Processo n.º 876/2018
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa)
Data: 4/Julho/2019
Assuntos: Impugnação da matéria de facto
Livre apreciação da prova
SUMÁRIO
A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outras situações, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida, nos termos do artigo 599.º do CPC.
Vigora, no processo civil, o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 558.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que formou acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Reapreciada e valorada a prova de acordo com o princípio da livre convicção, se não conseguir chegar à conclusão de que houve erro manifesto na apreciação da prova, o recurso tem que improceder.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo n.º 876/2018
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 4/Julho/2019
Recorrentes:
- A e B (Autores)
Recorridos:
- Serviços de Saúde de Macau (1º Réu) e C (2º Réu)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformados com a sentença que julgou improcedente a acção intentada pelos Autores A e B (doravante designados por “recorrentes”), recorreram jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“1. O objecto do presente recurso é a sentença de fls. 1800 dos autos, de que ora se recorre e, através da qual pretendem os AA. a responsabilidade civil extracontratual dos enfermeiros e dos médicos, em particular do 2º R.
2. Alega-se como questão prévia a ilegitimidade das partes na acção de que ora se recorre por terem intervindo como partes os AA.; os SERVIÇOS DE SAÚDE DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU, ora 1ª Ré e C, ora 2º Réu, apenas!
3. Deveriam ter intervindo todos os médicos e enfermeiros que estiveram em contacto com o bebé D, designadamente, Dra E; Dr F; Dr G; Dr H, das enfermeiras I; J; K, AMOR SECRETARIO conforme o princípio do inquisitório e da oficiosidade positivado, nomeadamente, no n.º 3 do artigo 6º, 58º ss; 394º/a c), 413º e), 414º todos do mesmo código.
4. É difícil compreender, no âmbito da representação psicológica do bom pai de família, que um médico que vem acompanhando um bebé a quem é diagnosticado em 17 de Setembro de 2014 doença cardíaca congénita, bebé esse que anda de consulta em consulta, as primeiras três consultas foram com a Dra E, depois o Dr F e finalmente o Dr G, este último cardiologista,
5. Sem que nenhum dos médicos que o acompanharam se tenha lembrado de realizar uma ecografia mais cedo na qual eventualmente se pudesse ter diagnosticado a cardiomiopatia dilatada.
6. O Dr L foi o médico que viu o bebé nas urgências às 05H17 de 19/02/2015 e, sabendo que o bebé padecia de uma doença cardíaca congénita, decidiu arriscar a receitar-lhe Dimetindeno e Domperidona,
7. Medicamentos estes, que de acordo com as bulas e o que vem referido a fls. 846 dos autos, são medicamentos contra indicados para doentes com patologia cardíaca.
8. Quanto ao 2º R. era o médico nos Serviço de Saúde há 25 anos e o responsável pelos serviços de urgência pediátrica no fatídico dia 19 de Fevereiro de 2015.
9. Do relatório elaborado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 337º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau a fls. 1578 ss dos auto; da vasta prova documental e testemunhal junta aos autos; e dos factos provados, veio sobejamente provada a conduta dolosa e culposa do 2º R., designadamente:
10. Quanto ao facto de o 2º R. não ter ido logo observar o bebé D quando recebeu no dia 19 de Fevereiro de 2015, pelas 15h44, a primeira chamada do Senhor Dr F, deixando de acordo com as leges artis da sua profissão, que mais não fosse de modo preventivo.
11. De seguida, quando finalmente o 2º R. tomou conta do caso, efectuou incorrectamente a primeira intubação traqueal ao bebé às 17h05 (embora não tenha sido essa informação que colocou no relatório médico (a fls. 761 dos autos) mas sim a que “foi detectada respiração espontânea”;
12. Pelo que decidiu às 17h15 retirar a intubação traqueal, quando ficou provado que, uma vez que ET tubo estava mal colocado deveria ter sido retirado e colocado novamente devido à situação crítica do bebé e deveria ter havido uma continuidade da intubação traqueal.
13. Ou seja, o 2º R. não só mentiu no relatório médico quanto ao estado de saúde da criança;
14. Como, também, deixou a criança mais de uma hora sem intubação traqueal que naquele momento, e de acordo com os depoimentos dos vários médicos, seria essencial para o resgate do bebé.
15. Por outro lado, abandonou o bebé em situação crítica para ir fazer uma cesariana, situação em que o médico pediatra quando está num cenário de urgência pode ser substituído.
16. O bebé ficou ao cuidado do colega Dr H que estava apenas a prestar auxílio e não tinha conhecimento integral do caso nem era o médico responsável pelo bebé.
17. Ao 2º R. no âmbito do referido processo disciplinar relativo ao caso em apreço, ou seja, o Processo Disciplinar n.º PD-03/2015 foi-lhe pena de suspensão de 150 dias porque violou o dever geral de zelo previsto na al. b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 279º do ETAPM, e bem assim o dever especial (deveres funcionais) do artigo 11º da Lei 10/2010 por não ter exercido as suas funções com eficiência, empenhamento, zelo e diligência e demonstrando desconhecer as normas regulamentares o que constitui infracção disciplinar nos termos do disposto do artigo 281º do ETAPM.
18. Pena que só não veio a cumprir porque entretanto se tornou efectiva a pena de demissão ao abrigo de um outro processo disciplinar, deixando o 2 R. de exercer funções nos Serviços de Saúde da RAEM a partir de 27 de Julho de 2015.
19. Dito isto, dúvidas não restam quanto à responsabilidade civil extracontratual dos médicos e dos enfermeiros que tomaram contacto com o bebé D,
20. Com particular incidência no 2º R., que actuou culposa e dolosamente nos termos no artigo 3º, n.º 2 do Decreto Lei 24/86/M, de 15 de Março, do n.º 3 do DL n.º 28/91/M e dos artigos 480º e 490º do Código Civil de Macau.
21. Assim, ao não fazer intervir oficiosamente todos os profissionais de que tomaram contacto com o bebé e ao absolver os 1º e 2º RR., sentença foi ilegal e injusta, vindo por via disso, os AA. interpor recurso, nos termos gerais invocando designadamente, ERRO DE JULGAMENTO e,
22. ERRO NA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, por se terem verificado extremos de ilogicidade e desconformidade entre a prova produzida e a decisão de facto.
23. Pelo que, através dos factos dados como provados seria possível apurar a conduta dolosa e culposa, designadamente do 2º R.
24. O juiz médio colocado perante este cenário fáctico, que deu como provado, nunca poderia ter concluído no sentido de que “não ficou provado o nexo de causalidade entre os danos de morte peticionados e os factos ilícitos dos RR., imputados pelos AA.”
25. É assim, pela simples razão de que a questão a resolver neste caso não é se os factos ilícitos praticados pelos 1º e 2º RR. foram o nexo de causalidade da morte do bebé, mas sim, descortinar se as medidas de socorro aplicadas pelos médicos contribuíram para salvar o bebé, que padecia de uma doença cardíaca congénita e que tinha 25% de probabilidades de sobreviver, cfr. o relatório da autópsia aponta a fls. 103 vs ao citar o Potter’s Pathology of the Foetus, Infant and Child (2º ed., cp 23).
