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Processo n.º 492/2019 Data do acórdão: 2019-7-18
Assuntos:
– art.o 252.o do Código Penal
– art.o 257.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal
– art.o 254 do Código Penal
– extensão teleológica da norma do art.o 252.o do Código Penal
– contrafacção de cartão de crédito
– passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador
– passagem de cartão de crédito falso praticada pelo falsificador
– número de crimes
– art.o 29.o, n.o 1, do Código Penal
S U M Á R I O

1. O âmbito de previsão do art.o 252.o, n.o 1, do Código Penal (CP) abrange, além da “contrafacção” de moeda, as hipóteses de “passagem” e de “colocação em circulação” de moeda contrafeita quando (e só quando) realizadas pelo próprio falsificador.
2. No quadro de uma extensão teleológica análoga à que se defende no tocante ao n.o 1, o n.o 2 do art.o 252.o contempla a falsificação parcial consistente no aumento do valor facial de moeda legítima e, bem assim, a incriminação das subsequentes “passagem” e “colocação em circulação” quando levadas a cabo pelo próprio falsificador.
3. No caso dos autos, ficou provado em primeira instância que o 1.o arguido fabricou, pelo menos, 25 cartões de crédito falsos, apesar de terem sido apreendidos a ele 23 cartões de crédito verificados como falsos. Portanto, ele deve ser punido pela autoria material de 25 crimes de contrafacção de cartão de crédito, porque o número de crimes de contrafacção de cartão de crédito, p. e p. conjugadamente pelos art.os 252.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, conta-se em função do número de cartões de crédito falsificados (cfr. o art.o 29.o, n.o 1, segunda parte, do CP).
4. Sucede que para além de ser falsificador dos referidos 25 cartões de crédito, o 1.o arguido também praticou actos de passagem de alguns desses cartões de crédito falsos, de concerto com (outro) falsificador a que aludem conjugadamente os art.os 254.o e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP. Entretanto, a acima já concluída devida punição dele por prática de 25 crimes de contrafacção de cartão de crédito já contempla a punição desses actos todos dele de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o (outro) falsificador.
5. Sobre o alcance e o sentido da norma incriminadora do art.o 254.o do CP, é de atender a que com o termo “concerto” a lei pretende, apenas, autonomizar os casos em que as actividades de falsificação e de passagem ou colocação em circulação da moeda constituem a realização de um “projecto conjunto”, previamente acordado pelos vários intervenientes. Por outras palavras, o art.o 254.o contempla as situações em que todo o processo que vai da falsificação à passagem e/ou colocação em circulação da moeda ilegítima assume a natureza de uma “empresa comum”. Trata-se, pois, de um quadro materialmente análogo ao que preside à figura da “co-autoria”, mas que o legislador, a fim de evitar dificuldades ao nível da doutrina da comparticipação, decidiu resolver através de uma tipificação autónoma, subordinando todos os intervenientes à mesma moldura penal abstracta.
6. Se houve dois actos de pagamento com um mesmo cartão de crédito falso, um com sucesso (para pagamento do preço concreto de alojamento) e o outro em fracasso (para pagamento da outra quantia em caução do alojamento), praticados para uma mesma transacção de alojamento num dos quartos de um hotel em Macau, o acto de pagamento em fracasso não deve ser considerado como um acto autónomo, de tentativa, de passagem daquele cartão de crédito falso, já que a pessoa pagadora teve uma mesma e única resolução criminosa de pagamento daquelas duas quantias a propósito de uma mesma transacção do alojamento hoteleiro, de maneira que os dois actos de pagamento em causa, um com sucesso e o outro em fracasso, devem integrar um só crime, consumado, de passagem de cartão de crédito falso.
7. Se a pessoa pagadora, numa mesma altura, usou, com sucesso, dois cartões de crédito falsos diferentes para num mesmo hotel pagar (com um desses cartões) uma certa quantia e (com o outro cartão) outra certa quantia, todas respeitantes a despesas de alojamento nesse hotel, é de considerar estarem cometidos dois crimes consumados de passagem de cartão de crédito falso, por serem dois os cartões de crédito falsos em questão.
8. Como no facto provado não se descreveu se um determinado cartão de crédito falso tenha sido apresentado pelo arguido a pessoas empregadas diferentes duma loja para efeitos de processamento de duas operações de pagamento, é de considerar que apesar de se tratar de duas operações, ambas as operações se destinaram a pagar, com um mesmo cartão, as compras pretendidas pelo arguido nessa loja, pelo que praticou o arguido aí um só crime consumado de passagem de cartão de crédito falso.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 492/2019
(Autos de recurso penal)
Recorrentes:
Ministério Público
1.o arguido A
2.o arguido B
3.o arguido C





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão (na sua parte penal) proferido a fls. 585 a 598v do Processo Comum Colectivo n.o CR1-18-0354-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base:
O 1.o arguido A ficou condenado em seis anos de prisão única, por co-autoria material, na forma consumada, de:
– um crime continuado de contrafacção de cartão de crédito, p. e p. pelos art.os 252.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), punido com pena de três anos e três meses de prisão;
– dois crimes continuados de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, p. e p. pelos art.os 254.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, punidos com pena de dois anos e seis meses de prisão por cada;
– dois crimes de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, punidos com pena de dois anos e seis meses de prisão por cada;
– um crime continuado de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, punido com pena de dois anos e seis meses de prisão;
– e dois crimes de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, punidos com pena de dois anos e seis meses de prisão por cada.
