Proc. nº 123/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 04 de Julho de 2019
Descritores:
- Nulidade de sentença
- Falta de fundamentação
- Não indicação dos preceitos legais
- Junção de documentos
- Art. 63º do CPAC
- Art. 65º do CPAC
- Inscrição e registo na B
- Lei nº 1/2015
SUMÁRIO:
I - Nas sentenças e despachos a omissão dos preceitos legais não conduz inevitavelmente à sua nulidade, por falta de fundamentação nos termos do art. 571º, nº1, al. b), do CPC, desde que na fundamentação das respectivas decisões estejam contidos os princípios e regras gerais aplicáveis à situação.
II - O art. 65º, nº3, do CPAC deposita no magistrado judicial o dever de não permitir a produção de prova a factos inúteis, impertinentes e, portanto, irrelevantes ao conhecimento do objecto da impugnação contenciosa relativamente aos vícios imputados ao acto e, também, de promover o andamento célere e eficiente do processo e impedir que ele se atrase por motivos fúteis ou dilatórios, no respeito por princípios de direito processual plasmados, entre outros lugares, nos arts. 6º, nºs 1 e 3, 8º, nº1, 87º e 88º do CPC.
III - O referido preceito implica que o tribunal tem que fazer esse exame prévio e só então fará a limitação da produção de prova de acordo com a conclusão a que chegar. Todavia, não tem que expressar o seu pensamento, isto é, não tem que o verter em letra de decisão/despacho. Só o fará expressamente se entender que há motivo para a limitação.
IV - Uma vez que as alegações (facultativas) a que se refere o art. 63º do CPAC decorrem já na fase da discussão do recurso contencioso, é de entender que nenhum documento não pode ser junto pelo recorrente após o encerramento dessa fase, tal como decorre do art. 450º, nº1, do CPC.
V - A excepção ao exposto no ponto IV deriva do art. 451º, nº1, do CPC - que permite a admissão dos documentos após o encerramento da discussão – apenas é admitida em caso de recurso e, mesmo assim, perante uma situação que revele não ter sido possível ao interessado juntá-los até àquele momento.
VI - O regime transitório previsto no art. 66º da Lei nº 1/2015 introduziu a dispensa dos requisitos previstos nas alíneas 2) e 3) do n.º 1 do artigo 12.º aos técnicos que “se encontrem inscritos na DSSOPT ou já exerçam funções na RAEM nos domínios da construção urbana ou do urbanismo”, mas apenas desde que cumpram a condição, “sine qua non”, de serem “titulares de graus académicos referidos na alínea 1) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 2.º”
Proc. nº 123/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º 50XXXXX(6), -----
Recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo (Proc. nº 1800/17-ADM) ----
Da deliberação n.º 0021/RP/2016, de 07/12/2016, do B ---
Que lhe indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto da deliberação da Comissão do Registo da B, que lhe tinha recusado a inscrição como técnico habilitado para a elaboração de projectos de engenharia.
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Por despacho de 4/12/2017, o juiz titular do processo não admitiu a inquirição de testemunhas designadas pelo recorrente, por a matéria a que deporiam apenas poder ser provada por documento (fls. 505).
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Inconformado com este despacho, o recorrente contencioso apresentou recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“a) Nos termos do artigo 1.º do CPAC, a lei de processo civil é subsidiariamente aplicável no processo do contencioso administrativo com as necessárias adaptações.
b) Ao abrigo do disposto no artigo 571.º/1, b), aplicável aos despachos por força do artigo 569.º/3, ambos do CPC, por falta dos fundamentos de direito na decisão proferida, causa-se a nulidade da decisão.
c) No caso “sub judice”, ainda, o Tribunal a quo não emitiu qualquer juízo quanto à suficiência da prova requerida a fls. 206, pelo que a decisão recorrida não foi proferida ao abrigo do artigo 6.º/1 do CPC por não respeitar à recusa de diligências impertinentes ou dilatórias.
d) Também não foi proferida ao abrigo do artigo 65.º/3 do CPAC por não respeitar à relevância dos factos nem à idoneidade dos meios de prova requeridos pelas partes para o efeito, pelo que nada obsta que os factos articulados nos artigos 88.º, 133.º, 134.º, 135.º da petição de recurso seja provados pelas testemunhas.
e) Neste sentido, VIRIATO LIMA e ÁLVARO DANTAS, quando em anotação a esta norma referem que tal limitação judicial da prova apenas deve ter lugar «quando o juiz ou o relator concluam que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.» - [“Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado”, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, Macau, 2015, p. 221]
f) Tampouco foi ou poderia ter sido proferida ao abrigo do artigo 63.º/1 do CPAC.
g) Desde logo, porque nela não ficou consignado se e/ou porque se afigurava ao Juiz poder conhecer do pedido segundo as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas pelas partes, sem necessidade de acrescida produção de prova.
h) Depois, porque como, na esteira do Acórdão do TUI, de 27-11-2002, Processo n.º 12/2002, se escreveu no Parecer citado no Acórdão do TSI, 2 de Junho de 2004, Processo n. º 17/2003:
i) «... se o Tribunal considera provados factos controvertidos, não cobertos por prova legal plena, sem permitir que as partes produzam a prova a que se propõem, viola o princípio do contraditório, o princípio da igualdade e o princípio que se extrai das disposições conjugadas dos art.ºs 63.º n.º 1 e 65.º n.º 3 do CPAC.»
j) Devia, pois, ter sido ordenada a produção da prova requerida pelo recorrente, isto é, ambos a produção de prova documental e testemunhal no caso, uma vez que nem todos os factos foram provados por meio de prova com força plena, existindo ainda factos relevantes controvertidos, que podem ser comprovados pela prova constituenda (documental/testemunhal) que para o efeito foi oportunamente requerida.
k) Assim não entendeu o Tribunal a quo, pelo que decisão recorrida, violou o disposto no artigo 6.º, n.º 1 e 3 do CPC, 386.º do Código Civil, bem como o disposto nos artigos 63.º/1 e 65.º/1 e 3 do CPAC e, em consequência, “o direito à prova relevante” (a que se refere RUI RANGEL in ob. supra cit.) resultante do direito à tutela judicial efectiva e do princípio da proibição da indefesa que dele emana.
TERMOS EM QUE, a decisão impugnada deverá ser revogada e substituída por outra que cumpra os preceitos legais violados, assim fazendo V. Exas. a habitual JUSTIÇA!”.
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Em resposta a este recurso, a entidade recorrida formulou as seguintes conclusões alegatórias:
“A - O despacho recorrido de fls. 505 dos autos não merece qualquer reparo, encontrando-se claramente justificado e suficientemente fundamentado perante a factualidade em causa e ao “thema decidendum” que ao Tribunal a quo cumpre decidir.
B - O despacho recorrido não padece de nulidade por falta de fundamentação, encontrando-se fundamentado, ainda que em termos sintéticos, mas em todo o caso suficientes tendo em conta que se trata de um simples despacho.
C - Por outro lado, contrariamente ao que afirma o Recorrente, o despacho recorrido foi claramente proferido ao abrigo e em cumprimento do disposto no art. 65.º, n.º 3 do CPAC.
D - Em causa nos presentes autos está saber se o Recorrente tem habilitações académicas adequadas para ser acreditado e registado como engenheiro na especialidade de engenharia electromecânica junto da Entidade Recorrida.
E - Ainda que o Recorrente lograsse fazer prova dos factos 88.º e 133.º a 135.º da sua petição de recurso, a eventual resposta positiva a tais factos não tem qualquer relevância quanto à questão que importa decidir nos presentes autos.
F - Quanto a tal questão - saber se as habilitações académicas do Recorrente são adequadas para a acreditação e registo no âmbito da Engenharia Electromecânica - como bem decidiu o Tribunal a quo, só pode a mesma ser devidamente atestada e provada com recurso a prova documental.
G - Acresce ainda que, bem vistas as coisas, no recurso contencioso interposto pelo Recorrente, as questões a decidir pelo Tribunal a quo são essencialmente questões de direito que o Tribunal poderá adequadamente decidir, sem que esteja em causa qualquer questão de facto de que resulte a necessidade de prova.
H - Pelas razões expostas, no entender da Entidade Recorrida, correcta foi a decisão do Tribunal a quo expressa no despacho de fls. 505 dos autos, não se verificando qualquer violação do disposto nos arts. 63.º e 65.º, n.º 3 do CPAC, nem do disposto nos arts. 108.º e 571.º, n.º 1, b) e 569.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Nestes termos e demais de direito, requer-se a Vossas Excelências que seja negado provimento ao recurso ora interposto, mantendo-se, em consequência, o despacho de fls. 505 dos autos.”
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Por despacho de 5/09/2018, o juiz titular do processo não admitiu a junção dos documentos requerida pelo recorrente contencioso, essencialmente com fundamento na circunstância de terem sido apresentados após o termo do prazo para as alegações facultativas (fls. 556).
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Contra este despacho foi interposto recurso jurisdicional, em cujas alegações o recorrente contencioso formulou as seguintes conclusões:
“A. Pelo despacho de fls. 556, o Tribunal a quo não admitiu a junção dos documentos comprovativos de que o Recorrente é membro do Institution of Mechanical Engineers e do Engineering Council, por terem sido apresentados após o termo do prazo das alegações facultativas, e por incumprirem o disposto do art.º 43.º, n.º 1, alínea b) e n.º 6 do CPAC.
B. Melhor dito, o Tribunal a quo se fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei.
C. No caso sub judice, aos documentos comprovativos que não existiam à data da instauração o recurso contencioso, não se aplica o regime do art.º 43.º, n.º 1 e n.º 6 do CPAC.
D. A petição de recurso foi apresentada ao Tribunal em 23/01/2017 enquanto os documentos em causa foram emitidos em 02/11/2017 e 14/11/2017.
E. Não sendo exigível ao ora Recorrente que solicitasse um prazo razoável para a sua junção.
F. Nos termos do art.º 1 do CPAC, a lei de processo civil é subsidiariamente aplicável ao processo do contencioso administrativo com as necessárias adaptações.
G. Desde logo, segundo o art.º 450.º, n.º 2 do CPC, «Se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em primeira instância, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado».
H. A lei não proíbe que os documentos sejam apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, a junção posterior dos documentos só pode ser retirada no caso de os documentos ser impertinentes ou desnecessários, em contrário, serão sempre de admitir.
I. Os documentos em causa são para demostração do alegado no art.º 137.º da Petição de recurso de que «não ficou assim demonstrado no processo instrutor que as habilitações académicas do Recorrente foram obtidas em instituição que não reunisse as condições de organização nem apresentasse os padrões de qualidade de desempenho exigidos para o efeito.»
J. O Recorrente apresentou os documentos em causa em data posterior à da petição de recurso, não por negligência, mas por os mesmos só terem sido emitidos em 02/11/2017 e 14/11/2017.
