Processo nº 418/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 18 de Julho de 2019
Assunto:
- Remição da dívida laboral/Reconhecimento negativo da dívida
SUMÁRIO:
- A remição da dívida laboral ou o seu reconhecimento negativo declarada por parte do trabalhador é legalmente admissível aquando da cessação da relação laboral, na medida em que a relação laboral vai extinguir em muito breve, o que significa que a eventual necessidade de sujeição do trabalhador à entidade patronal deixa de subsistir, pelo que já é livre de dispor dos seus direitos.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 418/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 18 de Julho de 2019
Recorrentes: A (Autora)
B, SA (Ré)
Recorridas: As mesmas
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por despacho saneador de 16/04/2018, declarou-se nula a declaração de quitação com reconhecimento negativo de dívida assinada pela Autora A.
Dessa decisão vem recorrer a Ré B, SA, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1. O presente recurso é interposto do despacho saneador que se pronunciou desfavoravelmente à excepção peremptória invocada pela ré, ora Recorrente, no sentido de que a autora, ora Recorrida, declarou anteriormente que nada mais lhe era devido em virtude da relação laboral que manteve com a Recorrente.
2. Essa declaração revestiu a forma de uma quitação no último recibo de pagamento (aquando do fim da relação laboral) e que assinada pela Recorrida em 15 de Abril de 2011, constando expressamente que esta se considera ressarcida de todos as importâncias que lhe eram devidas e que se absteria de demandar a Recorrente neste âmbito.
3. Em termos formais, tendo como pano de fundo o Acórdão do TUI no proc. 46/2007, tal declaração consubstancia um documento de quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida.
4. A Recorrida não desmente ter assinado tal declaração, nem tampouco invocou qualquer falta ou vício de vontade, nomeadamente na eventualidade da sua vontade não ter sido livre ou esclarecida, nem fez alusão a padecer de qualquer temor reverencial inibitório (que a levasse a assinar a declaração).
5. A Recorrida jamais invocou que assinou a declaração sob apreço porque de outro modo não poderia ter recebido as quantias discriminadas nesse documento, ao contrário do que refere o meritíssimo juiz do Tribunal a quo.
6. De facto, a Recorrida apenas discordou do alcance jurídico de tal declaração, tendo pugnado que não poderiam dela retirar-se os efeitos pretendidos pela Recorrente.
7. O Tribunal terá extravasado a sua competência, porque retirou conclusões fácticas que não foram sequer alegadas, padecendo nessa medida a decisão recorrida de uma nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art. 571.º n.º 1 al. d) do CPC, preceito aplicável ex vi art. 1.º do CPT.
8. De resto, a decisão recorrida faz uma interpretação manifestamente extravasante do teor do Acórdão do TUI 46/2007, porquanto deste não se retira a nulidade tout court de uma remissão de dívidas assinada durante a constância da relação laboral, muito menos de um reconhecimento negativo de dívida assinada precisamente no último dia da relação laboral.
9. Não podem restar dúvidas de que a decisão recorrida padece de erro de julgamento, por não se basear, desde logo, em qualquer norma jurídica (o que se evidencia pelo facto de nenhuma norma ter sido citada pelo mesmo).
10. De facto, dispõe o art. 287.º do CC que apenas são nulos os negócios celebrados contra normativos de carácter imperativo. Ora, na nossa ordem jurídica o princípio da liberdade contratual, previsto no art. 399.º do CC.
11. Não se descortina qualquer razão plausível ou interesse atendível que justifique que as partes, na data da cessação de uma relação laboral, sejam impedidas de chegar a um entendimento relativamente aos créditos devidos por uma à outra parte.
12. O temor reverencial que hipoteticamente existe durante a constância da relação de trabalho não subsiste, por natureza, no momento em que as partes já decidiram pôr termo a essa mesma relação laboral e mais ainda quando foi o trabalhador que denunciou o contrato de trabalho (como sucedeu in casu).
13. Neste momento, por norma, o trabalhador estará muito mais ciente dos direitos que lhe assistem vis-a-vis a entidade empregadora, mais cauteloso acerca das declarações que assina; atalhadamente, o trabalhador está neste momento mais reivindicativo dos seus direitos.
14. O temor reverencial emana do receio do trabalhador de, ao não acatar legitimamente instruções do seu empregador, vir sofrer determinadas represálias deste último, como seja, a não progressão na carreira ou a não concessão de aumentos salarias.
15. A tutela do trabalhador neste âmbito decorre dessas potenciais represálias do empregador serem dificilmente sancionáveis, não sendo na maioria dos casos possível ao trabalhador reagir contra as mesmas e ficando assim sem tutela nesse âmbito.
16. A potencial ameaça do empregador de não pagar as importâncias em dívida ao trabalhador em decorrência da relação laboral (o que, recorde-se, não foi alegado ou sequer provado), não integra o conceito de temor reverencial (no sentido de justificar a emissão de uma quitação pelo trabalhador contra a sua vontade).
17. Tal deve-se ao facto de a dita potencial ameaça não estar relacionada com o desenvolvimento da relação laboral (porquanto esta tinha aliás terminado) e à facilidade do trabalhador em reagir contra a mesma ainda que não tivesse subscrito a quitação.
18. De facto, tendo o empregador a obrigação expressamente prescrita nos termos da lei (art. 77.º da Lei das Relações.de Trabalho) no sentido de que tem de efectuar o pagamento das importâncias devidas no prazo de 9 dias após a cessação da relação laboral, permite ao trabalhador facilmente reagir contra o respectivo incumprimento (que constitui aliás uma contraordenação).
