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Processo n.º 43/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 4/Julho/2019

Assuntos: Bens adquiridos por virtude do direito próprio anterior
      Bens adquiridos por usucapião por um dos cônjuges

SUMÁRIO
Tendo o casal celebrado o matrimónio em 1980 no regime da comunhão de adquiridos (regime de bens supletivo), cada cônjuge é titular em comunhão com o outro cônjuge dos bens adquiridos por qualquer dos cônjuges na constância desse regime.
Prevê o artigo 1722.º, n.º 1, alínea c) do CC de 1966 que “são considerados próprios dos cônjuges os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior”.
Por sua vez, preceitua a alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo que “consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum, os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento”.
O marido foi declarado proprietário da quota-parte (um terço) de um imóvel por usucapião, e a posse com base na qual o marido adquiriu aquela quota-parte do imóvel teve início em 1983, pelo que não se vislumbra ser aquela bem próprio do marido.
       
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong


Processo n.º 43/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 4/Julho/2019

Recorrentes:
- A (Autor)
- B (representada pelos herdeiros C e D), C, D e E (1º, 2º, 4º e 5º Réus, respectivamente)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformado com a sentença que julgou parcialmente procedente a acção declarando a execução específica do contrato-promessa referente a 2/3 do prédio identificado nos autos, recorreu o Autor A jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença proferida nestes autos pelo Tribunal de Judicial de Base, a qual julgou parcialmente procedente a presente acção.
2. O tribunal a quo ao julgar apenas parcialmente procedente, incorreu nos vícios de erro na apreciação da prova e erro na aplicação do direito.
3. O doutro tribunal apenas decretou a execução específica de 2/3 do prédio em causa, uma vez que, entendeu que o bem em causa era bem comum dos 2º e 3º RR., e pelo facto de a 3ª R. não ter dado consentimento para a celebração do contrato promessa, o tribunal não podia substituir-se a 3ª R. na emissão de uma declaração a que estão não está vinculada.
4. No entanto, salvo o devido respeito, entende o ora Recorrente que, com base na matéria de facto provada, o tribunal a quo devia ter julgado totalmente procedente, dado que, entende o ora Recorrente que o prédio em causa não se trata de um bem comum do 2º e 3ª RR., pelo que, a sua alienação não carece do consentimento da 3ª R.; e para o caso de entender que era bem comum (que só por mera cautela de patrocínio se admite), entende o ora Recorrente que a 3ª R. não se manifestou contra a alienação, tendo dado o seu consentimento.
5. O doutro tribunal entendeu que tinha dúvidas se a posse teve início antes ou depois do casamento dos 2º e 3º RR., e com base na presunção legal previsto no art.º 1606º, n.º 2 do Código Civil, considerou que quota-parte do 2º R. é bem comum do mesmo e da 3ª R.
6. Em primeiro lugar, importa referir que, a presunção legal prevista no art.º 1606º, n.º 2 do Código Civil só se aplica em relação a bens móveis, e não a bens imóveis. Pelo que, a supra referida presunção não é aplicável ao presente caso.
7. Em segundo lugar, entende a ora Recorrente que dos factos provados e da prova documental dos presentes autos, permite concluir que a posse em questão teve início antes do casamento dos 2º e 3ª RR.
8. Com efeito, por um lado, ficou provado o seguinte:
a) Os 2º e 3ª RR. casaram em 6 de Junho de 1980;
b) Na acção judicial intentada pela falecida B e pelos 2º e 4º RR., os mesmos alegaram que possuíam o imóvel desde os anos quarenta;
c) Da certidão da sentença proferida nessa acção vê-se que foi dado como provado que, pelo menos, desde 1978, a falecida B e os 2º e 4º RR. começaram a residir no imóvel:
d) Na segunda acção judicial, ou seja, na acção em que a falecida B e os 2º e 4º RR. lograram adquirir o imóvel por usucapião, foi dado como provado que, pelo menos desde 1983, os mesmos começaram a residir no imóvel.
9. Ora, na verdade, o facto provado d) acima referido, que diz que pelo menos desde 1983 os RR. começaram a residir no imóvel, não está em contradição com os factos provados b) e c) acima referidos.
10. Importa referir que, na presente acção, os RR. não invocaram qualquer facto que contrarie, negue ou oponha aos factos provados b) e c) acima referidos.
11. Assim, dos factos provados acima referidos, podemos concluir a falecida B e os 2º e 4º RR. começaram a residir no imóvel e possuíam o imóvel desde os anos quarenta, ou seja, antes do casamento contraído entre 2º e 3a RR. em 6 de Junho de 1980.
12. Em terceiro lugar, o contrato-promessa celebrado em 20 de Abril de 2011 entre o ora Recorrente e a falecida B e os 2º e 4º RR., foi celebrado no escritório da mandatária destes, tendo esta testemunhado o contrato promessa.
13. Na altura, se o imóvel em casa fosse bem comum dos 2º e 3ª RR., a mandatária destes deveria ter alertado da necessidade da intervenção da 3ª R. para que o contrato-promessa fosse válido, mas não o fez.
14. Por outro lado, na falta da intervenção da 3ª R. no caso de imóvel ser bem comum dos 2º e 3ª RR., ou seja, se o contrato-promessa tivesse vício, a mandatária dos RR. deveria ter advertido da existência do vício, isto é,
15. Se o contrato promessa fosse anulável pela falta da intervenção da 3ª R., a mandatária dos RR. deveria ter comunicado tal às partes contratuais, mas não o fez.
16. E porquê não o fez? Foi porque, na verdade, o contrato-promessa em causa não carecia a intervenção da 3ª R., inexistindo qualquer vício, nomeadamente o da anulabilidade.