K. Devia, pois, o Tribunal a quo ter admitido a junção dos documentos, sem aplicação de qualquer multa devido à data sua emissão ser muito posterior à data da petição, tendo em vista a boa decisão da causa.
L. Assim, não entendeu o Tribunal a quo, pelo que a decisão recorrida, violou o disposto nos art.º 450.º, n.º 2 do CPC e, em consequência, os documentos em causa devem ficar no processo, por necessários à boa decisão da causa, dado o tribunal dever ter em consideração todas as provas realizadas no processo por força do art.º 436.º, n.º 1 do CPC.
TERMOS EM QUE, a decisão impugnada deverá ser revogada e substituída por outra que cumpra os preceitos legais violados, assim fazendo V. Exas. a habitual.
Ex.as decidirão, porém, conforme for de Direito e Justiça!”
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A parte contrária respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“A - O despacho recorrido de fls. 556 dos autos, que não admitiu a junção tardia de documentos pelo Recorrente, não merece qualquer reparo, tendo o Tribunal a quo aplicado correctamente as regras processuais relativas à alteração de prova ou junção superveniente de prova documental, atentas as especificidades e finalidades do processo administrativo contencioso.
B - O Tribunal a quo não aceitou a junção dos documentos aos autos, com um duplo fundamento: o facto de já ter passado o prazo para as alegações facultativas e também pelo facto de o Recorrente não ter dado cumprimento ao disposto no art. 43.º, n.º 1, alínea d) e n.º 6 do CPAC, facto que o próprio Recorrente admite.
C - Tal entendimento do Tribunal a quo está correcto, pois, atenta a estrutura e dinâmica do processo administrativo, a fase das alegações facultativas marca o fim da produção de prova, sendo que, nessa sede o Recorrente ainda tem a faculdade de legar novos fundamentos do seu pedido, desde que o seu conhecimento seja superveniente (cfr. art. 68.º, n.º 3 do C.P.A.C.)
D - No caso, o Recorrente nada fez, sendo que, devidamente notificado para o efeito, optou por não apresentar alegações facultativas, sabendo que, à data em que o poderia fazer, já tinha em seu poder os documentos cuja junção pretende aos autos.
E - De notar ainda que, quer o Recorrente, quer a Entidade Recorrida foram notificados para, querendo, alterarem o seu requerimento de prova, nos termos do art. 64.º do CPAC (cfr. fl. 482 dos autos) sendo que, nesta sede, o Recorrente igualmente nada fez.
F - Em causa nos presentes autos está a sindicância da decisão da Entidade Recorrida de 07.12.2016, no sentido da recusa do pedido de registo na especialidade de engenharia electromecânica por falta de habilitações académicas do Recorrente adequadas ao exercício da profissão.
G - Ora, ao juntar documentos supervenientes o Recorrente está a socorrer-se de elementos que, naturalmente, a Entidade Recorrida não pôde - nem poderia -, tomar em consideração na sua decisão, tendo presente que o Recorrente requereu a sua inscrição ao abrigo do regime transitório relativo ao registo, nos termos previstos pelos arts. 66.º, n.º 1 e 74.º da Lei n.º 1/2015.
H - Até ao dia 7 de Dezembro de 2016, data em que foi proferida a decisão da Entidade Recorrida que rejeitou o recurso necessário interposto pelo Recorrente, os documentos que o Recorrente pretende juntar aos autos (certificados) não existiam, razão pela qual não foram juntos aos presentes autos administrativos.
I - Não obstante, pela informação que se retira dos certificados cuja junção pretende, o Recorrente ter-se-a inscrito como membro do Instituto dos Engenheiros Mecânicos (não se sabe de que País) no dia 02 de Novembro de 2017 e que se encontra registado como engenheiro autorizado no “ENGINEERING COUNCIL” (não se sabe de que País) no 14 de Novembro de 2017, conforme certificado emitido no dia 5 de Janeiro de 2018.
J - Ora, considerando os 2 anos previstos para a inscrição ao abrigo do regime transitório nos termos dos arts. 66.º e 74.º da Lei 1/2015, o prazo para inscrição ao abrigo do referido regime caducou em 30 de Junho de 2017, pelo que nunca poderiam ser considerados pela Entidade Recorrida documentos com data posterior a 30 de Junho de 2017.
K - Pelas razões expostas, correcta foi a decisão do Tribunal a quo, não devendo os documentos ser admitidos aos autos, quer pelas razões mencionadas na decisão recorrida, quer porque tal junção sempre seria extemporânea pela inscrição ao abrigo do regime transitório, nos termos dos arts. 66.º e 74.º da Lei 1/2015.
Nestes termos e demais de direito, requer-se a Vossas Excelências que seja negado provimento ao recurso ora interposto, mantendo-se, em consequência, o despacho de fIs. 556 dos autos.”.
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Na oportunidade foi proferida sentença, a qual julgou improcedente o recurso contencioso.
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Contra esta sentença foi interposto recurso jurisdicional, em cujas alegações o recorrente contencioso formulou as seguintes conclusões:
“A. A sentença do tribunal a quo é nula por incorrer obviamente no vício previsto pelo art.º 571.º, n.º 1, al. d) do CPC.
B. Nos pontos 22 a 23 e 128 a 131 da petição do recurso contencioso, o recorrente alegou que para obter acreditação e registo no B, (doravante designada por “B”), não só apresentou o certificado emitido pela C (adiante designada por C), mas também apresentou, em 18 de Julho de 2016, os seguintes certificados das suas habilitações académicas, incluindo o certificado de doutoramento de Philosophy in Engineering Management emitido pela D, PHILIPPINES; Higher Certificate in Building Studies, E; diploma in Civil Engineering Studies, F, Hong Kong; e licenciatura honorífica em Tecnologia de Materiais atribuída pela G.
C. Ao tomar a decisão, nomeadamente a deliberação n.º 1414/CR/2016, o B não teve em consideração as supracitadas habilitações académicas de mestrado e de doutoramento para além das emitidas pela C, atendendo apenas aos diplomas de licenciatura e de mestrado em C.
D. Por isso, a omissão dos supracitados diplomas por parte do B constituiu, obviamente, erro no pressuposto de facto, e violou o princípio do inquisitório, pelo que deve ser anulado o acto recorrido.
E. Na petição do recurso contencioso, em relação ao aludido vício, o recorrente pediu ao tribunal a quo para anular a deliberação do B. Porém, o tribunal a quo não conheceu do referido vício, e a sentença recorrida é nula por incorrer obviamente no vício previsto pelo art.º 571.º, n.º 1, al. d) do CPC.
F. O tribunal a quo entendeu que o B não violou os direitos adquiridos do recorrente quando não reconheceu as habilitações académicas deste. Nos termos do art.º 67.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 1/2015, os profissionais, os empresários comerciais, pessoas singulares, e as sociedades comerciais, com inscrição válida à data da entrada em vigor desta lei, são permitidos a continuar a exercer funções até ao termo da validade da inscrição.
G. In casu, em 2015, o recorrente requereu à DSSOPT a inscrição como técnico da elaboração do projecto, apresentando, ao mesmo tempo, os diplomas de licenciatura e de mestrado em engenharia electromecânica emitidos pela C Australia ao então órgão de apreciação – DSSOPT.
H. Na altura, a DSSOPT teve a seguinte proposta: O requerente apresentou em Janeiro de 2015 todos os documentos previstos no art.º 9.º, n.º 1 e n.º 11 (sic.) do Decreto-Lei n.º 79/85/M, requerendo a inscrição na modalidade de elaboração de projectos. Segundo o parecer de Engo Lourenco, o requerente é titular de licenciatura e mestrado em Engineering-Electrical, pelo que propõe-se o deferimento do seu requerimento. (fls. 316 dos autos).
I. De acordo com o art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M vigente na altura, antes de qualificar os técnicos que pretendam elaborar projectos e dirigir obras, a DSSOPT procederá à apreciação da qualificação da sua habilitação profissional.
J. Na altura, os diplomas de licenciatura e de mestrado em engenharia electromecânica do recorrente, emitidos pela C, já foram considerados adequados à inscrição como técnico.
K. Nos termos do art.º 1.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2003 (Verificação de habilitações académicas), a verificação de habilitações académicas abrange a idoneidade e autenticidade de habilitações académicas.
L. Após a apreciação da DSSOPT, pelo menos, na altura, foram classificadas as supracitadas habilitações de licenciatura e de mestrado como habilitações profissionais reconhecidas.
M. E de acordo com o art.º 3.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 26/2003 (Verificação de habilitações académicas), em conjugação com o art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M vigente na altura, a DSSOPT foi o órgão legal competente para a verificação das habilitações académicas de licenciatura e de mestrado em Engineering-Electrical do recorrente em 2015.
N. Por isso, as habilitações de licenciatura e de mestrado do recorrente já foram verificadas pelo órgão legalmente competente conforme as leis vigentes na altura, e reconhecidas como habilitações profissionais, constituindo direitos adquiridos.
O. Por isso, o tribunal a quo violou a lei ao dizer que o acto administrativo recorrido não violou os direitos adquiridos do recorrente.
P. O tribunal a quo violou o art.º 86.º do CPA ao entender que o acto administrativo praticado pelo B não incorreu na falta da fase de instrução.
Q. Em relação ao défice instrutório assacado pelo recorrente no recurso contencioso, o tribunal a quo alegou as seguintes três opiniões diferentes do recorrente
R. O acto administrativo recorrido é de conteúdo negativo, pelo que impende sobre o recorrente o ónus de provar junto ao B que o seu pedido de inscrição preenche os requisitos legais.
S. No entendimento do tribunal a quo, são suficientes as diligências instrutórias feitas pelo B, incluindo exigir ao recorrente a apresentação de documentos para provar a credibilidade e idoneidade das suas habilitações académicas.
T. Além disso, o tribunal a quo entendeu que não é necessário emitir ofício às respectivas instituições educativas, porque o B é competente para a verificação das habilitações académicas.
U. Por fim, o tribunal a quo considerou o B competente para o reconhecimento das habilitações académicas do recorrente, incluindo a idoneidade das habilitações académicas, bem como a idoneidade e autenticidade dos documentos das habilitações, com fundamento na Lei n.º 1/2015 e no art.º 1.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2003.
V. Em primeiro lugar, de acordo com o art.º 86.º, n.º 1 do CPA, tem o B dever de instrução, podendo, para o efeito de averiguação dos factos, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.
W. O princípio do inquisitório significa por um lado, que a Administração goza de uma ampla margem de iniciativa do domínio da direcção da instrução, independentemente da natureza pública ou particular do procedimento e, por outro, que não está sujeita à matéria dos requerimentos iniciais ou das respostas (causa de pedir), nem fica condicionada à apreciação do pedido tal como é formulado, (pedido).
