas eram manifestamente diferentes.
y. O Tribunal, no Acórdão na avaliação do quesito 16º (escritura de 2001), mas também o quesito 26º (escritura de 2010), que deu como provados justifica que teve em conta “que nenhum documento foi junto para demonstrar a existência da movimentação de capital correspondente ao valor envolvido, de ajuste de contas ou de actos de dação em pagamento.”
z. A verdade é que, objetivamente, as duas situações são independentes e diferentes entre si.
aa. Em relação ao empréstimo de 2001 o facto provado de que se devia ter partido para analisar a escritura dessa data é a de que: (i) não há prova documental; e (ii) não há prova documental porque os livros já não existem, não se sabendo se foi ou não escriturada o dinheiro emprestado e recebido.
bb. Situação diferente era a do empréstimo de 2010, em que as 2ª e 3ª Ré confessaram que não tinham escriturado nos seus livros o empréstimo, justificando a razão por que tal aconteceu.
cc. Esta diferença objectiva de contextos faz com que a ora recorrente aceite a presunção do Tribunal feita em relação ao empréstimo de 2010 (ainda que não concordando com ela), mas não aceite como válida a presunção feita em relação ao empréstimo de 2001.
dd. Por estas razões os quesitos 15º e 16º devem ser considerados não provados.
Impugnação da decisão de direito
ee. O interesse processual do Autor, porque foi aí que ele fundou a sua causa de pedir, radica no direito de propriedade da quota-parte de 2 (duas) propriedades situadas em Macau. Com a invocação de que a Procuração e as duas Escrituras lesavam os seus direitos e pediu a sua declaração de nulidade.
ff. Em contrapartida, o Autor não tem qualquer interesse na produção dos efeitos da nulidade da procuração em relação a todas as restantes 168 (cento e sessenta e oito) propriedades constantes da procuração.
gg. O Autor também não tem qualquer interesse na produção dos efeitos da nulidade da procuração na parte em que foram conferidos poderes referentes ao direito à ocupação temporária da parcela de terreno com a área de 85,30 metros quadrados, sita no tardoz do prédio números 54 a 56 da Avenida…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º …, a fls. … do livro …, terreno esse que nunca foi abordado nos presentes autos.
hh. O Autor também não tem qualquer interesse processual na produção dos efeitos da nulidade da procuração em relação “aos direitos que o mandante (i.e. o 1º Réu) possui na qualidade de beneficiário do “Discretionary Trust” instituído pela autora da herança, C, também conhecida por C, no testamento, relativamente aos bens que ao mesmo foram adjudicados no referido inventário que correu os seus termos no tribunal de Macau, nomeadamente os poderes para receber dividendos, lucros, ou quaisquer vantagens distribuídas pelo referido “Discretionary Trust”, assim como os poderes para participar em quaisquer reuniões do “Discretionary Trust” com plenos poderes para livremente decidir e votar em quaisquer matérias”.
ii. Estes direitos (nomeadamente o do direito à ocupação temporária de uma parcela de terreno e aos direitos no “Discretionary Trust” não são parte do objecto da acção, mas estão incluídos na procuração declarada nula pelo Tribunal com o fundamento de que a “procuração é a compra e venda”.
jj. Os pressupostos processuais de uma acção são necessariamente apreciados no momento da sua propositura, mas devem ser revisitados e reavaliados no momento em que o Tribunal se prepara para proferir a decisão.
kk. Ao declarar a nulidade de toda a procuração o tribunal afectou os direitos e os legítimos interesses do 1º Réu e da 2º Ré, sem qualquer causa legítima, e extravasando os limites da sua capacidade e poder de cognição.
ll. Em consequência, nunca o Tribunal a quo poderia ter declarado a nulidade da Procuração e das Escrituras porque o Autor não tem qualquer interesse processual em relação à esmagadora maioria dos bens nele incluídos.
Por outro lado,
mm. Ainda que se admita que a procuração outorgada pelo 1º Réu à 2 Ré se destinou a tornar efectivo um acordo particular de transmissão das quotas ideais detidas pelo 1º Réu nos imóveis referidos na procuração, nunca se poderia considerar que a “procuração é a compra e venda”, designadamente para o efeito de aplicar à procuração o regime de forma da compra e venda.
nn. O instituto da procuração é um instituto desfuncionalizado, a procuração pode ser outorgada no interesse do representado, do representante ou de terceiro: pode ser outorgada no interesse comum do representante e do representado; pode ser outorgada no interesse exclusivo ou quase exclusivo do dominus (do representado); pode ser outorgada no interesse – exclusivo ou quase exclusive – do procurator (do representante); e, por ultimo, pode ser outorgada no interesse – exclusivo ou quase exclusivo – de um terceiro.
oo. O recurso a uma procuração irrevogável, para permitir que o fim do alienante/representado seja realizado imediatamente, com o pagamento do preço, e para que o fim do adquirente/representante seja realizado mediatamente, p. ex., com a conclusão do contrato de compra e venda, corresponde a uma interesse do dominus.
pp. O alienante pode atingir o fim por si prosseguido de duas formas: concluindo um contrato de compra e venda ou fazendo uma procuração, em regra irrevogável, por que atribua ao procurador o poder de concluir o contrato, consigo próprio ou com terceiros.
