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Proc. nº 1/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Julho de 2019
Descritores:
- Agências de emprego
- Trabalhadores não residentes
- Inscrição, recrutamento e colocação.

SUMÁRIO:

I – Às infracções administrativas aplicam-se princípio de direito penal e processual penal, como sejam o da legalidade e da tipicidade.

II – Embora o art. 15º do DL nº 32/94/M, de 4/07 (Regime do Licenciamento das Agências de Emprego prescreva que as agências de emprego só podem inscrever ou colocar trabalhadores portadores de títulos de permanência temporário ou de documentos que os habilitem a residir no Território, já no art. 22º, nº1, al. b) do mesmo diploma apenas está previsto o sancionamento do recrutamento (não a simples inscrição) ou colocação desses trabalhadores.


Proc. nº 1/2019

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A (…), viúva, residente em Macau, na…, empresária comercial em nome individual registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis de Macau sob a inscrição n.º ..., sob a firma A E.I., em chinês, A個人企業主, titular da empresa comercial denominada AGÊNCIA DE EMPREGO X X, em chinês “XX職業介紹所”, localizada em Macau, …, (doravante designada por “Recorrente”), ----
Instaurou no Tribunal Administrativo (Proc. nº 1319/16/ADM) recurso contencioso ----
Da decisão sancionatória proferida em 20 de Maio de 2016, pelo Director da Direcção dos Serviços Para os Assuntos laborais, no âmbito do processo de infracção n.º 8092/2015, que aplicou à Recorrente uma sanção pecuniária no montante total de MOP$290.000,00, por alegada violação, em relação a 29 trabalhadores não residentes, do disposto no artigo 15º do Decreto-Lei n.º 32/94/M, de 4 de Julho, na sequência de um recurso hierárquico necessário apresentado pela recorrente de uma decisão sancionatória do Departamento da Inspecção do Trabalho, que havia aplicado à Recorrente uma sanção pecuniária no valor total MOP$ 300.000,00, pela violação da referida norma em relação a 30 trabalhadores não residentes.
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Na oportunidade, foi proferida sentença que julgou procedente o recurso e, em consequência, anulou o acto impugnado.
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Contra essa sentença o Director dos Serviços para os Assuntos Laborais interpõe recurso jurisdicional, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
“(1) Interpretação jurídica dos art.ºs 15.º e 22.º do D.L n.º32/94/M
1. Em primeiro lugar, segundo o teor da sentença, tendo o Tribunal Administrativo manifestado concordância com o parecer do Ministério Público, incluindo a concordância com a consideração do Ministério Público que o entendimento do recorrente não viola o art.º 15.º do D.L n.º32/94/M, de 4 de Julho (As agências de emprego não podem inscrever trabalhadores que sejam portadores de autorização de permanência de trabalhador não residente ou de autorização provisória de permanência) e mais indicado que, em conjugação com o art.º 4.º do D.L n.º49/90/M, de 27 de Agosto e a intenção legislativa do art.º 15.º do D.L n.º32/94/M, de 4 de Julho, tendo em consideração apenas o trabalho, são permitidos os indivíduos que sejam portadores do título de permanência temporária emitido pela então Administração, a pedir auxílio ou emprego através das agências de emprego, mas evidentemente o título de permanência temporária de tais indivíduos é diferente da autorização de permanência (temporária ou com prazo) detida pelos indivíduos não residentes por causa do trabalho. Com base nisso, deve ser julgado não procedente a motivação do recurso interposto pela primitiva recorrente.
2. Quer dizer, o Tribunal Administrativo reconhece o entendimento do recorrente sobre o art.º 15.º do D.L n.º32/94/M, ou seja, o legislador já indicou claramente que as agências só podem inscrever ou colocar trabalhadores que sejam portadores do título de permanência temporária ou de documentos que os habilitem a residir em Macau, ou seja, o legislador excluiu expressamente a possibilidade da inscrição ou colocação feita pelas agências, dos indivíduos portadores de outros documentos (incluindo o passaporte de outro país e autorização de permanência de trabalhador não residente)
3. De acordo com os entendimentos do Ministério Público e do Tribunal Administrativo constantes da sentença sobre o art.º 22.º, n.º1 do D.L n.º32/94/M, de 4 de Julho, conjugado com o art.º 15.º do mesmo Decreto-Lei, ambos consideram que a simples inscrição de dados de identificação dos indivíduos não residentes não constitui infracção administrativa, mas sim só pode a Administração aplicar a respectiva multa ao infractor no valor de MOP10.000,00 a 40.000,00, pelo recrutamento ou colocação de cada trabalhador, quando se verifique simultaneamente que as agências de emprego tenham inscrito e colocado tais indivíduos.
4. Pelo que, tal como foi indicado pelo Ministério Público no seu parecer que, segundo as respectivas disposições legais do D.L n.º32/94/M, podemos verificar que o legislador já fez uma distinção rigorosa sobre o uso dos termos de inscrição, colocação e recrutamento que representam actos diferentes. A inscrição é o primeiro passo que se refere ao registo de dados biográficos de candidato para servir de dados básicos na procura de emprego compatível com as aptidões profissionais de candidato, e o recrutamento refere-se às formalidades a tratar em nome de candidato após ter encontrado com sucesso o emprego compatível (vd. parecer do Ministério Público, fls. 10).
5. Na realidade, a inscrição feita pelas agências de emprego tem como finalidade procurar, em nome de candidatos, emprego compatível com as suas aptidões profissionais e promover que sejam contratados os candidatos pelos empregadores, sendo isso justamente o valor principal das agências de emprego no exercício das suas actividades.
6. Por outro lado, é de salientar que, nos termos do art.º 8.º, n.º1 do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
7. Segundo a letra da lei, embora o art.º 22.º, n.º1, al. b) do D.L n.º32/94/M totalmente não mencione a “inscrição”, tal disposição prevê expressamente a respectiva multa pela violação do art.º 15.º do mesmo D.L, pelo recrutamento ou colocação de cada trabalhador, enquanto o legislador já indica no art.º 15.º que as agências só podem inscrever ou colocar trabalhadores que sejam portadores de título de permanência temporária ou de documentos que os habilitem a residir em Macau.
8. Isto é, caso as agências de emprego tenham inscrito ou colocado indivíduos que não sejam portadores de título permanência temporária ou de documentos que os habilitem a residir em Macau, o seu acto já reúne o pressuposto de punição pela “violação do disposto no art.º 15.º” prevista na primeira parte do art.º 22.º, n.1, al. b), assim deve a Administração aplicar ao infractor a respectiva multa no valor de MOP10.000,00 a 40.000,00, pelo “recrutamento ou colocação de cada trabalhador”, previsto na última parte do mesmo artigo da lei.