26. A sentença padece de erros de julgamento, flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão proferida, erro evidente na apreciação da matéria de facto, extremos de ilogicidade e desconformidade entre a prova produzida e a decisão de facto e falta evidente de razoabilidade da convicção probatória mesmo tendo em conta o sacro princípio da livre apreciação da prova.
27. Pelo que desde já se recorre nos termos e com os fundamentos dos artigos 58º ss; 394º/1 c), 413º al. e), 414º, 571º 1 d) 583º; 599º e 629º todos do CPC de Macau.
Termos em que e contando com o indispensável suprimento de Vossas Excelências, deverá ser dado provimento ao recurso e declarada nula ou anulada a decisão proferida na Primeira Instância sobre os pontos acima determinados da matéria de facto, alterando-se em conformidade a matéria de facto nos termos expostos e previstos pelo artigo 629º do CPC, julgando-se in tottum procedente a acção.
Procedendo deste modo farão Vossas Excelências JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu o 1º Réu, Serviços de Saúde da RAEM, ora 1º recorrido, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“a. O despacho de fls. 1818 que admitiu o recurso dos AA. foi proferido no dia 18.05.2018 e a respectiva notificação expedida no dia 21.05.2018.
b. O prazo para apresentação das alegações de recurso, nos termos do n.º 2 do Artigo 613º do CPC é de 30 dias, “a contar da notificação do despacho que admite o recurso”.
c. Prazo esse que terminou do dia 26 de Junho de 2018.
d. E, as alegações de recurso foram submetidas no dia 6 de Julho de 2018.
e. Excepto se os Recorrentes encontrassem fundado motivo para impugnar a decisão recorrida na parte em que decidiu sobre a matéria de facto.
f. Situação em que ao prazo de 30 dias acrescem 10 dias nos termos do n.º 6 do Artigo 613º do CPC.
g. Expediente esse que foi utilizado pelos Recorrentes concomitantemente com uma alegação de ilegitimidade das partes (que foram por si definidas).
h. A reapreciação da prova extravasa a imputabilidade das partes nos termos em que foram definidas pelos AA. ora Recorrentes.
i. Consequentemente, a reapreciação da matéria provada como tentativa de alargar o pedido deve considerar-se um uso indevido deste mecanismo e do respectivo alongamento do prazo que lhe é inerente.
j. Pelo que, o prazo de 30 dias nos termos do n.º 2 do Artigo 613º do CPC deve ser o único a ter em conta e serem julgadas extemporâneas as alegações de recurso dos Recorrentes, não podendo o recurso ser conhecido, o que expressamente se requer.
k. As questões de legitimidade e competência ficaram assentes no âmbito do Despacho Saneador, do qual não houve reclamação ou recurso.
l. Nos termos do Artigo 58º do CPC – “possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
m. Não configurando a lei de outro modo as partes são legítimas pois são o sujeito da relação jurídica tal como ela é definida pelos AA., ora Recorrente.
n. A falta de um pressuposto processual como é a legitimidade constitui uma excepção dilatória, ou seja, uma deficiência do processo que obsta a que o tribunal conheça do mérito, determinando a absolvição da instância (art. 230º e 414º do CPC), pelo que deve ser conhecida o mais cedo possível, a fim de evitar actos inúteis, processualmente proibidos (art. 87º do CPC), e sempre necessariamente antes do conhecimento do fundo da causa.
o. Não faz por isso sentido, salvo o devido respeito, sustentar uma alegação de ilegitimidade em sede de recurso.
p. Contrariamente ao que sustentam os RECORRENTES, a decisão recorrida não violou nenhum princípio e limitou-se a dar cumprimento ao disposto no Artigo 429º, n.º 1, al. a) do CPC, visto o mesmo determinar que no despacho saneador o juiz conheça das excepções dilatórias e a ilegitimidade arguida é justamente uma excepção dilatória, sendo aquele o momento próprio e adequado para dela conhecer.
q. Não assiste razão aos RECORRENTES e deve ser liminarmente indeferida a ilegitimidade alegada, o que desde já expressamente se requer.
r. Os Recorrentes pretendem a reapreciação da prova relativamente a 38 dos 56 quesitos.
s. Dos 38 quesitos apenas relativamente a 6 requerem a reapreciação da prova gravada.
t. Relativamente aos restantes 32, os Recorrentes sustentam a sua fundamentação essencialmente por referência a respostas dadas no processo disciplinar junto aos autos como um dos documentos que servem de referência para a apreciação da matéria controvertida.
u. Não tendo sido a decisão da matéria de facto posta em causa em momento próprio.
v. Sobre os 6 quesitos, cuja alteração se baseia na reapreciação da prova gravada são os quesitos 9, 16, 28, 31, 31F e 58.
w. Alguns pretendem meramente a inclusão de juízos de valor e não de meros factos objectivos sobre os quais recaíram uma valoração por aplicação a instrumentos legais.
x. Outros extravasam o âmbito do pedido, pelo que as conclusões do doutro tribunal a quo não podiam ser diferentes porque limitadas ao pedido.
y. Ou extravasam as conclusões que se podem retirar das declarações feitas pelas testemunhas.
z. Pelo que deve ser indeferido o pedido de reapreciação de prova e confirmada a decisão do Tribunal a quo que concluiu: “(…) não resultou provado o nexo de causalidade entre as actuações do 2º Réu, e a lesão de morte sofrida pelo menor. Por outras palavras, a morte não obstante ocorreu pela ocasião da intervenção médica, não por causa dessa intervenção. (…) Na ausência do nexo de causalidade, não há como responsabilizar o 2º Réu, e por conseguinte o 1º réu nos termos cíveis. (…) Decidindo “… improcedente a acção e em consequência, decide absolver os Réus dos pedidos formulados pelos AA.””
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado improcedente, por não provado, confirmando-se o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, assim se fazendo a costumada Justiça.”
*
O 2º Réu C, ora 2º recorrido, também veio responder ao recurso, oferecendo as alegações nos seguintes termos conclusivos:
“I. Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida pelo Tribunal Administrativo que julgou improcedente a acção e em consequência decidiu absolver os Réus dos pedidos formulados pelos AA.
II. Entendem os Recorrentes que ocorreu erro de julgamento e erro na apreciação da matéria de facto, alegando igualmente “extremos de ilogicidade” e desconformidade entre a prova produzida e a decisão de facto e a falta evidente de razoabilidade da convicção probatória mesmo tendo em conta o sacro princípio da livre apreciação da prova e ainda da nulidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 571º por referência aos artigos 58º ss; 394º al. c), 413º al. e), e 414º todos do CPC.
III. Entende o Recorrido que nada há a apontar à decisão recorrida.
IV. Com efeito, a alínea d) do n.º 1 do artigo 571º do CPC enquadra legalmente a omissão ou o excesso de pronúncia, isto é, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e não se vislumbra na decisão qualquer omissão ou excesso de pronúncia.
V. De resto, mesmo invocando omissão de pronúncia para a questão da alegada “ilegitimidade das partes”, a verdade é que a resposta nos é dada pelo invocado e referido artigo 58º do CPC.
VI. Os Autores, aqui Recorrentes, configuraram a acção como a configuraram e se assim o fizeram foi porque, no entendimento dos mesmos, entenderam que as partes que indicaram eram os sujeitos da relação material controvertida.