O 2.o arguido B ficou condenado em quatro anos de prisão única, por co-autoria material, na forma consumada, de:
– dois crimes continuados de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, p. e p. pelos art.os 254.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, punidos com pena de dois anos e seis meses de prisão por cada;
– e dois crimes de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, punidos com pena de dois anos e seis meses de prisão por cada.
O 3.o arguido C ficou condenado em três anos e três meses de prisão única, por co-autoria material, na forma consumada, de:
– dois crimes de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, punidos com pena de dois anos e seis meses de prisão por cada
Inconformado, veio o 3.o arguido C recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando, na motivação apresentada a fls. 614v a 616 dos presentes autos correspondentes, àquela decisão condenatória penal o excesso na medida da pena de prisão, para rogar a redução da pena com ainda almejada suspensão da execução da pena, alegando, para o efeito, que ele é delinquente primário com a mãe, a mulher e a filha a seu cargo, com grau não alto de intervenção dele nos factos e de dolo dele na prática dos mesmos.
Também veio recorrer o 1.o arguido A, assacando, na motivação de fls. 631 a 640, à mesma decisão recorrida:
– a verificação, a título principal, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, com conexa violação do princípio de in dubio pro reo (por, no entender dele, não se poder dar comprovados os elementos do tipo objectivo e subjectivo de todos os crimes por que vinha condenado), e, subsidiariamente, do vício de erro notório na apreciação da prova (por ter sido violado o art.o 338.o do Código de Processo Penal (CPP));
– e fosse como fosse, o crime do art.o 252.o, n.o 1, do CP, para o caso dele, estaria em concurso aparente com o tipo legal do art.o 254.o, n.o 1, do CP, pelo que ele não deveria ser punido a título autónomo pela prática daquele crime do art.o 252.o;
– e existindo uma só resolução criminosa, os diversos crimes de passagem de cartão de crédito falso por que ele vinha condenado deveriam ser considerados como um só crime, ou, pelo menos, como um crime continuado;
– por fim, sempre seria severa para ele (delinquente primário, com os pais a seu cargo, sendo não elevados os montantes de dinheiro em causa nos autos) a pena única de seis anos de prisão, pelo que deveria passar ele a ser punido em pena única não superior a três anos.
Recorreu também o 2.o arguido B, alegando, na sua motivação de fls. 644 a 648, que a pena achada pelo Tribunal sentenciador para os seus dois crimes consumados (mas não de forma continuada) de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador era severa, e que severa era também a pena única por que vinha condenado, por, no entender dele, as penas dos seus ditos dois crimes consumados (mas não de forma continuada) deverem, por força do princípio da culpa, ser mais leves do que as penas dos seus crimes consumados continuados do mesmo tipo legal, pelo que os seus referidos dois crimes consumados de forma não continuada deveriam passar a ser punidos com dois anos e três meses de prisão por cada, e que ele, em cúmulo jurídico de todas as penas, deveria passar a ser punido com pena única não superior a três anos e seis meses de prisão.
Por outra banda, recorreu também a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal sentenciador, imputando à mesma decisão recorrida, na motivação de fls. 650 a 661v, o erro na contagem do número de crimes em relação aos 1.o e 2.o arguidos, por, no entender dela, e sobretudo, os actos de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador praticados em tempos diferentes e em lojas diferentes não poderem integrar a prática de um só crime continuado, pelo que, em suma, o 1.o arguido, para além da sua condenação pela prática de um crime continuado de contrafacção de cartão de crédito, deveria passar a ser condenado pela prática de um crime continuado de contrafacção de cartão de crédito, a ser punido com pena de prisão não menos do que três anos e três meses, e de dez crimes continuados de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador (sendo oito dos quais em co-autoria material com o 2.o arguido, e os outros dois em co-autoria material com o 3.o arguido), cada um dos quais a ser punidos com dois anos e seis meses de prisão, com nova pena única de não menos do que sete anos de prisão, e o 2.o arguido deveria passar a ser condenado pela prática de sete crimes continuados (tudo em co-autoria material com o 1.o arguido), cada um dos quais a ser punidos com dois anos e seis meses de prisão, com nova pena única, pois, de não menos do que quatro anos e nove meses de prisão.
Aos recursos dos 1.o, 2.o e 3.o arguidos, respondeu a mesma Digna Delegada do Procurador (respectivamente, a fls. 666 a 676, a fls. 672 a 674 e fls. 675 a 676) no sentido de improcedência dos três recursos.