9. Além disso, segundo a sentença do Tribunal Administrativo, mesmo que seja feita uma análise a partir do sistema, o Tribunal também não reconhece a afirmação feita na resposta pelo recorrente que é constituída a infracção, basta provar os pressupostos de factos da sanção previstos (art.º22.º, n.º1, al. b), c) e d) do D.L n.º32/94/M, de 4 de Julho). Uma vez que do texto da respectiva sanção resulta que o legislador, de nenhuma maneira, não reconhece que os indivíduos colocados ou contratados previstos no art.º 22.º, n.º1, al. b) do D.L n.º32/94/M, de 4 de Julho, possuem a qualidade de “trabalhador” prevista na lei, e certamente há uma expressão diferente da qual utilizada no n.º1, al. c) e d) do mesmo artigo, mas não quer dizer que com isso seja feita uma comparação entre os pressupostos de factos das sanções indicados nas als. c) e d) e os indicados na al. b).
10. Quanto a isso, o recorrente sempre considera que o uso de expressões diferentes pelo legislador no art.º 22.º, n.º1 do D.L n.º32/94/M, foi devido às circunstâncias diferentes das infracções e à utilização deliberada de tais expressões para exprimir os sentidos diferentes.
11. Lido o teor global do art.º 22.º, n.º1 do referido D.L, podemos verificar que o legislador utiliza três expressões para as sete sanções previstas nas als. a) a g), a saber:
(1) Nos pressupostos de sanção, foi feita uma descrição concreta do acto que constitui a infracção administrativa [vd. als. a) e g)];
(2) Nos pressupostos de sanção, foi feita uma descrição sobre a constituição da infracção pela violação de determinada disposição legal e fixado o modo de cálculo da multa [vd. als. b), c) e d)];
(3) Nos pressupostos de sanção, só foi feita uma descrição sobre a constituição da infracção pela violação de determinada disposição legal [vd. als. e) e f)];
12. Em seguida, cabe analisar de perto os conteúdos concretos de disposições das supracitadas sete sanções, podemos verificar que o legislador utiliza a (2.ª) expressão para a violação do art.º 15.º do referido D.L, mas não as (1.ª) ou (3.ª) expressões pela razão seguinte: A (1.ª) expressão é dirigida contra a infracção administrativa prevista na al. a): “a prestação de qualquer dos serviços referidos no n.º 1 do artigo 2.º, sem que haja sido emitida a respectiva licença, ou quando esta haja perdido a sua validade”; e a infracção administrativa prevista na al. g): “as falsas declarações ou a omissão de qualquer facto relevante para o licenciamento da actividade, sem prejuízo de eventual procedimento criminal”, porque nas outras disposições do referido D.L., não há conteúdo correspondente, pelo que não é possível que o legislador indique qual o número da disposição correspondente, só pode fazer uma descrição concreta das respectivas infracções no art.º 22.º, n.º1; e quanto às infracções previstas na (3.ª) expressão, ou seja a infracção prevista na al. e): “a inobservância do disposto no artigo 18.º” e a infracção prevista na al. f): “a infracção ao disposto no artigo 19.º”, sobre os actos concretos de tais infracções, no referido D.L. já há disposições correspondentes onde se descrevam concretamente os respectivos actos. O art.º 18.º dispõe os deveres das agências e o art.º 19.º dispõe a incompatibilidades, face aos respectivos dois actos, não há ou não se pode determinar o número do objecto a que corresponde a respectiva infracção; pelo contrário, face às infracções previstas na (2.ª) expressão, nas suas disposições correspondentes já há descrição concreta sobre as infracções previstas nas als. b), c) e d), incluindo qual o número de indivíduos sem possuir o respectivo documento que a agência de emprego fez recrutamento ou colocação deles, e qual o número de trabalhadores a que a agência de emprego fez o acto proibido previsto no art.º 16.º, e o acto de retribuição previsto no art.º 17.º, face ao serviço prestado pela agência de emprego, bem como, sobre tais infracções pode-se determinar o número do objecto a que correspondem as infracções, pelo que deve a Administração, consoante o número de pessoas concretas a que correspondem as infracções regulado pelo legislador, calcular o valor de multa a aplicar ao infractor.
13. Depois de apreciadas as disposições dos art.ºs 15.º, 16. º e 17.º, podemos verificar por que razão o legislador, no art.º 22.º, n.º1, al. b), vai utilizar uma expressão diferente da das als. c) e d), na realidade, o objecto das infracções previstas nas als. c) e d) (ou seja os art.ºs 16.º e 17.º) é o “trabalhador”, que se refere ao empregado que foi contratado pelo empregador e já estabelece a relação laboral, depois de a agência de emprego ter encontrado com sucesso o emprego compatível com as aptidões dele. Mas o objecto da infracção prevista na al. b) (ou seja o art.º 15.º) é “indivíduos sem possuir o respectivo documento”, tais indivíduos só foram recrutados ou colocados mas ainda não estabelecem relações laborais nessa fase, tal como foi referido pelo Ministério Público no seu parecer que “refere-se às formalidades a tratar em nome de candidato após ter encontrado com sucesso o emprego compatível”. Razão pela qual, o legislador, na al. b), utiliza a expressão “o recrutamento ou colocação de cada trabalhador” diferente da das als. c) e d): “por cada trabalhador”.
14. Quer dizer, depois de analisadas sistematicamente as disposições dos art.º 15.º e 22.º, podemos entender que, a intenção do legislador é a violação do disposto no art.º 15.º “a inscrição ou colocação de trabalhadores titulares do título de permanência temporária ou de documentos que os habilitem a residir em Macau” constitui infracção administrativa: nessa circunstância, deve a Administração, nos termos do art.º 22.º, n.º1. al. b) do mesmo Decreto-Lei e do modo de cálculo da multa, aplicar ao infractor a respectiva multa “de MOP10.000 a 40.000,00 pelo recrutamento ou colocação de cada trabalhador”.