VII. Mal se percebendo agora, em sede de recurso, que venham alegar a “ilegitimidade das partes” – como questão prévia – quando nunca o fizeram.
VIII. Os Autores poderiam ter recorrido do despacho saneador “Stricto Sensu”, invocando a ilegitimidade das partes enquanto excepção dilatória (art. 413, al. e), nos termos dos artigos 581º, 583º, 591º, 593º, 602º e 603º, a verdade é que, não tendo recorrido em devido tempo, essa decisão transitou em julgado, nos termos do artigo 582º, 429º n.º 1 al. a) e n.º 2, todos do CPC.
IX. A invocada “questão prévia” é uma falsa questão no modesto entendimento do 2º Réu, pelo que deve ser julgada improcedente.
X. Acresce que o Tribunal a quo não cometeu nenhum erro no julgamento da matéria de facto.
XI. Dos elementos probatórios constantes dos autos – dando-se aqui por integralmente reproduzidos para os devidos legais efeitos -, e de toda a prova produzida, mormente em sede de audiência de julgamento, não poderia o douto Tribunal a quo ter decidido de modo diferente de como decidiu.
XII. O douto Tribunal a quo firmou a sua convicção com base no depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de audiência de julgamento e, bem assim, nos documentos constantes dos autos, os quais fizeram desacreditar por completo a tese defendida pelos AA., ora Recorrentes, e, ao invés, lograram provar a versão dos factos defendida pelo Réu, ora Recorrido.
XIII. Conforme resulta da decisão ora posta em crise, foi analisada a morte do menor e sua causa; a responsabilidade dos Réus e o direito dos AA.
XIV. Concluiu o Tribunal a quo que “Da matéria de facto dada como provada, não resulta provado que a morte do menor, que se deu lugar durante o processo de reanimação em que estiveram presentes o 2º Réu e outros agentes do CHCSJ, era consequência das actuações activas e omissivas do 2º Réu. Não foi demonstrado que “em consequência do comportamento acima descrito do 2º Réu desde a chamada referida em 10) até à morte de D, este veio a morrer” (quesito 31)F da base instrutória), nem que “tendo sido estas causas directas e necessárias da morte do menor” (quesito 62) da base instrutória)…”.
XV. Na verdade, o quesito 31)F encerra o nexo de causalidade, que a par do facto, ilícito, da culpa e do dano, tem necessariamente de existir, o que in casu não aconteceu, inexistindo, assim, responsabilidade civil (extracontratual).
XVI. Por difícil que seja aceitar uma morte, em especial a morte de um filho, o que sem qualquer margem de dúvida é, a verdade é que sem nexo de causalidade entre facto e resultado final não há responsabilidade que possa ser assacada.
XVII. D sofria de “cardiopatia dilatada, associada a doença cardíaca congénita”, sendo que o relatório de autópsia, a fls. 101 e seguintes, revela nas conclusões médico-legais, que “estas são causa de morte natural”, acrescido pelo facto de não terem sido encontradas “lesões traumáticas mortais.”
XVIII. Não tendo ficado provado o nexo de causalidade, sem qualquer reparo, e na apreciação de uma eventual culpa, a decisão do Tribunal a quo apoiou-se na prova produzida e na matéria de facto dada como provado para chegar a uma conclusão lógica.
XIX. “[…] a morte não obstante ocorreu pela ocasião da intervenção médica, não por causa desta intervenção.”
XX. O douto Tribunal a quo mais não fez do que apreciar a prova produzida nos presentes autos de acordo com a observância das regras da experiência ou lógica, com a sua prudente convicção acerca dos factos, socorrendo-se do “Princípio da livre apreciação das provas”, plasmado no artigo 558º do CPC.
XXI. Ao contrário do que pretendem os Recorrentes fazer crer, nada no processo impunha que o douto Tribunal a quo tivesse entendimento diverso do acolhido.
XXII. No processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia qualquer erro que justifique a alteração da decisão por banda do Venerando Tribunal de Segunda Instância.
XXIII. Não existindo, de igual forma a nulidade invocada da alínea d) do n.º 1 do art. 571º do CPC.
Nestes termos, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso a que ora se responde ser o mesmo julgado improcedente e, consequentemente, ser confirmada a douta decisão do Tribunal a quo.
Assim fazendo V. Exas. a costumada JUSTIÇA.”
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O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Para os devidos efeitos, importa recordar a sensata jurisprudência que inculca: A delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas (art. 589º, nº 3, do CPC). As conclusões funcionam como condição da actividade do tribunal “ad quem” num recurso jurisdicional que tem por objecto a sentença e à qual se imputam vícios próprios ou erros de julgamento. Assim, se as alegações e respectivas conclusões visam sindicar algo que não foi sequer discutido, nem decidido na 1ª instância, o recurso terá que ser julgado improvido. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 98/2012)
Em esteira, e de acordo com as conclusões inseridas nas alegações de fls. 1981 a 2127 dos autos, impõe-se-nos apurar se a douta sentença em escrutínio infringir as disposições legais propositadamente invocadas pelos recorrentes na 27ª conclusão para abonar o seu pedido?
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1. Da arguição da ilegitimidade
1.1. Ora, os recorrentes arrogaram, antes de mais, a ilegitimidade das partes passivas na acção por eles intentada no Tribunal Administrativo, por terem intervindo, como réus nessa acção, apenas os Serviços de Saúde e o médico C, e ainda por que deveriam intervir todos os médicos e enfermeiros que tiveram contacto com o bebé D.
Repare-se que ninguém dos autores e réus da dita acção interpôs recurso tempestivo do douto despacho saneador “stricto sensu” na parte em que a MMª Juiz declarou peremptoriamente: As partes são dotadas de personalidade e capacidade e mostram-se legítimas. (cfr. fls. 122 dos autos)
Inculca o Venerando TSI: (vide. Acórdãos nos Processos n.º 727/2007 e n.º 747/2007): A decisão do juiz que conheceu concretamente da questão prévia de legitimidade processual faz caso julgado formal nos autos (arts. 429.º, n.º 2, e 575.º do CPC), e o tribunal ad quem não pode conhecer de questões levantadas no recurso em relação às quais já se formou caso julgado formal.
Tomando como pedra esta brilhante jurisprudência, inclinamos a concluir que a arguição da ilegitimidade passiva pelos autores/recorrentes no presente recurso deverá ser rejeitada, em virtude de que ofende o caso julgado formal constituído pelo sobredito despacho saneador “stricto sensu” na parte de asseverar a legitimidade activa e passiva.
1.2. A petição inicial, só por si, patenteia concludentemente que os próprios autores/recorrentes indicaram apenas dois réus, sendo reportados o 1º aos Serviços de Saúde de Macau e o 2º ao médico C, de outro lado, os autores/recorrentes imputaram propositadamente a ilicitude e culpa aos mesmos, mais concretamente ao médico C, sem invocar imputação a mais nenhum outro médico ou enfermeiro.
O que significa que a causa de pedir configurada pelos próprios autores conduz a que os dois RR. indicados por eles na petição inicial sejam sujeitos passivos da relação material controvertida, e deste molde, eles possuam incontestavelmente a legitimidade passiva na acção culminante com a prolação da douta sentença criticada no recurso em apreço.
