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Processo do recurso penal nº 775/2019


Recorrente: A

Acórdão na secção de processos em matéria criminal do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório

A, devidamente identificado nos autos, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância da decisão que lhe negou a concessão da liberdade condicional, proferida pelo Mmº Juiz do 1º Juízo de Instrução Criminal no âmbito do processo de liberdade condicional nº PLC-076-17-1º-A

Concluiu na motivação nos seguintes termos:
1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão judicial proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido de concessão de liberdade condicional deduzido pelo ora Recorrente.
2. Atentos os pressupostos para a concessão da liberdade condicional, crê-se que se deveria ponderar uma diferente decisão, no sentido de conceder a liberdade condicional ao ora Recorrente.
3. O presente Recurso foca-se na questão de saber se foram atendidos os pressupostos para a concessão da liberdade condicional, e em consequência se a decisão está devidamente fundamentada, ou pelo contrário se existe uma contradição na fundamentação, por erro na apreciação dos referidos pressupostos.
4. A decisão proferida pelo meritíssimo juiz do tribunal a quo, da qual ora se recorre, indeferiu o pedido de concessão da liberdade condicional do Recorrente, concluindo, em suma, que a concessão da liberdade condicional ao Recorrente abalaria a confiança que a sociedade tem no sistema jurídico, não se encontrando por isso reunidos os pressupostos materiais para a concessão da liberdade condicional, por se entender não estarem preenchidos os requisitos previstos na alínea b) do n.º 1 do art.º 56.º do código penal.
5. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se poderá certamente concordar com tal raciocínio feito, pois tal fundamentação não se afigura suficiente para sobrepor aos circunstancialismos de facto tão evidentes de bom comportamento do recluso, que constituem os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional e são capazes de neutralizar aquele requisito material.
6. Todas as opiniões nos autos, quer do Exm.º Chefe dos Guardas do Estabelecimento Prisional de Macau (a fls. 9), quer do Técnico de Reinserção Social (a fls. 16), quer do Director do Estabelecimento Prisional (a fls. 8), quer do Digno Magistrado do Ministério Público (esta a fls. 50), vão no sentido de ser o recluso merecedor de uma oportunidade de reintegração social.
7. Contudo, contra o vasto conjunto das circunstâncias e ponderações favoráveis à liberdade antecipada do Recorrente, o Mm.º Juiz de Instrução recusou, no douto despacho ora recorrido, a liberdade condicional do recluso, ora Recorrente, uma vez que o Recorrente cometeu um crime muito grave, podendo, caso a liberdade condicional fosse concedida, abalar a confiança dos cidadãos cumpridores da lei e simultaneamente colocar em causa o efeito dissuasor da lei.
8. Ou seja, apesar de se reconhecer que o Recorrente é primário, que é a primeira vez que é preso, que já cumpriu dois anos e oito meses de prisão, que não violou nenhum regulamento do estabelecimento prisional, que tem um bom comportamento, que evidenciou um grande sentido de iniciativa em participar em actividades educativa e de formação, e ter evidenciado um desenvolvimento de personalidade positivo, considerou-se que: "結合本案具體情節,當中有關不法行為於2012年至2015年期間一直實施,而被判刑人參與作案時間長達兩年,當中涉及多個本澳公共停車場的批給,涉及金額非常龐大。倘現時提前釋放被判刑人,會使社會大眾對有關法律的信心產生負面影響,同時亦會動搖法律的威攝力。基於此,法庭認為本案現階段尚未符合《刑法典》第56條第1款b)項的要件。”
9. Ora, com o devido respeito pela douta opinião do Mm.º Juiz, não entendemos ser razoável a posição assumida, pois todos os indicadores objectivos são demonstrativos da ressocialização do Recorrente, donde apenas pode resultar, objectivamente, um juízo de prognose favorável relativamente à reinserção do Recorrente na sociedade.
10. Ademais, as circunstâncias alegadas para a recusa da liberdade condicional, foram em devido tempo e em sede própria tidas em consideração aquando da determinação da medida concreta da pena aplicada ao Recorrente, sendo esta, reveladora de um juízo de diminutas necessidades de prevenção geral e prevenção especial do Recorrente em comparação com os demais Arguidos.