qq. A primeira pode ser mais difícil e a segunda, a procuração, pode ser mais fácil – as partes podem ter deixado em aberto a questão de saber quais seriam os sujeitos do negócio de transmissão [se se os bens seriam adquiridos pelo 2º Réu (através de um negócio consigo mesmo, expressamente permitido pelo teor da procuração) ou por um terceiro, estranho à relação representativa]; podem ter deixado em aberto a questão de saber qual seria o objecto do negócio de transmissão [se seriam alienados todos ou só alguns] e/ou a questão de saber quais seriam as circunstâncias de tempo do negócio de transmissão.
rr. Se a procuração fizer com que a satisfação do seu interesse no pagamento do preço seja mais fácil e, em particular, se fizer com que a satisfação do seu interesse no pagamento do preço seja mais rápida, corresponderá a um interesse digno de protecção legal.
ss. O facto de o acórdão recorrido concluir que “a compra e venda é a procuração” só poderá explicar-se pelo facto de o tribunal desconhecer ou desvalorizar a hipótese de a procuração irrevogável funcionar como um instrumento ou como um meio para a realização de finalidades do contrato de compra e venda ou de finalidades análogas às do contrato de compra e venda.
tt. A procuração corresponde à vontade real do declarante (do 1º Réu); correspondendo, como corresponde, à vontade real do declarante (do 1º Réu), deve aplicar-se-lhe o regime de forma da procuração.
uu. Também por estas razões, deve a decisão que decretou a nulidade da procuração ser revogada porque os factos dados como provados são inadequados e insuficientes para sustentar a presunção do Tribunal de que a Procuração do 1º Réu para a 2ª Ré consubstancia uma compra e venda e, outrossim, declarar válida e mesma procuração tendo em conta, entre outras, as conclusões enunciados nos pontos 177 a 185 supra, que aqui se dão igualmente por reproduzidos.
vv. O Tribunal entendeu que as duas escrituras de mútuo com hipoteca configuram um acordo simulado, dando como provado os três requisitos típicos da simulação.
ww. Porém, não há prova documental do empréstimo o que, no entender do Tribunal (cfr. Acórdão de resposta aos quesitos, pág. 11), se revela como um dos elementos de prova importante para provar o acordo simulatório.
xx. Mas, mais decisivo, e com o devido respeito por opinião contrária, não se provou o terceiro requisito da simulação, ou seja, intuito de enganar terceiros.
yy. A interpretação deste requisito obriga a que se faça a qualificação do que é um engano, devendo concluir-se que não basta a existência de um mero engano; o requisito só se verifica se se o engano for relevante, ou seja, que produza efeitos ao nível dos interesses englobados na esfera jurídica de terceiros.
zz. Dos factos provados não se extrai a existência de intenção de enganar ou, até mesmo, a intenção de prejudicar. A redacção do quesito 22º e 30º-A é expressiva: “(…) a 2ª Ré e a 3ª Ré pretenderam que quem as quisesse distratar lhes pagasse o valor por elas garantido”.
aaa. Nesta perspectiva, poderia sempre entender-se que a valorização funcionaria como mero veículo de protecção do 1º Réu relativamente à efectiva transmissão do direito de propriedade e sem saliência ou reflexo substancial na esfera jurídica de terceiros.
bbb. O que levaria à conclusão necessária de que não estaria verificado o terceiro requisito da simulação, e, em consequência, que houve uma má aplicação do direito ao caso concreto, não havendo fundamento legal para a declaração de nulidade das duas escrituras de mútuo com hipoteca.
Nestes termos, e nos melhores de direito, requer-se a V. Exas. se dignem conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida nos termos e com os fundamentos expostos, assim se fazendo JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu o Autor nos seguintes termos conclusivos:
“a. A matéria de facto provada e a livre convicção do tribunal são suficientes para sustentar a decisão de que a procuração e os mútuos com hipoteca são nulos.
b. Não houve falta de fundamentação na decisão recorrida porquanto o tribunal a quo não tinha que explicitar todos os negócios jurídicos que se afigurassem possíveis cabendo esse raciocínio a um juízo implícito, sendo suficiente a explicação clara dada pelo tribunal a quo da razão pela qual concluiu que a procuração se tratou apenas de um acordo de compra e venda; de resto, o uso que a Recorrente viria a dar à procuração, servindo-se dela para garantir um suposto empréstimo próprio e não uma dívida do mandante, não permite outra interpretação quanto ao propósito negocial comum ao 1º R. e à Recorrente que não seja a que o tribunal a quo fez.
c. Tratando-se de uma simulação absoluta – a procuração apenas serviu como um acordo de compra e venda, nada subsiste daquele negócio simulado.
d. O interesse processual do Recorrido está perfeitamente demonstrado pelo facto da declaração judicial de nulidade da procuração e subsequentemente dos mútuos com hipoteca ser o único meio ao seu alcance para acautelar os seus interesses legítimos consubstanciados na titularidade das quotas ideias dos imóveis a que respeitam a procuração.
Pelo exposto, deve o recurso apresentado pela 2ª R. ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão judicial ora recorrida e condenando-se aquela nas custas judiciais.”
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:
O A. é comproprietário na proporção de 1/15 do prédio sito na…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º…, a fls…. do livro …, conforme inscrição n.º … (alínea A) dos factos assentes).
O A. é comproprietário na proporção de 473/22400 do prédio sito na…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º …, a fls. … do livro …, conforme inscrição n.º … (alínea B) dos factos assentes).
O 1º R. é comproprietário na mesma proporção do A. dos imóveis referidos na alínea A) e B) (alínea C) dos factos assentes).