19. A Recorrida (não se sabe se voluntaria ou propositadamente) não juntou ou fez qualquer referência a essa quitação, apesar da mesma constar do último recibo de pagamento, tendo a Recorrida juntado os demais restantes 110 recibos que recebeu ao longo da relação laboral.
20. Essa circunstância, a que se acrescenta o facto de ter pedido a junção de um recibo de pagamento relativo a um outro período e que não tinha na sua posse, é demonstrativa da consciência que a Recorrida tem do valor da sua declaração.
21. Nesse sentido, por não ser proibida por lei a declaração de vontade que assinou, nem tendo padecendo esta de qualquer vício de vontade, há que retirar dela, sem mais delongas, os efeitos legais dela decorrentes, isto é, absolver a Recorrente do pedido formulado pela Recorrida.
*
A Autora respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 718 a 746, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Por sentença de 14/12/2018, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré a pagar à Autora a quantia de MOP$300,719.39, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
I. OBJECTO DO PRESENTE RECURSO
1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida a fls. 872-883 dos autos, que condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento à Autora de créditos laborais, no montante de MOP 300.719,39, decisão com a qual não se conforma.
a) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a questão da quitação
2. Em primeiro lugar cumprirá referir que a Ré interpôs recurso de uma decisão plasmada no Despacho saneador proferido a fls. 659-662 dos Autos que declarou nula a declaração de quitação com reconhecimento negativo de dívida assinada pela Autora a 15 de Abril de 2011, em resposta a uma excepção aduzida pela Ré.
3. Se, como se espera, o referido recurso for favorável à Recorrente, deverá reformular-se em conformidade a decisão proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra que absolva por completo a Recorrente de todos os pedidos formulados pela Recorrida.
4. Acresce que os fundamentos expostos no Despacho de fls. 659-662 e que motivaram a declaração de nulidade da declaração de quitação supra aludida soçobraram no confronto com a prova produzida posteriormente ao proferimento do aludido despacho, nomeadamente a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.
5. Assim, não tendo sido posta em causa a veracidade do recibo onde foi aposta a declaração de quitação (tendo apenas sido negado o valor jurídico que a Recorrente pretendia ver-lhe atribuído), e tendo sido discutida em audiência de julgamento matéria relativa à quitação, imperava que a sentença ora em crise se pronunciasse a respeito da questão da quitação dada pela Recorrida, o que não fez.
6. O Tribunal inquiriu as testemunhas trazidas aos Autos tanto pela Autora como pela Ré relativamente às seguintes questões:
i. Método de pagamento das compensações no momento de cessação da relação de trabalho;
ii. Conteúdo dos documentos habitualmente assinados pelas bailarinas quando cessava essa relação laboral com o Crazy Paris Show;
iii. Eventuais interpelações ou queixas dirigidas à Ré por parte da Autora relativamente a créditos laborais não pagos: e
iv. Comentários ou queixas feitos pela Autora junto das suas colegas relativamente a eventuais créditos laborais não pagos pela Ré quando, após a cessação da relação laboral originária, regressou ao Crazy Paris Show.
7. Das respostas dadas a estas questões resultou sumariamente o seguinte:
i. Já depois de 15 de Abril de 2011, a Autora regressou ao Crazy Paris Show;
ii. A Autora nunca mencionou às suas colegas que havia pedido à Ré para ser paga de créditos laborais e que a Ré havia recusado, nomeadamente após o seu regresso ao Crazy Paris Show;
iii. Houve colegas da Autora que a avisaram de que eventualmente teria direito a receber créditos laborais e, tanto quanto foi possível apurar, ainda que munida dessa informação, a Autora nunca reclamou junto da Ré quaisquer montantes;
iv. Não era comum as trabalhadoras do Crazy Paris Show aporem uma declaração de quitação no recibo de vencimento assinado aquando da cessação da relação laboral nos termos em que a Autora o fez;
v. O pagamento dos montantes devidos aquando da cessação da relação laboral com as bailarinas do Crazy Paris Show era feito por transferência bancária numa transacção independente da assinatura dos recibos de vencimento finais, no caso em apreço do recibo de quitação assinado a 15 de Abril de 2011.
8. No entanto, a sentença em crise aborda não a questão da quitação dada pela Autora à Ré.
9. Para além da quitação a Ré, ora Recorrente alegou, em requerimento datado de 14/11/2018, que o facto de a Autora ter regressado ao Crazy Paris Show, sem nunca ter reclamado o pagamento de quaisquer montantes era indício forte de que não se considerava credora perante a Recorrente.
10. Ademais, se no despacho proferido a fls. 659-662 se concluía que a declaração de quitação de Autora era nula porque esta [a Autora] "não podia receber os montantes, sem assinar a declaração" - ainda que tal afirmação decorresse apenas de uma suposição sem qualquer suporte fáctico - depois da audiência de julgamento tal afirmação já não poderia subsistir.
11. Isto porque que nunca a Autora alegou ter sido compelida a assinar o recibo de quitação para receber os montantes que recebeu em 15 de Abril de 2011, pois que na verdade omitiu enquanto pode a assinatura desse recibo, ciente de que o mesmo punha em crise todo o seu petitório.
12. Em conclusão, os novos factos trazidos à colação pela Recorrente e, bem assim, a prova produzida em audiência de julgamento exigiam que o Tribunal a quo revisitasse a questão da quitação e se pronunciasse sobre a mesma.