X. Uma concretização do princípio inquisitório ou da oficialidade é o dever de averiguação (artigo 86.º). Isto representa para si uma carga, um ónus, a que não pode eximir-se. É uma tarefa que se lhe impõe em ordem ao conhecimento real e profundo da matéria. Nesta medida, pode dizer-se que o órgão está vinculado à acção investigatória.
Y. A referida norma é concretização do princípio do inquisitório, impondo sobre o órgão administrativo um dever de averiguação, a que não pode subtrair-se, a fim de evitar questões burocráticas em actos administrativos.
Z. O ónus da prova alegado pelo tribunal a quo só exige que o recorrente ofereça provas que pode obter ao seu alcance objectivo, e não cabe integralmente ao recorrente apresentar todas as provas, senão, são infringidos os princípios da justiça e de boa-fé prosseguidos pelo procedimento administrativo.
AA. O B e o tribunal a quo interpretaram, erradamente, o ónus da prova teórico de forma completa e absoluta, ignorando a responsabilidade do órgão administrativo no procedimento de apreciação e aprovação.
BB. Por outro lado, o tribunal a quo, sem apoio fáctico, reconheceu que o B já efectuou averiguações suficientes.
CC. Importa mencionar que não obstante o grande volume do trabalho das diligências efectuadas pelo B (incluindo a consulta do «International Handbook of Universities 2015» publicado pela UNESCO, e do site oficial de Education Bureau de Hong Kong), os meios de prova adoptados são apenas auxiliares e não decisivos, e não se pode dizer que “são suficientes”.
DD. A maioria dos membros do B são profissionais no sector de engenharia, e é impossível para eles conhecer cada detalhe do nível de cada escola em todos os países, ou do reconhecimento das respectivas habilitações académicas. Por isso, ao verificar a habilitação académica do requerente, é necessário respeitar os diferentes sistemas educativos em lugares diferentes, e saber, por meios mais directos, se a habilitação académica do requerente é reconhecida ou não pelo governo local, não se podendo substituir o critério de reconhecimento real no local por seu próprio critério imaginado.
EE. A omissão do B na matéria de consulta directa não só violou o dever de instrução previsto pelo art.º 86.º, n.º 1 do CPA, mas também privou, de algum modo, o requerente da oportunidade de invocar o direito por este meio.
FF. Mesmo que o B considere inconveniente e ineficiente a consulta da autoridade estrangeira por meio de ofício, deve, pelo menos, solicitar parecer ao Gabinete de Apoio ao Ensino Superior conforme o art.º 5.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2003.
GG. Embora não seja obrigatório o aludido parecer, o B, face aos cursos criados em diferentes sistemas educativos estrangeiros e às respectivas habilitações académicas, deve solicitar parecer à DSEJ e ao GAES, que são mais profissionais, não podendo fazer conjecturas com base nas informações limitadas na Internet.
HH. Independentemente da competência do B para a verificação, não significa que a sua faculdade cognitiva é necessariamente suficiente para fazer um juízo correcto de habilitação académica de cada requerente.
II. In casu, o B não tomou qualquer uma das supracitadas duas medidas viáveis. Deste modo, não se verifica a “suficiência da instrução” reconhecida na sentença a quo, porque o B fez apenas uma série de diligências inúteis.
JJ. Ao mesmo tempo, improcede manifestamente a conclusão de “não é necessário enviar ofício às respectivas instituições educativas, por ser o B competente para proceder à verificação das habilitações académicas” na sentença a quo.
KK. O aludido entendimento confundiu, obviamente, a relação entre a “credibilidade dos meios de instrução” e a “competência do B”. A competência legal só pode atribuir ao acto de verificação a legitimidade do sujeito, mas não ao B a razoabilidade na capacidade e forma de verificação, devendo o B fazer o juízo através de meios de instrução concretos.
LL. Como é referido pelo TSI no seu acórdão proferido no processo n.º 193/2000: “ou seja, as omissões, inexactidões ou insuficiências na instrução estão na origem de um déficit de instrução, que redunda em erro invalidante da decisão, derivado não só da omissão ou preterição das diligências legais, mas também de não se tomar na devida conta, na instrução, interesses que tenham sido introduzidos pelo interessado, ou factos que fossem necessários para a decisão do procedimento (Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, «Código do Procedimento Administrativo, Comentado», vol. 1, pág 489 e 490).”
MM. Pelo exposto, o tribunal a quo violou os art.ºs 59.º e 86.º do CPA ao entender que o B já tinha cumprido o dever de instrução.
NN. No entendimento do tribunal a quo, o acto administrativo em causa não incorreu no erro no pressuposto de facto, porque não se verificaram nos autos documentos suficientes para demonstrar que as habilitações de licenciatura e de mestrado obtidas pelo recorrente na C são reconhecidas no local. E cabe ao recorrente o ónus de provar que as suas habilitações académicas preenchem os requisitos da Lei n.º 1/2015.
OO. O tribunal a quo ainda invocou o art.º 2.º, n.º 2 da Lei n.º 1/2015, indicando que: Não sendo as habilitações académicas obtidas nas instituições de ensino superior da RAEM, deve o recorrente apresentar os documentos comprovativos de que tais instituições são oficialmente reconhecida pelas entidades locais.
PP. Entendeu o tribunal a quo, em resumo, que: “sempre que a respectiva instituição de ensino não seja reconhecida no local, os seus graus académicos não podem ser reconhecidos pela Lei n.º 1/2015”.
QQ. Mas não é assim. Nos termos do art.º 1.º do Regulamento Administrativo (Verificação de habilitações académicas), a verificação de habilitações académicas consiste na confirmação de que as habilitações invocadas são as adequadas ao exercício de determinada função pública ou actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública ou para o prosseguimento de estudos e na aferição da idoneidade e autenticidade dos documentos comprovativos das habilitações académicas invocadas.
RR. Por isso, a competência do B para a verificação da legalidade de habilitações académicas deve cingir-se à “idoneidade e autenticidade dos documentos apresentados pelo recorrente”, não sendo objecto da verificação o reconhecimento ou não da respectiva instituição de ensino no local.
SS. No entendimento do tribunal a quo, os cursos das instituições educativas reconhecidos são necessariamente os criados pelas instituições reconhecidas pelo governo local, e têm que ser capazes de ser encontrados na base de dados no site dos órgãos administrativos locais.
TT. Ou seja, entendeu o tribunal a quo que: “em todos os países e regiões do mundo, todos os cursos de todas as instituições de ensino superior só são criados depois de serem reconhecidos e autorizados pelo governo local. Mesmo que não haja procedimento de apreciação, os cursos são, pelo menos, registados pelo governo local”.
UU. O tribunal a quo e o B ainda entenderam que: “todos os países têm, necessariamente, sistema perfeito de registo e publicação, pelo que qualquer pessoa pode consultar, através da base de dados na internet, as informações dos cursos”.
VV. O supracitado entendimento é, na verdade, a realidade em certos países e regiões, mas é impossível que seja o único modelo do sistema de ensino superior em todo o mundo. O B e o tribunal a quo ignoraram completamente a diversidade dos sistemas entre países diferentes.
WW. A independência de instituições de ensino superior tem estados diferentes em países diferentes. Até ao presente, os governos dum grande número de países ainda mantêm suficiente respeito pela liberdade académica de instituições de ensino superior, e não exigem verificação ou registo obrigacionais de qualquer forma da criação dos cursos universitários.
XX. Assim, o B, ao verificar as habilitações académicas do recorrente, incorreu no erro de julgamento dos pressupostos de facto, usou erradamente a experiência de Macau como critério de julgamento de habilitações académicas estrangeiras, e considerou-a como regra inquestionável. Sob orientação de tal pensamento errado, o B praticou o acto administrativo recorrido, entendendo que o recorrente não possui habilitações académicas adequadas ao exercício da respectiva profissão.
YY. Porém, improcede a referida lógica, a menos que seja preenchido um importante pressuposto de facto. Isto é, existe uma norma jurídica na Austrália ou em Hong Kong, que exija expressamente que todos os cursos das instituições de ensino superior têm de ser autorizados ou registados pelos serviços competentes do ensino dos governos locais (da Austrália ou de Hong Kong), que por sua vez, obrigam-se a publicar as respectivas informações de autorização ou registo nos seus sites na Internet.
ZZ. Além disso, o B e o tribunal a quo não só entenderam mal a liberdade académica e a relação entre instituições educativas e governos locais, mas também interpretaram erradamente o documento constante das fls. 201 do PA, que é uma importante prova documental com base na qual o tribunal a quo e o B indeferiram o pedido do recorrente.
AAA. O document constante das fls. 201 do PA é uma carta enviada pelo serviço de educação da Austrália, e tem o seguinte conteúdo: “It is pleasing to note that the Institute will take steps to ensure that students will be made aware that the degree courses is not accredited locally”.
BBB. No entendimento do B, o serviço competente do ensino da Austrália já indicou expressamente na carta que “o respectivo curso não é reconhecido pelo governo local da Austrália Ocidental”.
CCC. No início da carta, discute-se principalmente o conceito de “alunos estrangeiros” na Austrália, que é “alunos no local que possuem vistos de estudante”. Ademais, no fim da carta, salienta-se que actualmente, não há procedimento oficial de reconhecimento e identificação de cursos fornecidos por instituições privadas.
DDD. A carta em causa esclarece que o âmbito do serviço de reconhecimento prestado pelos serviços de educação limita-se aos alunos estrangeiros que possuem vistos de estudante, mas não inclui os alunos dos cursos à distância, que não possuem vistos de estudante e encontram-se fora da Austrália, porque actualmente, não há qualquer procedimento oficial de reconhecimento e identificação dos respectivos cursos.
EEE. Daí que, a carta em causa não indicou que os serviços de educação da Austrália não reconheceram o grau académico obtido em curso à distância, só que segundo o existente procedimento de reconhecimento, o âmbito de reconhecimento não inclui esse tipo de habilitações académicas, e a carta concentrou-se no âmbito de competência dos serviços de educação da Austrália, e não a rejeição do reconhecimento das habilitações académicas.
FFF. Por isso, é manifestamente ilegal o entendimento do tribunal a quo no sentido de a decisão do B não incorrer no erro no pressuposto de facto.
GGG. Deste modo, o acto administrativo do B de “indeferir o pedido de acreditação e registo do recorrente” com fundamento em que “C não é instituição de ensino superior reconhecida” incorreu no erro nos pressupostos de facto e de direito, violando os direitos adquiridos do recorrente.
HHH. Entendeu o tribunal a quo que: a incongruência entre a versão chinesa e a versão portuguesa do n.º 4 do art.º 12.º da Lei n.º 1/2015 não prejudica a eficácia do acto administrativo em causa.
III. Isso porque, não foi aprovada a qualificação do recorrente por este não apresentar documentos comprovativos válidos, e não conseguir provar a validade das suas habilitações académicas obtidas.