(2) Matéria de facto no caso
15. Quanto a parte do conteúdo da análise feita pelo pessoal do recorrente que reproduziu o Tribunal Administrativo na sentença indicando que: “Da análise acima indicada resultou apenas que o investigador da Direcção dos Serviços para os Assunto Laborais não aceitou a refutação feita pela recorrente por negar ter inscrito 50 indivíduos não residentes, bem como, de entre eles, 26 indivíduos não residentes já foram contratados como empregados não residentes através de colocação feita pela Agência de Emprego “X X”, não tendo, contudo, exposto claramente como a recorrente colocou os 30 indivíduos não residentes ou os promoveu a contratação, através das respectivas informações inscritas.”; Além disso, mais indicou na sentença que, da análise do recurso hierárquico feita pelo recorrente, não consta fundamento suficiente que os 29 trabalhadores não residentes tenham sido colocados pela Agência de Emprego “X X” e contratados pelos empregadores para trabalhar em Macau, mas não pode o Tribunal, consoantes apenas o acto de fazer inscrição, simplesmente fundamentar que deve a primitiva recorrente ser punida nos termos do art.º 22.º, n.º1, al. b) do D.L n.º32/94/M de 4 de Julho, conjugado com o art.º 22.º do mesmo D.L, e entendendo que o acto recorrido incorreu em erro sobre os pressupostos, conduzindo à violação da lei e pelo que, nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo e do art.º 21.º, n.º1, al. d) do Código do Processo Administrativo Contencioso, julgou que o acto recorrido deve ser anulado.
16. Quanto a isso, é de salientar que, segundo as provas recolhidas nos autos, podemos verificar que, na altura em que a primitiva recorrente prestou declarações na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, tendo a mesma declarado que, de entre os 50 formulários para pedido de emprego encontrados na inspecção pelo pessoal dos Serviços para os Assuntos Laborais, 26 indivíduos não residentes conseguiram os empregos através da Agência de Emprego “X X” (vd. dados do caso, fls.20).
17. E segundo os dados fornecidos pelo CPSP, o pessoal dos Serviços para os Assuntos Laborais verificou que, de entre os 50 formulários para pedido para emprego, 30 indivíduos já tinham o título de identificação de trabalhador não residente ou detinham a autorização de permanência temporária (conhecida por “carimbo vermelho”), no dia de inspecção feita pelo pessoal dos Serviços para os Assuntos Laborais (ou seja dia 5 de Agosto de 2015) (vd. dados do caso, fls.256 a 274).
18. Posteriormente, a primitiva recorrente novamente indicou no recurso hierárquico que, antes da inspecção feita pelo pessoal dos Serviços para os Assuntos Laborais, ou seja no primeiro semestre de 2015, 23 indivíduos não residentes foram contratados nos termos do processo legal, cujas formalidades de deslocação a Macau foram tratadas pela Agência de Emprego “X X”, conforme a exigência dos seus empregadores; e antes de chegada dos indivíduos não residentes a Macau, os respectivos registos biográficos e fotocópias de passaportes já foram depositados na Agência “X X” para serem seleccionados por empregadores enquanto os 23 indivíduos se encontravam ainda no exterior de Macau; Feita a selecção, os registos biográficos e fotocópias de passaporte destinam-se ao pedido de autorização de permanência; a guarda dos respectivos registos biográficos e fotocópias de passaporte pela Agência “X X” visa facilitar a consulta de dados de trabalhadores a fazer pelos empregadores, o tratamento de formalidades em nome do seu empregado, bem como quando ocorra acidente ou algo inesperado, pode contactar com as suas famílias e fornecer dados ao governo (vd. dados do caso, fls. 297 a 299).
19. E na petição, tendo a primitiva recorrente alegado que guardava os formulários e fotocópias de passaporte dos respectivos indivíduos não residentes para o fim de organizar o regresso de trabalhadores não residentes ao seu local original e, de tratar os assuntos respeitantes a eles, a recolha de dados respectivos não significava a inscrição deles. (vd. dados do caso, fls. 456 a 615)
20. Em conjugação das provas indicadas nos pontos n.ºs 16 a 19, podemos verificar que a primitiva recorrente confessou que os 23 indivíduos foram colocados pela Agência “X X” e no dia de inspecção feita pelo pessoal dos Serviços para os Assunto Laborais, já tinham o título de identificação de trabalhador não residente ou autorização de permanência temporária, quer dizer, perante a situação em que os respectivos indivíduos não residentes já tinham qualidade de trabalhador não residente e autorizados a trabalhar em Macau, a primitiva recorrente ainda depositou os formulários e fotocópias de passaportes deles no balcão, juntamente com os outros formulários e fotocópias de passaportes dos outros (totalizando 50 formulários para pedido de emprego encontrados no balcão no dia de inspecção) para serem seleccionados trabalhadores por empregadores.
21. Mas a primitiva recorrente sempre não consegue justificar razoavelmente a situação detectada pelo pessoal dos Serviços para os Assuntos Laborais, que foram depositados na balcão da Agência “X X” os formulários e fotocópias de passaportes dos 23 indivíduos não residentes juntamente com os formulários e fotocópias de passaportes dos outros indivíduos para serem seleccionados por empregadores.
22. Tal como foi indicado nos pontos n.ºs 4 e 5, a inscrição é o primeiro passo que se refere ao registo de dados biográficos de candidato para servir de dados básicos na procura de emprego compatível com as aptidões profissionais de candidato, a inscrição feita pelas agências de emprego tem como finalidade procurar, em nome de candidatos, emprego compatível com as suas aptidões profissionais e promover que sejam contratados os candidatos pelos empregadores, sendo isso justamente o valor principal das agências de emprego no exercício das suas actividades.
23. Uma vez que nos autos já ficou provado que a primitiva recorrente inscreveu os indivíduos não residentes que tinham qualidade de trabalhador não residente e autorizados a trabalhar em Macau, e depositou os seus formulários para pedido de emprego e fotocópias de passaportes no balcão juntamente com os formulários e fotocópias de passaportes dos outros indivíduos para serem seleccionados por empregadores, a fim de colocar os respectivos indivíduos não residentes, evidentemente o seu acto já violou o art.º 15.º do D.L n.º32/94/M, de 4 de Julho, também reúne os pressupostos da sanção: “violação do disposto no artigo 15.º” prevista na primeira parte da al. b), do n.º1 do art.º 22.º do referido Decreto-Lei. Pelo que, nos termos do critério de sanção previsto na parte final do art.º 22.º, o recorrente determinou aplicar à primitiva recorrente a respectiva multa consoante o número de pessoas envolvidas nos autos.
24. Com base nisso, a decisão de punição foi tomada pelo recorrente contra a primitiva nos termos dos fundamentos de facto e de direito suficientes.
25. Pelo acima exposto, pede-se aos meritíssimos juízes do Tribunal de Segunda Instância que seja anulada a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo no processo de recurso contencioso n.º1319/16-ADM.”.