O 1º R. outorgou em 11 de Maio de 2001, no Cartório do Notário Privado Dr. Fong Kin Ip, uma procuração a favor da 2ª R. relativa às suas quotas ideais num grande número de imóveis, entre os quais figuram os imóveis identificados na alínea C), conferindo, designadamente, à procuradora poderes para (alínea D) dos factos assentes):
a) livremente promete vender, vender, doar, prometer hipotecar, hipotecar, permutar, partilhar, trocar ou por qualquer forma ou título onerar ou dispor da titularidade de algum ou da totalidade desses prédios;
b) praticar quaisquer actos, celerbrar quaisquer contratos e outorgar em escrituras públicas, incluindo de rectificação, ou assinar quaisquer outros documentos públicos ou particulares para a plena eficácia dos aludidos actos e contratos, recebendo preços, dando recibos e dando quitações .
A mesma procuração permitiu a prática de “negócios consigo mesmo” e foi conferida a favor da procuradora, ora 2ª R. (alínea E) dos factos assentes).
Em 7 de Novembro de 2001, por escritura pública lavrada no Cartório do Notário Privado Dr. Fong Kin Ip, a 2ª R. declarou contrair um empréstimo de dez milhões de patacas junto da 3ª R. e conferir-lhe hipoteca sobre as quotas ideais que o 1º R. detém nos imóveis identificados a fls. 68 a 89 no doc. de fls. 66 a 89, que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea F) dos factos assentes).
O empréstimo referido na alínea F) foi concedido pelo prazo de um ano, renovável automaticamente por períodos iguais, se não fosse denunciado por qualquer das partes, por escrito, com a antecedência mínima de quinze dias sobre o termo de qualquer uma das suas renovações, vencia juros de 20% ao ano e era reembolsável num única prestação, no seu vencimento (alínea G) dos factos assentes).
Sob a inscrição n.º … na Conservatória do Registo Predial de Macau, ficou registada a hipoteca a favor da 3ª R. sobre as quotas ideias detidas pelo 1º Réu sobre os imóveis mencionados na alínea F) para garantia o empréstimo aí referido (alínea H) dos factos assentes).
À data de 7 de Novembro de 2001, eram sócios da 2ª R. o D, E, F e G (alínea I) dos factos assentes).
A 3ª R. tem capital social de MOP$100.000,00 (alínea J) dos factos assentes).
Desde 14 de Outubro de 1995, os H e I eram titular, respectivamente, de quota social no valor de MOP$50.000,00 da 3ª R. (alínea K) dos factos assentes).
Em 16 de Junho de 2008, os J e K adquiriram a quota social detidas pelo I na 3ª Ré (alínea L) dos factos assentes).
Desde então, os J e K passaram a ser administradores da 3ª Ré (alínea M) dos factos assentes).
O H votou em 2008, na qualidade de sócio da 3ª R., o consentimento da sociedade na cessão da quota de I aos J e K, e renunciou ao exercício do direito de preferência da sociedade nessa cessão (alínea N) dos factos assentes).
O K é cunhado do D (alínea O) dos factos assentes).
Em 30 de Junho de 2009, H foi designado administrador e tornou-se sócio da 2ª R. mediante a aquisição das quotas de D e de sua mulher E (alínea P) dos factos assentes).
Transmitidas as quotas de D e mulher na 2ª R. a H, o capital social da 2ª R. ficou distribuído entre F, o H, o L e a Sociedade de Investimento Imobiliário X Limited (alínea Q) dos factos assentes).
A Sociedade de Investimento Imobiliáruio X Limitada tem como sócios o L e M (alínea R) dos factos assentes).
As quotas adquiridas por H na 2ª R. totalizam MOP$60.000,00 num capital social de MOP$1.933.200,00 (alínea S) dos factos assentes).
Por escritura de 30 de Dezembro de 2010, do Cartório do Notário Privado Dr. João Miguel Barros, a 2ª R e a 3ª R. declararam contrair um mútuo com a hipoteca em que de novo a 2ª R. figurou como devedora hipotecante e a 3ª R. como credora hipotecária (alínea T) dos factos assentes).
O empréstimo é no montante de MOP$41.597.803,50 (alínea U) dos factos assentes).
Vence juros de 20% e é reembolsável num única prestação, na data do seu vencimento (alínea V) dos factos assentes).
A hipoteca incide sobre os mesmos bens referidos na alínea F) e ficou registada na Conservatória do Registo Predial de Macau pela inscrição n.º … (alínea W) dos factos assentes).
O 1º Réu estipulou com a 2ª Ré um acordo particular nos termos do qual a 2ª Ré, como contrapartida da entrega definitiva de uma quantia em dinheiro ao 1º Réu, poderia fruir e dispor definitivamente ou onerar as quotas ideais do 1º Réu em todos os imóveis identificados na procuração referida em D) dos factos assentes (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
O pai e o irmão do 1º Réu não tinham qualquer ocupação profissional à data do acordo referido na resposta ao quesito 1º (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
O pai do 1º R. fora declarado insolvente por um tribunal de Hong Kong (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
À data do acordo referido na resposta ao quesito 1º o 1º Réu tinha dificuldades financeiras (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
A 2ª R. não estava interessada em ser reembolsada do montante que entregou ao 1º R. (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
Nem o 1º R. fazia intenção de proceder a esse reembolso (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
Através do acordo aludido na resposta ao quesito 1º, o 1º Réu e a 2ª Ré quiseram transferir os direitos imobiliários daquele para esta contra o pagamento de uma quantia em dinheiro por esta àquele (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
O 1º Réu outorgou a procuração aludida em D) dos factos assentes para tornar efectivo o negócio referido na resposta ao quesito 1º (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
A 2ª R. era, à data da escritura de mútuo com hipoteca referida na alínea F) dos Factos Assentes, uma sociedade da família do empresário D (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
No ano de 2001, os juros para empréstimos comerciais correntes oscilaram entre 3,125% ao ano (correspondente a uma prime rate de 5,125% - 2%) e 7,125% ao ano (correspondente a uma prime rate de 5,125% + 2%), muito inferiores portanto aos 20% que a 2ª Ré aceitou (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
Apesar da outorga da escritura pública referenciada na alínea F) dos Factos Assentes, nunca houve efectivo fluxo de dinheiro da 3º R. para a 2ª R. (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
O empréstimo nunca foi escriturado como crédito ou débito nos livros da 3ª R. e da 2ª R., respectivamente (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
Prejudicado (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
Prejudicado (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
Prejudicado (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
Ao usar a procuração referida em D) dos factos assentes em 7 de Novembro de 2011 para constituir hipoteca sobre as quotas ideais do 1º Ré nos referidos imóveis, a 2ª Ré e a 3ª Ré pretenderam que quem as quisesse distratar lhes pagasse o valor por elas garantido (resposta ao quesito 22º da base instrutória).