JJJ. E o tribunal a quo entendeu que: o B invocou erradamente o art.º 12.º, n.º 4 e o art.º 14.º, n.º 1, al. 2) da Lei n.º 1/2015, mas na verdade, devia o recorrente invocar o art.º 12.º, n.º 1 e o art.º 14.º, n.º 1, al. 1) da mesma Lei como seu fundamento, e tal erro não prejudica a eficácia do acto administrativo.
KKK. Porém, in casu, não está em causa a simples invocação errada de disposição legal por parte do B, mas a incompetência deste para apreciar as habilitações académicas do recorrente.
LLL. A versão portuguesa do n.º 4 do art.º 12.º da Lei n.º 1/2015 é: 4. O B pode considerar as habilitações académicas dos candidatos referidos no n.º 2 como não sendo adequadas ao exercício da profissão; e a versão chinesa é: 四、委員會可認為申請人不具備從事有關職業的適當學歷.
MMM. Assim, conforme a versão portuguesa do n.º 4 do art.º 12, o B só pode verificar se as habilitações académicas dos candidatos referidos no n.º 2 do art.º 12.º são adequadas ou não ao exercício da respectiva profissão.
NNN. Ao mesmo tempo, é expressamente limitado o âmbito dos candidatos mencionados no n.º 2 do art.º 12.º, que se cinge aos trabalhadores da Administração Pública. Isso não é o caso do recorrente, pelo que é obviamente inaplicável o n.º 4 do art.º 12.º da Lei n.º 1/2015.
OOO. Por outro lado, entendeu o tribunal a quo que a situação do recorrente integrou nos art.ºs 12.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1, al. 1), mas não é assim.
PPP. In casu, ao requerer o registo, o recorrente já apresentou os certificados das habilitações académicas de licenciatura e de mestrado. Pelo que obviamente, o recorrente não violou os art.ºs 12.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1, al. 1).
QQQ. E como é referido nos pontos 70 e 71 da presente petição, o B não é competente para julgar se as habilitações académicas apresentadas pelo recorrente são adequadas ao exercício da profissão, porque o recorrente não é trabalhador da Administração Pública. Ademais, como é referido nos pontos 7 a 19 da presente petição, o reconhecimento e a autenticidade das respectivas habilitações constituem direitos adquiridos do recorrente, pelo que o B só pode tomar a decisão sob o pressuposto de serem reconhecidas as habilitações académicas de licenciatura e de mestrado da C.
Pelo exposto, pede-se ao MM.º Juiz para julgar procedente o recurso do recorrente, anular a decisão do tribunal a quo e produzir os necessários efeitos jurídicos. Solicita-se que faça a justiça.”
*
A entidade recorrida formulou as seguintes conclusões na resposta que ofereceu a esse recurso:
“A - A sentença recorrida não padece de qualquer vício, tendo o Tribunal a quo, não só analisado todas as questões suscitadas pelo Recorrente, como também o fez de forma exaustiva e cuidada, atentos os valores e os interesses sub judice.
B - Na sua maior parte, o Recorrente não recorre da sentença, nem se debruça sobre os seus fundamentos, voltando a reproduzir os mesmos argumentos que motivaram o seu recurso contencioso e que foram correctamente dilucidados na sentença.
C - A sentença recorrida pronunciou-se sobre as habilitações académicas do Recorrente, pelo que não padece de vício de nulidade por omissão de pronúncia (veja-se, entre outros, o seguinte: “…. Nem os documentos juntos a fls. 326 e 327 têm a ver com as habilitações académicas legalmente exigidas - a licenciatura de engenharia electromecânica. (...)”
D - Tal como resulta da sentença, as habilitações académicas do Recorrente e todos os documentos a propósito juntos pelo mesmo foram analisados, quer pela Entidade Recorrida, quer pelo Tribunal a quo, sem perder de vista as habilitações académicas exigidas para a acreditação e registo na especialidade requerida pelo Recorrente - a especialidade de engenharia electromecânica.
E - É manifesto que, nem a Entidade Recorrida, nem o Tribunal a quo tinham que tirar quaisquer consequências dos certificados de Philosophy in Engineering Management, Building Studies, Civil Engineering Studies ou o Bachelor’s degree of Material Science, na medida em que, tal como resulta dos próprios certificados, se trata de cursos ou de um bacharelato (“bachelor”), e não de uma licenciatura, que nada têm a ver com engenharia electromecânica.
F - Quanto à pretensão de ter um direito adquirido em resultado de a DSSOPT ter aceite a sua inscrição como técnico na modalidade de elaboração de projectos, a argumentação do Recorrente é inaceitável, da mesma resultando que o Recorrente pretende estar acima da Lei.
G - É falso o que o Recorrente alega nos artigos 8.º e 11.º do recurso e reproduz sob a alínea G) e L) das conclusões, pois os certificados juntos pelo Recorrente apenas mencionam uma licenciatura e mestrado em Engineering-Electrical (não engenharia electromecânica), na instituição da Austrália C.
H - Por absurdo, havendo um “direito adquirido”, nos termos defendidos pelo Recorrente, este implicaria que estaria aqui potencialmente em causa não apenas um direito ao reconhecimento de uma especialização profissional, sem a respectiva formação académica de base e indiscriminadamente, nas áreas da engenharia eléctrica, electrotécnica e da engenharia electromecânica, tal significaria que a Lei n.º 1/2015, que assenta precisamente na delimitação de áreas de especialização, não seria aplicável ao Recorrente.
I - Tal como resulta da Nota Justificativa da Lei n.º 1/2015, este diploma legal foi aprovado precisamente porque o regime previsto no Regulamento Geral da Construção Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, era manifestamente insuficiente para se garantir a qualificação e a responsabilização dos técnicos na elaboração de projectos, direcção e execução das obras, por se exigir” meramente como requisito para o exercício das respectivas funções a obrigatoriedade de prévia inscrição desses técnicos” na DSSOPT.
J - Até à aprovação da Lei n.º 1/2015 não existia um regime de reconhecimento de qualificações nos domínios da construção urbana e do urbanismo, não sendo por isso possível retirar da inscrição do Recorrente na DSSOPT - que ocorria de forma simples e sem uma apreciação das qualificações de cada engenheiro para as várias áreas de especialização identificadas pela Lei n.º 1/2015 - a constituição de um “direito adquirido” do Recorrente, ou de qualquer outro interessado, a ser reconhecida áreas de especialização onde não tenha formação académica.
K - A Entidade Recorrida é a entidade legalmente competente para apreciar tecnicamente sobre a suficiente qualificação profissional, aptidão técnica e habilitação académica dos profissionais nos domínios da construção urbana e do urbanismo, nos termos dos artigos 5.º e 6.º, 2) da Lei n.º 1/2015.
L - Nesse sentido, não existe um “direito adquirido” do Recorrente por a inscrição na DSSOPT como técnico não ser em si mesma capaz ou suficiente para consolidar um direito ao reconhecimento de áreas de especialização ou do reconhecimento de habilitações no campo da engenharia
M - Por outro lado, também não existe violação do princípio da boa fé, porquanto a Entidade Recorrida está apenas a aplicar o regime contido na Lei n.º 1/2015, dando cumprimento à opção legislativa que foi adoptada pelo legislador.
N - A Entidade Recorrida, mesmo que quisesse, nunca poderia prescindir do reconhecimento da habilitação académica que se encontra prevista na lei. O regime legal aplicável, neste aspecto é vinculativo, não havendo campo para uma opção por parte da Entidade Recorrida, sendo obrigatório por lei que os interessados sejam titulares dos necessários graus académicos devidamente ou oficialmente reconhecidos.
O - O progresso e a maior exigência em termos das qualificações profissionais exigidas pela ordem jurídica da RAEM obrigam a que a Administração Pública possa ser chamada a ser mais exigente com as qualificações profissionais dos particulares, sem que tal possa ser considerado como sendo violador da boa fé administrativa, pelo que deve improceder tudo quanto o Recorrente alega sob os artigos 7.º a 19.º das alegações que o Recorrente reproduz sob as alíneas F) a O) das conclusões.
P - No caso, não se verificou qualquer falta de instrução e, por outro lado, que o entendimento consignado na sentença recorrida é correcto, impendendo sobre o Recorrente o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito. É o que resulta da análise conjugada do disposto nos arts. 86.º e 87.º do C.P.A.
Q - Citando o Acórdão do Pleno do STA, de 20.2.92 (in AD STA, 372, pag. 1141): “não se pondo em causa o princípio do inquisitório ... o interessado tem a obrigação de colaborar com a Administração, fornecendo-lhe as informações e dados de que só ele dispõe, de forma a habilitar a Administração a decidir assunto do seu interesse. (...)”
R - Dúvidas não existem - e o próprio Recorrente admite (cfr. artigo 31.º das alegações de recurso) - que a Entidade Recorrida, ao abrigo do dever de averiguação, diligenciou no sentido de verificar se o curso do Recorrente se encontrava reconhecido oficialmente.
S - A Entidade Recorrida cumpriu o dever de averiguação que lhe compete, e tendo concluído em sentido negativo, cabia ao Interessado demonstrar, até por lhe ser mais fácil e dizer respeito à sua relação com a Instituição de Ensino que lhe atribuiu o diploma, que o referido curso se encontra reconhecido oficialmente, quer na Austrália, quer em Hong Kong.
T - Nesse sentido, aliás, de notar que a Entidade Recorrida, em sede de audiência escrita, solicitou ao Recorrente para vir juntar os referidos documentos aos autos, sendo assim de aplicar o disposto no art. 88.º do CPA.
U - Acresce que, como resulta da sentença recorrida, nos termos do art. 6.º, 2) da Lei n.º 2015, é à Entidade Recorrida, enquanto entidade autónoma, composta por técnicos qualificados para o efeito, que compete proceder à verificação das habilitações dos candidatos ao registo, não tendo a Entidade Recorrida de solicitar qualquer parecer.
V - Quanto à questão defendida sob nos artigos 44.º a 65.º do recurso de que, afinal, a Entidade Recorrida não terá competência para verificar se o curso dos candidatos ao registo se encontra reconhecido localmente, tal entendimento do Recorrente não faz qualquer sentido e é bem revelador da falta de noção do Recorrente dos interesses em análise e que a entrada em vigor da Lei n.º 1/2015 visa precisamente tutelar.
W - Se o Recorrente não é reconhecido oficialmente como engenheiro, nem pelo governo da Austrália, nem tão pouco em Hong Kong, onde recebeu o curso, por que razão e a que propósito poderá ser qualificado como engenheiro em Macau?
X - É sabido que, infelizmente, existem diversas instituições de ensino que mais não pretendem do que vender diplomas, independentemente da formação, do currículo e da qualidade do ensino, assim como, infelizmente, também existem inúmeros candidatos que apenas estão interessados em comprar diplomas.
