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Proc. nº 647/2019-A
Suspensão de eficácia
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 11 de Julho de 2019
Descritores:
- Suspensão de eficácia
- Requisitos

SUMÁRIO

I - Tem conteúdo positivo o acto que determina o cancelamento da autorização de residência.

II - Os requisitos substantivos previstos nas alíneas a) a c), do nº1 são de verificação cumulativa; a falta de um leva necessariamente à improcedência da pretensão.







Proc. nº 647/2019-A

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo masculino, casado, da nacionalidade chinesa, titular do passaporte da R.P.C. n.º XXX (titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM n.º XXX emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação em 20/7/2017), com endereço de contacto na XXX, ----
Veio requerer a suspensão de eficácia ----
Do despacho proferido pelo Chefe do Executivo em 29/04/20191 na proposta n.º 00401/AJ/2019, que decidiu cancelar a autorização de residência a si, ao seu cônjuge B e filho C.
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O Chefe do Executivo, citado, não contestou, limitando-se a oferecer o merecimento dos autos.
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O digno Magistrado do MP emitiu parecer no sentido do indeferimento do pedido, por falta de prova do requisito da alínea a), do nº 1, do art. 121º do CPAC em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - Ao requerente foi concedida a autorização de residência temporária em 19/06/2017, adquirindo pela primeira vez o Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM em 20/07/2017.
2 - Nessa ocasião, o requerente exerceu funções de engenheiro geral de geotécnica e gestor de projectos na “XX建築工程有限公司Companhia de Construção XX, Limitada”, auferindo mensalmente o salário no valor de MOP$48.000,00.
3 - Em 30/11/2017, o requerente terminou a relação laboral com a “XX建築工程有限公司Companhia de Construção XX, Limitada”.
4 - Em 27/12/2017 o requerente estabeleceu a nova relação laboral com a “YY工程有限公司 Companhia de Engenharia YY, Limitada”, exercendo funções de engenheiro geral de geotécnica e gerente, auferindo mensalmente o salário no valor de MOP$60.000,00.
5 - Em 22/01/2018, a “YY工程有限公司Companhia de Engenharia YY, Limitada” notificou à Direcção dos Serviços de Finanças sobre o ingresso do requerente.

6 - No mesmo dia, ou seja, em 22/01/2018, o requerente notificou ao IPIM sobre o seu ingresso na empresa.
7 - No momento em que o requerente se desligou da “YY工程有限公司Companhia de Engenharia YY, Limitada” em 30/11/2018, notificou o IPIM em 21/12/2018, apontando que em 10/12/2018, o requerente ingressou na “ZZ有限公司ZZ Company Limited (Macau)”, auferindo mensalmente o salário no valor de MOP$60.000,00.
8 - O requerente sempre tem o emprego certo em Macau, e em 2017, ele tem permanecido em Macau de 294 dias, em 2018, ele tem permanecido em Macau de 216 dias.
9 - O requerente também tem participado na associação profissional em Macau, agora, é o vogal do “Macau Association of Geotechnical Engineering”.
10 - O requerente tem a seu cargo a mulher e dois filhos, com 8 e 2,5 anos de idade, por outro lado.
11 - A esposa do requerente não exerce profissão remunerada por ter que cuidar dos filhos.
12 - O requerente exerce a função de engenheiro geral de geotecnia e gerente na empresa onde labora e é a única fonte de rendimento da família.

14 - No dia 22/02/2019 foi elaborada a Proposta nº 00401/AJ/2019, com o seguinte teor:

“1. Segundo as normas do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o requerente A foi concedido a autorização de residência temporária em 19/06/2017, por ser recrutado pela “XX建築工程有限公司Companhia de Construção XX, Limitada”, exercendo funções de engenheiro geral de geotécnica e gestor de projectos, e no mesmo dia, o seu cônjuge B e o descendente C foram concedidos a autorização de residência temporária. A autorização de residência temporária dos indivíduos supracitados terminará em 19/06/2020.
2. Em 27/7/2017, o presente instituto recebeu a notificação do CPSP, conforme o conteúdo da notificação: A presumivelmente cometeu um crime de dano, e foi entregue ao Ministério Público para o respectivo procedimento criminal. Para tanto, o presente instituto tinha solicitado, junto do Ministério Público, informações sobre o assunto acima referido, através do ofício n.º 06029/GJFR/2017. (vide o documento anexo 1)
3. Por carta de resposta emitida pelo Ministério Público em 9/11/2017: em 20/7/2015, com estado de trabalhador não residente, no momento em que A efectuava a operação de “despejar o cimento” nas obras, ele molhou o cimento num motociclo que passava pelo arranjo exterior das obras. Considerando que o assunto era relativo apenas aos danos não dolosos, segundo as normas do Código Penal, não constitui o cometimento do crime, além disso, a sociedade do A prometeu a indemnização ao proprietário do motociclo, e o proprietário declarou desistir de procedimento, assim, em 29/7/2016, o Ministério Público proferiu o despacho, decidindo não abrir a investigação criminal (vide o documento anexo 1).
4. Em 22/1/2018, o requerente apresentou a declaração escrita e os documentos comprovativos, verificou que existiu a alteração da sua relação laboral (vide o documento anexo 2):
A relação laboral em que fundamentou a concessão da renovação de autorização de residência temporária
A situação da relação de trabalho que foi novamente estabelecida e apresentada pela 1ª vez
Empregador
XX建築工程有限公司Companhia de Construção XX, Limitada
Empregador
YY工程有限公司Companhia de Engenharia YY, Limitada
Função
Engenheiro geral de geotécnica e gestor de projectos
Função
Engenheiro geral de geotécnica e gerente
Rendimento mensal
MOP$48.000,00
Rendimento mensal
MOP$60.000,00
Prazo do recrutamento
Desde o dia 1/10/2011 até ao dia 30/9/2016
Prazo do recrutamento
Desde o dia 27/12/2017 até ao dia 31/12/2018
Data da
30/11/2017
Data da
27/12/2017
Desligação do serviço

desligação do serviço

5. Com a intenção de seguir a respectiva situação, por via do ofício n.º 01933/DJFR/2018, o presente instituto notificou o requerente a entregar os documentos comprovativos complementares relativos à nova relação laboral, e depois, o requerente entregou os respectivos documentos. (vide o documento anexo 3)
6. No caso vertente, o requerente não manteve a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da renovação de autorização de residência temporária nem cumpriu o dever de comunicação ao instituto.
7. Nestes termos, em 4/7/2018, o instituto realizou a audiência escrita ao interessado, posteriormente, o requerente respondeu que é certo, ele não cumpriu o dever de comunicação, devido à razão de família e de trabalho e à negligência, ele não efectuou a notificação ao instituto dentro do prazo de 30 dias após a sua desligação do serviço, só depois de ingressou na nova sociedade, o requerente encontrou-se que deveria cumprir as respectivas normas, e nesta situação, o requerente efectuou de forma imediata a notificação ao presente instituto. (vide o documento 4)

8. Quanto à resposta supracitada, cuja análise é o seguinte:
(1) Nos termos do artigo 18º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, “O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização”, ao mesmo tempo, do artigo 18º, n.º 3 e n.º 4, “Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração” e “O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária”.
(2) Dos documentos constantes nos autos, a relação laboral entre o requerente e “XX建築工程有限公司Companhia de Construção XX, Limitada” cessou em 30/11/2017, no entanto, só em 22/1/2018, o requerente efectuou a notificação ao presente instituto, daqui se vislumbra que o requerente não efectuou a notificação ao instituto dentro do prazo de 30 dias contados desde a data da alteração da situação jurídica, além disso, o instituto entende que a pretensão supracitada do requerente não é a justificação, causando que o requerente não cumpriu o dever de comunicação no prazo legal.
(3) Com base nisso, propôs não admitir a situação jurídica que foi novamente estabelecida pelo requerente.
9. Em 21/12/2018, embora o requerente notificasse ao instituto sobre a desligação do serviço da “YY工程有限公司Companhia de Engenharia YY, Limitada” em 30/11/2018, e depois, em 10/12/2018, o requerente ingressou na “ZZ有限公司 ZZ Company Limited (Macau)” (vide o documento anexo 5), no entanto, com base na análise supracitada, como já apresentou o parecer de não permanecer a autorização de residência temporária concedido ao interessado, por isso, propôs não admitir que a relação laboral estabelecida pelo requerente desta vez era o fundamento do pedido de autorização de residência temporária.
10. Com a intenção de verificar a situação de permanência do requerente durante a duração da autorização de residência temporária, em 8/10/2018, o presente instituto tinha solicitado, por via do ofício n.º 05319/DJFR/2018, junto do CPSP, o registo de entrada e de saída do requerente, bem como os respectivos dados, o registo de permanência do requerente em Macau durante o período de 1/112017 a 30/9/2018 é o seguinte:
Período
Dias de permanência em Macau
1/1/2017 a 31/12/2017
294
1/1/2018 a 30/9/2018
216