Em data não concretamente apurada de 2010, mas entre 14 de Julho de 2010 e 30 de Dezembro de 2010, o Autor procurou a 2ª Ré para obter o levantamento da hipoteca (resposta ao quesito 24º da base instrutória).
Mas não produziu resultados (resposta ao quesito 25º da base instrutória).
Apesar de escritura referido em T) dos factos assentes, também não houve fluxo de dinheiro entre as 2ª e 3ª Rés e as estas Rés não escrituraram o empréstimo nas suas contas (resposta ao quesito 26º da base instrutória).
Prejudicado (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
O mútuo com hipoteca mencionada em T) dos factos assentes foi feito em reacção à tentativa do Autor de libertar a hipoteca referida em F) dos factos assentes, para tornar mais onerosa a satisfação deste objectivo, valorizando ainda mais o investimento que a 2ª Ré fizera na aquisição das quotas ideais do 1ª Réu nos referidos imóveis (resposta ao quesito 28º da base instrutória).
A 2ª Ré não tinha vontade de pedir dinheiro emprestado e garantir o empréstimo nem a 3ª Rés tinha vontade de emprestar dinheiro e obter garantia do empréstimo (resposta ao quesito 29º da base instrutória).
Quando foi usada a procuração conferida à 2ª Ré, a vontade real da 2ª e da 3ª Rés era a de valorizar o investimento feito pela 2ª Ré na compra das quotas ideais do 1º Réu (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
Ao usar a procuração referida em D) dos factos assentes em 30 de Dezembro de 2010 para constituir hipoteca sobre as quotas ideais do 1º Ré nos referidos imóveis, a 2ª Ré e a 3ª Ré pretenderam que quem as quisesse distratar lhes pagasse o valor por elas garantido (resposta ao quesito 30ºA da base instrutória).
O F, E e G é pai, mulher e irmã do D (resposta ao quesito 31º da base instrutória).
Os L e M são filhos do D (resposta ao quesito 32º da base instrutória).
O I foi, em 20 de Abril de 2007, nomeado administrador de uma sociedade cotada na Bolsa de Hong Kong, denominada X International Holdings Limited, juntamente com L, filho de D (resposta ao quesito 34º da base instrutória).
Nessa mesma data, D renunciou ao cargo de administrador da sociedade referida na resposta ao quesito 34º (resposta ao quesito 35º da base instrutória).
*
Comecemos pelo recurso do despacho interlocutório.
Entende o Autor que as 2ª e 3ª Ré deviam ser condenadas como litigantes de má fé, em virtude de as mesmas terem impugnado na sua contestação o que o Autor afirmou no artigo 91º da petição inicial, mas que posteriormente vieram confessar aquela mesma matéria.
Consta da decisão recorrida o seguinte:
“Da litigância de má-fé
Entidade o A que as RR, ao impugnarem no art. 96º e 127º das respectivas contestações que houvesse omissão de escrituração, nos seus livros referentes a 2010, do empréstimo que supostamente a 3ª Ré concedeu à 2ª R naquele ano, facto que o A alegou no art. 91º da p.i., mas vieram depois informar que afinal o dito empréstimo não tinha mesmo sido escriturado.
Ora, alegou o A no art. 91º da p.i. que “Também aqui não houve fluxo de dinheiro e as duas RR não não escrituraram o empréstimo nas suas contas.”
Nos artsº 96º da contestação da 3ª Ré e 127º da contestação da 2ª Ré, alegaram as RR que “Com efeito, a formulação tecida no art. 91º não corresponde à verdade e tanto assim é que alega nos números anteriores.”
Veja-se que no art. 91º da p.i. foi dito duas coisas: 1) não houve fluxo de dinheiro; 2) as duas RR não escrituraram o empréstimo nas suas contas.
E nas contestações, as RR defenderam que os empréstimos eram reais e o fluxo de dinheiro. Já quanto à escrituração dos empréstimos, as RR não disseram nas contestações que a mesma tinha sido feita. É verdade que as RR, ao defenderem a existência dos empréstimos, tenham impugnado o art. 91º da p.i., todavia, com a mera impugnação do art. 91º, sem dizerem mais nada quanto à existência ou não da escrituração, não se pode dizer que as RR tivessem alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa!
Deste modo, com base no que foi dito nos artsº 96º da contestação da 3ª Ré e 127º da contestação da 2ª Ré, não se constata a litigância de má fé por parte das RR pelos que se indefere a pretensão do A.