13. Sendo esta uma questão essencial, passível de reverter por completo a decisão vertida na sentença de que ora se recorre, a omissão de pronúncia configura uma nulidade da sentença recorrida, por violação do artigo 571.º n.º 1 al. d) do CPC, devendo ser reformulada em conformidade, pronunciando-se sobre a questão da quitação e absolvendo a Ré, ora Recorrente de todos os pedidos.
b) Da ilegalidade da decisão
14. Por outro lado, sempre se dirá a respeito da questão da quitação que os motivos pelos quais a sentença recorrida não se pronuncia sobre a declaração de quitação dada pela Recorrida, salvo melhor opinião, radicam numa errónea e demasiadamente restritiva interpretação da jurisprudência produzida na RAEM.
15. Se bem entendeu a Recorrente, a preocupação do Tribunal a quo incidia no eventual poder de autoridade que a Ré exerceria sobre a Autora, nomeadamente o poder de não lhe pagar o último salário caso a Autora não assinasse a declaração de quitação.
16. E, como vimos, por força do que se apurou em audiência de julgamento, e que já supra se demonstrou, nunca tal ameaça impendeu sobre a Autora pois a assinatura do recibo de quitação servia meramente para que se mantivesse registo da transacção e não como condição da entrega de qualquer montante.
17. Ficou também provado que a prática comum em casos semelhantes não era a de incluir uma declaração de quitação no recibo do último vencimento assinado aquando da cessação da relação laboral, o que sucedeu com o recibo assinado a 15 de Abril de 2011 pela Autora.
18. Fica, portanto, evidente a especialidade do presente caso, sendo legítimo concluir que a declaração de quitação da Autora foi consciente e livre, o que legitimamente poderia fazer aquando da cessação da relação de trabalho.
19. Em primeiro lugar, sempre se dirá que o facto de o recibo ter sido assinado no dia em que cessou a relação laboral, em nada impede que se entenda que a relação laboral já havia, na verdade, cessado aquando da assinatura do mesmo.
20. Por outro lado, já tinha sido dado o respectivo pré-aviso de que pretendia pôr termo à relação laboral com a Recorrente, cessando portanto qualquer eventual temor reverencial que a Recorrida pudesse ter.
21. Soma-se ao supra o facto de o pagamento de montantes pela Recorrente à Recorrida não ser feito sob condição de que o recibo fosse assinado e, muito menos, nem sendo prática comum que as bailarinas assinassem declarações de quitação nos recibos de vencimento.
22. Aliás, não sendo a Recorrida residente da RAEM e, portanto, sendo expectável que se ausentasse a breve trecho da RAEM, é natural que tanto a Recorrente como a Recorrida quisessem deixar todas as contas acertadas e respectiva documentação assina a, e modo a evitar que tal exercício se tornasse impossível em momento posterior.
23. Assim, não é de estranhar que a declaração de quitação tivesse sido assinada no dia em que cessou a relação laboral, facilmente se concluindo que a quitação foi dada consciente e validamente, e já fora da pendência da relação laboral.
24. Por outro lado, ainda que não se considere que a quitação foi assinada após a cessação da relação laboral (o que não se concede), não se antevê qualquer motivo que impeça as partes de chegar a um entendimento relativamente aos créditos devidos por uma à outra parte, no mesmo dia em que ocorre a cessação de uma relação laboral.
25. O temor reverencial que hipoteticamente existe durante a constância da relação laboral não subsiste, por natureza, no momento em que as partes (ou qualquer uma delas) já decidiram pôr termo à relação laboral, especialmente em casos como o presente, em que foi a Recorrida a pôr termo à relação laboral.
26. Até porque o empregador está obrigado, nos termos da lei (art. 77.º da Lei das Relações de Trabalho - LRT), a efectuar o pagamento das quantias em dívida no prazo de 9 dias contados da cessação da relação laboral, sob pena de praticar uma contraordenação.
27. De todo o modo, como vimos, não houve qualquer pressão ou ameaça no sentido de forçar a Recorrida a assinar qualquer documentação sob pena de não receber o que lhe era devido, até porque, se tivesse sido alvo de pressões ilegítimas ou se considerasse que lhe deviam dinheiro, não seria expectável que voltasse a trabalhar para o mesmo Show.
28. Conclui-se, portanto, que a declaração de quitação foi assinada de livre vontade, após a cessação da relação laboral (ou quando muito aquando da cessação da mesma) sem qualquer motivo para que seja questionada a sua validade.
29. Refira-se a título final, que a jurisprudência que tem sido produzida na RAEM não tem como objectivo proteger situações como as que se verificam no presente caso.
30. Em primeiro lugar, refira-se que a referida jurisprudência tem sido produzida na ausência de uma disposição legal concreta que proíba os trabalhadores de darem quitação durante ou depois da cessação da relação laboral, com o intuito de encontrar um equilíbrio entre o instituto da liberdade contratual e a necessidade de proteger os direitos dos trabalhadores.
31. Pelo que, salvo o devido respeito, o raciocínio do douto Tribunal a quo radica numa interpretação demasiado redutora e fundada em pressupostos errados (na óptica da Recorrente) do acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância (TUI) no processo n.º 46/2007, tendo entendido que a declaração da Recorrida consubstanciava, por ter sido assinada na suposta constância da relação laboral, uma declaração nula.
32. Saliente-se que naquele acórdão concluiu-se que é aceitável, configurável e perfeitamente legítima a remissão de créditos de trabalhador após a cessação da relação laboral.
33. Do referido acórdão tampouco se retira a nulidade «tout court» de uma remissão de dívidas assinada durante a constância da relação laboral, muito menos de um reconhecimento negativo de dívida assinado precisamente no último dia da relação laboral.
34. Ora, ainda que se considerasse que a declaração de quitação não fora dada já após a cessação da relação laboral (o que não se concede) é inegável que o foi pelo menos aquando dessa cessação, não havendo motivo para a considerar nula, por não impender sobre a Recorrida nesse momento o poder que a Recorrente poderia eventualmente ter na qualidade de entidade patronal.