17. Embora os 2º e 3ª RR. tivessem casado no regime da comunhão nos adquiridos, porém, o direito de propriedade do 2º R. sobre o imóvel em causa não se trata de um bem comum dos dois, nos termos dos art.ºs 1604º, n.º 1, 1584º, n.º 1, al. b) e 1585º, n.º 1, al. b) todos do Código Civil.
18. Em quarto lugar, conforme ficou provado nos autos, tanto a acção CV2-11-0080-CAO como a acção CV2-09-0096-CAO, foram propostas pela falecida B e os 2º e 4º RR., todos representados pela mesma mandatária na presente acção, sem a intervenção da 3ª R.
19. Ora, se o imóvel em causa fosse bem comum, a 3ª R. teria intervindo nas acções de usucapião acima referidas, devendo estas acções ter sido propostas pela falecida B e os 2º, 3ª e 4º RR., contudo, não foi isso que aconteceu.
20. Pelo que, a falecida B e os 2º e 4º RR. sabendo perfeitamente que tinham a posse do imóvel desde os anos quarenta, sendo a quota-parte do 2º R. bem próprio do mesmo, intentaram as acções de usucapião apenas em nome dos três.
21. Por todo o exposto, é de concluir que o imóvel em causa não é bem comum dos 2º e 3º RR.
22. Para o caso de entender que o imóvel em causa era bem comum dos 2º e 3º RR. (que por mera cautela de patrocínio se admite), entende o ora Recorrente que a 3ª R. prestou o devido consentimento, e mesmo que não o tivesse prestado, a 3ª R. não tem o direito de anular o contrato promessa em causa.
23. Em primeiro lugar, a 3ª R. foi citada nos presentes autos, e ao contrário de seu marido 2º R., não interveio no processo e não contestou a presente acção.
24. Ora, se é verdade que a 3ª R. não tinha dado o seu consentimento para celebrar o contrato promessa, e o contrato- promessa e a execução específica iriam prejudicar os seus direitos sobre o imóvel, então porquê não contestou a presente acção? É fácil de concluir, a razão é porque não se opõe aos factos articulados pelo ora Recorrente na petição inicial.
25. Na verdade, nos termos do art.º 405º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a falta de contestação importa o conhecimento dos factos articulados pelo autor; no entanto, aqui não se operam os efeitos da revelia apenas porque houve impugnação dos outros RR.
26. Importa referir que, o 2º R. celebrou o contrato- promessa de livre vontade, sem a intervenção da sua mulher 3ª R.; no entanto, na presente acção, o 2º R. (e não a sua mulher 3ª R.) invoca a invalidade do contrato-promessa devido à falta da intervenção da sua mulher 3ª R., tudo isso demonstra que 2º R. actuou com má fé e abuso de direito.
27. Assim sendo, entende a ora Recorrente que a 3ª R. tinha conhecimento do contrato promessa, e não se opondo à sua celebração, prestou o seu consentimento.
28. Em segundo lugar, mesmo que não tivesse prestado o consentimento quando este era necessário (que só por mera cautela de patrocínio se admite), entende o ora Recorrente que ficou extinguido o direito de anulação do contrato promessa, tendo o vício da falta de consentimento sido sanado.
29. Nos termos do art.º 1554º, n.º 2 do Código Civil, o direito de anulação pode ser exercido nos 6 meses subsequentes à data em que teve conhecimento, mas nunca depois de decorridos 3 anos sobre a sua celebração.
30. Ora, o contrato-promessa em causa tinha sido celebrada em 20 de Abril de 2011.
31. Ora, a 3ª R. tinha o direito de pedir a anulação do contrato-promessa até 20 de Abril de 2014, no entanto, até essa data, ou até mesmo a presente data, a 3ª R. não invocou a anulação quer por via de acção quer por via de contestação.
32. Pelo que, ficou extinguido o seu direito de anulação do contrato-promessa e do presente negócio, tendo o vício de anulabilidade sido sanado.
33. Importa referir que, ficou provado nos autos que o imóvel em causa não é casa de morada de família dos 2º e 3ª RR.
34. Por todo o exposto, a disposição do imóvel em causa não carece da intervenção da 3ª R.
35. Assim, perante os factos provados e os fundamentos do acórdão recorrido aqui não impugnados, deve o pedido de execução específica sobre a totalidade do imóvel ser julgado procedente.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V.as Ex.as sempre tão doutamente melhor suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso, fazendo-se, assim, a necessária JUSTIÇA!”
*
Notificados os Réus B (representada pelos herdeiros C e D), C, D e E, ofereceram os mesmos resposta formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. O recorrente insurge-se contra a sentença uma vez que considera que o prédio em causa não é um bem comum do 2º e 3º RR., pelo que a sua alienação não carece do consentimento da 3ª R. e, entende ainda, que a 3ª R. não se manifestou contra a alienação, tendo dado o seu consentimento.
2. Os recorridos consideram que o recorrente não tem razão nas suas alegações pois a verdade é que, de acordo com a acção judicial que deu provimento ao pedido de usucapião dos RR., ou seja, os autos n.º CV2-11-0096-CAO, o que ficou provado foi que “(…) pelo menos desde 1983, os mesmos (entenda-se os RR.) começaram a residir no imóvel.”
3. Ora, tendo o casamento entre o 2º R. e a 3ª R. sido celebrado em 6 de Junho de 1980, estes já eram casados na altura em que a propriedade do prédio foi declarada e, como tal, o prédio é um bem comum do casal.
4. Atendendo à matéria dada como provada na acção judicial que conferiu a propriedade do imóvel aos RR. não podem existir sequer dúvidas de que a 3ª R. é também proprietária do mesmo em virtude do bem ter entrado na esfera jurídica do 2º R. já após o casamento dos mesmos.