11. Sendo importante referir que o Recorrente confessou, colaborou desde sempre com os órgãos judiciais positivamente e demonstrou-se seriamente arrependido, conforme se realça na própria decisão recorrida: “被判刑人在庭審期間承認控 罪、積極配合司法當局,其表示對所犯罪行感到悔疚。”
12. Pelo que não é admissível, agora fundamentar o indeferimento do seu pedido de liberdade condicional, perante tais evidências documentalmente suportadas da sua ressocialização, apenas com as razões invocadas, sob pena de o processo de liberdade condicional deixar de ser um processo assente em dados objectivos, que suportam um juízo de prognose favorável ou desfavorável, conforme os casos, e passe a ser um processo totalmente subjectivo e discricionário.
13. Existem meios de acompanhamento do período pós-libertação do recluso que constituem um poderoso meio de auxílio à avaliação da decisão da libertação do recluso e que permitem acautelar qualquer razão de prevenção geral invocada de uma decisão que viesse a mostrar-se injustificada, tal como foi sugerido pelo douto Ministério Público: “檢察院司法官表示不反對給予被判刑人假釋,但建議法庭在批准假釋時規定被判刑人須遵守以下義務:1.努力從事一項正當工作; 2.不得與不良份子為伍; 3.接受社會重返廳社工跟進; 4.不再犯罪(見卷宗第50頁)。”
14. O tipo de crime praticado e pelo qual foi condenado já foi julgado pela sociedade e devidamente penalizado pela lei, pelo que não se concorda quando se fundamenta a decisão de não concessão da liberdade apenas nas razões invocadas, no facto de: “結合本案具體情節,當中有關不法行為於2012年至2015年期間一直實施,而被判刑人參與作案時間長達兩年,當中涉及多個本澳公共停車場的批給,涉及金額非常龐大。倘現時提前釋放被判刑人,會使社會大眾對有關法律的信心產生負面影響,同時亦會動搖法律的威攝力。基於此,法庭認為本案現階段尚未符合《刑法典》第56條第1款b)項的要件。”, sem contrabalançar com o esforço de auto-repreensão, culpabilidade, arrependimento, de sinceros remorsos e vergonha por tal comportamento, por parte do Recorrente, que aliás foi realçado, caso contrário, perde-se o conceito de liberdade condicional.
15. Pois, o comportamento demonstrado pelo Recorrente ao longo do deste período de tempo aliado ao seu firme propósito, de não praticar quaisquer actos ou envolver-se, por qualquer forma ou meio, em ilícitos criminais considera que adequado seria e compatível com as finalidades de punição e de exigência de punição no ponto de vista de prevenção geral do crime, conceder-se a liberdade condicional ao ora Recorrente, por estarem preenchidos todos os pressupostos formais e subjectivos capazes de neutralizar o grau de risco de perigo e ataque contra os princípios da defesa da ordem jurídica e da paz social.
16. Por sua vez, atento o tipo de crime cometido, e ponderado no período da pena que já cumpriu e atento o período que lhe falta cumprir, considera-se verificado o pressuposto da alínea b) do mencionado artigo 56º do CPM, mesmo que se condicione a sua concessão à observância de "regras de conduta" sugeridas pelo douto Ministério Público, sendo mais útil junto da sua família, para que possa trabalhar e ajudar a suportar as despesas da sua família, e pagar a indemnização a que foi condenado, como exemplo para a sociedade.
17. Contudo, é importante não esquecer que a par da prevenção da segurança social está também o dever de educar, ensinar e de reinserção dos que saíram da prisão e de alguma maneira estão prontos para conseguirem reentrar novamente numa vida social honesta, e podemos ver que todos alicerces que sustentam o seu relatório social transpiram esse Homem novo.
18. Pelo que, reunidos os pressupostos para a concessão da liberdade condicional, inerentes nos fins de prevenção geral e especial, podemos concluir que a pena que já cumpriu atingiu a sua finalidade, considerando-se que se pode dar uma oportunidade e um voto de confiança ao ora Recorrente, colocando o Recluso na situação de liberdade condicional.
19. Termos em que, não se conformando com a douta decisão que lhe negou a concessão da liberdade condicional, da mesma vem recorrer, motivando para concluir, a imputação à mesma, do vício da violação do disposto no artigo 56º do CPM, com um erro, salvo o devido respeito por opinião diferente, na apreciação dos pressupostos da concessão da liberdade condicional, considerando-se que os mesmos encontram-se reunidos.
Pelo exposto, pede-se ao Venerando Tribunal de Segunda Instância para julgar procedente o presente recurso, devendo concluir-se pela revogação da decisão recorrida concedendo-se a pretendida liberdade condicional ao Recorrente,
  Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! !