Daí decorre que não se verifica in casu a ilegitimidade passiva, e é infundada a arguição da ilegitimidade dos 2 réus. E em boa verdade, não faz sentido algum a 3ª conclusão inserida nas alegações do presente recurso (aí se arrogaram: Deveriam ter intervindo todos os médicos e enfermeiros que estiveram em contacto com o bebé D, designadamente ……).
Nestes termos, a douta sentença in quaestio não ofende as disposições nos arts. 58º, 394º/1-c), 413º/e) e 414º do CPC, nem fere da omissão de pronúncia consignada na d) do n.º 1 do art. 571º deste diploma legal, e é flagrantemente despropositada a invocação do art. 583º do CPC.
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2. Da arguição da ilegitimidade
Bem, os recorrentes assacaram ainda erros de julgamento, flagrante erro evidente na apreciação da matéria de facto, extremos de ilogicidade e desconformidade entre a prova produzida e a decisão de facto e falta evidente de razoabilidade da convicção probatória mesmo tendo em conta o sacro princípio da livre apreciação da prova.
2.1. Assinale-se que a doutrina e jurisprudência vêm afirmando, de maneira constante e pacífica, que a responsabilidade extracontratual da Administração Pública por facto ilícito depende da existência cumulativa dos cinco requisitos, quais são a gestão pública, a ilicitude, a culpa, o prejuízo e o nexo de causalidade adequada (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º 23/2005).
E, é igualmente pacífica a tese doutrinal e jurisprudencial, no sentido de que cabe ao autor da acção para efectivação desta responsabilidade o ónus de alegar e provar o preenchimento dos sobreditos requisitos, sob pena de o seu pedido de indemnização cair na improcedência.
Importa destacar também que os pressupostos da responsabilidade extracontratual da pessoa colectiva pública por facto ilícito se distinguem dos pressupostos da responsabilidade disciplinar dos trabalhadores da Administração, na medida em que por definição no art. 281º do ETAPM, a infracção disciplinar pressupõe apenas na violação culposa de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado.
2.2. Na douta sentença em escrutínio, o MMº não negou a ilicitude ou a culpa, afirmando-as expressamente, o que determinou a absolvição dos réus do pedido indemnizatório consiste, sem mais nem menos, apenas em não resultar provado o nexo de causalidade entre as actuações do 2º R. e a morte do bebé – filho dos autores. Pois, na sentença lê-se que “Na ausência do nexo de causalidade, não há como responsabilizar o 2º Réu, e por consequente, o 1º Réu nos termos cíveis.”
Procedendo à minuciosa leitura do douto Acórdão (vide. fls. 1741 a 1754 verso dos autos), ficamos com a tranquila convicção de que a apreciação das provas pelo tribunal colectivo a quo é articulada, global e sintética, bem como prudente e criteriosa, não descortinando-se erro manifesto do julgamento, nem ilógica ou desconformidade entre a prova produzida e a decisão de facto, nem sequer evidente desrazoabilidade da convicção.
Ressalvado elevado respeito pela opinião diferente e com sincera simpatia para os sofrimentos dos autores por perda do filho, a leitura das provas constantes dos autos deixa-nos a impressão de a doença cardíaca congénita da que padecia o filho deles ser inevitavelmente mortal e fatal.
Pois, o relatório de autópsia afirma que a causa decisiva da morte do filho dos autores traduz na cardiomiopatia dilatada associada à doença cardíaca congénita, e afirmou com certeza uma ilustre médica na qualidade de testemunha no processo disciplinar que o filho deles padecia duma doença incurável, podendo eventualmente viver mais dois ou três dias se tivesse sido mais cuidadosamente tratado (vide. fls. 1313 dos autos, Vol. V).
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:
Os AA. eram os pais do D, portador do BIR n.° 15XXXXX(6) (alínea A) dos factos assentes).
O D nasceu em Macau no dia 7 de Setembro de 2014(alínea B) dos factos assentes).
Vindo a falecer, no Centro Hospitalar Conde São Januário (C.H.C.S.J.), em 19/02/2015, pelas 19H45(alínea C) dos factos assentes).
O D era o titular do cartão dos Serviços de Saúde com o n.°0072XXXX.6(alínea D) dos factos assentes).
O 2° R., C, começou a exercer funções nos Serviços de Saúde, em 30/11/1989, como interno geral, e como médico no Serviço de Pediatria desde Julho de 1995(alínea E) dos factos assentes).
No âmbito do processo disciplinar n.° PD-7/2014 autuado pelos Serviços de Saúde, foi aplicada ao 2° R. a pena de demissão, com efeitos a partir de 16/04/2015(alínea F) dos factos assentes).
No âmbito do processo disciplinar n.° PD-3/2015 autuado pelos Serviços de Saúde, foi aplicada ao 2° R. a pena de suspensão de 150 dias(alínea G) dos factos assentes).
Foi realizada a autópsia ao falecido menor, cujo relatório consta a fls. 101 a 105v dos autos que aqui se dá por integralmente transcrito(alínea H) dos factos assentes).
Em 19/02/2015, o 2° R. estava de escala, no regime de presença física das 8H30 às 8H30 da manhã seguinte, para prestar apoio ao Serviço de Urgência Pediátrica(alínea I) dos factos assentes).
Desde o nascimento, o D deslocou-se ao Centro de Saúde da Areia Preta para consulta na Saúde Infantil, em 22/9/2014, 6/10/2014, 10/11/2014 e 12/1/2015, onde foi examinado pela Dra. E nas primeiras três vezes e pelo Dr. F na última vez (resposta ao quesito 1° da base instrutória).
Nas consultas acima referidas, o menor apresentou um crescimento dentro dos parâmetros considerados normais (resposta ao quesito 2° da base instrutória).
Por força dos dados clínicos disponíveis em 17 de Setembro de 2014 que indicavam que o menor padecia de doenças cardíacas congénitas, o mesmo foi submetido a acompanhamento na especialidade de Cardiologia Pediátrica (resposta ao quesito 3° da base instrutória).
Em 15/10/2014, 26/11/2014 e 4/2/2015, o menor deslocou-se ao C.H.C.S.J. para consulta na Cardiologia Pediátrica, onde foi examinado pelo Dr. G (resposta ao quesito 4° da base instrutória).
Ao detectar que a situação do menor era estável, marcou nova consulta para 18 de Novembro de 2015 com realização de ecografias em Setembro de 2015 (resposta ao quesito 5° da base instrutória).
Até o dia 19 de Fevereiro de 2015, o menor apresentava um crescimento dentro dos parâmetros considerados normais (resposta ao quesito 6° da base instrutória).
Pelas 05H17 de 19/02/2015, o menor deu entrada na Urgência Pediátrica do C.H.C.S.J., onde foi examinado pelo Dr. L (resposta ao quesito 7° da base instrutória).
Tendo-lhe sido dado alta, após observação médica, com a receita médica de Dimetindeno: Sol. Oral 1 mg/ml (20gts=1ml), para tomar oralmente 4 gotas, três vezes ao dia e Domperidona: Susp. Oral 1mg/ml, para tomar oralmente 1,5 ml três vezes ao dia (resposta ao quesito 8° da base instrutória).