Custas do incidente pelo A.”
Vejamos.
Alega o Autor nos artigos 85º a 92º da sua petição inicial o seguinte:
“85º - Por escritura de 30 de Dezembro de 2010, do Cartório do Notário Privado Dr. João Miguel Barros, a 2ª Ré e a 3ª Ré voltaram a contrair um mútuo com hipoteca em que de novo a 2ª Ré figurou como devedora hiptecante e a 3ª Ré como credora hipotecária.
86º - O empréstimo é, desta vez, no montante de MOP$41.597.803,50.
87º - Um valor estranho que prenuncia um esquema mais sofisticado que o do primeiro mútuo com hipoteca.
88º - Foi concedido pelo prazo de um ano, renovável automaticamente por iguais períodos se não fosse denunciado por qualquer das partes, por escrito, com a antecedência mínima de quinze dias sobre o seu termo de qualquer uma das suas renovações.
89º - Vence juros de 20%, não referindo a escritura se o juro é anual ou tem outra periodicidade, e é reembolsável numa única prestação, na data do seu vencimento.
90º - A hipoteca incide sobre os mesmos bens que a primeira hipoteca e ficou registada na Conservatória do Registo Predial de Macau pela inscrição n.º ….
91º - Também aqui não houve fluxo de dinheiro e as duas RR. não escrituraram o empréstimo nas suas contas. – sublinhado nosso
92º - Ainda que não se prove o alegado no artigo anterior, o facto é que este mútuo com hipoteca foi feito em reacção à tentativa do A. de libertar a primeira hipoteca, para tornar mais onerosa a satisfação desse objectivo, valorizando ainda mais o investimento que a 2ª Ré fizera na compra das quotas ideais do 1º Ré nos ditos imóveis.”
E na contestação, a 2ª Ré respondeu àquela matéria nos seguintes termos:
“94º - Porém, já não corresponde à verdade, pelo que se impugna, o teor dos art. 91º a 95º da P.I., isto para além de, mais uma vez, o descrito naqueles artigos não passar de meras suposições do Autor e incidir sobre matéria que só respeita às relações entre a 2ª e a 3ª Ré conforme supra já se deixou dito, a propósito do primeiro contrato de mútuo.
95º - Efectivamente, o Autor, uma vez mais, tece meras suposições e meras considerações, formulando conclusões e lançando suspeitas sem apresentar factos!
96º - Com efeito, a formulação tecida no art. 91º não corresponde à verdade e tanto assim é que logo no art. 92º, o próprio Autor reconhece que não o consegue provar o que alega nos números anteriores.” – sublinhado nosso
Por sua vez, também a 3ª Ré contestou a acção, defendendo no mesmo sentido:
“125º - Porém, já não corresponde à verdade, pelo que se impugna, o teor dos art. 91º a 95º da P.I., isto para além de, mais uma vez, o descrito naqueles artigos não passar de meras suposições do Autor e incidir sobre matéria que só respeita às relações entre a 2ª e a 3ª Ré conforme supra já se deixou dito, a propósito do primeiro contrato de mútuo.
126º - Efectivamente, o Autor, uma vez mais, tece meras suposições e meras considerações, formulando conclusões e lançando suspeitas sem apresentar factos!
127º - Com efeito, a formulação tecida no art. 91º não corresponde à verdade e tanto assim é que logo no art. 92º, o próprio Autor reconhece que não o consegue provar o que alega nos números anteriores.” – sublinhado nosso
De facto, foram alegados no artigo 91º da petição inicial dois aspectos: não houve fluxo de dinheiro e as duas Rés não escrituraram o empréstimo nas suas contas.
E ao dizer que o afirmado no artigo 91º não correspondia à verdade, as duas Rés estavam a negar directamente a veracidade do seu conteúdo, ou seja, negar a inexistência de fluxo de dinheiro e a falta de escrituração do empréstimo nas suas contas.
Trata-se, no fundo, de uma defesa por impugnação prevista nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 407.º do CPC, em que consiste na negação de factos articulados pelo Autor na petição inicial.
E foi, efectivamente, em consequência disso que o Tribunal recorrido levou para a base instrutória aquela matéria controvertida e inserida no quesito 26º.
Mais tarde, quando foram notificadas pelo Tribunal para apresentarem a prova do lançamento nos livros de escrituração mercantil, as duas Rés vieram dizer o seguinte:
“1. As ora Rés não têm os livros de escrituração mercantil referentes a 2001, data do primeiro contrato de empréstimo. E não era exigível que os tivessem, em face do Art. 49º do Código Comercial (na redacção da Lei 16/2009, de 10 de Agosto), que estabelece a obrigatoriedade de conservação da escrita comercial por um período de apenas cinco anos, há muito ultrapassado.
2. As ora Rés não registaram nos seus livros de escrituração mercantil a relação comercial estabelecida em relação ao segundo empréstimo, realizado em 2010. Poderá ser uma irregularidade contabilística, mas não pode ter outro significado concreto! Nem sequer autoriza que daí se conclua qualquer outro facto ou efeito, que não esse.
Essa relação comercial está titulada pela escritura pública de 30 de Dezembro de 2010 junta aos autos, e manteve-se na esfera particular das partes, atendendo ao longo e excelente relacionamento profissional existente desde sempre entre as duas empresas, e como é, aliás, muito usual nestas circunstâncias em Macau.”
Ao contrário do que tinham dito na contestação, afinal as duas Rés vieram confessar que o dito empréstimo não tinha sido escriturado.