Subidos os autos, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, emitiu parecer (a fls. 690 a 697v), opinando pela procedência do recurso do Ministério Público e pela improcedência dos recursos dos três arguidos.
Concluído o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
A. O acórdão ora recorrido encontrou-se proferido a fls. 585 a 598v, cujo teor (incluindo a sua fundamentação fáctica, probatória e jurídica) se dá por aqui integralmente reproduzido.
B. Na fundamentação fáctica desse acórdão, deu-se inclusivamente por provadas as condições pessoais e familiares dos três arguidos (cfr. em concreto o teor das linhas 3 a 12 da página 16 do respectivo texto, a fl. 592v).
C. Na fundamentação probatória desse acórdão (escrita em toda a página 17 do respectivo texto, a fl. 593), afirmou o Tribunal sentenciador materialmente o seguinte, em chinês (agora em tradução literal portuguesa feita pelo relator do presente acórdão de recurso):
– “Os três arguidos prestaram declarações na audiência de julgamento sobre a situação pessoal e familiar deles, mas se mantiveram silentes acerca dos factos pelos quais vinham acusados.
  A testemunha […].
  As testemunhas […].
  As testemunhas […].

  Após feita a audiência, apesar do silêncio mantido dos três arguidos acerca dos factos pelos quais vinham acusados, o resultado de investigação policial, designadamente os objectos colhidos (incluindo os instrumentos de fabrico de cartões, os 23 cartões de crédito falsos, os recibos de transacções e as coisas compradas através de cartões falsos), os dados das imagens gravadas, os autos de reconhecimento de pessoas, os depoimentos das testemunhas, e a análise dos registos de telefonemas dos telemóveis usados pelos três arguidos, são suficientes para se ter por certo que o arguido A é membro principal do grupo de fabrico de cartões falsos, e é responsável pelo fabrico e pela guarda de cartões de crédito falsos, os quais são usados por ele próprio pessoalmente ou distribuídos aos outros dois arguidos B e C para estes fazerem transacções de consumo ou compras através dos cartões falsos, com vista a obter vantagens pecuniárias ilícitas.

Da análise objectiva e em global das declarações prestadas pelos três arguidos e dos depoimentos das diversas testemunhas, em conjugação com o exame, feito na audiência de julgamento, da prova documetnal e dos objectos apreendidos, o presente Tribunal Colectivo, conforme as regras da experiência das pessoas comuns, dá por provados os factos referidos.”
D. Conforme a factualidade dada por provada e como tal descrita nesse mesmo acórdão:
– 1) os três arguidos são membros de um grupo transnacional de falsificação de cartões de crédito (cfr. o facto provado 1), e foram angariados por um indivíduo conhecido por “X”, a fim de caber ao 1.o arguido fabricar em Macau cartões de crédito falsos, e caber depois ao 1.o arguido ou aos 2.o e 3.o arguidos usar esses cartões para fazer transacções de consumo, por exemplo, cabendo ao 1.o arguido vigiar de lado e guardar o produto do crime se forem os 2.o e 3.o arguidos a usar os cartões para proceder às transacções de conumo, tendo os três arguidos concordado com esse plano (cfr. o facto provado 2);
– 2) na tarde de 18 de Janeiro de 2018, um indivíduo conhecido por “X” enviou para o telemóvel do 1.o arguido vários grupos de dados de cartões de crédito, e instruiu este para fabricar cartões de crédito falsos, e o 1.o arguido fabricou, com sucesso, de acordo com a instrução, vários cartões de crédito falsos, e foi fazer, em conjunto com o 2.o arguido, transacções de consumo com cartões de crédito assim falsificados em diversos hotéis e centros comerciais em Macau (cfr. os factos provados 3 a 5);
– 3) na noite desse dia 18 de Janeiro de 2018, os 1.o e 2.o arguidos chegaram ao Hotel X, tendo o 2.o arguido feito com sucesso o pagamento de MOP10.000,00 de despesas de alojamento em duas noites nesse hotel, através do cartão de crédito de American Express n.o ... (cfr. o facto provado 6);
– 4) depois, cerca das 08:15 da noite de 18 de Janeiro de 2018, os 1.o e 2.o arguidos chegaram à loja DFS do Hotel X, e o 2.o arguido pagou, em frente de uma pessoa empregada desta, com sucesso, através do mesmo cartão de crédito falso, e por três transacções de processamento de pagamento, um total de MOP6.030,00, como despesas de compra de nove caixas de um produto de cosmético para olhos (cfr. o facto provado 7);
– 5) mais tarde, cerca das 08:30 da mesma noite, o 2.o arguido usou, perante uma outra pessoa empregada da mesma loja DFS, aquele mesmo cartão de crédito falso e pagou com sucesso, por cinco transacções de processamento de pagamento, um total de MOP23.490,00 como despesas de compra de mais do que dez caixas de um produto de cosmético para caras (cfr. o facto provado 8);