Nesse mesmo dia, pelas 15H16, o menor voltou a dar entrada na Urgência Pediátrica do C.H.C.S.J. (resposta ao quesito 9° da base instrutória).
Face aos sintomas apresentados pelo menor, o Dr. F, chamou o 2° Réu, pelas 15H44, através da central telefónica (resposta ao quesito 10° da base instrutória).
O 2° R. respondeu à chamada telefónica e o Dr. F transmitiu-lhe a situação clinica do menor (resposta ao quesito 11° da base instrutória).
Nomeadamente, que se tratava de um menor com 5 meses de idade, com história clínica de “G6PD”, com doença cardíaca congénita, com estenose pulmonar, regurgitação mitral e que estava a ser acompanhado na consulta externa de pediatria (resposta ao quesito 12° da base instrutória).
Também o informou do exame corporal realizado ao menor, que apresentava T36,7°, SPO2 100%, consciente, respiração um pouco rápida, lábios com cianose ligeira, pele morna (resposta ao quesito 13° da base instrutória).
De seguida, o 2° Réu deu instruções ao Dr. F para fazer admissão do menor na sala de observações e proceder à colheita de sangue para análise (resposta ao quesito 14° da base instrutória).
O 2° R. não se deslocou à Urgência Pediátrica para observar o menor (resposta ao quesito 16° da base instrutória).
Pelas 16H31, o Dr. F voltou a chamar telefonicamente o 2° R. (resposta ao quesito 17° da base instrutória).
Tendo-o informado que o menor estava com maiores dificuldades respiratórias (resposta ao quesito 18° da base instrutória).
Depois desse telefonema, o 2° Réu apareceu na Urgência Pediátrica (resposta ao quesito 19° da base instrutória).
O 2° Réu verificou que o menor se encontrava na sala de reanimação da Urgência Pediátrica e estava com taquipneia, cianose nos lábios e nas extremidades das mãos e dos pés e com má circulação (resposta ao quesito 20° da base instrutória).
Cerca das 16H57, o 2° R. consultou o relatório dos gases sanguíneos, tendo tomado conhecimento do seguinte: pH 6.719, P02 27 mmHg, BEecf - 26mmol/L (resposta ao quesito 21° da base instrutória).
Este resultado do pH revelava que o menor estava em estado crítico (resposta ao quesito 22° da base instrutória).
Perante tais resultados, o 2° Réu aplicou ao menor a intubação traqueal (ET Tube) às 17h05 (resposta ao quesito 23° da base instrutória).
Pelas 16H58, o 2° R. pediu ajuda ao Dr. H, médico especialista pediatra, que nesse mesmo dia, estava de escala para prestar apoio na Enfermaria da Pediatria Geral, na Unidade de Cuidados Especiais a Recém-Nascidos, na Maternidade e Sala de Partos e no Bloco Operatório (resposta ao quesito 24° da base instrutória).
Às 17H15, foi decidido, pelo 2° Réu, remover ao menor o tubo traqueal e colocar-lhe uma máscara respiratória (resposta ao quesito 25° da base instrutória).
Por volta das 17H52, o Dr. H recebeu uma chamada do Bloco Operatório do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do C.H.C.S.J. para ir prestar apoio na realização de uma cesariana (resposta ao quesito 26° da base instrutória).
Quando recebeu a chamada para ir dar apoio à cesariana, o Dr. H estava a preparar o estabelecimento do acesso venoso pela veia femoral (resposta ao quesito 27° da base instrutória).
Cerca de 30 minutos depois, o 2° R. regressou à sala de reanimação da Urgência Pediátrica, tendo de seguida participado no resgate do menor (resposta ao quesito 29° da base instrutória).
Pelas 18H25, o Dr. H efectuou, novamente, ao menor, a intubação traqueal (resposta ao quesito 30° da base instrutória).
O 2° Réu era médico responsável do D (resposta ao quesito 31°-A da base instrutória).
O Dr. F era médico interno complementar no 1° Réu, a exercer funções no dia 19 de Fevereiro de 2015, na Urgência Pediátrica (resposta ao quesito 31°-B da base instrutória).
Depois de receber a chamada referida na resposta ao quesito 10°, o 2° Réu devia ter ido observar o menor (resposta ao quesito 31°-C da base instrutória).
O 2° Réu devia ter mantido a intubação traqueal ao menor a qual não devia ter sido substituída pela máscara respiratória (resposta ao quesito 31°-D da base instrutória).
O 2° Réu não devia ter saído da sala de reanimação da Urgência Pediátrica (resposta ao quesito 31°-E da base instrutória).
O menor foi diagnosticado com G6PD - Glucose 6 Phosphate Dehydrogenase Deficiency (“deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase”) no período compreendido entre 17 e 22 de Setembro de 2014 (resposta ao quesito 32° da base instrutória).
Quando deu entrada na Urgência Pediátrica do C.H.C.S.J. pela 2ª vez em 19 de Fevereiro de 2015, o menor esteve com vómitos por mais de 4 dias, com pouco apetite nos dias anteriores, sem apetite e sem tomar qualquer leite neste dia, além dos sintomas e problemas referidos nas respostas aos quesitos 12° e 13° (resposta ao quesito 34° da base instrutória).
Não foram encontradas lesões provocadas pelos cuidados médicos, excepto as resultantes de tentativas de punção venosa que eram necessárias e foram feitas no procedimento normal de tentativa de salvamento do menor (resposta ao quesito 36° da base instrutória).
Em 14 de Setembro de 2014, foram realizadas ecografias ao menor que evidenciavam uma estrutura do coração diferente do normal, embora sem necessidade de medicação (resposta ao quesito 38° da base instrutória).
O 2° Réu chegou à Urgência Pediátrica por volta das 16H45 (resposta ao quesito 43° da base instrutória).
Não obstante as instruções que haviam sido dadas pelo 2° Réu ao Dr. F, durante o período que decorreu entre a 1ª e a 2ª chamada telefónica, as enfermeiras da Urgência Pediátrica não conseguiram fazer a punção venosa ao menor para que lhe fosse recolhido sangue para análise (resposta ao quesito 44° da base instrutória).
E por essa razão não foi possível obter resultados das análises ao sangue (resposta ao quesito 45° da base instrutória).
Nada foi reportado ao 2° R. durante esse período (resposta ao quesito 46° da base instrutória).
Quando chegou à sala de reanimação e apercebendo-se das dificuldades na recolha do sangue, o 2° R. deu de imediato instruções para fazer análises dos gases sanguíneos com base nas pequenas quantidades de sangue obtidas da veia (resposta ao quesito 47° da base instrutória).
O 2° Réu e os enfermeiros de serviço tentavam sem sucesso fazer a punção venosa ao menor (resposta ao quesito 48° da base instrutória).
Face a essas dificuldades em fazer a punção venosa e à situação clínica do menor, o 2° Réu decidiu pedir ajuda ao pediatra especialista, Dr. H (resposta ao quesito 49° da base instrutória).
O estabelecimento do acesso venoso era importante para que pudesse depois ser administrada a medicação (resposta ao quesito 54° da base instrutória).
