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Processo n.º 266/2019 Data do acórdão: 2019-7-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– quantidade de referência de uso diário
– art.o 14.o, n.o 3, da Lei n.o 17/2009
– art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009
– Lei n.o 10/2016
S U M Á R I O

1. À data dos factos em causa, já entrou em vigor a nova redacção dada à Lei n.o 17/2009 pela Lei n.o 10/2016, pelo que ainda que ante a factualidade descrita como provada no acórdão recorrido não se saiba qual a finalidade da detenção, pelo arguido, da quantidade líquida dos 4,53 gramas de Ketamina em causa, é de condenar o arguido em sede do crime de tráfico ilícito de estupefacientes.
2. É que o n.o 3 do art.o 14.o da Lei n.o 17/2009 nessa redacção nova, prevê que são contabilizadas as substâncias que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais. Daí que como a quantidade líquida total de Ketamina detida pelo arguido já excede o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário (de 0,6 grama) da mesma substância, ele deve ser punido nos termos do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009 (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016), por força sobretudo do n.o 2 do art.o 14.o da mesma Lei (tudo na dita redacção nova), e não em sede do tipo legal de tráfico de menor gravidade da alínea 1) do n.o 1 do art.o 11.o da mesma Lei (também na redacção nova).
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 266/2019
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrido (arguido): A






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 557 a 562v do Processo Comum Colectivo n.° CR2-18-0345-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. e p. conjugadamente pelos art.os 11.o, n.o 1, alínea 1), e 14.o, n.o 2, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016, de 28 de Dezembro), em um ano e nove meses de prisão, e de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009 (também na sua redacção nova dada nomeadamente pela Lei n.o 10/2016), em seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de dois anos de prisão, suspensa na execução por três anos, com regime de prova e sob condição de sujeição à obrigação de tirar o vício de droga.
Inconformada, veio recorrer a Digna Delegada do Procurador para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando (no seu essencial) e rogou, na sua motivação de recurso apresentada a fls. 568 a 574 dos presentes autos correspondentes, que, desde já, ante a matéria de facto dada por provada deveria o arguido passar a ser condenado no crime de tráfico ilícito de estupefaciente, com aplicação de pena de prisão correspondente não inferior a cinco anos, e, em cúmulo jurídico com a pena já aplicada no acórdão recorrido ao crime de consumo, deveria o arguido passar a ser condenado em pena única de prisão não inferior a cinco anos e três meses, sendo certo que no caso de eventual manutenção da qualificação jurídico-penal dos factos provados feita pelo Tribunal recorrido, nunca poderia ser suspensa a execução da pena única de prisão do arguido.
Rspondeu o arguido a fls. 602 a 610, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 620 a 622, pugnando pelo provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão recorrido consta de fls. 557 a 562v, cuja fundamentação fáctica se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. Segundo a factualidade descrita como provada nesse acórdão:
– o arguido, na noite de 26 de Abril de 2017, foi interceptado policialmente em Macau, perante o que deitou ele de súbito para o chão um total de 4,53 gramas líquidos de Ketamina, antes detida por ele de modo livre, voluntária e conscientemente, com conhecimento das características dessa substância (de quantidade superior ao quíntuplo da quantidade de referência de uso diário de 0,6 grama) e da ilegalidade e punibilidade legal dessa sua conduta;
– e antes disso, o arguido chegou a consumir Ketamina em Macau.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
A argumentação tecida a título principal pela Digna Delegada do Procurador na sua motivação de recurso tem a ver com a questão de subsunção dos factos provados ao Direito, a ser abordada de modo seguinte (na esteira, aliás, da posição jurídica já veiculada, de entre outros, no acórdão deste TSI, de 30 de Julho de 2018, do Processo n.o 539/2018, da pena do ora relator):
À data dos factos, já entrou em vigor a redacção dada à Lei n.o 17/2009 pela Lei n.o 10/2016, pelo que ainda que ante a factualidade provada não se saiba qual a finalidade da detenção, pelo arguido, da quantidade líquida dos 4,53 gramas de Ketamina em causa, é de proceder o pedido principal do recurso.
É que: o n.o 3 do art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, na redacção introduzida pela Lei n.o 10/2016, prevê que “[…] são contabilizadas as […] substâncias […] que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais”, daí que como a quantidade líquida total de Ketamina detida pelo arguido já excede o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário (de 0,6 grama) da mesma substância, ele deve ser punido nos termos do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009 (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016), por força sobretudo do n.o 2 do art.o 14.o da mesma Lei (tudo na dita redacção nova), e não em sede do tipo legal de tráfico de menor gravidade da alínea 1) do n.o 1 do art.o 11.o da mesma Lei (também na redacção nova).
Assim sendo, e consideradas todas as circunstâncias já apuradas em primeira instância aos padrões da medida concreta da pena vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal (CP), dentro da moldura penal aplicável de cinco a 15 anos de prisão ao crime de tráfico ilícito (de Ketamina), é de condenar o arguido em cinco anos e nove meses de prisão, e em seis anos de prisão única, resultante do cúmulo jurídico, operado nos termos do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, dessa pena parcelar com a pena de seis meses de prisão já aplicada no aresto recorrido ao seu crime de consumo.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso, passando a condenar o arguido como autor material de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009 (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016), por força sobretudo do n.o 2 do art.o 14.o da mesma Lei (na redacção nova), em cinco anos e nove meses de prisão, e finalmente em seis anos de prisão única, resultante do cúmulo jurídico dessa pena do crime de tráfico e da pena de seis meses de prisão já aplicada no acórdão recorrido ao crime de consumo.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça e mil e setecentas patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Macau, 18 de Julho de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
(vencida por ponderando na situação dos autos, especialmente o facto da ter o arguido na posse um total de 4.53 gramas líquido da Ketamina, e sendo o uso diário de 0.6 gramas, e tendo-se em consideração o grau de ilicitude da conduta em questão, afigura-se-nos mais adequada era o crime de tráfico de menor gravidade de art. 11º da Lei n.º 17/2009, com redacção dada por Lei n.º 10/2016.)



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