35. E tal entendimento decorre, por exemplo, do Acórdão proferido por esse Tribunal no processo n.º 710/2013.
36. Em suma, na modesta opinião da Recorrente, a ratio da jurisprudência que tem vindo a ser produzida na RAEM é evitar que os trabalhadores se vejam coarctados na sua liberdade contratual, o que não sucedeu no caso em apreço.
37. E assim, a decisão ora em crise é ilegal, desrespeitando os artigos 287.º e 399.º do Código Civil.
38. Isto porque, não se consegue identificar qualquer norma jurídica que tenha sido violada para sustentar a nulidade da declaração emitida pela Recorrida nem tampouco urge acautelar qualquer posição de fraqueza.
39. E assim, não se antevê a necessidade de decidir ao arrepio da liberdade contratual da Recorrida, tratando-a como uma incapaz às mãos da Recorrente que, só após 7 anos a cessação da relação laboral superou o temor que tinha da Recorrente e ganhou finalmente coragem para reclamar o que lhe é alegadamente devido!
40. Nesse sentido, por não ser proibida por lei a declaração de vontade que a Recorrida assinou, nem padecendo esta de qualquer vício de vontade, há que retirar dela, sem mais delongas, os efeitos legais dela decorrentes, isto é, absolver a Recorrente do pedido formulado pela Recorrida.
*
A Autora respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 969 a 991, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Admitido o recurso da sentença final da Ré, a Autora vem interpor o recurso subordinado, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O presente recurso subordinado interposto da sentença proferida a fls. 872 a 883 dos autos é delimitado à parte em que a mesma (i) se absteve de condenar a Recorrida ao pagamento à Recorrente dos créditos laborais desta relativos à compensação pelos dias descanso semanal gozados mas não remunerados e pela compensação por prestação de trabalho em dias de descanso semanal no ano de 2011 e (ii) absolveu a Recorrida do pedido formulado pela aqui Recorrente de pagamento de juros de mora à taxa legal contados desde 30/04/2011, e, ao invés, condenou-a ao seu pagamento apenas a partir do dia seguinte à notificação da sentença recorrida.
2. Em face da prova produzida, o Tribunal a quo determinou que a Recorrente (i) ao abrigo do disposto no artigo 17.º, n.º 1 e n.º 6, alínea a) do Decreto-Lei 24/89/M e artigo 42.º, n.º 1, 43.º, 59.º a 61.º, todos da Lei 7/2008, tem direito a receber a título de compensação pelos dias descanso semanal gozados, mas que não lhe foram remunerados, o montante total de HKD$336.809,63 equivalente a MOP$346.913,91 e (ii) ao abrigo do artigo 43.º, n.º 2, alínea 2) e n.º 4, alínea 2), 59.º a 61.º todos da Lei 7/2008, tem direito a receber a título de compensação por prestação de trabalho em dias de descanso semanal no ano de 2011, o montante de HKD$14.798,17 equivalente a MOP$15.242,10 (no montante total de HKD$351.607,80 equivalente a MOP$362.156,03).
3. No que concerne aos créditos laborais da Recorrente relativos à compensação pelos dias descanso semanal gozados mas não remunerados e pela compensação por prestação de trabalho em dias de descanso semanal no ano de 2011, sustentou o Tribunal a quo na sentença recorrida subordinadamente que uma vez que a esta não tinha peticionado créditos, não obstante ter o referido Tribunal conhecido de tal matéria, não proferiu decisão condenando a Recorrida ao seu pagamento.
4. Salvo o devido e enorme respeito que merecem todas as decisões judiciais, a Recorrente não se pode conformar com tal decisão por a mesma escoriar os mais básicos, fundamentais e inderrogáveis direitos do trabalhador, in casu, a aqui Recorrente.
5. Conforme decorre dos termos dos artigos 4.º, 14.º, n.º 2 e 3, da Lei n.º 7/2008, não são admitidos acordos ou convenções entre trabalhadores e empregadores dos quais resultem direitos menos favoráveis para os trabalhadores do que os que resultariam da aplicação da lei laboral.
6. Do exposto resulta que os direitos dos trabalhadores são indisponíveis e irrenunciáveis pois não podem ser objecto de disposição contratual, sempre que dessa disposição resulte' a redução ou perda de direitos, incluindo direitos pecuniários, remuneratórios ou compensatórios, previstos nas normas legais aplicáveis.
7. Ao abrigo do disposto no artigo 42.º, n.ºs 3 e 4 do CPT, o julgador pode condenar extra vel ultra petitum quando estiverem em causa preceitos inderrogáveis de lei, sendo, porquanto, um reflexo directo do principio da irrenunciabilidade de certos direitos subjectivos do trabalhador.
8. E in casu, como resulta evidente, os direitos compensatórios da Recorrente relativos a períodos de descanso semanal gozados mas não remunerados e a períodos de descanso semanal não gozados encontram-se salvaguardados imperativamente na lei laboral aplicável e, assim, consubstanciando direitos indisponíveis dos trabalhadores.
9. Pelo que, resultando plenamente provados no autos que a Recorrente tem direito à compensação pelos dias descanso semanal gozados mas que não lhe foram remunerados pela Recorrida e à compensação por prestação de trabalho em dias de descanso semanal no ano de 2011, sendo direitos irrenunciáveis da Recorrente, deveria o Tribunal a quo, oficiosamente, ter condenado a aqui Recorrida no pagamento de tais quantias devidas em face dos mesmos supra referidos artigos 17.º, n.º 1 e n.º 6, alínea a) do Decreto-Lei 24/89/M e 42.º, n.º 1, 43.º, n.º 2, alínea 2), e 59.º a 61.º, todos da Lei 7/2008.