– 6) no dia 20 de Janeiro de 2018, cerca das 06:30 da tarde, os 1.o e 2.o arguidos chegaram ao Hotel X Macau, e o 1.o arguido usou aí o cartão de crédito n.o ... de American Express para pagar, com sucesso, MOP2.182,70 como despesas de alojamento, e pagar, mas em fracasso, MOP5.000,00 como caução de alojamento, e o 2.o arguido usou aí o cartão de crédito n.o ... de American Express para pagar, com sucesso, MOP2.182,00 e MOP5.000,00 como despesas de alojamento e caução de alojamento, tendo os dois arguidos ficado com os quartos n.os 0712 e 0713 desse hotel (cfr. o facto provado 9);
– 7) no mesmo dia 20 de Janeiro de 2018, cerca das 06:55 da tarde, os 1.o e 2.o arguidos chegaram à loja X Macau, e o 2.o arguido usou, com sucesso, o cartão de crédito de American Express n.o ... para pagar um total de MOP23.152,00 como despesas de compra de dois telemóveis e de dois conjuntos de auscultadores, e mais tarde, o 2.o arguido voltou a usar, com sucesso, esse mesmo cartão de crédito para pagar um total de MOP20.752,00 como despesas de compra de dois Ipads e dois relógios (cfr. o facto provado 10);
– 8) no dia 21 de Janeiro de 2018, cerca das 07:30 da tarde, os três arguidos chegaram ao Hotel X para pedir alojamento nesse hotel para os três, e o 1.o arguido mostrou à pessoa empregada desse hotel dois cartões de crédito de American Express com o nome do 2.o arguido como sendo titular dos mesmos, com os n.os ... e ..., e fez com sucesso, através desses dois cartões, o pagamento de MOP10.000,00 com cada um desses cartões (cfr. o facto provado 11);
– 9) no dia 23 de Janeiro de 2018, cerca de uma hora e tal da tarde, os três arguidos chegaram ao Hotel X para pedir alojamento nesse hotel para os três, e o 3.o arguido mostrou dois cartões de crédito de American Express com os n.os ... e ..., e fez com sucesso, através desses dois cartões, o pagamento de MOP10.000,00 com cada um desses cartões (cfr. o facto provado 12);
– 10) os cartões de crédito acima referidos como usados pelos três arguidos foram falsos, e os três arguidos souberam todos que esses cartões eram falsos (cfr. o facto provado 23, primeira parte);
– 11) ao 1.o arguido, foram apreendidos, na sequência da operação da Polícia Judiciária na tarde de 23 de Janeiro de 2018, 23 cartões de crédito, no total (cfr. o facto provado 14, alíneas 9 e 10), todos verificados depois como falsos (cfr. o facto provado 22);
– 12) o 1.o arguido fabricou, pelo menos, 25 cartões de crédito falsos (cfr. o facto provado 23, segunda parte);
– 13) o 1.o arguido, em conjugação de esforços com outrem, em comum acordo e com divisão de tarefas, fabricou vários cartões de crédito, com intenção de os pôr a circular (cfr. o facto provado 25);
– 14) os 1.o e 2.o arguidos, em conjugação de esforço, em comum acordo e com divisão de tarefas, e de concerto com indivíduos fabricantes de cartões de crédito falsos, para obter vantagens ilegítimas, usaram por diversas vezes, em Macau, cartões de crédito falsos, passando-os por cartões verdadeiros (cfr. o facto provado 26);
– 15) os 1.o e 3.o arguidos, em conjugação de esforço, em comum acordo e com divisão de tarefas, e de concerto com indivíduos fabricantes de cartões de crédito falsos, para obter vantagens ilegítimas, usaram por duas vezes, em Macau, cartões de crédito falsos, passando-os por cartões verdadeiros (cfr. o facto provado 27);
– 16) os três arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, com intenção de praticar actos acima referidos (cfr. o facto provado 28), sabendo todos claramente da proibição e punibilidade legal dos seus actos (cfr. o facto provado 29).
E. O 1.o arguido foi acusado pelo Ministério Público por prática, em co-autoria material, de 23 crimes consumados de contrafacção de cartão de crédito, de 19 crimes (15 mais quatro) consumados de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, e de um crime tentado de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador.
F. O 2.o arguido foi acusado pelo Ministério Público por prática, em co-autoria material, de 19 crimes (15 mais quatro) consumados de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, e de um crime tentado de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador.
G. O 3.o arguido foi acusado pelo Ministério Público por prática, em co-autoria material, de quatro crimes consmados de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador.
H. Na fundamentação jurídica do acórdão ora recorrido, o Tribunal sentenciador julgou que o 1.o arguido praticou 25 actos de contrafacção de cartão de crédito (cfr. mormente o teor das linhas 17 a 21 da página 19 desse texto decisório, a fl. 594), e decidiu afinal aplicar a esses 25 actos do 1.o arguido a figura de crime continuado.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Por questão de lógica processual, passa-se a conhecer da primeira parte do recurso do 1.o arguido, sobre o julgamento de factos.
