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Processo nº 794/2019(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. A ou A1, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 110 a 120 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 122 a 122-v).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação (cfr. fls.110 a 120 dos autos), o recorrente pediu a revogação do douto despacho recorrido e a sua substituição pela decisão de deferir o pedido da liberdade condicional, assacando-lhe a violação do preceito no n.º1 do art.56º do Código Penal de Macau (CPM).
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as concisas explanações da ilustre Colega na douta Resposta.
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56º do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.º195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º225/2010). Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n.º225/2010 e n.º404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.º1 do art.56º dotam aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º9/2002)
No caso sub judice, a MMª Juiz a quo mostra satisfeita a positiva evolução da personalidade do recorrente durante o cumprimento efectivo da pena de prisão imposta a ele, não tendo reserva em relação à prevenção especial. Com efeito, ela chegou à conclusão de não se preencher in casu o requisito consagrado na alínea b) do n.º1 do art.56º do CPM.
Em sede de fundamentação, a mesma explicou, a propósito e com clareza, que “一般預防方面,被判刑人非為本澳居民,犯罪形式是於腰間纏上毒品及於內褲藏有毒品的方式,將超逾2000克的毒品經過本澳運到外地,當中經定量分析後,甲基苯丙胺(俗稱冰毒)淨量重超過1378.6克,顯示其犯罪行為是有預謀且並非偶然的,而且毒品數量十分多,情節嚴重,且案發時引起社會極大關注。眾所周知,毒品犯罪對人體健康的損害、完整家庭的破壞及對社會的危害性都非常嚴重,而且外地人士在澳門從事販毒活動、以及以澳門作為毒品中轉站的情況在本地區至今仍未見有效遏止。故此,普羅大眾均希望嚴厲地打擊毒品犯罪,並對於透過刑罰以阻嚇及讉責相關犯罪行為,以恢復對法律秩序的權威之期望更高。此外,立法者透過第10/2016號法律修改了第17/2009號法律《禁止不法生產、販賣和吸食麻醉藥品及精神藥物》的相關規定,當中不論是不法生產、販賣甚至吸食麻醉藥品及精神藥物的法定刑幅均有所提高(不法販賣麻醉藥品及精神藥物的刑幅下限由三年調高至五年),反映本澳對於打擊毒品相關犯罪的要求更為嚴格。因此,本法庭認為,對於考慮與毒品犯罪有關案件的假釋聲請時,應更審慎考慮一般預防的因素。本案中,考慮到毒品數量非常多,在同類型案件之中情節屬較嚴重的,一般預防的要求非常高,同時考慮到被判刑人現時所服的刑期,法庭認為倘若提早釋放被判刑人,將會動搖社會公眾對法律制度之信心,不利於維護法律秩序及社會安寧。”
Ora, a argumentação acima transcrita demonstra iniludivelmente que o cristal receio da MMª Juiz a quo se cingia na prevenção geral, eis o único motivo alegado no despacho recorrido para fundamentar a decisão de indeferir o pedido da liberdade condicional.
Em estrita observância às sensatas orientações jurisprudenciais supra citadas, e sem embargo do respeito pela opinião diferente, inclinamos a sufragar as prudentes avaliações e preocupação da MMª Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, o pressuposto consagrado na alínea b) do n.º1 do art.56º do CPM. Bem, como bem observou a MMª Juiz a quo, prevê-se razoavelmente que a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social e a prevenção geral.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais do ordenamento jurídico da RAEM são muito mais benevolentes. Daí que os julgadores de Macau devem tentar esforços e providências necessárias para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e não merece censura alguma o douto despacho em escrutínio.
(…)”; (cfr., fls. 129 a 130-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 27.04.2012, foi, A ou A1, ora recorrente, condenado pela prática como autor material de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, na pena de 10 anos de prisão;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 10.10.2011, e em 09.06.2018, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 09.10.2021;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua família, em FUJIEN, R.P.C..

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Porém, e como já se deixou adiantado, apresenta-se-nos evidente a improcedência do presente recurso.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 10.10.2011, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 09.05.2019, Proc. n.° 404/2019, de 06.06.2019, Proc. n.° 542/2019 e de 20.06.2019, Proc. n.° 594/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.

Com efeito, atento o tipo de crime cometido, (o de “tráfico de estupefacientes”), a quantidade e qualidade em questão, (1.378,6 gramas de Metanfetamina), os seus prejuízos e malefícios para a saúde pública, muito fortes são as necessidades de prevenção criminal (geral), especialmente, na situação dos autos, dada a vertente de “crime transfronteiriço”, e, ponderando na pena aplicada e no período de pena que falta cumprir, apresenta-se-nos, por ora, (manifestamente) inviável considerar como verificado o pressuposto do art. 56, n.° 1, al. b) do C.P.M., pois que, importa acautelar a repercussão de tal criminalidade na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo, igualmente, que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Como no recente Ac. do T.R. de Évora de 05.02.2019, (Proc. n.° 669/16), se considerou, importa ter em conta que “a compatibilidade da libertação condicional com a defesa da ordem e da paz social não se reconduz, restritivamente, à previsível ausência de expressões públicas de inconformismo, mas antes, mais latamente, à compatibilidade da libertação condicional com a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes”, não sendo de se olvidar também que nos termos do art. 43°, n.° 2 do C.P.M.: “A execução da pena de prisão serve igualmente a defesa da sociedade, prevenindo o cometimento de crimes”.

Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., à vista está a solução.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 132 a 138-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, veio o recorrente reclamar do decidido, alegando que o seu recurso não devia ser considerado manifestamente improcedente, (e rejeitado), insistindo também no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 144 a 147).

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Sobre este expediente, opinou o Ilustre Procurador Adjunto pugnando pela sua improcedência; (cfr., fls. 149 a 151).

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Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, inscritos em tabela para decisão em conferência; (cfr., fls. 153).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. No uso da faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o recorrente reclamar da decisão sumária nos presentes autos proferida e atrás transcrita.

Porém, mostra-se de concluir que evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das questões colocadas – e acertada na solução.

Na verdade, pelos motivos que na referida decisão sumária se deixaram expostos, e como bem observa o Ministério Público na Resposta que se deixou transcrita, patente se mostra que justo e adequado foi o decidido no despacho da Mma Juiz objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este T.S.I., o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que se impunha, como sucedeu, a sua total confirmação.

Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que o ora reclamante nada alega de novo, inevitável é a improcedência da apresentada reclamação.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.

Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$800,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 05 de Setembro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 794/2019-I Pág. 8

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