10. No entanto, ao abster-se de julgar tais questões, a decisão recorrida violou, nessa parte, o disposto no artigo 42.º, n.º 3 do CPT e, bem assim, nos citados artigos 17.º, n.º 1 e n.º 6, alínea a), do Decreto-Lei 24/89/M, e 42.º, n.º 1, 43.º n.º 2, alínea 2) e n.º 4, alínea 2), 59.º a 61.º, todos da Lei 7/2008.
11. Termos em que, em face do supra exposto, deve, assim, ser julgado nesta parte procedente o presente recurso subordinado e proferida uma decisão que condene a Ré e ora Recorrida a pagar aqueles créditos à Autora e aqui Recorrente, no montante total de HKD$351.607,80 equivalente a MOP$362.156,03.
12. Quanto pedido formulado pela Recorrente de pagamento de juros de mora à taxa legal de 9,75% ao ano, contados desde 30/04/2011 até efectivo e integral pagamento, a sentença sub judice julgou-o improcedente sustentando o disposto no n.º 4 do artigo 794.º do CC, e condenou a Recorrida apenas no pagamento de juros apenas a partir do dia seguinte à notificação da decisão recorrida.
13. Ora, conforme resulta dos autos as quantias peticionadas pela aqui Recorrente ou em questão neste recurso fazem parte integrante do salário ou remuneração da Recorrente, nos termos do disposto nos artigos 25.º, n.º 2, do DL 24/89/M e 60.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008.
14. No âmbito do DL 24/89/M (vide artigo 28.°, n.º 4), cabia expressamente à aqui Recorrida efectuar a liquidação e o pagamento dessas obrigações, no prazo de 9 dias úteis (6+3) a contar do termo do período a que respeitavam as correspectivas prestações, ou seja, no máximo até 29 de Abril de 2011.
15. E, no âmbito da Lei 7/2008 (vide artigo 62.º, nos. 2 e 3), cabia expressamente à aqui Recorrida efectuar a liquidação dessas obrigações e pagá-las, no prazo de 9 dias úteis a contar do termo do período a que respeitavam as correspectivas prestações, ou seja, no máximo também até 29 de Abril de 2011.
16. Pelo que é forçoso concluir-se que as quantias em crise nestes autos deveriam ter sido recebidas pela Recorrente no máximo até 9 dias úteis após o termo da relação laboral, i.e., 29/04/2011, pois nessa data sempre haveria terminado qualquer dos períodos supra referidos.
17. Estatui ainda imperativamente o artigo 77º da Lei 7/2008, que o empregador é obrigado a proceder ao pagamento total, no prazo de 9 dias úteis contados a partir da cessação da relação de trabalho, das importâncias devidas ao trabalhador, nomeadamente as relativas a remunerações, indemnizações e outras compensações por direitos vencidos, pelo que tais quantias sempre estariam vencidas em 29/04/2011.
18. Pelo que, tendo as obrigações de pagamento das quantias devidas pela Recorrida à Recorrente prazo certo, a Recorrida sempre teria ficado constituída em mora no dia 30/04/2011, nos termos do disposto no artigo 794.º, n.º 2, do CC e, de resto, do artigo 62.º, no. 4, da Lei 7/2008.
19. A obrigação de pagamento pela Recorrida das referidas quantias é líquida, uma vez que apenas depende de cálculo aritmético face às disposições legais aplicáveis.
20. O certo é que a aqui Recorrida estava, pelo menos desde a cessação da relação laboral (15/04/2011), na posse de toda a informação necessária para, face às disposições legais aplicáveis, calcular os montantes exactos dessas retribuições, compensações, acréscimo salarial e indemnização, como lhe cabia.
21. Com efeito, como se disse, nos termos do artigo 28.º, n.º 4 do DL 24/89/M e no termos do artigo 62.º, nºs. 2 e 3 da Lei 7/2008, cabia expressamente à Recorrida efectuar a liquidação dessas obrigações e pagá-las, no prazo máximo de 9 dias úteis a contar do termo do período a que respeitavam as correspectivas prestações, ou seja, até 29/04/2011.
22. Pelo que, qualquer falta de liquidez das mesmas sempre seria imputável à Recorrida, que, assim, atento ainda o disposto no artigo 794.º, n.º 4, do CC, sempre estaria em mora no cumprimento das mesmas, como se disse, desde pelo menos 30/04/2011.
23. Não sendo o desconhecimento da lei suficiente para justificar qualquer incumprimento (artigo 5.º do CC).
24. É este, aliás, o entendimento que resulta vertido em diversa jurisprudência que se vem debruçando sobre esta questão, como se dá conta no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Justiça de Portugal, de 18/01/2006, parcialmente transcrito e melhor identificado no corpo destas alegações e para onde desde já se remete (cfr. ponto II.8. do corpo destas alegações subordinadas).
25. Nos termos dos artigos 793.º, n.º 1, e 795.º, ambos do CC, a mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, sendo que, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, sendo os juros moratórios devidos os juros legais.
26. Atento o disposto no artigo 552.º, n.º 1, do CC e a Ordem Executiva no. 29/2006, a taxa de juros legais é de 9,75% ao ano.
27. Em face do exposto, há que concluir que as quantias que a aqui Recorrida foi condenada a pagar à aqui Recorrente vencem, na verdade, juros à taxa legal de 9,75% ao ano desde 30 de Abril de 2011 e até efectivo e integral pagamento, conforme sempre se peticionou.