Y - Contrariamente ao que diz o Recorrente, o reconhecimento oficial do curso pelo Estado de origem é um pressuposto fundamental, sem o qual não pode haver reconhecimento de quaisquer habilitações académicas.
Z - Se as habilitações académicas do Recorrente não se encontram oficialmente reconhecidas, nem no sítio onde foi ministrado o curso, nem no local onde se situa a instituição de ensino, naturalmente tais habilitações não podem ser reconhecidas em Macau.
AA - Das diligências efectuadas e da análise dos próprios documentos juntos no recurso hierárquico do Recorrente, logo que se retira que as habilitações académicas conferidas pelo C não se encontram reconhecidas oficialmente, nem no local onde foi ministrado (Hong Kong), nem no próprio país onde se encontra a instituição de ensino (Austrália) quanto a cursos que tenham sido ministrados à distância.
BB- Significa isto que, caso pretendesse exercer a actividade a que se candidata, quer em Hong Kong, quer na Austrália, o Recorrente não o poderia fazer.
CC - A argumentação do Recorrente a propósito da carta de fls. 201 dos autos é bem elucidativa de que o próprio Recorrente admite que os cursos da C não se encontram reconhecidos, nem para estudantes estrangeiros locais (com visto) e, muito menos, para os cursos à distância.
DD - Por último, quanto à alegação do Recorrente sobre a inaplicabilidade do disposto no art. 12.º, n.º 4 da Lei n.º 1/2015, tal como resulta da sentença recorrida, o art. 14.º da Lei n.º 1/2015 - Recusa do registo - se aplica, indiscriminadamente, quer aos profissionais do sector privado, quer aos trabalhadores da Administração Pública, referindo-se a remissão do art. 14.º, 1. al. 2) para o art. 12.º, n.º 4 à situação de insuficiência ou inadequação das habilitações académicas, independentemente da qualidade dos trabalhadores (da função pública ou profissionais do sector privado).
EE - Isto mesmo resulta da versão em chinês do art. 12.º, n.º 4 da Lei n.º 1/2015, da mesma não constando qualquer remissão para o disposto no n.º 2 do mesmo normativo, resultando apenas que o B pode considerar as habilitações académicas dos candidatos como não sendo adequadas ao exercício da profissão (四、委員會可認為申請人不具備從事有關職業的適當學歷。)
FF - Porém, ainda que assim não se entenda, hipótese que por mero dever de patrocínio se pondera, sem conceder, dúvidas não podem existir de que o B tem competência para considerar a idoneidade e a adequação das habilitações académicas dos candidatos ao registo, tal como resulta do art. 6.º, 2) da Lei n.º 1/2015: “Compete ao B proceder à verificação das habilitações académicas dos candidatos ao estágio e ao registo.”
GG - O próprio conceito de verificação de habilitações académicas (cuja definição se encontra no Regulamento Administrativo n.º 26/2003) tem subjacente e implica necessariamente a confirmação sobre a adequação das habilitações académicas.
HH - Também o art. 11.º, n.º Ido Regulamento Administrativo n.º 13/2015, que fixa a composição e o modo de funcionamento do B, diz que: “Compete à Comissão de Registo proceder à verificação das habilitações académicas e idoneidade dos candidatos ao registo.”
II - Atento o quadro legal em vigor, correcta pois se afigura a conclusão do Tribunal a quo, sempre se impondo a decisão de recusa do registo do Recorrente ao abrigo dos arts. 2.º, n.º 1, 1), 12.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1 da Lei n.º 1/2015, porquanto não se encontra demonstrado que o Recorrente seja titular do grau académico correspondente a uma licenciatura em engenharia, muito menos em engenharia electromecânica, nos termos pretendidos pelo Recorrente.
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, requer-se que seja negado provimento ao recurso ora interposto, mantendo-se a douta sentença recorrida.”
*
O digno magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“I. Recurso do despacho de 04.12.2017:
Através deste despacho, exarado a fls. 505, foi indeferida a produção de prova testemunhal oferecida pelo recorrente, com o argumento de que versava sobre matéria apenas susceptível de ser provada por documento.
Diz o recorrente que o despacho é nulo por falta de fundamentação e que, além disso, viola os artigos 6.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, 386.º do Código Civil, e 63.º, n.º 1, e 65.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Quanto à arguida nulidade, uma simples leitura do despacho recorrido demonstra que, contrariamente ao que afirma o recorrente, ele se encontra fundamentado. Aí se diz, com efeito, que é recusada a inquirição das testemunhas, pelo motivo de que versa sobre matéria apenas susceptível de prova por documentos. É esta a razão ou fundamentação da denegação da produção da prova testemunhal. A decisão está, pois, suficientemente fundamentada, sendo certo que, nesta matéria, é pacífico o entendimento de que apenas a ausência total de fundamentação constitui nulidade.
Improcede a arguida nulidade.
E, quanto aos normativos apontados como violados, também se afigura que não assiste razão ao recorrente.
O artigo 6.º do Código de Processo Civil confere poderes ao juiz para, entre outros, velar pelo normal andamento do processo e diligenciar pelo apuramento da verdade e pela justa composição do litígio, sem prejuízo do princípio do dispositivo. Como é bom de ver, se o juiz entende que certos factos só podem ser objecto de prova documental, não sai minimamente beliscado o aludido artigo 6.º do Código de Processo Civil por via do indeferimento da audição das testemunhas. Tal indeferimento é uma consequência lógica e necessária daquele juízo.
Também o artigo 386.º do Código Civil não resulta ofendido, atendendo à invocada razão de que os factos a que foi oferecida prova testemunhal devem ser provados por documentos.
E, de igual modo, também os artigos 63.º, n.º 1, e 65.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso, não saem afrontados, uma vez que a produção de prova pressupõe, quer a sua relevância para a decisão, quer a propriedade dos meios de prova oferecidos. Pois bem, afigura-se que, por ocasião da prolação do despacho em crise, os dados fornecidos pelo processo administrativo e pelo processo de recurso contencioso eram suficientes e adequados para apreciação das questões a resolver.
Improcede igualmente este fundamento do recurso.
Deve, em conformidade, ser negado provimento ao recurso.
II. Recurso do despacho de 10.10.2018:
Este despacho, exarado a fls. 556, indeferiu a junção dos documentos requerida a fls. 529, indeferimento que, no entender do recorrente, atenta contra a norma do artigo 450.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e contra o princípio da aquisição processual.
Com tais documentos pretendia o requerente, ora recorrente, fazer prova do alegado no artigo 137.º da sua petição de recurso. É certo, conforme alega, que não pôde juntar tais documentos com o articulado da petição de recurso, porquanto na ocasião não estava de posse desses documentos, nem tão pouco detinha a qualidade que eles visam atestar. Mas isto não significa que lhe seja lícito juntar os documentos em qualquer fase do processo, quando bem o entender. Constata-se, aliás, que já tinha decorrido a fase das alegações facultativas, com a qual deve ter-se por encerrada a discussão em primeira instância, atenta a tramitação legal do recurso contencioso. Ora, o que o artigo 450.º, n.º 2, do Código de Processo Civil diz é que os documentos só podem ser juntos até ao encerramento da discussão em primeira instância. Não tendo sido juntos, como se referiu, até ao termo do prazo para alegações facultativas, ficou o recorrente legalmente impedido de os juntar em primeira instância.
Não houve, pois, violação do artigo 450.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
E também não ocorre qualquer afronta ao princípio da aquisição processual, previsto no artigo 436.º do Código de Processo Civil. Por força deste princípio, a matéria probatória que tenha sido trazida aos autos considera-se adquirida no processo, impondo-se às partes, independentemente de quem a invocou ou produziu, e devendo o tribunal levá-la em linha de conta, com a ressalva enunciada nesse mesmo artigo. Ora, nada disso está aqui em causa. O que ora se questiona é saber se a prova devia ou não ter sido admitida, o que releva do princípio do direito à prova e não do princípio da aquisição processual.
Nenhuma violação do princípio da aquisição processual se detecta.
Improcedem os fundamentos deste recurso, pelo que deve ser-lhe negado provimento.
III. Recurso da sentença:
Está agora em causa a sentença de fls. 557 e seguintes, de 10 de Outubro de 2018, que conheceu do recurso contencioso, e que o recorrente diz padecer de nulidade por omissão de pronúncia e de erros no julgamento de alguns vícios.
Começa o recorrente por sustentar que a sentença padece de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, porquanto não levou em devida conta os seguintes certificados: de doutoramento em Philosophy in Engeneering Management; Higher Certifica te in Building Studies; diploma de Civil Engeneering Studies; e Licenciatura Honorifica em Tecnologia de Materiais.
Não se crê que a sentença haja incorrido em tal nulidade.
Há omissão de pronúncia quando o tribunal não se debruça sobre questões que devesse apreciar, como ressuma da invocada norma do artigo 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Ora, uma coisa são os documentos probatórios, de que a parte se serve para justificar e sustentar perante o tribunal os factos em que alicerça a pretensão de direito que dele reclama, outra é a questão ou o conjunto de questões que o tribunal é chamado a apreciar e resolver. Por via de regra, os elementos probatórios não constituem em si uma questão que, enquanto tal, reclame uma solução do tribunal; são um contributo ou um instrumento auxiliar de resolução das verdadeiras questões postas ao tribunal.
Em contencioso administrativo de anulação, as questões de índole substantiva que o tribunal é chamado a resolver são a da (in)validade do acto e as da operatividade dos vícios que lhe são imputados.
Daí que a eventual desconsideração de certas provas, posto que possa relevar noutra sede, não acarrete omissão de pronúncia.
Esta só ocorre quando o juiz não decide as questões que, nos termos do artigo 563.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, está obrigado a resolver, e certo é que a aptidão e valoração das provas no sentido propugnado pelo recorrente não era uma das questões que se colocava ao tribunal.
Improcede esta nulidade.
A propósito dos erros de julgamento, constata-se que o recorrente vem reafirmar e repisar argumentos já utilizados no recurso contencioso, a propósito dos vícios imputados ao acto administrativo sindicado.
Sobre esses vícios e argumentos pronunciou-se o Ministério Público oportunamente, previamente à decisão recorrida, fazendo-o exaustiva e certeiramente, em moldes que perfilhamos inteiramente.
Daí que tenhamos por bem acompanhar o parecer a esse propósito emitido pela Exm.ª colega, que aqui reiteramos em amparo da douta decisão recorrida.
Improcedem, em consequência, os invocados erros de julgamento.
Termos em que também este recurso não merece provimento, devendo confirmar-se a sentença impugnada.”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“1.) Respectivamente em 2009 e 2013, o recorrente obteve os diplomas de licenciatura e de mestrado de Engineering-Electrical emitidos pela C (adiante designada por C) da Austrália (vide as fls. 11 e 13 do PA).