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O recorrente contencioso respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões alegatórias:
“I. Não se conformando com a Decisão Recorrida, veio a Recorrente interpor o presente recurso, alegando que a aquela interpretou, erradamente, o disposto nos artigos 15.º e 22.º, n º 1, alínea b), ambos do Decreto-Lei n.º 32/94/M, e, bem assim, considerou, erradamente, não ter ficado provado que a ora Recorrida promoveu directamente o recrutamento dos trabalhadores e a colocação a que respeitam as fichas de identificação em causa no presente recurso em violação do disposto no artigo 15.º do mencionado diploma;
II. A Recorrente insurge-se contra o entendimento vertido no Parecer do Ministério Público e na Decisão Recorrida, onde expressamente se refere que a simples inscrição dos dados de identificação dos indivíduos que não são portadores de Bilhete de Identidade de Residente de Macau não constitui por si só, infracção administrativa para os efeitos do disposto no artigo 22,º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 32/94/M, sendo ainda necessário, para este efeito, verificar-se o respectivo recrutamento ou colocação em emprego;
III. Sustenta-se na Decisão Recorrida e, bem assim, no aludido Parecer, que, caso o legislador tivesse pretendido sancionar a mera inscrição dos indivíduos referidos no artigo 15.º do Decreto-Lei em apreço e não apenas o respectivo “recrutamento” e/ou “colocação”, teria, à semelhança do que fez nas alíneas c), d) do artigo em causa, optado, simplesmente, por se referir à violação do disposto no referido artigo 15.º, o que não sucedeu;
IV. A Recorrente discorda da referida interpretação feita na Decisão Recorrida do artigo 22.º, n.º 1, alínea b), por entender que, do disposto no artigo 8.º, n.º 1 do Código Civil e, bem assim, das demais regras e princípios jurídicos aplicáveis às normas em apreço, deve resultar a aplicação da sanção prevista no artigo 22.º, n.º 1, alínea b) do supra referido Decreto-Lei n.º 32/94/M sempre que se verificar ter havido violação do disposto no artigo 15.º do Decreto-Lei 32/94/M;
V. Isto é, a multa prevista na norma em análise deve ser aplicada sempre que as agências “inscreverem ou colocarem” trabalhadores que não sejam portadores de título de permanência temporária ou de documentos que os habilitem a residir no Território e não apenas quando “recrutem ou coloquem” trabalhadores que não sejam portadores de título de permanência temporária ou de documentos que os habilitem a residir no Território;
VI. Isto porque, segundo a Recorrente, a técnica legislativa utilizada na redacção da norma sancionatória aqui em apreço evidencia que a intenção do legislador aquando a redacção da norma seria ver punidas quaisquer condutas violadoras das acções indicadas no artigo 15.º - “inscrever ou colocar”-, e não apenas “recrutar ou colocar” trabalhadores que não sejam portadores de título de permanência temporária ou de documentos que os habilitem a residir no Território;
VII. A Recorrente argumenta ainda, salvo inexactidão de compreensão da Recorrida, que o legislador, utiliza expressões diferentes nas alíneas b), c) e d) do artigo 22.º, n.º 1 para se referir aos indivíduos alvo das respectivas actividades infractoras, referindo-se nas alíneas c) e d), a “trabalhadores”, e, por contraposição, na alínea b) “pessoas” com intenção de também se referir, nesta alínea b), aos indivíduos que ainda não tivessem sido recrutados ou colocados, ou seja, aos indivíduos que estivessem meramente inscritos.
VIII. A interpretação que a Recorrente faz do disposto no artigo 22.º, n.º 1, alínea b) não tem qualquer correspondência com a letra ou com o espírito da lei, pelo que lhe estava vedado aplicar uma sanção à Recorrida que o legislador não previu nem quis;
IX. No que concerne às infracções administrativas, a defesa dos direitos fundamentais dos administrados é feita através da aplicação de princípios garantísticos especificamente penais à matéria administrativa, como expressamente do artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, 9.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, designadamente do princípio da legalidade consagrado no artigo 1.º do Código Penal e no artigo 29.º da Lei Básica da RAEM;
X. Se a interpretação jurídica não deve cingir-se apenas à letra da lei, é absolutamente vedado ao intérprete considerar o “pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, nos termos do artigo 8.º, n.º 2 Código Civil, sendo antes obrigatório, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, presumir “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”;
XI. No caso da norma em apreço, é forçoso concluir que a utilização, pelo legislador, no artigo 22.º, n.º 1 alínea b), dos substantivos “recrutamento” e “colocação” ao invés de, como no artigo 15.º, o verbo “inscrever” - palavras com significados bem distintos entre si - significa que não foi pelo legislador querido ou previsto no referido artigo 22.º, n.º 1, alínea a), sancionar a “inscrição” mas apenas o “recrutamento” ou a “colocação” de trabalhadores nas mencionadas circunstâncias, pelo que a interpretação que a Recorrente faz da norma em apreço não tem qualquer correspondência com o texto legal, e não só viola o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil como viola o disposto no artigos 1.º, n.º 1 do Código Penal, 29.º da Lei Básica e, bem assim, o disposto no artigo 1.º, n.º 3 do Código Penal;
XII. Sabe-se, como refere a doutrina supra citada, que é vedado ao intérprete sair do texto estrito da lei para qualificar um facto como crime, como fez a Recorrente, sendo o limite máximo da interpretação da lei penal o sentido literal possível da letra da lei, pelo que toda a interpretação que o exceda deixa de ser “interpretação” legal para se converter em “criação” legal;
XIII. É evidente que as técnicas legislativas utilizadas pelo legislador na redacção do artigo 22.º só revelam justamente o inverso daquilo que a Recorrente pretende que se entenda, uma vez que se, no n.º 1, alínea b), o se pretendessem sancionar as condutas infractoras do artigo 15.º, teria simplesmente sido referido, como se referiu nas alíneas c) e d) (“a violação do disposto”), e) (a “inobservância do disposto”) ou f) (a “infracção do disposto”), que seriam punidas as violações/infracções do disposto no artigo 15.º, o que não sucedeu;
XIV. Do confronto do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alíneas b), do Decreto-Lei n.º 32/94/M, com o disposto nas alíneas d) e c) do mesmo número, percebe-se claramente que o legislador bem distingue “a inscrição de candidatos a emprego” (cfr. alínea b) do referido artigo 2.º, n.º 1) da “colocação” (cfr. alínea d) do mencionado artigo 2.º, n.º 1) e do “recrutamento de trabalhadores não residentes” (cfr. alínea e) da norma em causa), e que, como tal, a referência “recrutamento” e à “colocação” não partiu de qualquer confusão entre qualquer das mencionadas três acções e que muito claramente distinguiu no referido artigo 2.º, n.º 1, alienas b), d) e e).