Dispõe o n.º 1 e a alínea b) do n.º 2 do artigo 385.º do CPC que quem, com dolo ou negligência grave, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a descoberta da causa, é considerado litigante de má fé, devendo ser condenado em multa.
No caso vertente, o facto de haver ou não escrituração do empréstimo nas contas das duas Rés é um facto pessoal, para além de ser relevante para a boa decisão da causa, e faltando à verdade sobre esse assunto, as mesmas devem ser consideradas como litigantes de má fé.
Procedem, assim, as razões do Autor recorrente.
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 385.º do CPC e n.º 2 do artigo 101.º do Regulamento das Custas dos Tribunais, condenam-se as duas Rés na multa de 5 U.C. cada.
*
No tocante ao recurso interposto pelas 2ª e 3ª Rés, as mesmas começam por impugnar a decisão sobre a matéria de facto provada nos quesitos 1º, 6º, 7º, 8º, 12º, 15º, 16º e 17º da base instrutória, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação das provas.
O Tribunal recorrido respondeu aos referidos quesitos da seguinte forma:
Quesito 1º - “O 1º Réu estipulou com a 2ª Ré um acordo particular nos termos do qual a 2ª Ré entregou, definitivamente, duma quantia em dinheiro ao 1º R., em contrapartida de a 2ª R. poder fruir e dispor definitivamente ou onerar, como um dono de facto desses direitos imobiliários, as quotas ideais do 1º R. em todos os imoveis identificados na procuração referida na alínea D) dos Factos Assentes?”, e a resposta foi: “Provado que o 1º Réu estipulou com a 2ª Ré um acordo particular nos termos do qual a 2ª Ré, como contrapartida da entrega definitiva de uma quantia em dinheiro ao 1º Réu, poderia fruir e dispor definitivamente ou onerar as quotas ideais do 1º Réu em todos os imóveis identificados na procuração referida na alínea D) dos Factos Assentes.”
Quesito 6º - “A 2ª R. não estava interessada em ser reembolsada do montante que entregou ao 1º R.?”, e a resposta foi: “Provado.”
Quesito 7º - “Nem o 1º R. fazia intenção de proceder a esse reembolso?”, e a resposta foi: “Provado.”
Quesito 8º - “Através do acordo aludido no artº 1º, o 1º R. e a 2ª R. quiseram transferir o domínio absoluto dos direitos imobiliários daquele para esta, contra o pagamento duma quantia em dinheiro por esta a aquele?”, e a resposta foi: “Provado que através do acordo aludido na resposta ao quesito 1º, o 1º Réu e a 2ª Ré quiseram transferir os direitos imobiliários daquele para esta contra o pagamento de uma quantia em dinheiro por esta àquele.”
Quesito 12º - “O 1º Réu outorgou a procuração aludida na alínea D) dos Factos Assentes para tornar efectivo o negócio referido no artº 1º?”, e a resposta foi: “Provado que o 1º Réu outorgou a procuração aludida na alínea D) dos factos assentes para tornar efectivo o negócio referido na resposta ao quesito 1º.”
Quesito 15º - “Apesar da outorga da escritura pública referenciada na alínea F) dos Factos Assentes, nunca houve efectivo fluxo de dinheiro da 3ª R. para a 2ª R.?”, e a resposta foi: “Provado.”
Quesito 16º - “O empréstimo nunca foi escriturado como crédito ou débito nos livros da 3ª R. e da 2ª R., respectivamente?”, e a resposta foi: “Provado.”
Quesito 17º - “O empréstimo referido na alínea F) dos Factos Assentes, nunca foi reembolsado?”, e a resposta foi: “Prejudicado.”
Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º s 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
Na mesma senda, salienta-se ainda no Acórdão deste TSI, de 16.2.2017, no Processo n.º 670/2016 que: “Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC” e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
Analisada a prova produzida na primeira instância, nomeadamente atendendo à prova documental junta aos autos e aos depoimentos das testemunhas, entendemos que não somos capazes de dar razão às recorrentes.
Na verdade, sempre que uma versão de facto seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, com recurso às regras da lógica e da experiência comum.
Ora bem, entre outras, coloca-se a questão de saber se a procuração outorgada pelo 1º Réu é nula por este pretender através da outorga da procuração obter os mesmos efeitos jurídicos da compra e venda, e se os negócios celebrados entre as 2ª e 3ª Rés são simulados.
Conforme dito acima, o artigo 558.º, n.º 1 do CPC permite que o Tribunal forme a sua íntima convicção a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimentos gerais, salvo erro manifesto ou grosseiro.
No caso em apreço, e no que respeita à matéria posta em causa, o Tribunal recorrido logrou fundamentar devidamente a sua decisão sobre a matéria de facto controvertida, nos seguintes termos que se transcrevem:
“Em relação aos actos praticados pelo 1º Réu previamente à outorga da procuração e a sua intenção, designadamente os referidos nos quesitos 1º, 5º a 12º, o tribunal teve em conta, em primeiro lugar, o depoimento da 1ª testemunha da Autora e da testemunha da 2ª Ré.
A primeira declarou que o Autor apenas em 2010 é que deu conta da existência da hipoteca sobre as quotas ideias pertencentes ao 1º Réu porque, nesta altura, havia uma perspectiva de venda dos imóveis; esclareceu sobre a forma como tentara ajudar o Autor mas em vão fazer o levantamento da hipoteca referida em F) dos factos assentes entrando em contacto com a 2ª Ré e como deparara depois com a constituição de uma nova hipoteca. Dada a relação existente entre o Autor e essa testemunha, pai e filho, o tribunal não deixou de nota da possibilidade de falta de isenção dessa testemunha. No entanto, a fls 20 a 44, o Autor juntou uma certidão do registo predial de um dos imóveis envolvidos cuja data de emissão é de 14 de Julho de 2010, data anterior à constituição da hipoteca referida em T) dos factos assentes, e conforme a data de 2010 avançada pela testemunha. Por força disso, o tribunal considerou que é de dar credibilidade ao depoimento referido na primeira parte deste parágrafo.