5. Pelo que, embora justificável e aceitável a aplicação por analogia do nº 2 do artigo 1606º do Código Civil efectuada pela Meritíssima Juíza na douta sentença recorrida, a verdade é que a mesma interpretação nem sequer era necessária pois, como acima se referiu, a matéria de facto provada nos autos que conferiram a propriedade aos RR. considerou que os RR. começaram a residir no imóvel objecto de discussão “pelo menos desde 1983”, ou seja, já 3 anos após a celebração do casamento entre a 3ª R. e o 2º R.
6. O recorrente alega ainda que, pelo facto de a 3ª R. não ter contestado os presentes autos, significaria que esta prestou o seu consentimento a venda do imóvel.
7. Porém, a versão mais correcta é a de que a 3ª R. não contestou porque, nunca tendo dado consentimento para a referida venda ou tendo prometido vender fosse o que fosse, nunca o resultado da acção a poderia prejudicar, pois ela não se comprometeu a vender a sua parte do imóvel.
8. Os seus direitos sobre o imóvel não poderiam nunca ficar prejudicados porque ela nunca aceitou a venda dado que não assinou qualquer contrato-promessa ou de qualquer forma manifestou o seu consentimento na venda da sua quota-parte do imóvel.
9. Nem se diga como pretende o recorrente que “nos termos do artigo 405º nº 1 do Código do Processo Civil, a falta de contestação importa o reconhecimento dos factos articulados pelo autor”, pois como se sabe, de acordo com o artigo 406º alínea a) do mesmo Código não se aplica o disposto no artigo 405º nº 1 quando, havendo vários RR. algum deles impugnar os factos articulados pelo autor situação que ocorreu nos presentes autos.
10. Não é possível proferir-se sentença a suprimir a vontade negocial de alguém que não se obrigou a tal e que não pretende transmitir um imóvel que também lhe pertence.
11. A 3ª R. formal e validamente não se comprometeu nem prometeu nada.
12. A falta de legitimidade substantiva de cada um dos cônjuges outorgantes no contrato-promessa para a venda prometida, sem o consentimento o outro, torna impraticável a execução específica do mesmo contrato promessa.
13. Por último, sempre se dirá que não tem qualquer fundamento a alegação efectuada pelo recorrente que o prazo para pedir a anulação do contrato-promessa por parte da 3ª R. já terminou, na verdade, o recorrente não fez qualquer prova (nem sequer alegou tal facto) relativamente à data em que a 3ª R. tomou conhecimento da assinatura do contrato-promessa pelo que, qualquer afirmação sobre o facto do prazo de 3 anos ter expirado (mesmo que o mesmo fosse de alguma forma relevante para os autos, o que, como acima se explicitou não se considera) não pode aqui ser mencionada.
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Excelências, deve, pelas apontadas razões, ser alterado o acórdão recorrido de acordo com o recurso apresentado pelos RR. em 4 de Outubro de 2017, não se dando provimento ao recurso apresentado pelo A. assim se fazendo a esperada a sã JUSTIÇA!”
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Por sua vez, também recorreram aqueles Réus, patenteando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. Resulta provado nos autos o conteúdo do contrato-promessa assinado entre a falecida 1ª R., e os 2º e 4º RR. nomeadamente que, “na altura da celebração do acordo referido em A) dos factos assentes, a 1ª Ré e os 2º e 4º Réus tinham intentado junto do Tribunal Judicial de Base os autos de acção ordinário (processo n.º CV2-09-096-CAO) para adquirir o direito de propriedade do imóvel referido por meio de usucapião.”
2. Segundo a decisão recorrida “nada permite concluir que a eficácia do contrato-promessa estava condicionada pelo sucesso da citada acção judicial, com o que a excepção arguida pela falecida B e pelos 2º e 5º Réus não pode deixar de improceder.”
3. Os recorrentes não aceitam essa decisão pois tanto os termos do contrato promessa como o facto de os RR. nem sequer terem aceite receber qualquer quantia a título de sinal revelam a manifesta incerteza/fragilidade quanto ao resultado do contrato promessa e condicionam a celebração do contrato definitivo ao êxito da referida acção judicial.
4. Na verdade, os termos em que o contrato-promessa foi redigido, termos esses que constam dos factos assentes, revelam, sem margem para dúvidas, que os RR. queriam condicionar a eficácia do contrato-promessa exactamente ao sucesso da citada acção judicial pois, caso contrário teriam, pura e simplesmente, escrito que condicionariam a eficácia do negócio a uma aquisição futura do imóvel objecto da promessa de compra e venda e ao seu consequente registo na Conservatória do Registo Predial.
5. Na acção referida, isto é na acção judicial n.º CV2-09-0096-CAO os RR. foram absolvidos da instância e o juiz absteve-se de conhecer o pedido efectuado nos mesmos, pelo que a condição a que a eficácia do contrato-promessa estava dependente (o sucesso na acção judicial acima identificada) não ocorreu pelo que o A., ora recorrido, não podia exigir aos RR. o cumprimento do mesmo nem estes serem condenados a cumpri-lo.
6. Sem prejuízo do acima exposto sempre se dirá que, mesmo V. Exas discordem de tal entendimento, também não tem razão a sentença recorrida ao julgar procedente a execução específica dos 2/3 do contrato-promessa de compra e venda.
7. Pois, segundo a doutrina, a execução específica é apenas possível no caso no caso de existir mora e não incumprimento definitivo.
8. De acordo com a Jurisprudência comparada tem-se entendido, igualmente que o recurso à execução específica do contrato-promessa de compra e venda de um imóvel por parte do promitente-comprador não é viável se se verificar por parte do promitente vendedor, incumprimento definitivo do contrato promessa (ex: alienação a terceiro do imóvel inexistindo eficácia real), sendo pressuposto da execução específica do contrato a mora e não o incumprimento definitivo.