O 1.o arguido começou por alegar que o acórdão recorrido padeceu do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Entretanto, os argumentos concretamente tecidos por ele para sustentar a procedência da tese de verificação deste vício não têm a ver propriamente com o alcance deste vício aludido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, mas sim com o do vício de erro notório na apreciação da prova a que se refere a alínea c) do n.o 2 deste artigo, até porque esse próprio arguido imputou à decisão recorrida a violação do princípio de in dubio pro reo.
Sempre se diz que haverá erro notório na apreciação da prova quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
O art.º 400.º, n.º 2, corpo, do CPP manda atender também aos “elementos constantes dos autos” para efeitos de verificação do vício de erro notório na apreciação da prova.
Portanto, todos os elementos probatórios examinados em sede própria pelo Ente Julgador ora recorrido também têm que ser examinados na presente sede recursória, para se poder aquilatar da ocorrência ou não desse vício de julgamento de factos.
No caso, o Tribunal a quo teceu a fundamentação probatória da sua decisão sobre a matéria de facto no texto do seu acórdão.
Pois bem, depois de vistos todos os elementos probatórios constantes dos autos e então examinados e como tal referidos pelo Tribunal recorrido nessa fundamentação probatória, entende o presente Tribunal de recurso que não é patentemente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito por esse Tribunal, pelo que não pode ter havido, por parte desse Tribunal, erro notório na apreciação da prova.
A propósito, cabe salientar o seguinte:
Da acima referida fundamentação probatória tecida pelo Tribunal sentenciador no seu aresto ora recorrido, não se pode colher a ideia de que esse Tribunal, aquando da formação da sua livre convicção sobre os factos incriminatórios, tenha socorrido à valoração probatória de quaisquer declarações anteriormente prestadas por algum dos arguidos na anterior fase de inquérito.
Com efeito, do contexto da própria fundamentação probatória da decisão recorrida, em conjugação com o elenco dos factos provados e como tal descritos na fundamentação fáctica da mesma decisão judicial, resulta certo que a menção, na fundamentação probatória dessa decisão, da feitura da análise também das “declarações prestadas pelos três arguidos” está a referir-se às declarações prestadas pelos três arguidos “na audiência de julgamento sobre a situação pessoal e familiar deles”.
Decai, assim, a tese do 1.o arguido segundo a qual o Tribunal recorrido violou o art.o 338.o do CPP.
É, pois, de julgar, infra, a presente causa recursória de acordo com toda a factualidade já dada por assente no acórdão recorrido.
O 1.o arguido suscitou também a questão de alegado concurso aparente entre o tipo legal do art.o 252.o, n.o 1, do CP e o do art.o 254.o, n.o 1, do mesmo Código.
Para o presente Tribunal de recurso, é de adaptar as seguintes considerações doutrinárias, veiculadas no Tomo II do COMENTÁRIO CONIMBRICENSE DO CÓDIGO PENAL, dirigido por JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Coimbra Editora, 1999, para interpretar o art.o 252.o do CP vigente em Macau, com redacção igual à do art.o 262.o do Código Penal de Portugal em análise nessa Obra:
– “o âmbito de previsão do art. 262.o-1 abrange, além da “contrafacção” de moeda, as hipóteses de “passagem” e de “colocação em circulação” de moeda contrafeita quando (e só quando) realizadas pelo próprio falsificador” (cfr. o teor das linhas 12 a 15 da página 767 da Obra);
– “[…] no quadro de uma extensão teleológica análoga à que se defendeu no tocante ao no 1, o no 2 do art. 262o contempla a falsificação parcial consistente no aumento do valor facial de moeda legítima e, bem assim, a incriminação das subsequentes “passagem” e “colocação em circulação” quando levadas a cabo pelo próprio falsificador” (cfr. o teor das linhas 14 a 19 da página 768 da mesma Obra).
No caso concreto do 1.o arguido ora recorrente, ficou provado em primeira instância que ele fabricou, pelo menos, 25 cartões de crédito falsos (cfr. o facto provado 23, segunda parte), apesar de terem sido apreendidos a ele 23 cartões de crédito verificados como falsos (cfr. o facto provado 14, alíneas 9 e 10, e o facto provado 22).
Portanto, para o presente Tribunal de recurso, o 1.o arguido deveria ser punido pela autoria material de 25 crimes de contrafacção de cartão de crédito do art.o 252.o, n.o 1, do CP, por à conduta de contrafacção de cada um dos cartões de crédito em causa corresponder a prática de um crime deste tipo legal. Ou seja, o número de crimes do tipo legal de contrafacção de cartão de crédito (p. e p. conjugadamente pelos art.os 252.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP) conta-se em função do número de cartões de crédito falsificados (cfr. o art.o 29.o, n.o 1, segunda parte, do CP).
Aliás, o Tribunal recorrido também já concluiu, de direito, que o 1.o arguido praticou 25 actos de contrafacção de cartão de crédito (pese embora a decisão final desse Tribunal de aplicação da regra da punição especial do concurso efectivo real de crimes vertida no art.o 73.o do CP, por força do art.o 29.o, n.o 2, do mesmo Código).
