Processo n.º 526/2019
(Autos de recurso laboral)
Data: 11/Julho/2019
Assunto: Repouso semanal no oitavo dia
SUMÁRIO
A Ré só atribuía um dia de repouso ao Autor após decorridos sete dias de trabalho contínuo e consecutivo, ou seja, em vez de gozar um dia (ou vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, o trabalhador só tinha direito a repouso, pelo menos, no oitavo dia.
Desta forma, no dia em que deveria ter gozado descanso semanal, o Autor prestou trabalho à Ré, pelo que o seu direito terá que ser compensado.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo n.º 526/2019
(Autos de recurso laboral)
Data: 11/Julho/2019
Recorrente:
- A (Ré)
Recorrido:
- B (Autor)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
B intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da A no pagamento do montante de MOP64.970,00, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP50.808,64, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do dia seguinte ao da notificação da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, interpôs a Ré recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor no valor global MOP42.230,00 a título de compensação pelo trabalho prestado pelo Autor após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de 7 dias.
II. Salvo devido respeito, que se adianta ser muito, está a Recorrente em crer que a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, mostrando-se, por isso, inquinada de erro na aplicação do Direito.
III. O Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja o artigo 17º do DL n.º 24/89/M, nem a norma contida no artigo 18º do mesmo diploma.
IV. Uma leitura atenta do disposto no artigo 17º do DL n.º 24/89/M permite concluir que os trabalhadores têm direito a gozar em cada período de sete dias um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas – o qual será fixado de acordo com as exigências de funcionamento da empresa – sem referir se o mesmo se refere a um dia, por exemplo, a uma segunda – feira, ou a parte de uma segunda – feira e parte da terça – feira seguinte, (indo aliás neste sentido nota n.º 3º do douto acórdão n.º 253/2002, citado pelo Tribunal a quo na decisão ora em crise).
V. Atento o Artigo 17º, o empregador pode escolher, dentro de cada período de sete dias, o momento em que deve ocorrer o descanso, sem necessidade de ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho que ocorrem antes e depois do dia de descanso.
VI. A Lei não proíbe que se trabalhe mais do que seis dias consecutivos – como defendia o Autor e veio a ser entendido pelo Tribunal – mas apenas impõe que em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas sejam de descanso, o qual pode calhar em qualquer um dos dias desse período de 7 dias, independentemente do número de dias de trabalho consecutivos que lhe precedem ou que se seguem.
VII. A expressão “em cada período de sete dias” não impõe o momento exacto em que o descanso deve ocorrer, isto é, não impõe que seja no 7º, apenas determina o intervalo de tempo – sete dias – em que esse mesmo descanso deve ser gozado.
VIII. Veja-se aliás que no mencionado artigo 17º não se faz menção a dias de trabalho consecutivo mas apenas exige que o período de descanso seja de 24 horas consecutivas em cada período de sete dias sem cuidar de saber quantos dias o trabalhador trabalhou antes desse dia e quantos vai trabalhar depois.
IX. Do que se vem dizendo e do que se retira da leitura atenta do preceito parece evidente que o princípio do descanso semanal não equivale a um princípio de descanso ao sétimo dia, ou seja, ao fim de 6 dias de trabalho.
X. Aliás, a epígrafe do Artigo 17º é “Descanso Semanal” e não “Descanso ao Sétimo Dia”.
XI. O legislador da RAEM não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso em cada período de sete dias, e tanto assim é que o artigo 18º do DL 24/89/M expressamente prevê a possibilidade de não se gozar um período de descanso de 24 horas em cada período de 7 dias, caso em que ao trabalhador deve ser concedido um “descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção”.
XII. O legislador estando já ciente da realidade em Macau, fixou a excepção constante no artigo 18º do Decreto – Lei a qual veio a ser posteriormente confirmada no artigo 42º, n.º 2 da Lei 7/2008 (nova Lei das Relações de Trabalho), que prevê que “O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.”
XIII. Ao excepcionar a obrigatoriedade da frequência semanal do descanso, o legislador está a dar primazia à lógica do descanso do trabalhador e não à lógica do repouso obrigatório ao sétimo dia.
XIV. Não é imperativo que o descanso ocorra no sétimo dia de trabalho, tal como alega o Autor e veio a ser entendido pelo douto Tribunal.
XV. Pode até acontecer, em face ao que ficou provado, que o Autor nem sempre tenha descansado “em cada período de sete dias” mas a ser assim, deverá fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o Recorrido tiver que ser compensado será só e apenas dos dias de descanso em falta, mas nunca pelos 76 dias a que foi condenado.
XVI. É que, tal como se vem defendendo, não se impunha à aqui Recorrente que, na organização dos turnos dos seus trabalhadores, o descanso fosse concedido ao 7º dia, mas apenas que, em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas fosse de descanso.
XVII. Não importa que o trabalho seja organizado em turnos rotativos de 7 dias consecutivos findo os quais a entidade patronal concedia um dia de descanso, o que importa é determinar se dentro de cada período de sete dias – ou usando a expressão legal “em cada período de 7 dias” – e tendo em conta a organização dos turnos rotativos o trabalhador gozou de 24 horas consecutivas de descanso.