9. Tendo havido incumprimento definitivo consubstanciado com a venda de imóvel a terceiros deixou de ser física e legalmente possível a prestação objecto da promessa.
10. Ora, uma das funções do sinal é exactamente a determinação prévia da indemnização devida em caso de não cumprimento ou incumprimento definitivo, pelo que a decisão recorrida deveria ter condenado os RR. a pagarem ao A. o dobro do sinal por este entregue.
11. Ou seja, e em conclusão a sentença recorrida errou ao julgar parcialmente procedente a execução específica e ao emitir declaração substituindo-se ao Réu, D e aos herdeiros habilitados da B, C e D no sentido de vender ao Autor A 2/3 do prédio quando, na verdade, deveria ter condenado os recorrentes no pagamento ao recorrido do dobro do sinal por este prestado.
12. Sem conceder e continuando a pugnar pelo insucesso da execução específica requerida, tudo como acima melhor se alegou, sempre se dirá ainda que, caso V. Exas não sejam do mesmo entendimento, o recorrente C pretende exercer o seu direito de preferência na aquisição dos 2/3 deste imóvel, de acordo com o disposto no artigo 1308º, n.º 1 do Código Civil.
Nestes termos, e nos mais de Direito por V. Exas doutamente supridos deverá o presente recurso ser julgado procedente.
Assim se fará justiça!”
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Devidamente notificado, respondeu o Autor ao recurso apresentando as seguintes conclusões alegatórias:
“I. Em primeiro lugar, conforme resulta do das alegações de recurso apresentadas pelos 1ª, 2º, 4º e 5ª RR., estes vêm impugnar a decisão de facto plasmada no mui douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, entendendo que (i) a condição de eficácia que o contrato promessa estava dependente não ocorreu, pelo que o A. não podia exigir aos RR. o cumprimento do mesmo; e (ii) impossibilidade física a legal de cumprimento. Por outro lado, o 2º R. vêm ainda em sede de recurso fazer um pedido para exercer o direito de preferência.
II. Sucede, porém, que, como infra se demostrará, não assiste qualquer razão aos 1ª, 2º, 4º e 5ª RR., porquanto, a eficácia do contrato promessa em causa não dependia de nenhuma condição, e por outro lado, o seu cumprimento é físico e legalmente possível, pelo que deve ser negado provimento ao seu recurso. E em relação ao exercício do direito de preferência, o 2º R. não tem o direito de invocar tal direito.
III. No que respeita ao recurso dos 1ª, 2º, 4º e 5ª RR. “Quanto ao contrato-promessa de compra e venda”, em síntese, os 1ª, 2º, 4º e 5ª RR. alegam que a condição de eficácia que o contrato promessa estava dependente (isto é, a procedência da acção CV2-09-0096-CAO) não ocorreu, pelo que o A. não podia exigir aos RR. o cumprimento do mesmo.
IV. Em primeiro lugar, sobre essa “condição” que os 1ª, 2º, 4º e 5ª RR. alegam não estar verificada, os mesmos RR. na sua contestação já tinham alegado que a eficácia do contrato-promessa dependia da procedência da acção CV2-09-0096-CAO, matéria que ficou incluída na base instrutória como quesito 22º; e realizada a audiência e julgamento dos factos, este quesito não foi dado como provado.
V. Da leitura da cláusula 2ª do contrato promessa conseguimos concluir que, o essencial consiste em os 1ª, 2º e 4º RR. intentarem uma acção no tribunal judicial de base para adquirir o direito de propriedade do imóvel, e uma vez adquirido e registado na Conservatória do Registo Predial, transmitir o imóvel ao A.
VI. Importa ainda referir que, a cláusula 2ª do contrato-promessa refere apenas que o A. tem conhecimento de que os RR. tinham pedido a aquisição do direito de propriedade através do tribunal, sem estipular que a dependência do sucesso ou insucesso desta acção como condição de eficácia desta contrato promessa.
VII. Em segundo lugar, a condição do sucesso, tal como afirma o douto tribunal é em termos substantivos, isto é, a compra e venda seria celebrada se os RR. conseguirem adquirir o imóvel, independentemente da acção (CV2-09-0096-CAO ou CV2-11-0080-CAO, ou então outra acção).
VIII. Importante é, os vendedores (os 1ª, 2º e 4º RR.) pretendem através de uma decisão judicial do tribunal, adquirir o direito de propriedade do imóvel, para depois vender ao A., o imóvel objecto do contrato promessa.
IX. Na verdade, a acção CV2-09-0096-CAO tinha sido já intentada em 2009, embora julgada absolvida da instância em 2011, por ter surgido o problema de legitimidade. Em consequência, os 1ª, 2º e 4º RR. intentaram novamente outra acção da mesma natureza, ou seja, a acção CV2-11-0080-CAO.
X. Comparando as acções CV2-09-0096-CAO e CV2-11-0080-CAO, os advogados, os autores, réus, causa de pedir e pedido são basicamente os mesmos, sendo na última acção corrigida a questão da legitimidade que levou à absolvição da instância da primeira acção. Pelo que, a acção referida na cláusula 2ª do contrato promessa não exclui os autos CV2-11-0080-CAO, antes pelo contrário, deve entender-se que também equivale ou abrange os autos CV2-11-0080-CAO.
XI. Por outro lado, para sustentar a sua tese, alega ainda os mesmos RR. que o facto de não ter havido sinal revelam a sua manifesta incerteza/fragilidade quanto ao resultado do mesmo e condicionam a celebração do contrato definitivo da mesma acção.