XV. Não obstante inexistirem, na lei, quaisquer elementos objectivos que permitam aferir quais os concretos actos em que se materializa e se efectiva o acto de inscrever a que o artigo 15.º se refere, é, porém, evidente, atendendo ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 32/94/M e, assim, ao específico sentido de ilicitude que tal vocábulo se refere à inclusão dos trabalhadores num específico rol, isto é, do rol dos indivíduos que são candidatos a emprego, cuja mão-de-obra seja oferecida e sejam aptos a que seja feita correspondência com os empregos oferecidos, por força da acção de intermediação das agências.

XVI. Não obstante a Recorrida sempre ter dito que nenhum dos indivíduos a que respeitavam os formulários em causa se encontravam inscritos como candidato a emprego, é mister salientar que não foi por mero acaso que, no referido 22.º, n.º 1 alínea b), o legislador optou por sancionar acções representam a natural concretização, isto é, o resultado esperado da “inscrição” de candidatos a emprego, revelando da punição foi o de resultado e não o de acção.
XVII. Também não pode colher o argumento da Recorrente no sentido de que o legislador se referiu distintamente a “trabalhadores” nas alíneas c) e d), e na alínea b) “pessoas”, não tem qualquer ancoramento legal, quer pelas razões doutamente expressas na decisão recorrida quer porque a aludida diferença não existe na versão portuguesa das referidas normas, onde a indistintamente se refere a “trabalhadores” mas apenas na sua versão chinesa.
XVIII. Aquando a publicação do Decreto-Lei 32/94/M - 4 de Julho de 1994 -, vigorava em Macau o Decreto-Lei n.º 11/89/M, de 20 de Fevereiro, mediante o qual a publicação dos diplomas que assumissem carácter legislativo ou regulamentar editados em língua portuguesa passou a ter que ser acompanhada da respectiva tradução para língua chinesa, expressamente prevendo no seu artigo 1.º, n.º 3 que “em caso de dúvida, o texto em língua portuguesa prevalece sobre a tradução ou texto em língua chinesa”.
XIX. Sabendo-se que as normas sub judice foram originariamente redigidas em língua portuguesa e que a versão chinesa constitui uma tradução daquela, não pode colher o argumento sub judice da Recorrente, que é, assim, também por esta razão, inaceitável e absolutamente desconforme o espírito e pensamento legislativo que presidiu à elaboração das normas em causa, e com a unidade do sistema jurídico de Macau;
XX. A Decisão Recorrida fez uma correcta interpretação do disposto no artigo 22.º, n.º 1, alínea b) do diploma legal em apreço, e não merece censura;
XXI. A Recorrente entende ainda que as declarações que a ora Recorrida prestou no dia 6 de Agosto de 2015 (a fls. 20 e 20 verso do processo instrutor) e posteriormente repetiu em sede de audiência escrita (fls. 170 a 172 do processo instrutor) recurso hierárquico, petição inicial de recurso contencioso e alegações facultativas, no sentido de 23 dos 29 trabalhadores em causa no processo instrutor haviam sido recrutados através da sua intermediação, constitui prova bastante de que a ora Recorrida promoveu directamente o recrutamento dos trabalhadores a que respeitam as fichas de identificação em causa no presente recurso em violação do disposto no artigo 15.º do diploma legal em apreço;
XXII. Porém, tal afirmação não passa de uma total descontextualização das afirmações da ora Recorrida que só de má-fé pode ser feita, as quais não têm, evidentemente, o sentido que a Recorrente agora lhes pretende dar;
XXIII. O que a Recorrida sempre referiu foi que, 23 das pessoas a que as fichas de informação em causa respeitavam tinham sido legal e legitimamente contratados por efeito da sua actividade de intermediação, isto é, tinham a qualidade de trabalhadores não residentes da RAEM graças à intermediação da Recorrida, e que, como tal, impendendo sobre esta obrigações legais e contratuais, naturais à sua actividade profissional, relativamente a tais trabalhadores, tais como as de facilitar o auxílio aos respectivos empregadores no tratamento de formalidades administrativas junto dos Serviços de Migração, designadamente relacionadas com a emissão e renovação dos respectivos vistos de trabalho, ou em face de eventual repatriamento ou acidente e/ou desaparecimento, identificar e comunicar com os ditos trabalhadores e respectivos familiares, entre outras, pelo que seria, naturalmente, prudente e necessário que a Recorrida conservasse os elementos que dispunha de tais indivíduos;
XXIV. Não é suposto proceder-se à destruição da documentação relativa a processos de recrutamento findos, sendo aliás, de acordo com as regras de experiência comum, na perspectiva de qualquer prestador de serviços de mínima diligência e medianamente sagaz, antes absolutamente recomendável que a arquive, quer para o caso de ser necessário prestar serviços adicionais no âmbito dos respectivos processos quer para a sua própria salvaguarda, designadamente no que respeita à relação com os empregadores, para efeito de eventual responsabilidade civil contratual emergente dos serviços que lhes prestam;
XXV. Por outro lado, não há qualquer norma que proíba as agências de emprego de receberem e arquivarem documentação relativa a indivíduos cuja prestação de trabalho pode, em momento futuro, vir a ser intermediada pelas próprias;
XXVI. As declarações que a Recorrente aponta serem confissão, pela Recorrida, da violação do disposto no artigo 15.º do Decreto-Lei 32/94/M em nada se aproximam do sentido que aquela lhes pretende atribuir, significando apenas, pelo contrário, que 23 dos indivíduos a que respeitam as fichas em causa foram contratados em Macau por força da acção de intermediação da Recorrida, tudo nos termos da autorização de recrutamento de trabalhadores não residentes de que é titular e da legislação aplicável;
XXVII. A Recorrente é que não logrou demonstrar, como lhe competia, ou sequer alegar factos que revelassem que os indivíduos a que respeitavam os formulários em apreço eram candidatos a emprego, revelando, além de uma total desconsideração pelas justificações que a Recorrida foi prestando ao longo do processo administrativo e, bem assim, do judicial, um absoluto desconhecimento dos actos e obrigações emergentes da normal - e legal - actividade de uma agência de emprego.
XXVIII. Só na presente fase de recurso, após ter visto negada a conclusão que ilegalmente pretendia extrair dos autos administrativos e mediante distorção ilícita das declarações que a Recorrida sempre prestou nos autos administrativos, se lembrou a Recorrida de pôr em causa a legalidade do processo de recrutamento e colocação - levado a cabo em total respeito pelas normas vigentes aplicáveis - dos 23 trabalhadores a que respeitam os ditos formulários, como se o facto de que tais trabalhadores terem sido recrutados e adquirido a qualidade de trabalhadores não residentes na RAEM por força da intermediação da Recorrida não estivesse perfeitamente patente em todas as fases do processo.