A este recurso, respondeu o Ministério Público opinando a procedência do recurso – cf. fls. 95 e s.s. dos p. autos.

Subido o recurso para este tribunal, o Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer no sentido de procedência do recurso – cf. fls. 122 e s.s. dos p. autos.

Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Fundamentação

Antes de mais, é de realçar aqui ao tribunal de recurso não cabe apreciar ou responder a todos os argumentos deduzidos pelo recorrente para sustentar a sua pretensão, mas apenas as questões que constituam o objecto do recurso e cuja apreciação seja indispensável à boa decisão do pedido do recurso.

Conforme se vê na motivação do recurso, o ora recorrente imputa à decisão recorrida o vício da violação do artº 56º do Código Penal.

In casu, está em causa uma decisão negatória de liberdade condicional.

A questão em apreço é saber se estão verificados todos os pressupostos para a concessão da liberdade condicional ao abrigo do artº 56º/1 do Código Penal.

De acordo com elementos constantes dos autos, não se levanta qualquer dúvida quanto à verificação dos pressupostos formais a que se alude o corpo do artº 56º/1, dado que o recorrente cumpriu já 2/3 de pena de prisão.

Quanto à verificação ou não dos pressupostos materiais, afigura-se-nos ser de louvar na íntegra as razões sensatas e perspicazes já invocadas na sentença recorrida.

Ora, uma simples leitura da decisão recorrida permite-nos perceber que o Mmº Juiz a quo, ao negar a pretendida liberdade condicional ao ora recorrente já tomou em consideração todo o preceituado no artº 56º/1 do Código Penal, ou seja, na óptica do Mmº Juiz a quo, atendendo a natureza e o elevado grau da censurabilidade do crime que originou a condenação do ora recorrente, há uma maior exigência quanto a este tipo de crimes, maior exigência de ver restabelecido o sossego ou paz social.

Na verdade, os factos pelos quais o ora recorrente foi condenado integraram a prática de 12 crimes de comparticipação económica em negócio, previstos e punido pelo artº 342º/1 do CP, em co-autoria e em coluio com vários comparticipantes, nomeadamente dois funcionários públicos, que, atendendo à grande pluralidade dos crimes praticados em concurso efectivo e pela sua natureza abstracta deste tipo de crime, representam já o elevado grau de desvalor de acção e de resultado, quer em relação a confiança da comunidade quanto à justeza de adjudicações de serviços públicos, quer a interesses de potenciais utentes de parques de estabelecimento de veículos públicos, assim como em relação à comunidade em geral, revelando-se altamente perturbador da ordem jurídica em geral e da tarefa de realização dos interesses públicos pela Administração Pública da RAEM em específico.

Portanto, não obstante o comportamento mais ou menos adequado do recorrente durante o cumprimento da prisão, o certo é que não há outros elementos nos autos que apontam para a existência de uma evolução da personalidade do ora recorrente tão positiva que possa neutralizar o impacto que provocará o seu reingresso antecipado na nossa sociedade, de modo a que não fique posta em causa a função da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, já assegurada no momento da sua condenação, pelo quantum, determinado pela gravidade e censurabilidade dos factos, da pena que o ora recorrente está a cumprir, somos assim levados a crer que a sua libertação antecipada poderá enfraquecer a tal função e se não mostrará compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, especialmente na vertente da prevenção geral.

Não merecendo portanto qualquer censura a decisão recorrida, é de julgar mesmo improcedente o recurso.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, com 3 UC de taxa de justiça.

Notificações e comunicações necessárias.


Macau, 08AGO2019
Lai Kin Hong
Chan Io Chao
Lei Wai Seng




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