XII. Ora, em primeiro lugar, embora não tivesse sido provado que houve sinal, ficou provado que o 4º R. recebeu a quantia de HKD$100.000,00 entregue pelo Autor, a título de demostração de seriedade na compra do imóvel.
XIII. De qualquer modo, não existe nenhuma presunção legal de incerteza/fragilidade, quando o contrato promessa não é acompanhado de um sinal.
XIV. Concluindo, quando à validade e eficácia do contrato promessa, não houve qualquer erro na apreciação da prova ou dos factos do Tribunal recorrido.
XV. Respeitante ao recurso “Quanto ao não cumprimento do contrato promessa e à execução específica do mesmo”, alegam os 1ª, eº, 4º e 5ª RR. que, o pressuposto da execução especifica é a mora e não o incumprimento; e que no presente caso, apenas ficou provado o incumprimento, que consubstanciando com a venda de imóvel a terceiros deixou de ser física e legalmente possível a prestação do objecto da promessa.
XVI. Quanto ao pressuposto da execução, entendemos que, em rigor, devia afirmar-se que, basta a mora e não é necessário o incumprimento para haver lugar à execução específica.
XVII. No entanto, o incumprimento por parte dos RR. confere sempre ao A. o direito à execução específica, uma vez que, nos termos do art.º 436º, n.º 3 do Código Civil, “A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.”
XVIII. E no presente caso, o tribunal a quo concluiu que houve incumprimento definitivo dos RR., visto que, por contrato de compra e venda de 23 de Maio de 2014, os mesmos venderam 2/3 do imóvel a dois terceiros.
XIX. Por outro lado, alega ainda os 1ª, 2º, 4º e 5ª RR. que a execução específica é físico e legalmente impossível, uma vez que o imóvel já foi vendido a terceiros.
XX. Porém, não podemos esquecer que, no presente caso, o A. tem o registo da presente acção anterior (3 de Março de 2014) ao registo da venda do imóvel a terceiros (3 de Junho de 2014)!
XXI. Nos termos do artº 6º do Código do Registo Predial, o A. goza da prioridade do registo.
XXII. Pelo que, a execução específica é de todo viável e possível na presente acção.
XXIII. Por fim, em sede de recurso, vem o 2º R. manifestar a intenção de exercer o direito de preferência na aquisição dos 2/3 do imóvel, isto é, da parte do imóvel sobre a qual o tribunal a quo decretou a execução específica.
XXIV. Em primeiro lugar, o facto de o 2º RR. fazer um novo pedido em sede de recurso, viola as regras processuais básicas do Direito do Processo Civil.
XXV. Em segundo lugar, o 2º R. não tem direito de invocar a preferência porque ele próprio participou na celebração do contrato-promessa, onde os outros co-titulares do direito de propriedade prometeram vender, tendo dado o seu consentimento da venda da totalidade, abrangendo a venda das quotas-partes dos outros ao A.
XXVI. Assim, é totalmente absurdo o pedido do 2º R., uma vez que, tendo ele prometido vender conjuntamente com os outros comproprietários, não pode vir a pedir o exercício do direito de preferência sobre a sua quota-parte e a quota-parte pertencente aos comproprietários! Este pedido do 2º R. é totalmente de má fé, carecendo de qualquer fundamento ou razão.
XXVII. Mesmo admitindo haver qualquer direito de preferência dos RR., tal direito encontra-se caducado, nos termos do art.º 1309º do Código Civil, o comproprietário tem o direito de exercer o direito de preferência dentro do prazo de 6 meses a conta da data em que teve conhecimento.
XXVIII. Ora, no presente caso, o 2º R. teve conhecimento, pelo menos, na data da outorga do contrato promessa, no qual participou e também prometeu vender, e já passaram muito mais que 6 meses após o conhecimento da venda; aliás, o 2º R. nem por acção, nem por reconvenção, alguma vez invocou o direito de preferência.
XXIX. Pelo que, o pedido de exercício de preferência não deve ser atendido.
XXX. Salvo o devido respeito, tendo em conta as razões supra citadas, a pretensão de exercer o direito de preferência na aquisição dos 2/3 do imóvel por parte do 2º R. consubstancia-se manifestamente em má fé material e em má fé instrumental, uma vez que não é viável tal pedido, quer nos termos substantivos, quer nos termos processuais.
XXXI. O 2º R., sabendo que não tem direito de preferência em relação à venda dos outros comproprietários por ter o mesmo participado na celebração do contrato promessa da venda do imóvel em causa na sua totalidade, bem como, devendo saber que mesmo havendo esse direito o mesmo tinha já caducado, no entanto, só em sede de recurso vem o mesmo manifestar a intenção de exercer tal direito, o 2º R. viola intencionalmente o dever de probidade que o art.º 385º do Código de Processo Civil impõe, a sua conduta fá-lo incorrer em litigância de má-fé, devendo o mesmo ser condenado em multa e no pagamento de uma indemnização destinada a ressarcir o A. dos danos resultantes da má fé.