XXIX. O certo é que a Recorrente não fez quaisquer diligências de prova no sentido de demonstrar a finalidade da respectiva existência os formulários em causa nas instalações da Recorrida, nem alegou nem provou, como lhe competia, um único facto susceptível de demonstrar que qualquer dos 29 trabalhadores em causa era ou tinha sido colocado à disposição para selecção pelos empregadores que à Agência X X se dirigissem em busca de empregados, já na qualidade de trabalhadores residentes, ou, por exemplo, que os indivíduos em causa constavam dos mapas de oferta de trabalhadores exibida aos empregadores que solicitassem os seus serviços;
XXX. O que, fossem os factos como a Recorrente diz, facilmente seria demonstrado, através, por exemplo, da inquirição de qualquer empregador dos indivíduos aqui em apreço, ou se tivesse sido inquirido qualquer empregador constante do Mapa da Procura a que se refere o artigo 18.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei em causa, percebendo, desta forma, se os ditos formulários tinham sido ou não exibidos aos referidos empregadores como constantes da oferta de emprego;
XXXI. A Entidade Recorrida nem sequer se preocupou em apurar em que data é que os ditos formulários tinham sido recebidos pela Recorrente e se, nessa data, as pessoas a que respeitavam já eram, ou não, titulares de qualquer autorização de permanência em Macau, facto, obviamente, absolutamente determinante do cometimento da infracção prevista no artigo 22.º, n.º 1 b);
XXXII. A Recorrente sempre desconsiderou todos os esclarecimentos que a Recorrida fez de boa-fé, aliás como se sobre esta impendesse o ónus da Recorrente de provar que não tinha cometido a infracção de que vinha acusada, em crassa violação dos princípios da legalidade e da presunção de inocência;
XXXIII. Acresce que, mesmo que fosse de considerar que qualquer dos factos existentes nos autos poderiam configurar indícios do cometimento da infracção e apreço, no que não se concede e meramente por exigência de patrocínio se coloca, teria de resultar da instrução levada a cabo no presente processo uma dúvida insanável quanto à verificação dos pressupostos de facto que permitiriam a aplicação in casu do disposto nessa norma com a interpretação que a Recorrente lhe dá, dúvida essa que teria de ser necessariamente valorada favoravelmente à Recorrida, atento o princípio in dubio pro reo;
XXXIV. Faltam, nos autos, em absoluto, factos susceptíveis de, sequer indiciariamente, preencherem os pressupostos objectivos da previsão típica da infracção prevista no artigo 15º do Decreto-lei 32/94/M, mesmo como a Recorrente a entende, e sendo sobre esta que impende o ónus da prova, é patente que o acto recorrido foi, como devia, anulado pela decisão recorrida, pelo que esta não merece qualquer censura;
Nestes termos e nos demais de Direito que certamente serão supridos, requer-se a V. Exas., Meritíssimos Juízes, que seja o presente recurso julgado totalmente improcedente e, em consequência, mantida a decisão recorrida de fls. 277 e ss. que anulou o Acto Recorrido com fundamento no disposto nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA e, em consequência, absolveu a Recorrida da sanção de MOP$290.000,00 que lhe havia sido aplicada ao abrigo do artigo 22.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei 32/94/M,
Assim fazendo V. Exas., Meritíssimos Juízes, a habitual boa e sã Justiça!”
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“O Director dos Serviços para os Assuntos Laborais vem recorrer jurisdicionalmente da sentença de 18 de Setembro de 2018, do Tribunal Administrativo, que anulou o seu acto de 20 de Maio de 2016, através do qual, por reporte à inscrição de 29 trabalhadores não residentes efectuada pela agência de emprego San Hou, pertença da recorrente contenciosa A, manteve a multa de MOP $10.000 (dez mil patacas) relativa a cada trabalhador, num total de MOP $290.000 (duzentas e noventa mil patacas).
No procedimento administrativo que culminou no acto recorrido, a Administração entendeu que a posse, pela agência de emprego, de cópias de documentos de identificação relativos a trabalhadores que previamente não tivessem título de permanência ou documento que habilitasse a residir em Macau, integrava acto de inscrição não permitido nos termos do artigo 15.º do DL n.º 32/94/M, de 4 de Julho, e punível de acordo com o artigo 22.º, n.1, alínea b), do referido diploma.
A decisão recorrida não acolheu tal entendimento, ou não o acolheu em parte. Daí a anulação do acto.
O que está em causa, no presente recurso jurisdicional, se bem entendemos o seu objecto, é saber se a decisão recorrida violou, por erro de interpretação, as disposições conjugadas dos artigos 15.º e 22.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 32/94/M.
Segundo o artigo 15.º, as agências só podem inscrever ou colocar trabalhadores que sejam portadores de título de permanência temporária ou de documentos que os habilitem a residir no Território. E nos termos do artigo 22.º, n.1, alínea b), são punidos com multa de 10 000,00 a 40 000,00 MOP, o recrutamento ou colocação de cada trabalhador com violação do disposto no artigo 15.º.
Em essência, entende o recorrente que a remissão desta alínea b) para a violação do disposto no artigo 15.º cauciona a penalização da inscrição relativa a trabalhadores que não tenham título de permanência ou documento que os habilite a residir em Macau.
Não podemos concordar.
Inscrição, recrutamento e colocação são coisas distintas. O que a norma da alínea b) do artigo 22.º, n.º 1, penaliza é a acção de recrutamento e a acção de colocação, desde que realizadas em violação do artigo 15.º, isto é, desde que os trabalhadores recrutados ou colocados não tenham título de permanência ou documento que os habilite a residir em Macau. Assim, e independentemente de saber se a mera posse de cópia de documentos de identificação já integra o conceito de inscrição, questão que para caso nem tem grande relevância, certo é que o acto de inscrição não consta do âmbito de incidência da norma punitiva.
Ora, como é sabido, em matéria de infracções administrativas vigoram princípios do direito penal e processual penal, onde se incluem o princípio da legalidade e a sua vertente da tipicidade, bem como o da proibição da analogia - cf. artigos 9.º e 19.º do DL n.º 52/99/M, de 4 de Outubro - o que decididamente impede o englobamento da inscrição aludida no artigo 15.º na norma punitiva prevista alínea b) do artigo 22.º, n.º 1, ambos do DL n.º 32/94/M.
Tendo sido este o sentido do raciocínio adoptado na douta decisão recorrida, não merece ela reparo, soçobrando os argumentos em contrário avançados pelo recorrente.