28. Pelo que, ao ter decidido como decidiu, condenando a Recorrida ao pagamento das mencionadas quantias apenas a partir do dia seguinte à notificação da sentença recorrida, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 793º, n. 1, 794.º, 795º, n.º 1, 552º, n.º 1, todos do CC, no artigo 28º, n.º 4, do DL 24/89/M, nos artigos 62º, n.º 4 e 77.º ambos da Lei 7/2008 e na Ordem Executiva n.º 29/2006, padecendo assim a sentença recorrida, nesta parte, de erro de julgamento.
29. Deve, assim, a sentença recorrida ser revogada, nessa parte, e substituída, com o douto suprimento de V. Exas., por decisão que condene a Ré, aqui Recorrida, a pagar à Autora, aqui Recorrente, juros sobre as quantias em que foi condenada na sentença (e nas que ainda venha a ser) contados a partir de 30/04/2011.
*
A Ré respondeu à motivação do recurso da Autora, nos termos constantes a fls. 1042 a 1050v, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. A Ré é uma sociedade comercial anónima, constituída em Macau em 18 de Maio de 1962, com sede na Região Administrativa Especial de Macau, encontrando-se registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n.º XX.
2. Foram celebrados sucessivos contractos de trabalho entre a Autora e a Ré, um (em português) datado de 13 de Outubro de 2004, outro (em inglês) datado de 15 de Outubro de 2006, outro (em chinês) datado de 20 de Janeiro de 2009 e outro (em inglês) datado de 21 de Janeiro de 2010 (B).
3. A relação laboral entre a Autora e Ré iniciou-se em 29 de Novembro de 2004 e decorreu de forma contínua e ininterrupta até 15 de Abril de 2011 (C).
4. Em 01 de Fevereiro de 2011 a Autora comunicou à Ré que não pretendia prolongar o seu contrato, pondo termo ao mesmo com efeitos a partir de 15 de Abril de 2011 (D).
5. A Ré reteve, deduzindo HKD$1.500,00 aos montantes da remuneração que caberia à Autora receber pelas suas actuações diárias regulares em cada uma das seguintes quinzenas (E):
- 2ª. quinzena de Dezembro de 2004,
- 2ª. quinzena de Janeiro de 2005,
- 2ª. quinzena de Fevereiro de 2005,
- 2ª. quinzena de Março de 2005,
- 2ª. quinzena de Junho de 2005,
- 2ª. quinzena de Julho de 2005,
- 2ª. quinzena de Janeiro de 2006,
- 2ª. quinzena de Fevereiro de 2006,
- 1ª. quinzena de Agosto de 2006 e
- 2ª. quinzena de Agosto de 2006
6. Desde Abril de 2005, os recibos anteriormente referidos passaram a incluir, além dos montantes referidos nas folhas de cálculo (nos termos supra expostos), o subsídio de alojamento (“Lodging Allowance”) pago pela Ré à Autora de HKD$1.500,00 em Abril de 2005 e HKD$ 3.000,00 por mês nos meses subsequentes (F).
7. Desde Abril de 2005, os montantes da remuneração da Autora relativos ao seu subsídio de alojamento, começaram a ser pagos à Autora pela Ré, também por meio de transferência bancária, juntamente com os montantes da remuneração da Autora pelas suas actuações diárias regulares relativas à 2ª. quinzena de cada mês (G).
8. De salientar também que os montantes da remuneração da Autora, nomeadamente pelos “extra” (números extra efectuados em complemento a actuações regulares, números especiais, ensaios, outras prestações relevantes da Autora), que constam expressamente das folhas de cálculo supra referidas, eram pagos só na quinzena ou mês seguinte àqueles a que se referem, embora até Fevereiro de 2007 fossem incluídos nos recibos do próprio mês a que se referem (H).
9. Desde a 1ª quinzena de Março de 2007, tais montantes “extra” passaram a ser pagos juntamente com o salário pelas actuações diárias regulares da 1ª. quinzena do mês seguinte e a ser incluídos no recibo do mês seguinte àquele a que se referem (I).
10. Durante o período compreendido entre 29/11/2004 e 15/04/2011, a Autora, mediante retribuição, trabalhou em Macau ao serviço da Ré e sob a autoridade e direcção desta, no espectáculo “CPS”, como trabalhadora não residente (J).
11. O salário da Autora incluía (a) uma parte variável, calculada em função do período de trabalho efectivamente prestado e (b) uma parte fixa, traduzida em prestações fixas, por referência ao mês, consubstanciadas no subsídio de alojamento (K).
12. Até 28/05/2005, a Autora recebe 84,00€ por cada actuação diária regular (L).
13. Entre 29/05/2005 e 28/11/2005, a Autora recebe 92,00€ por cada actuação diária regular (M).
14. Entre 29/11/2005 e 28/06/2006 a Autora recebe 100,00€ por cada actuação diária regular (N).
15. Entre 29/06/2006 e 15/04/2011 a Autora recebe 108,00€ por cada actuação diária regular (O).
16. A partir de 28/05/2005, as renovações escritas do contrato de trabalho entre ambas, previam um mês de descanso anual não pago por cada período de 13 meses de trabalho (P).
