Processo n.º 82/2015. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: B.
Assunto: Capacidade distintiva da marca. Espécie e qualidade dos produtos e serviços. 速戰百家樂 e Fast Action Baccarat.
Data do Acórdão: 30 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
As marcas 速戰百家樂 e Fast Action Baccarat, nome de jogo de casino apenas oferecido pelo titular da marca em Macau, constituem expressão respeitante à designação indicativa da espécie e qualidade dos produtos e serviços a que se destina, pelo que violam o disposto no artigo 199.º, n.º 1, alínea b) do RJPI.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
A interpôs recurso judicial dos despachos de 24 e 27 de Janeiro de 2014, da Chefe do Departamento de Propriedade Industrial, da Direcção dos Serviços de Economia (DSE), que recusou o registo, respectivamente, das marcas N/XXXXX 速戰百家樂 e N/XXXXX, FAST ACTION BACCARAT para assinalar serviços incluídos na classe 41.ª.
Por sentença, de 11 de Novembro de 2014, foi julgado improcedente o recurso.
A interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por Acórdão de 18 de Junho de 2015, negou provimento ao recurso.
Inconformada, recorre A (doravante designada ora recorrente) para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões:
a. As marcas a que se reportam os pedidos de registo N/XXXXX e N/XXXXX são marcas nominativas, compostas pelas expressões 速戰百家樂 e FAST ACTION BACCARAT.
b. A decisão recorrida aponta às marcas 速戰百家樂 e FAST ACTION BACCARAT falta de distintividade, porque correspondem a um tipo de jogo e a uma sua característica, caindo na alçada das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º do RJPI.
c. A marca é registável quando possua um mínimo de capacidade distintiva.
d. 速戰百家樂 e FAST ACTION BACCARAT são marcas sugestivas, com as quais a Recorrente pretende fazer alusão a uma das características de um jogo por si desenvolvido e exclusivamente por si oferecido ao público.
e. As marcas sugestivas são, a par das marcas de fantasia e das marcas arbitrárias, registáveis.
f. 速戰百家樂 e FAST ACTION BACCARAT não correspondem a termos usuais, tanto mais que só a Recorrente os usa.
g. 速戰百家樂 e FAST ACTION BACCARAT são sinais inovadores, associados à inovação tecnológica desenvolvida pela Recorrente.
h. Todas as patentes ou invenções têm que ter um sinal que as identifique e 速戰百家樂 e FAST ACTION BACCARAT proporcionam essa identificação, funcionando por sua vez como sinais distintivos.
i. Ao considerar que as marcas N/XXXXX e N/XXXXX são exclusivamente compostas por termos descritivos, usuais e correntes, o acórdão recorrido violou as normas ínsitas no artigo 197.º e nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 199.º do RJPI.
II – Os factos
Os factos considerados provados pelos Tribunais de Primeira e Segunda Instâncias, são os seguintes:
A. Em 31 de Outubro de 2012, a Recorrente apresentou o pedido de registo de marcas N/XXXXX, para assinalar serviços da classe 41ª. A sua marca é constituída por: 速戰百家樂
B. No mesmo dia, a Recorrente apresentou à DSE o pedido de registo de marcas N/XXXXX, para assinalar serviços da classe 41ª. A sua marca é constituída por: FAST ACTION BACCARAT.
C. Em 7 de Outubro de 2013, dos pedidos de registo de marcas indicados a parte contrária B apresentou reclamações à DSE.
D. Em 11 de Novembro de 2013, a Recorrente apresentou contestação à DSE sobre as duas reclamações indicadas em C.
E. Em 24 de Janeiro de 2014, a Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da DSE deu a sua concordância ao teor da informação nº XX/DPI, proferindo na mesma o despacho de recusa do pedido de registo N/XXXXX.
F. Em 27 de Janeiro de 2014, a Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da DSE deu a sua concordância ao teor da informação nº XX/DPI, proferindo na mesma o despacho de recusa do pedido de registo N/XXXXX.
G. Os dois despachos de recusa de registo de marca indicados em E e F foram publicados no Boletim Oficial da RAEM nº 8, Série II, de 19 de Fevereiro de 2014.
H. Em 19 de Março de 2014, a Recorrente interpôs recurso junto do Tribunal Judicial de Base.
I. “速戰百家樂” e FAST ACTION BACCARAT são os nomes comerciais que a Recorrente decidiu atribuir, a um serviço novo por si prestado em casino, assente numa inovação tecnológica introduzida no jogo do baccarat.
J. Trata-se de uma inovação que é exclusiva da Recorrente e que só a Recorrente usa nos seus casinos de Macau.
K. Essa inovação traduziu-se na apresentação de um pedido de patente nos EUA (US 2013/866,351), em Macau (I/001219) e por via do PCT (PCT/IB2013/001111), por C e D.
L. A Requerente foi a criadora e é detentora de direitos sobre a modalidade de Fast Action Baccarat.
M. As modalidades de “face-up baccarat” e de “no commission baccarat” têm sido disponibilizadas em diversos casinos, incluindo o E.
N. A B CASINO S.A., concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar em Macau está também autorizada pela DICJ a explorar mesas de “face up baccarat”.
O. Os casinos do F também disponibilizam mesas de “no commission baccarat”.
P. O B também disponibiliza mesas de “no commission baccarat” – aliás, 83% das mesas de baccarat disponibilizadas pelo B nas áreas de jogo de massas são mesas de “no commission baccarat”.
III – O Direito
1. A questão a resolver
Trata-se de saber se as marcas N/XXXXX 速戰百家樂 e N/XXXXX, FAST ACTION BACCARAT têm capacidade distintiva.