Com a concordância do Dr. H, o 2° Réu foi realizar a cesariana, tendo regressado mais tarde à sala de reanimação (resposta ao quesito 56° da base instrutória).
Tendo o menor ficado ao cuidado do Dr. H (resposta ao quesito 57° da base instrutória).
A cardiomiopatia dilatada primária é uma doença rara do músculo cardíaco e de difícil diagnóstico (resposta ao quesito 58° da base instrutória).
O peso do menor foi de 7 kg e o peso médio normal do coração seria entre 24 e 51 gramas (resposta ao quesito 59° da base instrutória).
O coração do menor pesava 90 gramas, sofreu alteração patológica e padecia de cardiomiopatia dilatada (resposta ao quesito 60° da base instrutória).
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Comecemos pela questão da ilegitimidade processual invocada pelos recorrentes.
Como diz o artigo 414.º do Código de Processo Civil, deve o tribunal conhecer oficiosamente dessa excepção dilatória.
Não obstante os recorrentes não terem invocado essa questão em primeira instância, a decisão proferida no despacho saneador tabelar não constitui caso julgado formal, por que a questão nunca foi concretamente apreciada pelos tribunais, ao abrigo do n.º 2 do artigo 429.º do diploma legal.
Assim vejamos.
Entendem os recorrentes que para além dos Serviços de Saúde da RAEM e do Réu C, deviam ainda intervir todos os médicos e enfermeiros que estiveram em contacto com o bebé.
A nosso ver, não assiste minimamente razão aos recorrentes.
Conforme se dispõe o artigo 58.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPAC: “Na falta de indicação da lei em contrário, possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
Para esta tese, a legitimidade das partes é aferida de acordo com a configuração dada pelos autores. É a tese propugnada pelo Professor M.
Melhor dizendo, a parte é legítima quando, admitindo-se a existência de determinada relação jurídica controvertida, ela for efectivamente seu titular.1
No caso dos autos, os recorrentes, na qualidade de Autores, intentaram acção contra os Serviços de Saúde e o ex-médico do CHCSJ C, pedindo a condenação dos Réus no pagamento de determinado quantum indemnizatório.
Segundo a configuração dada pelos Autores, os dois Réus seriam responsáveis pelo acto lesivo cometido com base num alegado erro médico.
Sendo assim, admitindo-se a existência da relação jurídica controvertida alegada pelos Autores, aqueles dois Réus é que são partes legítimas dessa mesma relação, e não os outros indivíduos.
Improcede, pois, a excepção de ilegitimidade invocada pelos recorrentes.
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Os recorrentes vêm impugnar a decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação das provas.
Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º s 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
Na mesma senda, salienta-se ainda no Acórdão deste TSI, de 16.2.2017, no Processo n.º 670/2016 que: “Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC” e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
Analisada a prova produzida na primeira instância, nomeadamente atendendo à prova documental junta aos autos e aos depoimentos das testemunhas, entendemos que não somos capazes de dar razão aos recorrentes.
Na verdade, sempre que uma versão de facto seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, com recurso às regras da lógica e da experiência comum.
Ora bem, no tocante aos quesitos 7º, 8º, 9º, 16º, 24º, 25º, 28º, 30º, 31º-C, 31º-D, 31º-E, 46º, 52º, 58º da base instrutória, os recorrentes propõem alterar as respostas dadas àqueles quesitos, entretanto, entendemos que a versão propugnada pelos recorrentes extravasa o âmbito dos respectivos quesitos, pelo que, não resta outra solução senão indeferir o seu pedido.
Em relação ao pedido de alteração das respostas dadas aos restantes quesitos, igualmente não assistir razão aos recorrentes.
Os recorrentes propõem alterar a resposta dada ao quesito 2º, mas essa parte nova já consta da resposta ao quesito 3º, pelo que não há outra solução senão indeferir o pedido.
Pedem para alterar a resposta ao quesito 5º, acrescentando que “a doença cardíaca congénita do bebé não era grave”, mas a nosso ver, esse conteúdo já está abrangido na própria resposta ao quesito, quando se refere que “a situação do menor era estável”, pelo que não julgamos haver necessidade de alterar a tal resposta.
Pedem ainda para alterar a resposta dada ao quesito 15º da base instrutória, dando como provado esse quesito.
Ora bem, os recorrentes pretendem simplesmente pôr em causa a livre convicção do Tribunal recorrido.
Mas como é bom de ver, o Tribunal logrou fundamentar devidamente a sua decisão sobre essa parte da matéria, nos seguintes termos que se transcrevem:
“Não foi, porém, dado como provado que, quando foi feita a 1ª chamada, o 2º Réu se encontrava no seu gabinete e aí permanecera visto que nenhuma prova neste sentido foi produzida durante a audiência de discussão e julgamento. Apenas das declarações prestadas pelo próprio 2º Réu durante o inquérito que deu origem ao processo disciplinar n.º PD-3/2015 (adiante simplesmente designado por inquérito e processo disciplinar respectivamente) consta referência a isso as quais não se afigurou ao tribunal suficiente para demonstrar o citado facto.”
Em nossa opinião, não se vislumbra qualquer erro grosseiro e manifesto por parte do Tribunal recorrido na apreciação dessa matéria, daí que há-de indeferir o pedido dos recorrentes.
Também pedem para alterar a resposta ao quesito 17º, mas a versão ora proposta é irrelevante por ser uma conclusão que já resulta do teor da resposta ao quesito 10º.
Mais, o quesito 31º foi dado como não provado e pedem os recorrentes para dar uma resposta afirmativa.
Ora bem, no que respeita ao sofrimento tido pelo bebé durante o tratamento que recebeu, o Tribunal recorrido explicou que nenhuma prova permite concluir aquilo que vem indicado no quesito 31º.
De facto, apesar de terem invocado o depoimento do médico P, o seu testemunho não foi determinante para sustentar a versão dos recorrentes.
A título exemplificativo, quando questionado sobre as picadas que foram muitas na tentativa de salvamento, disse que “não faz sentido contar as picadas do ponto de vista médico, faz sentido sim notar que houve uma tentativa de intervenção terapêutica”.
Efectivamente, o artigo 558.º, n.º 1 do CPC permite que o Tribunal forme a sua íntima convicção a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimentos gerais, como é o caso dos autos.
Depois, o Tribunal recorrido deu como não provado o quesito 31º-F, mas os recorrentes têm uma opinião contrária.
Trata-se, em bom rigor, de um quesito que aborda a questão do nexo de causalidade entre o facto e o dano (morte).
Sobre essa questão, o Tribunal deu uma explanação muito pormenorizada sobre a decisão dessa matéria, nos seguintes termos que se transcrevem:
“Não obstante a convicção formada acerca do que o 2º Réu devia ter feito e do que este não devia ter feito, como vem indicada nas respostas aos quesitos 31ºC a 31ºE, a prova não permitiu ao tribunal concluir que havia nexo de causalidade entre a morte do menor e as acções e omissões do 2º Réu acima elencadas.