Termos em que, deve ser negado provimento ao recurso apresentado pelos 1ª, 2º, 4º e 5ª RR., devendo ser julgado procedente o recurso interposto pelo A., e julgar que houve litigância de má fé do 2º R., condenando-o em pagamento de multa.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
第一被告B、第二被告C及第四被告D於2011年4月20日在載於卷宗第19至20頁的名為“承諾樓宇買賣合約”上簽署,該協議涉及標示於物業登記局4XX2號第XX頁XX簿冊,座落於澳門XX街第XX號的不動產。(alínea A) dos factos assentes):
該合約內容如下:
“承諾樓宇買賣合約
立約人:
賣方:
B,女,寡婦,持澳門特別行政區永久性居民身份證編號70XXXXX(2);
C,男,已婚,與F以取得共同財產制結婚,分別持澳門特別行政區永久性居民身份證編號72XXXXX(8)及73XXXXX(7);
D,男,已婚,與E以分別財產制結婚,持澳門特別行政區永久性居民身份證編號50XXXXX(3)(以下簡稱甲方)
買方:
A,男,已婚,與G以分別財產制結婚,持澳門特別行政區永久性居民身份證編號50XXXXX(8)(以下簡稱乙方)
一) 茲有甲方自願將座落於澳門XX街XX號之物業出售與乙方,而有關之上述物業於澳門物業登記局之標示編號為4XX2號。
二) 乙方清楚知悉,在簽署本合約時甲方仍未取得上述出售物業之所有權,且知悉甲方已透過澳門初級法院主張取得該物業的所有權(澳門法院案件編號為CV2-09-0096-CAO),同時亦知悉只有當澳門法院對上述案件作出確定判決,判處甲方取得該物業的所有權及在澳門物業登記局登記後,才能對該物業進行處分。
三) 現經雙方同意,以港幣壹佰玖拾萬圓正(HK$l,900,000.00),折算為澳門幣壹佰玖拾伍萬玖仟捌佰伍拾圓正(MOP$1,959,850.00)售與乙方,而乙方承諾照該價承購。
四) 甲、乙雙方同意在澳門法院對上述第二)條款所提及之案件作出確定判決,並判處甲方取得上述物業之所有權及於澳門物業登記局作出確定登記後30內,依照澳門立契官公署或私人公證員排定之日期作為交易日期(其中包括印花稅所需之時間)簽署買賣公證書及交吉。
五) 甲方同意乙方以其本人或第三者之名義進行交易。
六) 上述物業於簽署買賣公證書前之房屋稅、地租、水費、電費、管理費均由甲方負責清繳,而是次買賣手續所須支付的印花稅、立契費、登記費和律師費則由預約買方負責。買賣合約見證費用則由雙方平均支付。
七) 甲、乙雙方均視上述預約買賣之物業為將來物。
八) 本合約未列明之事項,悉依澳門特別行政區現行可引用之法例及習慣辦理。
九) 本合約一式三份,經關係人簽字後,甲、乙雙方各執一份據,一份交由律師事務所存案。

甲方:___________ 乙方:_________
(簽名) (簽名)

見證人:___________
(簽名)
於澳門XX師事務所2011年4月20日。”
上述協議中約定的價格為港幣1,900,000.00元。(alínea B) dos factos assentes)
根據初級法院第二民事法庭於2014年2月18日在第CV2-11-0080-CAO號案作出的判決,B、C及D被宣告成為標示於物業登記局4XX2號第XX頁XX簿冊,座落於澳門XX街第XX號之不動產之所有人。(alínea C) dos factos assentes)
透過上述判決,法院也命令註銷該不動產載於物業登記局XX簿冊第XX背頁編號1XXX5之登錄,業權人為H及I。(alínea D) dos factos assentes)
根據初級法院第二民事法庭於2011年6月2日在第CV2-09-0096-CAO號案所作出的判決,法庭駁回該案的原告B及參與人C及D針對被告H及I的不確定繼承人、不確定利害關係人及檢察院提起之起訴,開釋各被告。(卷宗第106至109頁背頁)。(alínea E) dos factos assentes)
已證事實E.項的判決於2011年6月21日轉為確定。(alínea F) dos factos assentes)
C及F於19XX年XX月XX日結婚。(alínea G) dos factos assentes)
Através da celebração do acordo referido em A) dos factos assentes, a 1ª Ré e os 2º e 4º Réus prometeram vender ao Autor, e este prometeu comprar o imóvel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 4XX2, a fls. XX do Livro XX, sito na Rua XX n.º XX (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
Na altura da celebração do acordo referido em A) dos factos assentes, a 1ª Ré e os 2º e 4º Réus tinham intentado junto do Tribunal Judicial de Base os autos de acção ordinário (processo n.º CV2-09-0096-CAO) para adquirir o direito de propriedade do imóvel referido por meio de usucapião (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
O Autor, a 1ª Ré e os 2º e 4º Réus acordaram que, 30 dias depois de estes últimos três terem adquirido o direito de propriedade por decisão transitada e de o respectivo direito ter sido inscrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, seria celebrada a escritura pública de compra e venda na data designada para o efeito pelo notário público ou privado e entregue o imóvel ao Autor (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
O Autor, a 1ª Ré, os 2º e 4º Réus acordaram que o pagamento do sinal seria efectuado posteriormente, em data a designar (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
No mesmo dia, nomeadamente 12 de Agosto de 2011, o 4º Réu, em seu próprio nome, e declarando representar também de a 1ª e o 2º Réus, assinou o documento denominado por “Acordo complementar” (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
O 4º Réu declarou nesse documento que, se a 1ª Ré e os 2º e 4º Réus conseguissem adquirir o direito de propriedade do imóvel, seriam obrigados a vendê-lo ao Auto (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
O 4º Réu recebeu a quantia de HK$100.000,00 entregue pelo Autor, a título de demonstração de seriedade na compra do imóvel (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
O Autor e o 4º Réu acordaram que, depois de a 1ª Ré e os 2º e 4º Réus terem adquirido o direito de propriedade do imóvel, a quantia acima referida como título de demonstração de seriedade passaria a ser sinal (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
O Autor e o 4º Réu acordaram que, depois de a 1ª Ré e os 2º e 4º Réus terem adquirido o direito de propriedade do imóvel, o Autor pagaria, de uma vez, aos 1ª Ré, 2º e 4º Réus os remanescentes HK$1.500.000,00 aquando da celebração da escritura de compra e venda (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
Por nos autos CV2-09-0096-CAO ter surgido o problema de legitimidade, em 11 de Outubro de 2011, a 1ª Ré e os 2º e 4º Réus intentaram a acção CV2-11-0080-CAO junto do Tribunal Judicial de Base, com o intuito de adquirir o direito de propriedade do imóvel (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
Depois de conhecer que a 1ª Ré e os 2º e 4º Réus foram declarados como proprietários do imóvel, o Autor tinha contactado a 1ª Ré e os 2º e 4º Réus a fim de se informar sobre o progresso das formalidades de registo e para negociar sobre os assuntos da transacção (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
Na altura, a 1ª Ré e os 2º e 4º Réus estavam a negociar com terceiros sobre a venda do imóvel (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
O 2º Réu e 3ª Ré estão casados entre si e chegaram a viver no imóvel, como casa de morada de família (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
O 2º Réu e a 3ª Ré chegaram a residir no imóvel depois do casamento (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
A 1ª Ré e os 2º e 4º Réus invocaram no processo n.º CV2-09-0096-CAO que desde os anos quarenta que possuíam o imóvel referido (resposta ao quesito 29º da base instrutória).