Sucede que para além de ser falsificador dos ditos 25 cartões de crédito falsos, o 1.o arguido também praticou actos de passagem de alguns desses cartões de crédito falsos previamente falsificados, a saber:
– o acto, praticado em co-autoria com o 2.o arguido, de passagem do cartão de crédito falso n.o ..., na mesma transacção de consumo com o Hotel X na noite de 18 de Janeiro de 2018, cartão de crédito esse apreendido depois ao 1.o arguido (cfr. sobretudo o facto provado 6 e o facto provado 14, alínea 10);
– o acto, praticado em co-autoria com o 2.o arguido, de passagem desse mesmo cartão de crédito falso n.o ..., na compra, no total, de nove caixas de um produto de cosmético, à loja DFS do Hotel X, na noite de 18 de Janeiro de 2018m cerca das 08:15 (cfr. sobretudo o facto provado 7);
– o acto, praticado em co-autoria com o 2.o arguido, de passagem desse mesmo cartão de crédito falso n.o ..., na compra, no total, de mais do que dez caixas de um outro produto de cosmético, perante uma outra pessoa empregada da mesma loja DFS do Hotel X, na mesma noite de 18 de Janeiro de 2018, cerca das 08:30 (cfr. sobretudo o facto provado 8);
– os actos, praticados em co-autoria com o 2.o arguido (com intenção de pagamento da quantia de MOP2.182,70 de alojamento e a quantia de MOP5.000,00 de caução de alojamento, tudo respeitante ao assunto de alojamento em 20 de Janeiro de 2018 num dos quartos do Hotel X Macau), de pagamento com sucesso, com uso do cartão de crédito falso n.o ..., da referida quantia de MOP2.182,70, e de pagamento, já em fracasso, da referida quantia da caução, cartão de crédito esse depois apreendido ao 1.o arguido (cfr. sobretudo o facto provado 9 e o facto provado 14, alínea 9) (sendo de observar o seguinte: como esses dois actos de pagamento com um mesmo cartão de crédito falso, um com sucesso e o outro em fracasso, foram praticados para uma mesma transacção de alojamento num dos quartos desse hotel, o acto de pagamento em fracasso da quantia da caução não deve ser considerado como um acto autónomo, de tentativa, de passagem daquele cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, já que é de concluir que os 1.o e 2.o arguidos tiveram uma mesma e única resolução criminosa conjunta de pagamento daquelas duas quantias pecuniárias a propósito de uma mesma transacção do alojamento do quarto de hotel em questão, de maneira que os dois actos de pagamento em causa, um com sucesso e o outro em fracasso, devem integrar um só crime, consumado, de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador);
– os actos de pagamento (pela mão própria do 2.o arguido), praticados, com sucesso, com uso do cartão de crédito falso n.o ..., em co-autoria com o 2.o arguido, da quantia de MOP2.182,00 de alojamento e da quantia de MOP5.000,00 de caução de alojamento, tudo respeitante a uma mesma transacção do alojamento num outro quarto do Hotel X Macau em 20 de Janeiro de 2018, cartão de crédito esse depois apreendido ao 1.o arguido (cfr. sobretudo o facto provado 9 e o facto provado 14, alínea 10) (por identidade da razão acima referida, tendo esses dois actos de pagamento com uso de um mesmo cartão de crédito falso sido praticados para pagamento de uma mesma transacção do alojamento nesse outro quarto de hotel, é de entender que a respeito dessa mesma transacção do alojamento, praticaram os 1.o e 2.o arguidos, em co-autoria, um único crime consumado de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador);
– o acto, praticado em co-autoria com o 2.o arguido, de passagem do cartão de crédito falso n.o ..., na loja X Macau em 20 de Janeiro de 2018, na compra de dois telemóveis, dois conjuntos de auscultadores, dois Ipads e dois relógios (cfr. sobretudo o facto provado 10) (sendo de verificar que como nesse facto provado, não se descreveu se o cartão de crédito em causa tenha sido apresentado a pessoas empregadas diferentes dessa loja para efeitos de processamento de pagamento, é de considerar que apesar de se tratar de duas operações de pagamento, ambas as operações se destinaram a pagar aquelas compras pretendidas pelos dois arguidos nessa loja, pelo que para o 2.o arguido, ele praticou nessa loja um só crime consumado de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador);
– o acto, praticado em co-autoria com os 2.o e 3.o arguidos, de passagem do cartão de crédito falso n.o ..., no Hotel X, em 21 de Janeiro de 2018, para pagamento de MOP10.000,00 de despesas de alojamento nesse hotel, cartão de crédito esse que depois foi apreendido ao 1.o arguido (cfr. o facto provado 11 e o facto provado 14, alínea 9);
– o acto, praticado em co-autoria com os 2.o e 3.o arguidos, de passagem do cartão de crédito falso n.o ..., no Hotel X, em 21 de Janeiro de 2018, para pagamento de MOP10.000,00 de despesas de alojamento nesse hotel, cartão de crédito esse que depois foi apreendido ao 1.o arguido (cfr. o facto provado 11 e o facto provado 14, alínea 10) (embora os dois cartões de crédito em causa nesse facto provado 11 tenham sido usados na mesma altura perante o mesmo hotel nesse mesmo dia, é de considerar estarem verificados dois crimes de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, por serem dois os cartões de crédito falsos em questão);
– e o acto, praticado em co-autoria com os 2.o e 3.o arguidos, de passagem dos cartões de crédito falsos n.o ... e n.o ..., no Hotel X, em 23 de Janeiro de 2018, para pagamento de despesas de alojamento nesse hotel, dois cartões de crédito esses que não chegaram a ser apreendidos ao 1.o arguido na ulterior operação policial (cfr. o facto provado 12 e o facto provado 14, sendo este a contrario sensu) (sendo de observar que embora esses dois cartões de crédito nesse facto provado 12 tenham sido usados na mesma altura perante o mesmo hotel nesse mesmo dia, é de considerar a verificação, nesse dia 23 de Janeiro de 2018, de dois crimes de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, por serem dois os cartões de crédito falsos em questão).