A testemunha da 2ª Ré declarou que tomara conhecimento de que o 1º Réu pretendia arranjar alguém para tratar das quotas ideias que tinha; que a testemunha achava que D poderia ajudar o 1º Réu e, em 1997 ou 1998, apresentara aquele a este; que não sabia que tipo de relação fora entretanto estabelecido entre os dois e que só soube da procuração referida em D) dos factos assentes depois da sua outorga. Ora, desse último depoimento vê-se que o D e o 1º Réu não se conheciam antes de 1997 ou 1998.
Tendo o acima expendido em mente, o tribunal teve em conta os seguintes factos: (1) o 1º Réu outorgou uma procuração conferindo amplos poderes para dispor das suas quotas ideias à 2ª Ré, uma sociedade da família de uma pessoa que não conhecia senão 3 ou 4 anos antes; (2) esta sociedade veio a hipotecar essas quotas ideias por uma dívida desta própria sociedade e não do 1º Réu; e (3) tudo indica que o 1º Réu deixou de querer saber do destino dado às suas quotas ideias.
Perante o cenário acima indicado, o tribunal entendeu que não podia deixar de haver um acto que justificasse a outorga da procuração apesar de nenhum documento ter sido junto para demonstrar os factos constantes dos quesitos 1º, 8º e 9º e o pagamento e as 2º e 3ª terem Rés impugnado tais factos. Aliás, a mera negação de existência do acordo invocado pelo Autor feita pelas 2ª e 3ª Rés sem dar conta da razão por que o 1º Réu lhe conferiu tais poderes para hipotecar os seus bens em proveito da 2ª Ré veio reforçar esse entendimento entre o 1º e 2ª Réus fora celebrado um acordo o qual levou à outorga da procuração. Com efeito, ninguém se desliga dos seus bens sem motivo aparente. Mesmo no caso de doação, é por espírito de liberalidade a favor de alguém ou de uma causa de que se conhece que alguém abre mão de bens de certo valor. Ora, no caso dos autos, o 1º Réu conheceu o D apenas há 3 ou 4 anos sem aparente relação íntima e o valor agregado das quotas ideias não pode ser baixo dado o número de imóveis envolvidos.
No que diz respeito ao tipo de acto, tendo em conta as situações mais prováveis, o tribunal entendeu que era o da venda das quotas ideias à 2ª Ré. É que, o tribunal deu como provado que o 1º Réu tinha problemas financeiros e o seu pai e irmão não tinham qualquer ocupação profissional. A isso acresce que a 4ª testemunha do Autor declarou que, em data que não conseguia precisar, mas antes de 2000, o pai do 1º Réu pedira a si para descontar um cheque de 300.000,00 dizendo que era dinheiro emprestado pelo D, pessoa que foi apresentada ao 1º Réu em 1997 ou 1998. Além disso, tudo indica que o 1º Réu deixou de se interessar pelas suas quotas ideias.
(…)
No que se refere ao motivo da celebração destas escrituras públicas referidas em F) e T) dos factos assentes, aos demais factos relacionados as hipotecas e ao fluxo de dinheiro em virtude da outorga das escrituras públicas, o tribunal teve em conta que nenhum documento foi junto para demonstrar a existência de movimentação de capital correspondente ao valor envolvido, de ajuste de contas ou de actos de dação em cumprimento. A ter havido o empréstimo, não se vislumbra como é que, além das escrituras públicas, não existe nem um único documento a registar os próprios actos e os demais actos de execução ou concretização.
O argumento de as 2ª e 3ª Rés serem parceiras comerciais de longa data não afectou o entendimento acima sufragado. É que, se assim fosse, não se compreenderia a exigência da prestação de uma garantia através da hipoteca. Ora, das duas uma: ou a 3ª Ré exigiu a prestação de uma garantia porque pretendia salvaguardar os seus direitos contra eventual incumprimento por parte da 2ª Ré. Então, pergunta-se: como é que não manteve os demais documentos relativos ao empréstimo? Ou a 3ª Ré não manteve esses documentos porque não está muito preocupada com o não pagamento das dívidas designadamente por ser parceira comercial de longa data da 2ª Ré. Então, pergunta-se: para que exigiu a prestação da garantia?
A isso acresce que o seguinte: o 1º empréstimo foi contraído há 9 anos sem que houvesse o reembolso da quantia e mesmo nessas circunstâncias foi concedido o 2º empréstimo cujo valor corresponde a quatro vezes do valor do 1º empréstimo.
Além disso, um dos sócios administradores (H) da 3ª Ré desde 16 de Junho de 2008 passou a ser sócio administrador da 2ª Ré em 30 de Junho de 2009, um dos sócios administradores (K) da 3ª Ré à data da 2ª hipoteca é cunhado do D.
A par disso tudo, a 3ª Ré tem apenas capital social no valor de MOP$100.000,00.
Todas essas circunstâncias foram ponderadas na análise feita pelo tribunal o qual entendeu que nunca houve qualquer empréstimo e daí nenhum documento relativo a isso foi apresentado excepto as escrituras públicas referidas em F) e T) que foram outorgadas para o fim referidos nas respostas aos quesitos 22º e 30º.