Há-de consignar ainda, de acordo com o documento de fls. 23 a 27 junto aos autos, o seguinte facto:
Na acção intentada pelos 1ª, 2º e 4º Réus, autuada sob o Processo n.º CV2-11-0080-CAO junto do Tribunal Judicial de Base, foi julgado procedente o pedido de aquisição do direito de propriedade do referido imóvel, por usucapião, e nesses autos foi dado como provado que, pelo menos, desde 1983, os mesmos começaram a residir nesse mesmo imóvel.
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Comecemos pelo recurso dos Réus.
Entendem os Réus recorrentes que segundo os termos do contrato-promessa, o Tribunal deveria reconhecer que os Réus queriam condicionar a eficácia do mesmo ao sucesso da acção judicial CV2-09-0096-CAO e, por que os réus nessa acção foram absolvidos da instância, o Autor não podia exigir dos Réus o cumprimento daquele contrato-promessa.
Em boa verdade, esta questão constitui matéria de excepção e consta dos quesitos 22º e 23º da base instrutória, contudo, não tendo os Réus logrado a prova da matéria em causa, sem necessidade de delongas considerações, outra solução não resta senão improceder esta parte do recurso.
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Defendem ainda os Réus recorrentes que só há execução específica em caso de mora e não no incumprimento, e com a venda do imóvel a terceiros deixou de ser física e legalmente possível a prestação do objecto da promessa, assim, vêm apenas assumir o dever de pagar o dobro do sinal.
Estatui o n.º 3 do artigo 436.º do Código Civil que: “A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.” – sublinhado nosso
Por sua vez, consagra-se no n.º 1 do artigo 820.º do mesmo Código que: “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.” – sublinhado nosso
Ora bem, tem sido entendido na doutrina e na jurisprudência que a alienação a terceiros do bem prometido implica o incumprimento definitivo por causa imputável ao promitente-vendedor.
Por exemplo, decidiu o Acórdão do TUI, no Processo n.º 5/2017: “…não se provando que o promitente-vendedor tenha reservado para si um direito que o habilite a recuperar as coisas alienadas, bem decidiu o acórdão recorrido que o incumprimento definitivo dos contratos-promessa ocorreu aquando da venda das fracções a terceiros…”
No caso dos autos, pese embora essa alienação a terceiros, tal não opera como um impedimento à execução específica.
Em boa verdade, consta do registo predial constante dos autos que a falecida 1ª Ré e o 4º Réu venderam 2/3 da fracção a terceiros.
Não obstante, essa venda foi registada depois do registo da presente acção, isso significa que o promitente-comprador ora Autor goza da prioridade do registo, nos termos consentidos no artigo 6.º do Código do Registo Predial.
Sendo assim, não vemos razão para obstar a que o promitente-comprador recorra à execução específica, improcede o recurso dos Réus recorrentes nesta parte.
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Finalmente, o 2º Réu C vem agora dizer que pretende exercer o direito de preferência na aquisição dos 2/3 do imóvel em causa, nos termos do n.º 1 do artigo 1308.º do Código Civil.
A nosso ver, sendo o objecto do recurso delimitado pela própria decisão recorrida de primeira instância que julgou parcialmente procedente o pedido de execução específica formulado pelo Autor, não vemos razão para conhecer da questão do exercício do direito de preferência só agora suscitada pelo 2º Réu recorrente.
Sem necessidade de mais delongas, considerando que essa questão não foi suscitada em primeira instância, nem em acção própria, mas só agora em sede de recurso, não podemos apreciá-la nesta fase processual.
Por tudo o que se disse, há-de negar provimento ao recurso interposto pelos 1º, 2º, 4º e 5º Réus.
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Pede o Autor que se condene os Réus recorrentes como litigantes de má fé.
Em nossa opinião, não obstante ter julgado improcedente este último fundamento do recurso, não implica necessariamente que o Autor violou o dever de probidade previsto no artigo 385.º do CPC por formular pedido inviável quer em termos substantivos quer em termos processuais. Quando muito, isso apenas demonstra que os Réus recorrentes não dominam as regras processuais, mas não se vislumbra que os mesmos teriam agido com dolo ou negligência grave.
Pelo que, julgamos improcedente o incidente de litigância de má fé suscitado pelo Autor.
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Apreciamos agora o recurso do Autor.