2.) De acordo com o certificado emitido pela Direcção dos Serviços de Finanças, no período entre 6 de Fevereiro de 2006 e 30 de Setembro de 2009, o recorrente exerceu a função de gerente de segurança na H Limitada; e no período entre 2 de Agosto de 2010 e 22 de Outubro de 2015, exerceu a função de gerente sénior de segurança, protecção ambiental e qualidade na I Limited (vide as fls. 18 a 21 e 129 do PA).
3.) Em 12 de Fevereiro de 2015, foi aprovada pelo director da DSSOPT a inscrição do recorrente como técnico da elaboração do projecto de 2015, sob o n.º 5336/2015 (vide as fls. 8 do PA).
4.) Em 28 de Outubro de 2015, o recorrente apresentou ao B o “pedido de acreditação e registo nos domínios da construção urbana e do urbanismo” (vide as fls. 5 a 7 do PA).
5.) Em 10 de Março de 2016, por deliberação n.º 0080/CR/2016, a comissão de registo do B exigiu que o recorrente apresentasse os documentos comprovativos em falta, ou seja da licenciatura, do mestrado e do trabalho. Depois, por ofício n.º 00513/B/2016 de 22 de Março de 2016, a DSSOPT notificou o recorrente para apresentar os referidos documentos em falta (vide as fls. 23 a 26 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6.) No dia 29 de Março de 2016, o recorrente apresentou ao B os documentos em falta (vide as fls. 27 a 129 do PA).
7.) Em 13 de Junho de 2016, por deliberação n.º 0622/CR/2016, o B decidiu preliminarmente indeferir o pedido de acreditação e registo do recorrente. Depois, por ofício n.º 01449/B/2016 de 7 de Julho de 2016, a DSSOPT notificou o recorrente da referida decisão, e para, querendo, entregar a audiência escrita (vide as fls. 131 a 134 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8.) Em 18 de Julho de 2016, o recorrente apresentou o recurso hierárquico, por escrito, à DSSOPT (vide as fls. 135 a 136 do PA).
9.) Em 21 de Julho de 2016, por deliberação n.º 1414/CR/2016, a comissão de registo do B indicou que após análise e verificação da qualificação do recorrente, decidiu indeferir o pedido de acreditação e registo do recorrente com fundamento na falta de habilitações académicas adequadas ao exercício da respectiva profissão. Depois, por ofício n.º 02078/B/2016 de 26 de Outubro de 2016, a DSSOPT notificou o recorrente da referida decisão (vide as fls. 184 a 185 e 187 a 188 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10.) Em 11 de Novembro de 2016, o recorrente apresentou o recurso hierárquico necessário para o B (vide as fls. 189 do PA).
11.) Em 7 de Dezembro de 2016, por deliberação n.º 0021/RP/2016, a reunião plenária do B decidiu rejeitar o recurso necessário do recorrente, e manter a decisão de indeferir o seu pedido de acreditação e registo na área de engenharia electromecânica. Depois, por ofício n.º 02253/B/2016 de 12 de Dezembro de 2016, a DSSOPT notificou o recorrente da referida decisão (vide as fls. 208 a 213 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
12.) Em 20 de Janeiro de 2017, a mandatária judicial do recorrente interpôs para este Tribunal, por telecópia, o presente recurso contencioso contra a supracitada decisão.”
***
III – O Direito
Do 1º Recurso (interlocutório)
1 - Está em causa o despacho proferido a fls. 505 pelo juiz do processo, o qual, na parte que ora interessa, apresenta o seguinte teor:
“Fls. 206, 469 dos autos:
Não se admite a inquirição das testemunhas designadas pelo recorrente por versar sobre matéria apenas susceptível de ser provada pelo documento.
(…)”.
Referia-se o despacho em causa às três testemunhas arroladas na petição inicial para deporem à matéria dos arts. 88º, 133º, 134º, 135º desse articulado.
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2 - Da nulidade do despacho
Advoga o recorrente que o despacho é nulo, com base no art. 571º, nº1, al. b), do CPC, por não estar fundamentado.
Não tem razão. O despacho apresenta a razão pela qual não admitiu a produção de prova testemunhal: a matéria em apreço só poderia ser provada por documento!
Ora, isto é fundamentar. Só não está indicada a norma ou o princípio geral que sustentava a afirmação. Mas, como é sabido, uma tal omissão, não representa a nulidade do art. 571º, nº1, al. b), do CPC. Quando muito o que pode é conduzir à revogação da decisão com base em “erro de julgamento” ou “erro de decisão”. Como é assinalado no Ac. do STJ, de 9/07/2002, Proc. nº 02B331, “… a jurisprudência dos nossos tribunais de recurso tem adoptado continuadamente teses mais moderadas e, assim, vem-se decidindo que não há nulidade se a decisão, sem indicar as normas jurídicas concretas, se abona na jurisprudência do tribunal superior, unânime, vasta e sobejamente conhecida a mencionar os princípios jurídicos ou doutrinais aplicados na decisão. Parece-nos, assim, que “não é indispensável - que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras - em que a sentença se apoia”, e somente em relação à solução nela adoptada.”.
Neste mesmo sentido, Ac. do STJ, de 19/10/2004, Proc. nº 04B2638; Ac. do STJ, de 17/04/2007, Proc. nº 07B418; Ac. da RL, de 5/06/2007, Proc. nº 3129/2007; ver, também, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 688.”
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3 - Da bondade do despacho
Por outro lado, o recorrente entende que o juiz não se pronunciou sobre a idoneidade dos meios de prova requeridos, mas apenas sobre a insusceptibilidade de a matéria em apreço ser objecto de prova testemunhal, não cumprindo assim o disposto no art. 65º, nº3, do CPAC.
Ou seja, o recorrente entende que o juiz tem que realizar, sempre e qualquer caso, o exercício de análise expressa a respeito da relevância dos factos para a decisão da causa, o que não teria sido feito no caso em apreço.
Cremos que está equivocado.
O que o preceito afirma é que o juiz deve (trata-se, claramente, de um poder-dever) limitar a prova aos factos que considere relevantes para a decisão da causa, obviamente de acordo sempre com as várias soluções plausíveis de direito (cfr. art. 430º, nº1, do CPC). O preceito deposita no magistrado judicial o dever de não permitir a produção de prova a factos inúteis, impertinentes e, portanto, irrelevantes ao conhecimento do objecto da impugnação contenciosa relativamente aos vícios imputados ao acto. Tem-se, assim, em vista promover o andamento célere e eficiente do processo e impedir que ele se atrase por motivos fúteis ou dilatórios, no respeito por princípios de direito processual plasmados, entre outros lugares, nos arts. 6º, nºs 1 e 3, 8º, nº1, 87º e 88º do CPC.
Por conseguinte, o tribunal tem que fazer esse exame prévio e só então fará a limitação da produção de prova de acordo com a conclusão a que chegar. Todavia, não tem que expressar o seu pensamento, isto é, não tem que o verter em letra de decisão/despacho. Só o fará expressamente se entender que há motivo para a limitação; não, para a admissão. Isto parece-nos evidente.
Não cremos, pois, que o art. 65º, nº3 citado tenha sido violado.
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4 - Entende, ainda, que os factos a que se referem os artigos 88º, 133º, 134º e 135º da petição podem ser provados através de prova testemunhal.
Apreciemos.
O art. 88º da p.i. reza o seguinte: “O ora recorrente ficou, portanto, habilitado a exercer funções de elaboração de projectos na sua área de especialização”. Ele segue-se aos arts. 86º e 87º, onde é referido o conjunto de documentos que entregou (86º) e mencionado o teor da decisão da DSSOPT (87).
Ora, está bom de ver que ele é, portanto, meramente conclusivo. Não carece de prova. Saber se a apreciação efectuada pela DSSOPT conduz ou não à legitimidade substantiva do recorrente em poder elaborar projectos é questão que não pode a prova testemunhal elucidar, pois só o tribunal estará em condições de o afirmar face aos documentos anexados.
O art. 133º diz que “O ora recorrente foi admitido com o grau de “fellow” no “The Chartered Institution of Building Services Engineers CIBSE)”.
Ora, este facto só por documento pode ser provado, como é fácil de intuir. Só a própria instituição em causa pode certificá-lo através de documento pertinente por si emitido.
Quanto aos doutros dois (o 134º afirma que aquela instituição é uma organização de engenheiros de reconhecido prestígio a nível mundial; o 135º afirma que o grau de “fellow” pressupõe e demonstra que o recorrente dispõe de experiência relevante como engenheiro e das necessárias qualificações profissionais para o exercício da profissão), são para nós, irrelevantes, não apenas porque o primeiro em nada contribui para o bom auxílio à decisão, como o segundo se revela irrelevante para o desfecho da causa, já que para tal o que importa é saber se os documentos juntos mostram que o recorrente podia ou não inscrever-se como engenheiro. E quanto a isso nunca o tribunal poderia seguir a percepção subjectiva que eventualmente as testemunhas manifestassem, positiva ou afirmativamente, acerca do que nele é afirmado, face à fundamentação constante do acto, pois só ela representa o farol da nossa tarefa, ou só ela nos permite avaliar se o curso ministrado à distância está ou não reconhecido tanto em Hong Kong, como na Austrália.
Desta maneira, a invocação dos arts. 386º, 388º e 389º do Código Civil não tem o condão de afastar a aplicação do art. 65º, nº3, do CPAC, que estabelece aquele poder-dever de o juiz ou relator limitarem a produção de prova – qualquer que seja o meio oferecido - aos factos que considerem relevantes para a decisão da causa.
Como este tribunal de recurso concorda com a análise efectuada no despacho em crise, somos a entender que os arts. 6º, nºs 1 e do CPC, 63º e 65º, nºs 1 e3, do CPC não se mostram ofendidos.
Significa que o recurso não merece ser provido.
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Do 2º Recurso (interlocutório)
Neste recurso está acometido o despacho de fls. 556, que tem o seguinte teor:
“ Fls. 529 a 533º, e 536 a 538 dos autos
Não se admite a junção dos documentos por terem sido apresentados após o fim do prazo para as alegações facultativas.
Além do mais, se o recorrente com os documentos quiser provar o facto alegado na p.i., devia ter cumprido o disposto no art. 43º, nº1, alínea d) e nº. 6º1 do CPAC.
Mas não o fez.
Desentranha-se os documentos dos autos.
Custas pelo incidente com taxa de justiça de 2 UC.”
Como se pode constatar, o desentranhamento dos documentos deveu-se à circunstância de o recorrente apenas os ter juntado após o termo do prazo para a apresentação das alegações facultativas, e não os ter apresentado como elementos instrutórios juntamente com a p.i.