XVIII. Carece por completo de fundamento a decisão recorrida na parte em que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização pelo trabalho prestado no sétimo dia como se se tratasse de trabalho prestado em dia de descanso semanal, tendo a sentença recorrida feito uma errada interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 17º e 18º do Decreto-lei 24/89/M, devendo em consequência ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré, aqui Recorrente, do pagamento da indemnização no valor de MOP42.230,00 a título de “trabalho prestado pelo Autor após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias”.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei, termos em que farão V. Exas. a costumada Justiça! ”
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Ao recurso não respondeu o Autor.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Entre 8/5/1999 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da C, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 279 trabalhadores não residentes) da C para a Ré (A), com efeitos a partir de 22/07/2003. (B)
Entre 22/7/2003 a 1/9/2005 o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (C)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor auferiu da Ré um salário de base de HK$7.500,00 por cada mês de trabalho prestado. (D)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou as ordens e instruções emanadas pela Ré. (1.º)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos, horários e postos de trabalho fixados pela Ré. (2.º)
Entre 6/11/2003 a 1/9/2005, por ordem da Ré (A), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (3.º)
Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (4.º)
Durante o briefing (leia-se, reunião) o Team Leader informava os guardas a respeito de alguma questão de segurança que pudesse ter acontecido no turno anterior, ou da necessidade de participação em qualquer evento especial. (5.º)
Durante o briefing (leia-se, reunião) o Team Leader informava os guardas a respeito de trabalhadores que estivessem a gozar férias e de quem os iria substituir. (6.º)
Durante o briefing (leia-se, reunião) o Team Leader informava os guardas a respeito das regras de disciplina e de segurança que os mesmos estavam obrigados a respeitar e a cumprir. (7.º)
Durante o referido período de tempo, o Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos, tendo aí permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (8.º)
O Autor nunca se ausentou dos locais de reunião que antecediam o início de cada um dos seus respectivos turnos. (9.º)
Entre 6/11/2003 e 1/9/2005 Autor prestou 533 dias de trabalho efectivo, tendo comparecido com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno por ordem da Ré (A), no total de 266.5 horas. (10.º)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (normal e/ou adicional) pelo período de tempo que antecedia o início de cada um dos turnos. (11.º)
Entre 6/11/2003 a 1/9/2005, por ordem da Ré, o Autor prestou trabalho num regime de ternos rotativos de sete dias de trabalho consecutivo. (12.º)
Durante 2003, o Autor prestou 8 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de 6 dias consecutivos de trabalho. (13.º)
Durante o ano 2004, o Autor prestou 46 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de 6 dias consecutivos de trabalho. (14.º)
Durante o ano 2005, o Autor prestou 28 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de 6 dias consecutivos de trabalho. (15.º)
Entre 6/11/2003 e 1/9/2005, o Autor prestou 82 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (16.º)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (17.º)
O Autor gozou 25 dias de férias no ano 2004 (5-29/8) e 32 dias de férias no ano 2005 (2/6-3/7), concedidas e organizadas pela Ré, no total de 57 dias. (19.º)
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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Do repouso semanal no oitavo dia
Alega a recorrente que a lei laboral não impõe que o descanso semanal ocorra necessariamente no sétimo dia de trabalho, sendo assim, entende que deveria fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o trabalhador tiver que ser compensado será apenas dos dias de descanso em falta.
Ora bem, dispõe o n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M que “Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”.
Melhor dizendo, dentro do período de 7 dias, o trabalhador tem direito a gozar vinte e quatro horas consecutivas de descanso, podendo este ser no primeiro, segundo, terceiro ou no sétimo dia, mas nunca no oitavo dia ou seguintes.
Como observa José Carlos Bento da Silva e Miguel Pacheco Arruda Quental1, “as razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).”
Sendo assim, dúvidas de maior não restam de que impende sobre a entidade patronal a obrigação de facultar aos seus trabalhadores um dia, mais precisamente, vinte e quatro horas consecutivas de descanso dentro de cada período de sete dias, sob pena de violação da referida disposição legal.
No caso dos autos, provado está que entre 6.11.2003 e 1.9.2005, a Ré só atribuía um dia de repouso ao Autor após decorridos sete dias de trabalho contínuo e consecutivo, tendo, assim, prestado 82 dias de trabalho nos respectivos dias de descanso semanal.
Portanto, em vez de gozar um dia (ou vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, o trabalhador só tinha direito a repouso, pelo menos, no oitavo dia.
Desta forma, no dia em que deveria ter gozado descanso semanal, o Autor prestou trabalho à Ré, pelo que o seu direito terá que ser compensado, improcede, assim, o recurso da Ré.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela A, ora recorrente, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, 11 de Julho de 2019
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
1 Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, CFJJ, 2006, pág. 92
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Recurso Laboral 526/2019 Página 12