Segundo os dados supracitados, demonstra que o requerente reside permanentemente em Macau durante a duração da autorização de residência temporária.
11. Pelo exposto, como já se extinguiu a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária do requerente, além disso, quanto à alteração da sua situação jurídica, o requerente não cumpriu o dever de comunicação dentro do prazo legal, ainda mais, o requerente não apresentou a justificação, nestes termos, é incapaz de admitir a nova situação jurídica estabelecida pelo requerente a ser o fundamento de manter a autorização de residência temporária concedida, nesta situação, nos termos do artigo 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, propõe que o Chefe do Executivo cancele a autorização de residência temporária concedida ao requerente A A, ao seu cônjuge B e ao descendente C, cujo prazo de validade terminará em 19/06/2020.”
14 - No dia 29/04/2019 o Chefe do Executivo lavrou o seguinte despacho:
“Concordo com a presente proposta” (a.a.)
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IV – O Direito
O acto em apreço tem conteúdo positivo, pelo que é suspensível (cfr. art. 120º, al. a), do CPAC).
Quanto aos requisitos substantivos previstos no art. 121º, nº1, als. a), b) e c), do CPAC, é sabido que, exceptuando as situações previstas nos nºs 2, 3 e 4 do art. 121º e nº1, do art. 129º, do CPAC, são de verificação cumulativa.
Ora, começando já pelo da alínea b) (A suspensão não determinará grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto), somos a dá-lo por demonstrado, face à falta de contestação e porque nos parece não ser manifesta e ostensiva uma tal grave lesão em consequência da suspensão peticionada (cfr. 129º, nº1, do CPAC).
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Também cremos que do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade da interposição do recurso contencioso. Significa isto que também o requisito da alínea b) se mostra verificado.
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No que respeita ao da alínea a), como tem sido jurisprudência dos tribunais de Macau (v.g., Ac. do TUI, 16/06/2016, Proc. nº 432/2016; do TSI, de 23/11/2017, Proc. nº 925/2017, entre outros), cumpre ao requerente alegar e demonstrar os factos dos quais resulte a previsibilidade dos prejuízos de difícil reparação.
Ora, no caso em apreço, há dois factos que podiam relevar à partida para a densificação deste requisito. Um refere-se à existência dos filhos de tenra idade; outro, à doença (alegadamente, cancro) da sogra do requerente, para cujo tratamento disse despender mensalmente a quantia de 8000 patacas.
Quanto aos filhos nada foi dito, designadamente se moram e estudam em Macau. Devia o requerente alegar este facto, não sendo possível ao tribunal presumi-lo, por ser comum que muitos dos filhos de residentes de Macau, vivem e estudam no interior da República Popular da China a cargo de familiares que lá permanecem. Esta matéria poderia servir de apoio à demonstração de um dano de natureza não patrimonial muito relevante. Mas, por falta de factualidade pertinente, não a podemos considerar para este efeito.
Quanto à quantia que o requerente diz despender com a sogra, também o requerente não o documentou, e seria muito fácil fazê-lo, caso seja verdade o que diz. Seria um elemento muito ponderoso, que relevaria não só em termos de danos patrimoniais, mas essencialmente em sede de dano não patrimonial, face ao valor da saúde e da dimensão humanitária que envolve.
O certo é que o requerente alegou este mesmo facto na audiência de interessados (fls. 154 do procedimento administrativo) e até no âmbito de reclamação para o Chefe do Executivo (fls. 7 do procedimento administrativo), mas em nenhuma das vezes juntou qualquer documento que o demonstrasse. E nos presentes autos, também não.
Sendo assim, quanto à matéria do requisito em análise, não temos elementos de suporte da alegação.
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Face ao exposto, e um vez que os requisitos do art. 212º, nº1, do CPAC são cumulativos, a falta do primeiro (al. a)) leva necessariamente à improcedência da pretensão.
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V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto requerido de 29/04/2019.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça em 4Ucs.
T.S.I., 11 de Julho de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa

1 Constata-se ter havido manifesto lapso pelo requerente na indicação de que o acto suspendendo datava de 22/02/2019 (esta foi a data da proposta que antecéu o acto).
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Proc. nº 647/2019-A 1