Efectivamente, o recorrente não cumpriu o disposto no art. 43º, nºs1, al. b) e 6 do CPAC. Isso, porém, não parece que deva revelar-se impeditivo de uma junção de documentos após essa fase. Basta pensar nos documentos que, por necessidade imposta pelo decurso dos próprios autos, o recorrente só depois da petição tenha solicitado ou requerido. Portanto, desde que supervenientes, nada obsta à sua posterior junção2
Ora, no caso, tendo sido a petição apresentada no dia 23/01/2017 e a inscrição do recorrente no Institution of Mechanical Engineers e no Engineering Council apenas feita no dia 6/05/2017 e 2/11/2017, é óbvio que não podia juntá-los com a petição, nem apresentar qualquer justificação para o efeito. E porque apenas foram emitidos no dia 2/11/2017 e 14/11/2017, conforme deles emana (cfr. fls. 531 e 533, respectivamente), é claro que antes disso não podiam ser trazidos aos autos.
Mas pergunta-se agora: podia ser a sua junção ser feita após o termo do prazo para a apresentação da alegação (facultativa) a que se refere o art. 63º do CPAC?
As alegações facultativas apresentadas ao abrigo do art. 63º do CPAC decorrem na fase da discussão3 dos autos. E elas serão mandadas apresentar, sempre que o tribunal entende que os autos reúnem os elementos indispensáveis à decisão. Por essa razão, salta-se a fase da produção de prova, porque inútil e dispensável.
Ora, é neste enquadramento que importa chamar à colação o preceituado nos pertinentes preceitos do CPC, nomeadamente os arts. 450º e 451º.
E o que se nos oferece dizer é que, se os documentos não forem juntos com o articulado em que os factos são alegados, como é exigência legal (art. 450º, nº1), podem ainda ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância, embora com multa, excepto se a parte provar que os não pôde juntar com o articulado (art. 450º, nº2).
Até ao “encerramento da discussão em 1ª instância”, sublinhe-se.
Acontece que a fase da discussão do recurso contencioso termina com a apresentação das alegações facultativas (art. 63º) e os documentos em apreço foram juntos posteriormente.
É certo que o art. 451º, nº1 do CPC permite que após o encerramento da discussão ainda é possível a admissão dos documentos mas apenas em caso de recurso, e mesmo assim perante uma situação que revele não ter sido possível juntá-los até àquele momento.
No caso concreto, os documentos foram emitidos, como se disse, em 2/11/2017 e 14/11/2017, ainda antes do início, sequer, da abertura da fase da discussão, que só teve lugar com a comunicação do despacho de fls. 513, que em 24/01/2018 (fls. 513) mandou notificar as partes para alegações em 20 dias, o que se verificou em 25/01/2018 (fls. 514 e 515).
Todavia, o recorrente apenas os entregou ao processo no dia 27/02/2018 (fls. 529 e sgs.), quando o prazo de vinte dias se tinha esgotado e mesmo já após a apresentação da sua própria alegação.
Ora, sendo assim, os preceitos referidos do CPC já não permitiam a junção dos referidos documentos, tal como foi decidido no despacho em crise.
Improcede, pois, o recurso jurisdicional.
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Do 3º recurso (da sentença)
1 - Da omissão de pronúncia
Defende o recorrente que a sentença incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 571º, nº1, al. d), do CPC (ponto I, a fls. 34 da alegação de recurso) sobre o erro sobre os pressupostos de facto e a violação do princípio do inquisitório - na parte em que aludia à circunstância de ter demonstrado a titularidade de vários diplomas e consequentes habilitações académicos – que tinha invocado na petição.
Não é verdade.
Quanto ao princípio do inquisitório (traduzido num alegado défice instrutório), basta remeter o recorrente para o que a sentença plasmou a fls. 14-18. Parece evidente que o recorrente não tem, pois, razão.
Quanto ao erro sobre os pressupostos de facto, também a sentença a ele dedicou expressa fundamentação, como bem se pode ver a fls. 18-24, onde a titularidade dos referidos diplomas foi analisada, e em que a matéria foi tratada de forma desenvolvida, tendo sido negada razão ao recorrente. Também aqui, pois, a razão lhe foge.
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2 - Da violação dos direitos adquiridos e do princípio da boa-fé
Quanto a este vício imputado à sentença (ver ponto II, a fls. 35 da alegação de recurso), o recorrente acaba por concluir que o acto administrativo impugnado incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, violando os direitos adquiridos do recorrente, laborando em clara confusão e aparente incompreensão sobre o que deva constituir objecto do recurso jurisdicional.
Ou seja, quando se esperava que o recorrente acometesse a sentença, limitou-se a reiterar o arremesso que fez contra o acto, e ainda por cima desviado dos vícios que acabou por eleger na epígrafe.
Seja como for, se o que pretende é realmente criticar a sentença no segmento em que conheceu dessa matéria (violação de direitos adquiridos e princípio da boa fé), então a sentença parece-nos intocável, não merecendo a menor censura face à forma como a tratou (cfr. fls. 24-26).
Senão, repare-se na forma como ela tratou deste assunto:
“A questão também prende-se com a interpretação da norma transitória do art. 66.º da Lei n.º 1/2015.
Importa tomar em conta que a nova Lei n. º 1/2015 tenha alterado as exigências legais anteriores (isto é, o DL n.º 79/85/M, de 21 de Agosto), precisamente com o objectivo de elevar as barreiras impostas ao acesso à profissão, aperfeiçoando as disposições legais anteriores quanto à qualificação para o seu exercício, para que as normas legais vigentes sejam capazes de responder à necessidade do desenvolvimento económico acelerado da RAEM.
Quer dizer, pretende-se que este regime crie condições para o desenvolvimento sustentável no âmbito da construção civil e do urbanismo. (cfr. a nota justificativa da Lei n." 1/2015, consulta disponível sobre http://www.aI.gov.mo/uploads/ lei/ leis/ 2015/2015-01/ nota justificativa. pdf)
Não obstante, o legislador não postergou de todo o direito que tenha sido adquirido pelos interessados, que foram entretanto autorizados a exercer a respectiva profissão sob a égide da lei anterior, como o caso do recorrente.
E resolveu, por este motivo, tratar especialmente as suas situações na Lei nova:
Por um lado, permitiu-lhes continuar a exercer funções até ao termo da validade da inscrição efectuada ao abrigo da lei anterior, conforme o estabelecido no art.º 67.º, nºs1 e 2 da Lei n." 1/2015;
Por outro, não flexibilizou os limites quanto à renovação de inscrição, exigindo que seja cumprido o estipulado da lei nova para o efeito de renovação, a respeito, nomeadamente, dos requisitos da habilitação académica dos candidatos, como previsto nos art.ºs 66.º, n.º 1 e 67.º, n.ºs 2 e 4 da mesma Lei.
A angústia do recorrente compreende-se. Pois, não nos parece ser justo nem possível apagar tudo que o recorrente tenha feito e conseguido na respectiva área de engenharia durante mais de dez anos, simplesmente pela falta de um papel de diploma.
Mas convém lembrar que, a recusa do registo no fundo resulta de uma opção legislativa, correspondente à vontade do legislador expressa através das normas escritas. O legislador nunca afastou a aplicação destas normas, ainda que os pressupostos da decisão se tenham verificado ao abrigo da lei anterior.
Não há violação do direito adquirido do recorrente, nem existe a violação do art.º 11.º do Código Civil.
Pelas mesmas razões, a entidade recorrida não violou o princípio de boa- fé, porque face às exigências legais, não nos afigura que o recorrente tenha espectativa merecedora da protecção jurídica.
Nestes termos, não se verifica o erro assacado pelo recorrente.”
Fazemos nosso o teor da sentença acabada de transcrever, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 631º, nº5, do CPC.
Acentuemos, apenas, o seguinte:
Tal como se detecta na fundamentação da sentença acabada de transcrever, nada do que era prescrito no regime legal anterior (cfr. DL nº 79/85/M) serve para rechaçar a aplicação do regime novo derivado da Lei nº 1/2015 (vigente a partir de 1/07/2017, conforme art. 74º), aplicável no momento do pedido dirigido ao B com vista à acreditação e registo nos domínios da construção civil e do urbanismo (28/10/2015).
E qual a razão adicional para afiançarmos que o vício não pode proceder?
Em primeiro lugar, por a DSSOPT ter apenas adiantado uma proposta no sentido do não deferimento do seu requerimento. (fls. 316 dos autos). Não se tratava de uma decisão, mas simplesmente proposta.
Em segundo lugar, uma coisa era o pedido dirigido à DSSOPT com vista à inscrição do recorrente na modalidade de elaboração de projectos, outra era o pedido endereçado à B tendente à acreditação e registo do recorrente nos domínios da construção civil.
Ora, a inscrição na DSSOPT valeria apenas para o ano de 2015, já que, segundo o disposto no art. 10º, nº2,do DL nº 79/85/M (regulamento geral da construção urbana/rgcu), a inscrição seria somente válida por um ano, ao do qual caducaria a respectiva renovação, caso não fosse solicitada durante o mês de Janeiro do ano imediato.
Ora, o que se passou foi que o recorrente quis obter de um modo definitivo o seu pedido de acreditação e registo na especialidade de engenharia electromecânica, tendo formulado para tal o respectivo pedido, em 28/10/2015, à B. Ou seja, como o próprio recorrente reconhece, seria a B a entidade competente para o efeito pretendido.
Então, face a essa competência, a B tinha que se pronunciar, pela primeira vez, sobre esta questão, ao abrigo da Lei nº 1/2015.
E, para efeito de registo, dispõe o art. 12º desta Lei:
Artigo 12.º
Registo
1. Podem requerer o registo os titulares de graus académicos referidos na alínea 1) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 2.º, que reúnam os seguintes requisitos:
1) Sejam residentes da RAEM;
2) Tenham completado o estágio;
3) Tenham obtido aprovação no exame de admissão.
2. Os trabalhadores da Administração Pública, titulares dos graus académicos referidos na alínea 1) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 2.º, que exerçam funções nos domínios da construção urbana ou do urbanismo há, pelo menos, três anos consecutivos, podem, por deliberação do B, ser dispensados do estágio, sem prejuízo de estarem sujeitos à aprovação no exame de admissão.
3. As habilitações académicas dos candidatos ao registo referidos no número anterior são sujeitas a verificação pelo B.
4. O B pode considerar as habilitações académicas dos candidatos referidos no n.º 2 como não sendo adequadas ao exercício da profissão.
5. O tipo, a periodicidade e o modo de realização das provas do exame de admissão são definidos por regulamento administrativo complementar.
Trata-se de um preceito exigente do ponto de vista dos requisitos necessários ao registo. Todavia, sendo este um novo regime que vem introduzir alterações ao modelo que vinha sendo seguindo até então, o legislador não se esqueceu das situações pré-existentes. E para salvaguarda destas, consignou um regime transitório, que vazou no art. 66º, com o seguinte teor:
Artigo 66.º
Regime transitório relativo ao registo
1. Para efeitos de registo no B, ficam dispensados dos requisitos previstos nas alíneas 2) e 3) do n.º 1 do artigo 12.º os profissionais do sector privado, titulares de graus académicos referidos na alínea 1) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 2.º, que à data da publicação da presente lei se encontrem inscritos na DSSOPT ou já exerçam funções na RAEM nos domínios da construção urbana ou do urbanismo, desde que requeiram o registo no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor da presente lei. (destaque nosso).