Em suma, improcedem os fundamentos do recurso jurisdicional, em razão do que deve negar-se-lhe provimento.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade (por nós numerada):
1- A recorrente é detentora da “Agência de Emprego X X” (vd. fls. 85 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2- No dia 5 de Agosto de 2015, pessoal da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais deslocou-se à Agência de Emprego X X para realizar inspecção, altura em que encontrou vários formulários para pedido de emprego e fotocópias de passaporte dos indivíduos não residente. No mesmo dia, pessoal da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais ouviu dois indivíduos de nacionalidade vietnamita que se encontravam no local para pedir emprego (vd. fls. 6. 10 a 15 e 17 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3- No dia 6 de Agosto de 2015, pessoal da Direcção dos Serviços para os Assunto Laborais ouviu a recorrente (vd. fls. 20 a 20v do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4- No dia 12 de Outubro de 2015, o Chefe do Departamento de Inspecção do Trabalho dos mesmos Serviços proferiu despacho concordando com o parecer da Informação n.º10586/DIT/JOEE/2015 que havia indícios fortes que a Agência de Emprego X X tinha cobrado quantias aos trabalhadores não residentes e os inscrito e colocado, tais actos presumivelmente infringiram os art.sº 15.º e 16.º do D.L n.º32/94/M, de 4 de Julho, pelo que determinou instaurar processo contra a recorrente e lhe conceder direito para exercer o direito de defesa (fls. 1 a 5 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
5- No dia 4 de Novembro de 2015, a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais mandou à recorrente a notificação das supracitadas infracções, indicando que podia a recorrente, no prazo designado, apresentar por escrito a alegação e defesa, bem como as provas quanto às infracções acima indicadas que lhe são imputadas (vd. 155 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6- A recorrente pessoalmente recebeu a supracitada notificação de infracções (vd. fls. 155 do apenso).
7- No dia 19 de Novembro de 2015, através de mandatário judicial, a recorrente apresentou à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais a alegação escrita e juntou os respectivos documentos (vd. fls. 170 a 229 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8- No dia 25 de Novembro de 2015, através de mandatário judicial, a recorrente apresentou à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais a alegação escrita complementar e juntou os respectivos documentos (vd. fls. 230 a 242 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9- No dia 19 de Fevereiro de 2016, pessoal da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais ouviu a trabalhadora não residente X (vd. fls. 227 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10- No dia 16 de Março de 2016, o Chefe do Departamento de Inspecção do Trabalho dos mesmos serviços proferiu despacho concordando com o teor e parecer constante da Informação n.º1828/DIT/SANC/2016 que, depois de analisados o teor da alegação e os dados constantes dos autos, verificou-se que as respectivas quantias eram efectivamente destinadas a ser entregues à agência de emprego em Vietnam como despesas de formação e de saída do país, pelo que quanto a essa parte, foi aceite a alegação de defesa; quanto à existência de 50 formulários de pedido de emprego dos indivíduos não residentes, segundo as informações fornecidas pelo CPSP, de entre os 50 formulários, 30 indivíduos não residentes, no dia de inspecção, já obtiveram a qualidade de trabalhador não residente para trabalhar em Macau. Evidentemente ficou provado o facto de a recorrente ter inscrito os ditos 30 indivíduos não residentes para pedido de emprego. Sendo assim, não procede a refutação sobre a inscrição dos ditos 30 indivíduos não residentes, e quanto à inscrição dos restantes 20 indivíduos não residentes que não foram provados se no dia de inspecção já tinham obtido a qualidade de trabalhador não residente, foi aceite a alegação da recorrente. Quanto à inscrição feita pela “Agência de Emprego X X” dos 30 indivíduos não residentes que já tinham qualidade de trabalhador não residente, esse acto violou o art.º 15.º do D.L n.º32/94/M, de 4 de Julho (Regime do Licenciamento das Agências de Emprego), constituindo 30 infracções administrativas, e nos termos do art.º 22.º, n.º1, al. b) do mesmo decreto-lei, determinou-se aplicar à recorrente a multa mínima de MOP300.000,00 (vd. fls. 281 a 285 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
11- No dia 30 de Março de 2016, a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais mandou à recorrente a notificação da supracitada decisão sancionatória, nela mais indicando que, podia a recorrente, no prazo legal, apresentar a reclamação contra o autor da decisão (Chefe do Departamento de Inspecção do Trabalho) ou interpor recurso hierárquico necessário junto do superior hierárquico do actor de decisão (Director dos mesmos serviços). No mesmo dia, a recorrente recebeu tal notificação e respectivos documentos (vd. 287 a 289 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
12- No dia 25 de Abril de 2016, a recorrente, contra a supracitada decisão sancionatória, interpôs o recurso hierárquico necessário para a entidade recorrida e juntou os respectivos documentos (vd. fls. 297 a 366 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
13- No dia 13 de Maio de 2016, pessoal da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais elaborou a Informação n.º00056/dir-gtd/DSAL/2016, nele indicando que não há prova suficiente que a “Agência de Emprego X X” detida pela recorrente, tenha inscrito e colocado a trabalhadora não residente X, pelo que propôs que fosse julgado procedente o recurso hierárquico necessário respeitante à referida trabalhadora não residente; por outro lado, os fundamentos indicados pela recorrente no recurso hierárquico não eram capaz de refutar a decisão sancionatória respeitante às restantes 29 infracções, bem como nos autos há prova suficiente que a supracitada agência de emprego inscreveu os 29 indivíduos não residentes que já tinham qualidade de trabalhador não residente, o respectivo acto violou o violou o art.º 15.º do D.L n.º32/94/M, de 4 de Julho (Regime do Licenciamento das Agências de Emprego), pelo que propôs que fosse rejeitado o recurso hierárquico respeitante a essa parte. No dia 20 de Maio do mesmo ano, a entidade recorrida proferiu o despacho de concordância na respectiva Informação (vd. fls. 367 a 373 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
14- No dia 1 de Junho de 2016, a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, através do ofício n.º13618/11884/DIT/SAAG/2016, notificou a recorrente da supracitada decisão, nela mais indicando que podia a recorrente no prazo legal interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo (vd. fls. 72 a 74 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
15- No dia 4 de Julho de 2016, a recorrente, contra a supracitada decisão que rejeitou parcialmente o recurso hierárquico necessário por si interposto, através de fax, interpôs para este Tribunal, o presente recurso contencioso.
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III – O Direito
1 - Recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo A, sob a firma “A E.I.”, do acto do Director dos Serviços para os Assuntos Laborais, que, em sede de recurso hierárquico, lhe aplicou a multa de MOP$290.000,00, por alegadamente ter inscrito, enquanto dono da “Agência de Emprego X X”, 29 trabalhadores não residentes, nos termos dos arts. 15º e 22º, nº1, al. b), do DL nº 32/94/M, de 4/07 (Regime do Licenciamento das Agências de Emprego).