Não obstante todos esses referidos actos do 1.o arguido de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, em co-autoria material com o 2.o arguido e/ou com os 2.o e 3.o arguidos, a acima já analisada e concluída devida punição do 1.o arguido por prática de 25 crimes de contrafacção de cartão de crédito já contempla a punição desses actos todos do 1.o arguido de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador.
Sobre o alcance e o sentido da norma incriminadora do art.o 254.o do CP vigente, pode referir-se aos seguintes comentários doutrinários vertidos no primeiro parágrafo da página 799 da Obra acima identificada, a respeito do art.o 264.o do Código Penal de Portugal, aí comentado, a cuja redacção é homóloga a do art.o 254.o do CP vigente em Macau:
– “[…] com o termo “concerto” a lei pretende, apenas, autonomizar os casos em que as actividades de falsificação e de passagem ou colocação em circulação da moeda constituem a realização de um “projecto conjunto”, previamente acordado pelos vários intervenientes. Por outras palavras, o art. 264o contempla as situações em que todo o processo que vai da falsificação à passagem e/ou colocação em circulação da moeda ilegítima assume a natureza de uma “empresa comum” […]. Trata-se, pois, de um quadro materialmente análogo ao que preside à figura da “co-autoria”, mas que o legislador, a fim de evitar dificuldades ao nível da doutrina da comparticipação, decidiu resolver através de uma tipificação autónoma, subordinando todos os intervenientes à mesma moldura penal abstracta […]”.
Por isso, tal com já se sublinhou acima, os 25 crimes, acima constatados, do 1.o arguido de contrafacção de cartão de crédito, p. e p. pelos art.os 252.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, não deixam de ser considerados como praticados por esse arguido em co-autoria material (concretamente, com o indivíduo conhecido por “X” – cfr. o teor conjugado sobretudo dos factos provados 2, 3, 4, 18, 25, 28 e 29, como tal descritos na fundamentação fáctica do acórdão ora recorrido).
E como consequência lógica e necessária de toda a análise das coisas acima já feita, há que, a propósito de crimes consumados de passagem de cartão de crédito de concerto com o falsificador p. e p. pelos art.os 254.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, passar a julgar que é de dez o número total deste tipo legal de crime praticado pelo 2.o arguido (cfr. o teor conjugado mormente dos factos provados 2, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 23, 26, 28 e 29), a saber:
– um crime, no dia 18 de Janeiro de 2018, contra o Hotel X (cfr. o teor da alínea 3) do ponto D da Parte II do presente acórdão de recurso);
– um crime, no dia 18 de Janeiro de 2018, em frente de uma pessoa empregada da loja DFS do Hotel X (cfr. o teor da alínea 4) do referido ponto D);
– um crime, no dia dia 18 de Janeiro de 2018 (em frente de uma outra pessoa empregada da mesma loja DFS) (cfr. o teor da alínea 5) do referido ponto D);
– um crime, no dia 20 de Janeiro de 2018, contra o Hotel X Macau, com uso de um cartão de crédito falso (cfr. o teor da alínea 6) do referido ponto D);
– um crime, no dia 20 de Janeiro de 2018, contra o Hotel X Macau (com uso de um outro cartão de crédito falso) (cfr. o teor da alínea 6) do referido ponto D);
– um crime, no dia 20 de Janeiro de 2018, contra a loja X Macau (cfr. o teor da alínea 7) do referido ponto D);
– dois crimes, no dia 21 de Janeiro de 2018, contra o Hotel X (por serem dois os cartões de crédito falsos em causa) (cfr. o teor da alínea 8) do referido ponto D);
– e dois crimes, no dia 23 de Janeiro de 2018, ao Hotel X (por serem dois os cartões de crédito falsos em causa) (cfr. o teor da alínea 9) do referido ponto D).