17. A Autora gozou 18, 25, 24, 34, 20, 36 e 0 dias de descanso anual nos anos de 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, respectivamente, conforme discriminado na tabela seguinte (Q):
Ano
Período
N.º de dias
2005
30 de Maio - 12 de Junho (14 dias)
16 – 19 de Agosto (4 dias)
18
2006
01 – 15 de Julho (15 dias)
16 – 25 de Novembro (10 dias)
25
2007
10 – 19 de Abril (10 dias)
07 – 20 de Setembro (14 dias)
24
2008
24 de Abril - 04 de Maio (10 dias, tendo em conta que 01 de Maio feriado obrigatório remunerado)
03 – 12 de Agosto (10 dias)
16 – 29 de Dezembro (14 dias)
34
2009
08 – 17 de Fevereiro (10 dias)
04 – 13 de Dezembro (10 dias)
20
2010
01 – 11 de Fevereiro (11 dias)
24 de Junho – 01 de Julho (8 dias)
16 – 22 de Setembro (7 dias)
18 – 27 de Outubro (10 dias)
36
2011
0
Total
157
18. A Autora gozou 253 dias de descanso semanal, ao longo de toda a relação laboral, discriminados da seguinte forma (R):
- Entre 29/11 e 31/12/2004: 0 dias;
- Em 2005: 18 dias (=12+1+5);
- Em 2006: 23 dias (=15+8+0);
- Em 2007: 40 dias (=36+1+3);
- Em 2008: 52 dias (=35+3+14);
- Em 2009: 54 dias (=54+0+0);
- Em 2010: 55 dias (=45+0+10);
- Entre de 01/01-15/04/2011: 11 dias (=11+0+0).
19. Entre 29/02/2005 e 31/12/2008, a A prestou o seu trabalho para a Ré nos seguintes feriados obrigatórios (S):
- 01 de Maio e 01 de Outubro de 2005 (2 dias);
- 01 de Janeiro, 29, 30 e 31 de Janeiro e 01 de Maio de 2006 (5 dias)
- 01 de Janeiro, 18, 19 e 20 de Fevereiro, 01 de Maio e 01 de Outubro de 2007 (6 dias).
20. A partir de 01/01/2009, a Autora prestou o seu trabalho para a Ré nos seguintes feriados obrigatórios (T):
- 01 de Janeiro, 26, 27 e 28 de Janeiro, 04 de Abril, 01 de Maio, 04 de Outubro, 26 de Outubro e 20 de Dezembro de 2009 (9 dias);
- 01 de Janeiro, 14, 15 e 16 de Fevereiro, 05 de Abril, 01 de Maio, 01 de Outubro e 20 de Dezembro de 2010 (8 dias); e
- 01 de Janeiro, 03, 04 e 05 de Fevereiro e 05 de Abril de 2011 (5 dias).
21. Autora foi dispensada pela Ré no dia 01 de Outubro de 2009, 23 de Setembro e 16 de Outubro de 2010, num total de 3 dias de feriado obrigatório (U).
22. Durante a relação laboral, a Autora auferiu, como salário ou remuneração, incluindo o respectivo subsídio de alojamento, por ano pela Ré nos seguintes montantes (1.º):
- No ano 2004 - HKD$32.094,28;
- No ano 2005 – HKD318.871,32;
- No ano 2006 - HKD$375.445,26;
- No ano 2007 - HKD$418.509,96;
- No ano 2008- HKD$424.714,72;
- No ano 2009-HKD$489.586,00 (HKD453.585,60 de salário e HKD36.000,00 de subsídio de alojamento);
- No ano 2010 – HKD501.369,62 (HKD465.369,62 de salário e HKD36.000,00 de subsídio de alojamento); e
- No ano 2011 – HKD185.878,00 (HKD173.878,44 de salário e HKD12.000,00 de subsídio de alojamento)。
23. A Ré nunca remunerou a Autora dos dias de descanso anual que esta gozou (2.º).
24. A Autora e Ré nunca acordaram a ser pago o valor montante relativo à parte variável do salário pelo trabalho em dias de descanso semanal (3.º).
25. A Ré apenas pagou à Autora a retribuição normal desses dias, não lhe tendo proporcionado qualquer dia de descanso compensatório ou compensação adicional (4.º).
26. A Ré apenas pagou à Autora a retribuição normal por dias de trabalho em feriado obrigatório e não lhe tendo pago qualquer acréscimo salarial até 31/12/2008 (5.º).
27. A Ré apenas pagou à Autora a retribuição normal por dias de trabalho em feriado obrigatório e não lhe tendo conferido ou pago qualquer dia de descanso compensatório ou qualquer acréscimo de um dia de remuneração de base entre 1/1/2009 e 15/4/2011 (6.º).
28. A remuneração da Autora entre Dezembro de 2008 e Abril de 2011 é do seguinte: (6.ºA)
年份
月
薪金 (HKD)
住宿津貼 (HKD)
工作日數
2008
12
21,288.40
3,000.00
14
2009
1
33,488.52
3,000.00
27
2
24,901.08
3,000.00
16
3
33,696.88
3,000.00
26
4
35,752.72
3,000.00
25
5
37,846.88
3,000.00
27
6
39,600.52
3,000.00
25
7
37,537.08
3,000.00
26
8
39,041.44
3,000.00
26
9
39,902.96
3,000.00
25
10
45,293.72
3,000.00
26
11
48,667.12
3,000.00
25
12
37,856.68
3,000.00
16
2010
1
41,459.26
3,000.00
26
2
31,530.24
3,000.00
14
3
39,334.20
3,000.00
26
4
43,121.80
3,000.00
25
5
44,700.00
3,000.00
28
6
34,354.52
3,000.00
20
7
41,614.12
3,000.00
25
8
44,223.28
3,000.00
26
9
28,216.64
3,000.00
22
10
26,508.40
3,000.00
16
11
43,322.64
3,000.00
28
12
46,984.52
3,000.00
26
2011
1
48,302.72
3,000.00
29
2
48,101.04
3,000.00
24
3
44,455.68
3,000.00
26
4
33,019.00
3,000.00
15
29. A Ré não pagou à Autora qualquer remuneração por dias de dispensa em feriado obrigatório entre 01/01/2009 e 15/04/2011 (7.º).