A sentença entendeu que a punição só poderia ter ocorrido se se verificassem os requisitos cumulativos da inscrição e colocação dos trabalhadores “ilegais”. Dando como certo que não se provou essa dupla exigência legal, anulou o acto com fundamento no vício de erro sobre os pressupostos de facto.
A entidade administrativa, porém, discorda da decisão no presente recurso jurisdicional.
Apreciemos.
*
2 - Tudo gira em redor dos arts. 15º e 22º do DL nº 32/94/M, que dispõe assim:
Artigo 15.º
(Inscrição e colocação de trabalhadores)
As agências só podem inscrever ou colocar trabalhadores que sejam portadores de título de permanência temporária1 ou de documentos que os habilitem a residir no Território.
Artigo 22.º
(Sanções)
1. São punidas com multa:
a) De 20 000,00 a 50 000,00 MOP, a prestação de qualquer dos serviços referidos no n.º 1 do artigo 2.º, sem que haja sido emitida a respectiva licença, ou quando esta haja perdido a sua validade;
b) De 10 000,00 a 40 000,00 MOP, o recrutamento ou colocação de cada trabalhador com violação do disposto no artigo 15.º;
c) De 10 000,00 a 30 000,00 MOP, por cada trabalhador, a violação de qualquer das disposições do artigo 16.º;
d) De 10 000,00 a 40 000,00 MOP, por cada trabalhador, a violação do disposto nos n.os 2, 3 ou 4 do artigo 17.º;
e) De 500,00 a 2 000,00 MOP, a inobservância do disposto no artigo 18.º;
f) De 5 000,00 a 20 000,00 MOP, a infracção ao disposto no artigo 19.º;
g) De 2 500,00 a 15 000,00 MOP, as falsas declarações ou a omissão de qualquer facto relevante para o licenciamento da actividade, sem prejuízo de eventual procedimento criminal.
2. Em caso de reincidência, definida nos termos da lei penal geral, os limites mínimos e máximos das multas são elevados para o dobro.
3. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o director da DSTE pode determinar, mediante despacho, o encerramento e selagem dos estabelecimentos que se encontram a funcionar sem a necessária licença ou quando a mesma haja sido cancelada nos termos do presente diploma, solicitando para o efeito, e quando necessário, a colaboração da Polícia de Segurança Pública de Macau.
Como nos parece lógico, qualquer inscrição será sempre um primeiro passo, um acto de trâmite, cronologicamente prévio e necessário ao efeito a que tende.
Mas, como também é bom de entender, nem toda a inscrição é, por si só, ilegal. Basta olhar para o art. 22º, nº1, al. c) do diploma citado, que unicamente prevê a sanção para as agências que violem qualquer das disposições do art. 16º, entre as quais a da alínea a), segundo a qual é vedado às agências “Cobrar quaisquer quantias aos candidatos que nelas se inscrevam para efeitos de emprego, ressalvado o disposto no artigo seguinte”. Por aqui se vê que se a simples inscrição fosse totalmente proibida, nem sequer a alínea em causa faria sentido, porque ela apenas pune a cobrança de quantias aos candidatos, mas não a inscrição.
Portanto, conjugando esta alínea do art. 16º com o art. 15º que o precede, podemos concluir que a alínea c) do art. 22º permite a inscrição (gratuita) dos candidatos a emprego que sejam portadores de título de permanência temporária ou de documentos que os habilitem a residir na RAEM. Aliás, a inscrição é considerada pelo próprio legislador um “serviço” a prestar pelas agências de emprego, conforme resulta do art. 2º, nº1, al. b), do referido diploma.
*
3 - E o que dizer do art. 15º?
Ao prescrever que as agências só podem inscrever ou colocar trabalhadores que sejam “portadores de título de permanência temporária” ou de “documentos que os habilitem a residir em Macau” estará, a contrario sensu, a tipificar uma conduta proibida em ambas as situações (inscrição ou colocação) isoladamente? Cada uma de per si é proibida desde que se verifique o pressuposto substantivo ali previsto? Ou serão cumulativas (inscrição e colocação)?
Atente-se que o legislador no art. 2º, além da inscrição (al. b), do nº1), assinala ainda outros serviços das agências, como sejam a colocação al. d), do nº1) e o recrutamento de trabalhadores não residentes (al. e), do nº1).
No entanto, quando tratou de estabelecer as sanções, nem sempre o terá feito da melhor maneira. Repare-se, por exemplo, na alínea b) do art. 22º, invocada no acto aqui sindicado. Nele apenas se fala no recrutamento ou colocação de trabalhadores em violação do disposto no art. 15º. Ora, o recrutamento não faz parte da previsão do art. 15º, pois apenas prevê a inscrição e a colocação.
Então, quando o art. 22º, nº1, al. b) faz remissão para o art. 15º estará só a pensar na colocação, deixando de fora a inscrição? Terá sido esquecimento do legislador deixar de fora a inscrição? Ou pode o intérprete tratar como lapso a troca da inscrição pelo recrutamento?
Em nossa opinião, o legislador não iria cair em esquecimento, nem em lapso, num diploma que nem é extenso, nem complexo. O legislador sabia que a inscrição era um “serviço” a prestar pela agência, da mesma maneira que sabia, por o ter previsto ele mesmo no próprio diploma, que a colocação e o recrutamento eram serviços diferentes, segundo a letra do art. 2º. Temos, portanto, que concluir que o legislador se exprimiu de forma querida, clara, livre e organizada (art. 8º, nº3, do C.C.).
Assim sendo, somos levados a pensar que o legislador não quis sancionar a inscrição de trabalhadores isoladamente, mas somente o recrutamento e a colocação de trabalhadores em violação do art. 15º, ou seja, de trabalhadores que não sejam portadores de título de permanência temporária ou de documentos que os habilitem a residir em Macau.
E como se sabe, se estamos em matéria de infracções administrativas, às quais se aplicam, como afirma o Ministério Público no seu parecer, princípio de direito penal e processual penal, como sejam o da legalidade e da tipicidade.
Claro que esta conclusão deixa de fora a inscrição de trabalhadores que não reúnem as qualidades previstas no art. 15º. Essa não é tarefa para o aplicador do direito. Caberá, então, cabe ao legislador proceder a uma alteração clarificadora da lei, se assim o entender, isto é, se achar que não se exprimiu correctamente e tratando a previsão do art. 15º com um sentido cumulativo (inscrição e colocação) ou modificando a previsão da alínea b), do nº1, do art. 22º, de modo a incluir também a inscrição. Tal como está redigida, a mera inscrição escapa à previsão da norma punitiva.
Sendo assim, nenhum reparo ou crítica merece a sentença impugnada.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas.
T.S.I., 18 de Julho de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

1 Ver DL nº 49/90/M, de 27 de Agosto.
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1/2009 22