Em primeiro lugar, o relatório de autópsia, que concluiu afirmando que a morte do menor teve lugar depois da falência da bomba cardíaca e a causa da morte era a cardiomiopatia dilatada associada à doença cardíaca congénita, é omisso quanto ao mecanismo patológico que levou à morte como salientou a testemunha P durante a audiência de discussão e julgamento.
Aquando das declarações prestadas por essa testemunha, a mesma declarou que não lhe era possível afirmar se o menor poderia ter sobrevivido ou não se as medidas de resgate tivessem sido tomadas de uma forma adequada e tempestiva e, se sim, por quanto tempo tendo em conta que o menor padecia da cardiomiopatia dilatada que fez com que o tamanho do coração do menor tivesse aumentado de uma forma bastante desproporcionai ao seu corpo e aos demais órgãos e que o tecido do coração apresentava uma alteração patológica gradual mais ou menos prolongada no tempo.
Em segundo lugar, as demais testemunhas a quem idêntica questão foi colocada, designadamente as testemunhas F, N, O e G também tiveram dificuldade em afirmar que as omissões ou acções do 2º Réu causaram a morte do menor, se o menor iria necessariamente morrer em pouco tempo ou por quanto tempo teria sobrevivido.
Apesar disso, nenhuma das testemunhas inqueridas afirmaram no sentido correspondente aos quesitos 61º e 62º.
Na apreciação da prova produzida sobre esse aspecto, o tribunal teve em conta também as declarações prestadas pelas testemunhas acerca das dificuldades de estabelecimento do acesso venoso a pacientes de tenra idade o qual, como foi já referido, era importante para permitir a administração de medicação necessária para o regaste do menor. Ora, está demostrado que todas as tentativas falharam inclusivamente as tidas pela testemunha H, o médico alegadamente com mais experiência e grande taxa de sucesso neste procedimento.
O tribunal também ponderou a observação feita pelas testemunhas F e N de que a probabilidade de sucesso na punção venosa seria maior se o 2º Réu tivesse deslocado imediatamente quando foi chamado pela 1ª vez. Contudo, trata-se ainda de uma probabilidade tendo a própria testemunha N reconhecido que não conseguia afirmar se o acesso venoso teria tido sucesso.
Assim, mesmo admitindo que a manutenção do tubo traqueal teria conseguido fornecer oxigénio tão necessitado pelo menor, como está já demonstrado que a condição do menor exigia ao mesmo tempo a aplicação de medicação pelas vias sanguíneas e como não está demonstrado que a punção venosa teria sucedido se o 2º Réu tivesse ido assistir o menor imediatamente, não foi possível ao tribunal dar um primeiro passo para concluir pela existência do nexo de causalidade.
A isso acresce a segunda incógnita também não dissipada pela prova produzida: a fornecimento de oxigénio e a administração de medicação teriam conseguido salvar o menor. É que, o relatório de autópsia e as declarações da testemunha P apontam claramente para um estado bastante avançado da cardiomiopatia dilatada sendo esta a causa da falência da bomba avançado da cardiomiopatia dilatada sendo esta a causa da falência da bomba cardíaca. Ora, a testemunha H afirmou que o resgaste dependia também da capacidade de resposta do coração para inverter a acidose. Ou seja, a eficácia terapêutica do oxigénio e da medicação pressupunha que o coração do menor funcionasse normalmente, pois apenas assim é que tais elementos poderiam ser eficazmente aproveitados para compensar o desequilíbrio causado pela acidose. Estando demonstrado que o coração do menor tinha os problemas acima elencados, em especial, a cardiomiopatia dilatada em estado avançado, doença esta que, segundo as testemunhas G e N, afecta a capacidade do coração de fazer circular o sangue, foi impossível ao tribunal afirmar que o mesmo teria funcionado bem para usufruir do oxigénio e da mediação que seriam administrados.
Daí as respostas negativas dadas aos quesitos 31ºF, 37º, 61º e 62º da base instrutória.”
A nossa ver, a decisão está muito bem fundamentada, não se vislumbrando qualquer erro por parte do Tribunal recorrido na apreciação dessa parte da matéria, sendo assim, razões não há para alterar a resposta dada pelo Tribunal recorrido.
Em relação à resposta ao quesito 34º, os recorrentes pedem o aditamento da expressão “onde foi examinado em 15/10/2014, 26/11/2014 e 4/2/2015 pelo Dr. G”.
Ora bem, para além de extravasar o âmbito do quesito, a proposta solicitada pelos recorrentes é totalmente impertinente, pelo que há-de indeferir.
O mesmo acontece em relação ao quesito 36º, em que pedem a inclusão da expressão “inúmeras picadas” resultantes de tentativas de punção venosa.
Ora bem, estando provado no quesito que “não foram encontradas lesões provocadas pelos cuidados médicos, excepto as resultantes de tentativas de punção venosa que eram necessárias e foram feitas no procedimento normal de tentativa de salvamento do menor”, a expressão que agora pretendem ser aditada não tem qualquer relevância, devendo ser indeferida a sua alteração, aliás segundo disse o médico testemunha: “não faz sentido contar as picadas do ponto de vista médico, faz sentido sim notar que houve uma tentativa de intervenção terapêutica”.
O Tribunal recorrido deu ainda como não provado o quesito 37º, nele se questiona se a condição física do menor não lhe permitiria sobreviver mais do que um ou dois dias.
Mais uma vez, os recorrentes pretendem apenas pôr em causa a livre convicção do Tribunal mas sem invocar qualquer prova convincente para o efeito.
Efectivamente, o Tribunal fundamentou a sua decisão sobre essa questão, nos seguintes termos que se transcrevem:
“Aquando das declarações prestadas por essa testemunha (leia-se, o médico P), a mesma declarou que não lhe era possível afirmar se o menor poderia ter sobrevivido ou não se as medidas de resgate tivessem sido tomadas de uma forma adequada e tempestiva e, se sim, por quanto tempo tendo em conta que o menor padecia da cardiomiopatia dilatada que fez com que o tamanho do coração do menor tivesse aumentado de uma forma bastante desproporcional ao seu corpo e aos demais órgãos e que o tecido do coração apresentava uma alteração patológica gradual mais ou menos prolongada no tempo.
Em segundo lugar, as demais testemunhas a quem idêntica questão foi colocada, designadamente as testemunhas F, N, O e G também tiveram dificuldade em afirmar que as omissões ou acções do 2º Réu causaram a morte do menor, se o menor iria necessariamente morrer em pouco tempo ou por quanto tempo teria sobrevivido.”
A nosso ver, face às dúvidas acima descritas, não se descortina qualquer erro grosseiro e manifesto por parte do Tribunal recorrido na apreciação dessa matéria, daí que há-de indeferir o pedido dos recorrentes.
Dizem ainda os recorrentes que a resposta ao quesito 40º é contraditório com a resposta ao quesito 31º-C, mas em nossa opinião, não há nenhuma contradição.
Em boa verdade, os quesitos 31º-C e 40º foram formulados em sentido oposto, ou seja, um é facto positivo e outro é negativo, daí que, a prova do facto positivo (quesito 31º-C) e a falta de demonstração do facto negativo (quesito 40º) não constituem qualquer contradição.
Pedem para alterar a resposta dada ao quesito 41º.