No caso dos autos, o Tribunal recorrido julgou parcialmente procedente a acção tendo declarado a execução específica do contrato-promessa referente a 2/3, e não a totalidade do prédio identificado nos autos, por entender que o restante 1/3 pertence aos 2º e 3ª Reús, e não se logrou demonstrar que esta 3ª Ré, esposa do 2º Réu, prestou previamente o seu consentimento à celebração do contrato-promessa.
Entretanto, o Autor recorrente vem ripostar que o imóvel em causa não é um bem comum dos 2º e 3ª Réus, sendo assim a sua alienação não carece do consentimento desta última Ré.
Vejamos.
Ora bem, está provado nos presentes autos que os 2º e 3ª Réus casaram-se em XX de XX de 19XX sem convenção antenupcial, pelo que o regime de bens supletivo do casal é o da comunhão de adquiridos.
Uma vez que os 1ª, 2º e 4º Réus foram declarados proprietários do imóvel por usucapião, a questão que se coloca é saber quando é que a posse com base na qual o 2º Réu adquiriu o imóvel teve início, isto é, se foi antes ou depois do casamento do 2º Réu e da 3ª Ré, para os efeitos previstos nos artigos nos artigos 1722.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea b) do Código Civil de 1966.
Prevê o artigo 1722.º, n.º 1, alínea c) do CC de 1966 que “são considerados próprios dos cônjuges os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior”.
Por sua vez, preceitua a alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo que “consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum, os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento”. – sublinhado nosso
Entende a sentença recorrida que os dados constantes dos autos não permitem demonstrar com certeza se a posse em questão teve antes ou depois do casamento dos 2º e 3ª Réus, uma vez que na primeira acção judicial (CV2-09-0096-CAO) intentada pela falecida 1ª Ré e pelos 2º e 4º Réus, os mesmos alegaram que possuíam o imóvel desde os anos quarenta, mas conforme a certidão da sentença proferida nessa mesma acção, foi dado como provado que, pelo menos, desde 1978, a falecida 1ª Ré, 2º e 4º Réus começaram a residir no imóvel. Por outro lado, de acordo com um outro documento junto nos autos, verifica-se que na segunda acção judicial (CV2-11-0080-CAO) intentada pelos mesmos indivíduos, foi dado como provado que, pelo menos, desde 1983, os mesmos começaram a residir no imóvel.
Embora as respostas, quanto à data do início da posse, sejam tão divergentes, somos a entender que deve prevalecer a data em que principiou a posse demonstrada nos autos através dos quais foi declarada a aquisição da quota-parte do imóvel pelo Réu marido por usucapião, isto é, em 1983.
Tendo o casal celebrado o matrimónio em 1980 e a posse com base na qual o 2º Réu (marido) adquiriu a quota-parte (um terço) do imóvel se iniciado em 1983, não se vislumbra ser aquela bem próprio do marido.
Na verdade, uma vez provado que o 2º Réu e 3ª Ré casaram-se em 1980 sendo o regime de bens supletivo o regime da comunhão de adquiridos, então cabe ao Autor recorrente provar que o bem imóvel não pertence à 3ª Ré.
Não logrando a prova desse facto, a conclusão é que cada cônjuge é titular em comunhão com o outro cônjuge dos bens adquiridos por qualquer dos cônjuges na constância desse regime, ao abrigo do disposto no artigo 1603.º CC.
Sendo o imóvel (um terço) um bem comum, e não logrando o Autor demonstrar que a esposa do 2º Réu, ora 3ª Ré, tenha consentido na celebração do contrato-promessa em questão, este não vincula a sua esposa, ora 3ª Ré.
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Invoca ainda o Autor recorrente o disposto no n.º 2 do artigo 1554.º do Código Civil, alegando que já decorreu o prazo para arguição de anulabilidade, por falta de consentimento de um dos cônjuges.
Simplesmente, somos a entender que o artigo não se aplica ao vertente caso, uma vez que não está em causa a anulação do contrato-promessa, mas sim a execução específica deste.
Em boa verdade, o contrato-promessa celebrado apenas pelo marido, ora 3º Réu, não é inválido, antes pelo contrário, é válido mas apenas vincula ele próprio.
E não se pode dizer que decorrido o prazo máximo previsto no n.º 2 do artigo 1554.º, a esposa, ora 3ª Ré, passará a vincular-se àquele contrato-promessa.
A nosso ver, são duas questões diferentes, uma é validade e outra é a eficácia do contrato-promessa.
No caso vertente, tendo o contrato-promessa celebrado apenas pelo marido, a sentença que vier a julgar procedente o pedido de execução específica só produz efeitos em relação à parte faltosa (Réu marido), mas como o bem prometido à venda é um bem comum do casal, a falta de intervenção da esposa no contrato-promessa obsta à procedência do pedido de execução específica.
No mesmo sentido, decidiu-se no Acórdão deste TSI, no âmbito do Processo n.º 198/2012, o seguinte:
“Aqui estamos numa fase prévia. O negócio celebrado, o contrato-promessa, foi válido como se viu; agora, o que se pretende é obter sentença que substitua o negócio que opere a transmissão. Esse negócio ainda não foi celebrado ou suprido, donde não se poder falar de vício invalidante do negócio, qual anulabilidade.
Estamos é perante a análise dos pressupostos que o juiz deve indagar, referentes aos pressupostos do direito potestativo à execução específica, mais concretamente aos da legitimidade substantiva passiva e foi isso mesmo que o Mmo Juiz fez na sentença que proferiu.”
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso interposto pelo Autor recorrente.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento aos recursos interpostos, respectivamente, pelo Autor A e pelos Reús B (representada pelos herdeiros C e D), C, D e E, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelas duas partes nos respectivos recursos.
Custas do incidente de litigância de má fé a cargo do Autor recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, 4 de Julho de 2019

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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong




Recurso Cível 43/2018 Página 34