Por outro lado, da análise até agora realizada, resulta que, no tocante a crimes consumados do 3.o arguido de passagem de cartão de crédito de concerto com o falsificador, é de quatro o número total deste tipo legal de crime praticado por esse arguido (cfr. o teor conjugado maxime dos factos provados 2, 5, 11, 12, 23, 27, 28 e 29), a saber:
– dois crimes, no dia 21 de Janeiro de 2018, contra o Hotel X (por serem dois os cartões de crédito falsos em causa) (cfr. o teor da alínea 8) do referido ponto D);
– e dois crimes, no dia 23 de Janeiro de 2018, contra o Hotel X (por serem dois os cartões de crédito falsos em causa) (cfr. o teor da alínea 9) do referido ponto D).
Sendo de realçar, na esteira da posição assumida nos acórdãos do TSI de 17 de Março de 2011 no Processo n.o 913/2010 e de 14 de Março de 2013 no Processo n.o 922/2012, não se pode aplicar a figura de crime continuado a todos os 25 crimes do 1.o arguido de contrafacção de cartão de crédito (p. e p. pelos art.os 252.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP), nem a todos os crimes, acima referidos como praticados efectivamente pelos 2.o e 3.o arguidos, de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador (p. e p. pelos art.os 254.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP), por não se vislumbrar, ante toda a factualidade já dada por provada no acórdão ora recorrido, que haja qualquer situação exterior susceptível de diminuir consideravelmente a culpa dos três arguidos ora recorrentes na prática dos seus delitos.
Concluída, nos termos acima explanados, a tarefa (feita, com alguma dose de oficiosidade, na sequência lógica das questões de direito a nível de enquadramento jurídico-penal dos factos, levantadas nas motivações de recurso do 1.o arguido e do Ministério Público) de revisão da decisão de enquadramento jurídico-penal dos factos provados, resta medir a pena dos três arguidos, de modo seguinte:
Ponderadas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância, com pertinência à medida da pena aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, 65.o, n.os 1 e 2, e 71.o , n.os 1 e 2, do CP, dentro das molduras penais aplicáveis, entende-se, por justo e equilibrado (com consideração também da justiça relativa nas penas a aplicar aos três arguidos), passar a condenar:
– o 1.o arguido A, como co-autor material de 25 crimes consumados de contrafacção de cartão de crédito, p. e p. pelos art.os 252.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, na pena de dois anos e seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas 25 penas parcelares, finalmente na pena única de seis anos e nove meses de prisão;
– o 2.o arguido B, como co-autor material de dez crimes consumados de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, p. e p. pelos art.os 254.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, na pena de dois anos e seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas dez penas parcelares, finalmente na pena única de quatro anos e nove meses de prisão;
– o 3.o arguido C, como co-autor material de quatro crimes consumados de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, na pena de dois anos e seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas quatro penas parcelares, finalmente na pena única de três anos e três meses de prisão.
Por não se satisfazer o requisito formal exigido no n.o 1 do art.o 48.o do CP, fica inviável a pretensão do 3.o arguido de suspensão da execução da pena em sede do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
Em conclusão, naufragam os recursos dos três arguidos, enquanto procede parcialmente o recurso do Ministério Público, com consequente alteração, acima especificada, da decisão penal tomada no acórdão recorrido (sendo intacta, por não ser objecto dos quatro recursos ora em causa, toda a decisão cível indemnizatória proferida nesse acórdão), sem mais indagação por prejudicada pela análise acima feita.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedentes os recursos dos três arguidos e julgar parcialmente provido o recurso do Ministério Público, passando a condenar (sendo intacta toda a decisão cível indemnizatória tomada no acórdão recorrido):
– o 1.o arguido A, como co-autor material de 25 crimes consumados de contrafacção de cartão de crédito, p. e p. pelos art.os 252.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal, em dois anos e seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e nove meses de prisão;
– o 2.o arguido B, como co-autor material de dez crimes consumados de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, p. e p. pelos art.os 254.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal, em dois anos e seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e nove meses de prisão;
– e o 3.o arguido C, como co-autor material de quatro crimes consumados de passagem de cartão de crédito falso de concerto com o falsificador, p. e p. pelos art.os 254.o, n.o 1, e 257.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal, em dois anos e seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de três anos e três meses de prisão.
Sem custas no recurso do Ministério Público na parte do decaimento, dada a isenção subjectiva desta Entidade Recorrente.
Pagará cada um dos arguidos as custas dos respectivos recursos, com seis UC de taxa de justiça para o 1.o arguido, duas UC de taxa de justiça para o 2.o arguido e duas UC de taxa de justiça para o 3.o arguido.
Fixam em MOP4.000,00, MOP3.000,00 e MOP3.000,00 os honorários, respectivamente, a favor da Ilustre Defensora do 1.o arguido, do Ilustre Defensor do 2.o arguido e do Ilustre Defensor do 3.o arguido, três montantes esses a entrarem na regra das custas.
Macau, 18 de Julho de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 492/2019 Pág. 32/33