Por força desse entendimento, o tribunal considerou que ficou prejudicada a necessidade de responder aos quesitos 17º a 19º e 27º.”
Em nossa opinião, não se vislumbra qualquer erro grosseiro e manifesto por parte do Tribunal recorrido na análise da prova nem na apreciação da matéria de facto controvertida, antes pelo contrário, os dados trazidos aos autos permitem chegar à mesma conclusão a que o Tribunal a quo chegou, pelo que improcedem as razões das recorrentes nesta parte.
*
Entende a decisão recorrida que a procuração outorgada pelo 1º Réu destina-se a substituir a escritura pública de compra e venda, isto é, por se vislumbrar que a procuração consiste numa compra e venda, declarou a mesma nula porque essa compra e venda não foi formalizada por escritura pública.
Para as recorrentes, entendem que a procuração em causa é válida por corresponder à vontade do declarante, além de que sendo utilizada como um instrumento ou meio para realizar o fim próprio do contrato de compra e venda, não deve deixar de se aplicar o regime de forma da procuração.
Como observa a decisão recorrida, não está comprovada a existência de simulação quanto à outorga da procuração.
E é bom de ver que, não obstante se encontrar provado que o 1º Réu pretendia transferir à 2ª Ré a titularidade das quotas ideais e, para o efeito, outorgou a procuração para tornar efectivo o negócio de compra e venda, a verdade é que as partes não celebraram o contrato de compra e venda, daí que não se deve colocar a questão de nulidade tanto do contrato de compra e venda como da procuração, por falta de forma legal.
No caso vertente, o 1º Réu conferiu poderes à 2ª Ré para esta praticar negócios consigo mesmo, sendo que, com base nessa procuração, a 2ª Ré pode celebrar escrituras públicas de compra e venda, fazendo negócio consigo mesmo ou celebrar negócios com terceiros, e deste modo, transferir a propriedade das quotas ideais do 1º Réu para a 2ª Ré.
Em boa verdade, sempre que haja pagamento integral do preço da compra e venda, o alienante e o adquirente do bem podem acordar em transferir para este os direitos daquele através de duas formas: ou as partes celebram directamente a escritura de compra e venda ou acordam em que o alienante outorgue a favor do adquirente uma procuração com poderes especiais para este poder praticar negócios consigo mesmo.
A nosso ver, a procuração que confira poderes para celebrar negócio consigo mesmo pode funcionar como um instrumento ou como um meio para a realização de finalidades do contrato de compra e venda.
Melhor dizendo, uma vez outorgada essa procuração e recebido o preço integral do preço, o alienante (outorgante da procuração) pode deixar de ter qualquer interesse nas futuras transmissões do bem. E esse bem pode ser adquirido tanto pelo procurador como por qualquer terceiro.
No caso vertente, no que respeita à procuração outorgada pelo 1º Réu, não se vislumbra qualquer divergência entre a vontade e a declaração, isto é, o 1º Réu está bem ciente de que foi feita uma procuração a favor da 2ª Ré, e pese embora aquele pretender transferir os seus direitos a favor da 2ª Ré, essa transmissão só será concretizada com a celebração da escritura pública, funcionando a tal procuração apenas como um instrumento para efectivar a compra e venda daqueles direitos.
Isto posto, na medida em que a procuração sob escrutínio corresponde à vontade real do declarante ora 1º Réu, bem assim foi celebrada em cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 1, n.º 2 e 3 do artigo 128.º do Código do Notariado, é razoável concluir que a procuração em apreço é válida.
Procede, assim, o recurso nesta parte.
*
Invocam ainda as recorrentes a falta de interesse processual do Autor, em relação às restantes 168 propriedades constantes da procuração mas cuja titularidade o Autor não invocou.
Ora bem, uma vez decidida a validade da procuração, prejudicado ficou o conhecimento dessa questão suscitada pelas recorrentes.
*
Finalmente, quanto à questão de simulação e nulidade das escrituras de mútuo e hipoteca, uma vez provados os pressupostos fácticos da simulação e não havendo razões para pôr em causa a decisão sobre a matéria de facto quanto ao assunto, outra alternativa não resta senão confirmar a sentença recorrida na parte em que decidiu declarar a nulidade dos contratos de mútuo e hipoteca celebrados entre as 2ª e 3ª Rés, por escrituras públicas de 7 de Novembro de 2001 e de 30 de Dezembro de 2010.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interlocutório interposto pelo Autor A, condenando a 2ª Ré Companhia de Construção e Investimento Predial X Lda e a 3ª Ré Companhia de Desenvolvimento Predial X Lda no pagamento da multa de 5 U.C. cada, por terem litigado de má fé, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 385.º do CPC e n.º 2 do artigo 101.º do Regulamento das Custas dos Tribunais.
Mais acordam em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelas 2ª Ré e 3ª Rés, revogando a sentença na parte em que declarou nula a procuração outorgada pelo 1º Réu N a favor da 2ª Ré Companhia de Construção e Investimento Predial X Lda, bem assim a decisão que declarou a nulidade da pretensa compra e venda celebrada entre o 1º Réu e a 2ª Ré.
Confirmando-se a sentença em tudo o mais.
Custas do recurso interlocutório pelas 2ª Ré e 3ª Rés, em partes iguais.
Custas do recurso da decisão final pelo Autor e pelas 2ª Ré e 3ª Rés, na proporção de 40%, 30% e 30%, respectivamente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 18 de Julho de 2019
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Recurso Cível 571/2016 Página 43