2. O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, aos trabalhadores da Administração Pública titulares de graus académicos referidos na alínea 1) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 2.º, que à data da publicação da presente lei já exerçam funções nos domínios da construção urbana ou do urbanismo.
3. A prova do exercício das funções previstas nos números anteriores faz-se, nomeadamente, através da apresentação de documento comprovativo do pagamento do imposto profissional na Direcção dos Serviços de Finanças ou de contrato de trabalho.
Daqui resulta que este regime transitório introduziu a dispensa aos técnicos que “se encontrem inscritos na DSSOPT ou já exerçam funções na RAEM nos domínios da construção urbana ou do urbanismo”, mas apenas desde que cumpram a condição, “sine qua non”, de serem “titulares de graus académicos referidos na alínea 1) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 2.º”
Ou seja, seria sempre necessária a demonstração de se ser titular dos graus académicos indispensáveis, consoante a área e especialidade dentro da qual se pretende obter o registo, tal como definida no art. 2º.
E a recorrida chegou à conclusão de que o recorrente não dispunha do grau académico necessário para o exercício da profissão de engenharia electromecânica, tendo em conta dos documentos apresentados.
Serve isto para dizer, fundamentalmente, que a análise efectuada pela B não representa nenhum atropelo aos direitos adquiridos, nem, obviamente, ao princípio da boa fé, pois jamais ele podia pensar que esta, pela sua atitude, lhe iria deferir o pedido.
Por conseguinte, andou bem a sentença recorrida quanto a esta matéria.
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3 - Quanto à falta da fase da instrução
Por considerar que a decisão administrativa sindicada no TA não foi precedida da necessária instrução, não podia a sentença sancionar o acto administrativo. Por isso, entende o recorrente (arts. 20º a 43º da sua alegação) que o próprio tribunal a quo violou os arts. 59º e 86º do CPA.
Não cremos, sinceramente.
Como o afirma o recorrente, o princípio do inquisitório que brota dos art.s 59º e 86º do CPA manifesta-se no uso de um poder tendente ao apuramento dos factos necessários à boa decisão administrativa. Mas, esse poder instrutório, como é evidente, não serve para substituir o dever, ou o ónus, que sobre o administrado requerente impende, que é o de provar o que alega. Ou seja, diferentemente do que sucede nos procedimentos de iniciativa pública/oficiosa, mormente nos ablativos e sancionatórios, nos procedimentos de iniciativa particular, em que o administrado pretende obter um direito, alcançar alguma vantagem ou realizar um interesse pessoal, é ele quem deve alegar e demonstrar os respectivos requisitos substantivos. Isto é, o poder inquisitivo não serve para inverter o ónus de prova que recai sobre o interessado/requerente4.
Isso não exclui, como é natural, o dever administrativo de se procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente. E quando o requerente, como é o caso, apresenta um documento em que alegadamente diz reunir determinadas qualidades pessoais, técnicas ou científicas, a Administração não deve ficar plácida e sossegada e aceitá-lo acriticamente; em vez disso, deve inquietar-se e investigar a realidade pelos seus próprios meios. É neste ponto que faz sentido o que o art. 86º do CPA proclama5.
Mas isso foi o que, precisamente, a B fez, ao diligenciar pela verificação sobre se o curso do recorrente estava reconhecido oficialmente, acabando por concluir em sentido negativo. Deveria, então, o interessado levar ao procedimento, nomeadamente em sede de audiência de interessados – e ao processo judicial - novos dados e elementos tendentes a demonstrar que o seu curso, ministrado à distância, estava realmente reconhecido oficialmente, ao contrário do entendimento da B.
Foi tudo isto o que, por diferentes palavras, a sentença afirmou, pelo que não podemos concordar com o recorrente, acerca da maleita que a esta é imputada, o que equivale a dizer que se não verificava nenhum deficit instrutório.
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4 - Quanto ao erro no pressuposto de facto
Quanto a este vício imputado ao acto, e que a sentença julgou inexistente, vem agora o recorrente defender a revogação desta, por entender que o tribunal interpretou mal o conteúdo do documento de fls. 201 do p.a. Na sua óptica, a afirmação de que o “curso não é reconhecido pelo governo local da Austrália Ocidental “ apenas fornece uma indicação relativamente aos cursos ministrados na Austrália a estudantes estrangeiros, o que não é o caso dos cursos ministrados à distância, como era o seu caso. Aliás, a B não teria, sequer, competência para verificar se o curso se encontra reconhecido localmente.
Quanto a esta última afirmação, ela é, desde logo, desmentida pelo art. 12º, nº3, segundo o qual “As habilitações académicas dos candidatos ao registo referido no número anterior são sujeitas a verificação pelo B” (destaque nosso). A tarefa cometida, neste caso, ao B foi, precisamente, a de verificar (cfr. art. 1º do Regulamento Administrativo nº 26/2003) se ele, efectivamente, possuía habilitações académicas para o exercício da profissão em Macau. E concluiu que, por o seu curso não ter sido reconhecido oficialmente em Hong Kong (onde foi ministrado), nem na Austrália (pais a que pertence o C”), não as teria, nem consequentemente seria possível o seu registo para o exercício da actividade em Macau.
No que respeita ao primeiro argumento, o doc. de fls. 210 do p.a. também não dá razão à sua afirmação. E mesmo que ele tivesse o sentido pugnado pelo recorrente de que a afirmação do documento serve para os alunos presenciais que estudam na Austrália, nem por isso dele se retiraria que, para os alunos que estudam à distância, a solução podia ser mais favorável. Portanto, não tendo o recorrente contrariado essa posição, nem no procedimento administrativo, nem no recurso contencioso, então fica claro que ele não conseguiu efectuar a prova da sua habilitação académica necessária ao pretendido registo. A não fazer-se assim, isso iria desaguar num registo assente sobre uma dúvida. E o interesse público subjacente à Lei nº 1/2015 nunca perdoaria tal desaforo.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
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5 - Da violação da lei (art. 12º, nº4, da Lei nº 1/2015)
Advoga, por fim, o recorrente que a sentença aplicou erradamente o disposto art. 12º, nº1 e 14º, nº1, al. 1), acrescentando que o nº 4, do art. 12º se aplica apenas aos trabalhadores da Administração Pública.
Vejamos.
Segundo o art. 6º, al. 2), da referida Lei, compete ao B “Proceder à verificação das habilitações académicas dos candidatos ao estágio e ao registo” (destaque nosso)
De acordo com o art. 12º, nº3, “As habilitações académicas dos candidatos ao registo referidos no número anterior6 são sujeitas a verificação pelo B” (destaque nosso)
E o nº 4 do mesmo art. 12º dispõe que: “O B pode considerar as habilitações académicas dos candidatos referidos no n.º 2 como não sendo adequadas ao exercício da profissão”.
Em primeiro lugar, a lei em causa aplica-se tanto aos profissionais e interessados do sector privado, como aos funcionários da Administração Pública. E para se compreender esta afirmação, basta reparar que é o próprio nº4 do art. 12º que acaba por abrir essa possibilidade. Isto é, ao inscrever ali expressamente os trabalhadores da Administração sob a sua alçada, está a considerar que para os restantes interessados os requisitos para o registo acabam por ser diferentes, precisamente os previstos no nº1.
É claro que, efectivamente, a sentença reconheceu que o nº 4 do art. 12º da Lei nº 1/2015 não se aplicaria à situação. Mas, em face do invocado princípio do aproveitamento do acto administrativo, considerou que a errada citação da norma aplicável pelo acto não afecta a validade deste, tanto mais que a fundamentação do acto nunca considerou o recorrente como possuindo a qualidade de trabalhador da função pública.
Por essa razão, e por ter entendido que a situação integra a previsão do art. 12º, nº1 e 14º, nº1, al. 1), do diploma, julgou improcedente o vício.
Ora, o nº4, realmente, apenas se aplica aos trabalhadores da Administração Pública. É o que resulta da sua claríssima literalidade. Mas, será que ao caso se aplicaria o art. 12º, nº1 e 14º, nº1, al. 1), como o afiançou a sentença?
Sim, sem dúvida. Como se pode constatar, o pedido efectuado pelo recorrente foi feito ao abrigo do art. 66º da Lei nº 1/2015, que estabelece um regime transitório, dispensando os interessados, para efeitos de registo no B, …dos requisitos previstos nas alíneas 2) e 3) do n.º 1 do artigo 12.º os profissionais do sector privado, titulares de graus académicos referidos na alínea 1) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 2.º, que à data da publicação da presente lei se encontrem inscritos na DSSOPT ou já exerçam funções na RAEM nos domínios da construção urbana ou do urbanismo, desde que requeiram o registo no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor da presente lei.”.
Isto é, o recorrente não era funcionário público, mas sim trabalhador do sector privado, que não tinha que demonstrar os requisitos das alíneas 2) e 3) do nº1 do art. 12º, ou seja, não tinham que efectuar estágio, nem aprovação em exame de admissão, desde que reunidos os demais condicionalismos estabelecidos nesse preceito (art. 66º).
Em todo o caso, tanto o citado art. 66º, como o próprio art. 12º (nº1: proémio), acentuam uma condição essencial para o registo, como já acima observámos: a titularidade dos graus académicos definidos na alínea 1) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 2º. E esses, não os possuía o recorrente, tal como o afirmou a B.
Consequentemente, nada temos a censurar à sentença impugnada quanto à fundamentação utilizada, nomeadamente a que se refere ao princípio do aproveitamento do acto, face à errada indicação do preceito, uma vez que se trata de matéria de vinculação administrativa.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 8 UCs.
T.S.I., 04 de Julho de 2019
_________________________ _________________________
José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
_________________________
Tong Hio Fong
_________________________
Lai Kin Hong
1 Inicialmente o juiz tinha referido o art. 6º do CPAC, mas rectificou o erro de escrita por despacho de fls. 570.
2 J. Cândido de Pinho, Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, I CFJJM, 2018, pág. 344. Em sentido análogo, Viriato Lima e A. Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, CFJJM, 2015, pág. 170.
3 J. Cândido de Pinho, ob. cit., pág. 466.
4 Lino Ribeiro e Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, pág. 378.
5 Ver obra citada na anotação anterior, a págs. 466-467.
6 O nº 2 reza assim: “2. Os trabalhadores da Administração Pública, titulares dos graus académicos referidos na alínea 1) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 2.º, que exerçam funções nos domínios da construção urbana ou do urbanismo há, pelo menos, três anos consecutivos, podem, por deliberação do CAEU, ser dispensados do estágio, sem prejuízo de estarem sujeitos à aprovação no exame de admissão.”
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Proc. nº 123/2019 49