É bom de ver que o seu conteúdo está ligado ao quesito 40º, sendo assim, o facto de não ter sido dado como provado o quesito 40º implica necessariamente o mesmo resultado quanto ao quesito 41º, pelo que nenhum reparo merece a resposta dada pelo Tribunal recorrido.
Em relação ao quesito 42º, foi também dado como não provado, e a explicação do Tribunal foi convincente nos seguintes termos:
“No que se refere ao papel do 2º Réu na 2ª consulta, o Regulamento dos Serviços de Urgência de 2006, junto a fls. 892 a 914, define expressamente a responsabilidade do médico especialista durante o período em que este presta serviço em regime de presença física na Urgência Pediátrica. Segundo esse regulamento, o pediatra em serviço nesse regime é responsável pelos pacientes admitidos na sala de observações (vide artigos 3.1.1, 3.1.2 e 4.2.2.2. f)). Articulando isso com a prova documental e a prova testemunhal, o tribunal deu como os quesitos 31º-A e 31º-B e não provado o quesito 42º.”
Razão pela qual há-de indeferir o pedido dos recorrentes.
Os recorrentes pedem ainda para alterar a resposta dada ao quesito 43º, mas aquilo que se pretende ser aditado é redundante, face ao teor da resposta ao quesito 10º.
O mesmo acontece em relação ao quesito 44º, aquilo que se pretende ser aditado já consta das respostas aos quesitos 11º e 14º da base instrutória.
No que toca ao quesito 48º, os recorrentes entendem que eram os colegas do 2º Réu e os enfermeiros de serviço, e não o próprio 2º Réu e os enfermeiros, que tentavam fazer a punção venosa ao menor.
Ora bem, de acordo com a prova existente nos autos, dúvidas não restam de que toda a equipa constituída por médicos e enfermeiros estavam a tentar fazer a punção venosa ao menor, não fazendo sentido dizer que o fulano x só fez isto e o fulano y fez aquilo. Não há, a nosso ver, erro na apreciação da matéria.
Depois, os quesitos 50º e 51º foram dados como não provados, e o Tribunal bem fundamentou a sua decisão nos termos seguintes e que não nos merece qualquer reparo:
“Relativamente à questão de saber se o 2º Réu devia ter mantido a intubação traqueal, estão em causa o motivo da sua remoção e a necessidade da sua manutenção ou reaplicação.
Sobre o motivo da remoção, vem alegado que o foi porque o menor, 10 minutos depois da inserção do tubo traqueal, conseguiu respirar espontaneamente.
Consta dos registos clínicos que a intubação traqueal foi aplicada às 17h05 e o tubo foi removido às 17h15, altura em que, segundo os mesmos registos, a respiração do menor era fraca.
Das testemunhas ouvidas sobre essa questão, apenas a K estava presente quando foi removido o tubo traqueal tendo a mesma referido que o foi porque estava mal colocado. A testemunha H declarou em audiência que o tubo fora removido porque estava mal colocado tendo, no entanto, afirmado que o fora porque o menor tinha respiração espontânea aquando do inquérito. A testemunha N, fazendo referência ao que lhe transmitira a testemunha H, declarou que o tubo fora removido porque estava mal colocado e porque o menor tinha ligeira respiração espontânea. Além disso, consta do inquérito declarações de duas enfermeiras que participaram no resgaste do menor, J e I. Segundo a primeira, o tubo foi removido porque estava mal colocado e porque o menor tinha respiração espontânea. Conforme a segunda, o tubo foi removido porque estava mal colocado.
Uma vez que as provas produzidas não permitiram qualquer grau de certeza acerca da razão por que o tubo traqueal foi removido, em especial, se o foi porque o menor tinha respiração espontânea, o tribunal respondeu ao quesito 25º eliminando esta parte e deu como não provado o quesito 50º.
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Quanto à questão de saber se o 2º Réu devia ter mantido a intubação traqueal, as testemunhas O, G e N, afirmaram que o menor devia ter sido mantido em intubação traqueal ou esta ser reaplicada imediatamente porque o índice de acidose revelava que a situação era muito grave a qual impunha o fornecimento de oxigénio ao menor por um meio mais eficaz. A isso acresce a conclusão a que chegou o Centro de Avaliação das Queixas relativas a Actividades de Prestação de Cuidados de Saúde, adiante simplesmente designado por CAQ. Segundo o CAQ, a intubação traqueal devia ter sido reaplicada logo após a remoção do tubo uma vez que os resultados do exame dos gases sanguíneos apontavam para uma situação de acidose bastante severa – cfr. relatório do CAQ junto a fls. 1124 a 1130.
Na apreciação desses dados, o tribunal teve em conta as razões apresentadas pelas testemunhas e avançadas pelo CAQ para defender a manutenção ou reaplicação da intubação traqueal as quais foram plausíveis e convincentes.
Foi por força disso que o tribunal deu como provado o quesito 31ºD e não provado o quesito 51º.”
Em relação aos quesitos 53º e 54º, foram respondidos em conjunto, e não vemos razão para alterar as respectivas respostas.
Em boa verdade, o Tribunal debruçou-se sobre essa matéria nos seguintes termos transcritos:
“Sobre essa matéria, a própria testemunha H respondeu dizendo que, quando recebeu a chamada para prestar auxílio à cesariana, estava a preparar a punção venosa através da veia femoral. Além disso, a prova testemunhal bem como o relatório do CAQ junto a fls. 1124 a 1130 são claros quanto à importância do estabelecimento do acesso venoso designadamente para a administração da medicação necessária ao resgaste. Por força dessas provas, o tribunal deu apenas como parcialmente provada a matéria constante desses quesitos.”
Não vemos, a nosso ver, qualquer reparo.
Discute-se no quesito 56º se o 2º Réu foi realizar a cesariana com a concordância do Dr. H, tendo regressado mais tarde à sala de reanimação.
Os recorrentes querem acrescentar que a saída do 2º Réu para realizar a cesariana foi por sua iniciativa própria.
Ora bem, a nosso ver, para além de extravasar o âmbito do quesito, trata-se de uma matéria impertinente, considerando que apenas é importante saber se o 2º Réu tinha ou não saído, e quanto à questão de saber se foi ou não por sua iniciativa é uma questão pouco pertinente.
Quanto ao quesito 57º, os recorrentes pedem um aditamento.
Salvo melhor opinião, aquilo que se pretende ser aditado já consta da resposta ao quesito 31º-A, pelo que não resta outra alternativa senão o seu indeferimento.
Finalmente, no que se referem aos quesitos 60º a 62º, estes lidam também com a questão do nexo de causalidade.
Como foi dito acima, a decisão está muito bem fundamentada quanto a esta parte, não se vislumbrando qualquer erro por parte do Tribunal recorrido na apreciação desta matéria, o que significa que razões não há para alterar as respostas dadas aos referidos quesitos.
Por tudo quanto deixou exposto, improcede o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
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Na medida em que provado não ficou o nexo de causalidade entre as actuações do 2º Réu e a lesão de morte sofrida pelo menor, não se pode falar em responsabilidade dos Réus.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça fixada em 8 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 4 de Julho de 2019
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Tong Hio Fong Mai Man Ieng
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
1 Viriato Lima, Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, pág. 215
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Recurso Jurisdicional 876/2018 Página 47