30. A Autora não juntou o recibo de pagamento do mês de Abril de 2011, onde consta o conteúdo da quitação/remissão (8.º).
31. 被告透過其訴訟代理人就原告的起訴作出答辯 (10.º).
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Do recurso interlocutório da Ré:
A Ré suscitou na sua contestação uma excepção peremptória extintiva dos direitos invocados pela Autora tendo, para o efeito, junto um documento que qualificou como “quitação com reconhecimento negativo de dívida” (cfr. doc. nº 2 junto à Contestação, fls. 604 dos autos), do qual contém a seguinte expressão em inglês:
“It is agreed that the above payment being the final payment of my work and that all accounts have been settled. No further claim will be made on either side between B and me”.
A tradução livre em português seria: “É acordado que o pagamento supra é o pagamento final pelo meu trabalho e que todas as contas estão saldadas. Nenhuma demanda ulterior será feita por qualquer das partes, seja pela B ou por mim”.
A decisão recorrida julgou esta declaração da Autora como nula por duas razões, a saber:
1ª - Como declaração de remição da dívida ou reconhecimento negativo de dívida, a mesma só é válida após a cessação da relação laboral, que não é o caso, visto que a Autora assinou tal declaração no último dia de trabalho, ou seja, ainda se vigorava a relação laboral entre a Autora e a Ré.
2ª- Caso a Autora não assinasse tal declaração, não poderia receber as quantias em causa, ou seja, a Autora assinou tal declaração contra a sua livre vontade.
Quid iuris?
Em relação ao primeiro argumento que determinou a nulidade da declaração de remição da dívida ou reconhecimento negativo de dívida, não podemos acompanhar a posição do Tribunal a quo.
A razão de ser para a jurisprudência local ter entendido que a remição da dívida laboral ou o seu reconhecimento negativo declarada por parte do trabalhador após a extinção da relação laboral é legalmente válida consiste no entendimento de que a dependência ou subordinação do trabalhador deixa de subsistir com a cessação desta relação, pelo que já é livre de dispor dos seus direitos.
Ora, para nós, esta razão de ser também se verifica no momento da cessação da relação laboral, na medida em que a relação laboral vai extinguir já em muito breve, o que significa que a eventual necessidade de sujeição do trabalhador à entidade patronal deixa de subsistir, pelo que a remição da dívida laboral ou o seu reconhecimento negativo declarada por parte do trabalhador é legalmente admissível aquando da cessação da relação laboral.
Este TSI, no Ac. de 24/07/2008, proferido no Proc. nº 491/2007, entendeu que:
“A declaração do trabalhador, aquando da cessação de uma relação laboral, em que aceita uma determinada quantia para pagamento de créditos emergentes dessa relação e em que declara prescindir de quaisquer outros montantes, não deixa de consubstanciar valida e relevantemente uma declaração de quitação em que se consideram extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda e qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.”
Quanto ao segundo fundamento que determinou a nulidade da declaração, isto é, se a Autora não assinasse tal declaração, não poderia receber as quantias em causa, entendemos que o Tribunal a quo não pode servir tal facto no momento da decisão por ser ainda matéria controvertida.
A matéria em causa alegada pela Autora na Resposta à contestação (cfr. artº 82º da Resposta à contestação, fls. 637 dos autos) nos seguintes termos:
“82º
De resto, convém não esquecer que a A. assinou a declaração em causa preparada pela R., precisamente no último dia em que esteve ao serviço desta e que não receberia os montantes referidos no documento em que está contida se não fizesse.”
A Ré, em consequência da matéria alegada na Resposta à contestação e em nome do contraditório, apresentou um articulado (fls. 653 a 654 dos autos) para impugnar, entre os outros, o tal facto em causa.
Contudo, por despacho do juiz titular do processo, foi ordenado o desentranhamento do articulado apresentado (fls. 655).
Não obstante o despacho de desentranhamento não ter sido objecto de qualquer recurso, não se nos afigura correcta considerar o tal facto alegado assente por falta da impugnação da Ré. Bem pelo contrário, deve ser considerada matéria controvertida que carece de ser provada já que foi o próprio Tribunal a quo que impediu à Ré de o fazer.
Sendo ainda matéria controvertida, o facto em causa deveria ser levado à base instrutória para efeitos de comprovação, não podendo, por isso, servir-se desde logo de fundamento de facto da decisão recorrida.
Pelas razões expostas, o recurso interlocutório da Ré não deixa de se julgar como provido.
Em consequência, a decisão recorrida tem de ser revogada e os autos hão-de baixar ao Tribunal a quo para novo julgamento da matéria de facto acima em referência (artº 82º da Resposta à contestação).
2. Dos recursos final da Ré e subordinado da Autora:
Com o provimento do recurso interlocutório da Ré, a sentença final recorrida tem de ser também revogada, já que o Tribunal a quo precisa de decidir de novo sobre a excepção da remissão/reconhecimento negativo da dívida suscitada pela Ré em conformidade com o resultado do novo julgamento da matéria de facto acima ordenado, o que prejudica o conhecimento dos recursos final da Ré e subordinado da Autora
*
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em:
1. conceder provimento ao recurso interlocutório da Ré, revogando a decisão recorrida e a sentença final, determinando a baixa dos autos para o novo julgamento da matéria de facto nos termos acima consignados;
2. não conhecer dos recursos final da Ré e subordinado da Autora.
*
Custas do recurso interlocutório pela Autora.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 18 de Julho de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
31
418/2019