2. Capacidade distintiva da marca
No Processo n.º 64/2015, deste Tribunal, A interpôs recurso judicial do despacho de 27 de Janeiro de 2014, da Chefe do Departamento de Propriedade Industrial, da Direcção dos Serviços de Economia, que recusou o registo da marca N/XXXXX, FAB, para assinalar serviços incluídos na classe 41.ª.
Por sentença, de 6 de Outubro de 2014, foi julgado improcedente o recurso.
A. interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por Acórdão de 30 de Abril de 2015, concedeu provimento ao recurso.
Inconformada, recorreu B para este TUI que, em 23 de Outubro de 2015, proferiu o seguinte acórdão (citam-se as partes pertinentes):
«1. A questão a resolver
Trata-se de saber se a marca FAB tem capacidade distintiva.
2. Capacidade distintiva da marca
O registo da marca FAB foi recusado com fundamento nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º do RJPI, onde se dispõe:
“Artigo 199.º
(Excepções e limitações à protecção)
1. Não são susceptíveis de protecção:
a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
2. Os elementos genéricos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior que entrem na composição de uma marca não são considerados de utilização exclusiva do requerente, excepto quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
3. A pedido do requerente ou de reclamante, a DSE indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de utilização exclusiva do requerente”.
A decisão administrativa e seus fundamentos foram aceites pelo Ex.mo Juiz de 1.ª Instância, que negou provimento ao recurso daquela interposta.
Já o acórdão recorrido não concordou com tal posição, tendo dito a tal propósito:
“Ao contrário do que entende o Exm.º Juiz a quo, a expressão FAB em si, por ausência de significado próprio, não tem a virtualidade de sugerir seja o que for sobre a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação de serviço, ou outras características dos mesmos.
Só com as explicações pela própria requerente, ora recorrente, nós ficamos a saber que afinal, a expressão FAB é uma sigla proveniente das iniciais do nome, expresso na inglesa, que é Fast Action Baccarat que a requerente criou para designar o tipo de jogo a que se destina a marca registanda.
Na verdade, se não tivesse sido dito pela própria requerente como é que foi concebida a tal expressão FAB, nós, tal como as pessoas em geral, não poderíamos associar, de imediata, a Fast Action Baccarat.
Pois uma coisa é a expressão Fast Action Baccarat, outra coisa é o sinal FAB.
Se a expressão Fast Action Baccarat não é susceptível de registo por conter indicações que possam servir para designar aquele tipo de jogo, esse sinal FAB, embora consistente na sigla de Fast Action Baccarat, não é conotada pelo cidadão comum como uma expressão respeitante à designação indicativa da espécie e qualidade dos produtos e serviços a que se destina.
Portanto, para além de não conter em si indicações que possam servir no comércio para designar a espécie e a qualidade de produtos/serviços a que se destina, a marca registanda FAB, constituída por letras latinas, satisfaz os requisitos linguísticos prescritos no art° 198º do RJPI”.
Concordamos, fundamentalmente, com o que se acaba de transcrever.
Se o requerente da marca pretendesse registar como tal Fast Action Baccarat, esta marca não poderia ser aceite porque integraria sinais constituídos exclusivamente por indicações que servem no comércio para designar a espécie ou qualidade da prestação do serviço em causa. Mas não é o caso. A marca é FAB e diz o acórdão recorrido que “esse sinal FAB, embora consistente na sigla de Fast Action Baccarat, não é conotada pelo cidadão comum como uma expressão respeitante à designação indicativa da espécie e qualidade dos produtos e serviços a que se destina”.
Alega a ora recorrente na sua alegação que “pese embora, até ao momento, seja a A. a única concessionária que proporciona aos seus clientes esta nova versão do jogo do Baccarat, nada obsta a que, no futuro, as restantes concessionárias possam também oferecer a mesma versão do jogo, à imagem do que já acontece com a forma tradicional ou face-up desse mesmo jogo”.
Isto é exacto. O que já não é certo é a sua conclusão, baseada na sentença de 1.ª Instância, que o registo da marca registanda, conduziria a uma situação em que a marca confundir-se-ia com o próprio jogo, com o próprio serviço que visava proteger, sendo que estar-se-ia a conceder o monopólio do uso da marca identificativa de um jogo que é de uso generalizado por todas as operadoras e que por nenhuma delas pode ser apropriado em termos de exclusividade.
Mas não é assim, nada obsta a que a ora recorrente ofereça este jogo e o designe como quiser, incluindo com um sinal nominal monossilábico, como é o caso da marca registanda.
Claro que a ora recorrida pode ter uma vantagem em o mercado já associar o jogo ao nome FAB. Mas a razão para tal não reside na circunstância de FAB constituir as iniciais do nome do jogo em língua inglesa, que a generalidade das pessoas desconhece, como se deu como provado, mas por ser a primeira concessionária a introduzir o jogo, fazendo com que o mercado o conheça pelo nome que ela escolheu. Mas estas são circunstâncias de concorrência, que não são tuteladas pelas normas que regem o registo de marcas.
Em suma, não procede o recurso».
3. O caso dos autos
Como vimos, considerámos no acórdão de 23 de Outubro de 2015 que se o requerente da marca pretendesse registar como tal Fast Action Baccarat, esta marca não poderia ser aceite porque integraria sinais constituídos exclusivamente por indicações que servem no comércio para designar a espécie ou qualidade da prestação do serviço em causa.
Mantemos esta opinião.
速戰百家樂 é a expressão em chinês para Fast Action Baccarat, pelo que se lhe aplicam idênticas considerações.
Assim, deve ser confirmada a decisão da DSE.
IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela ora recorrente em todas as instâncias.
Macau, 30 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
1
Processo n.º 82/2015
11
Processo n.º 82/2015