Processo n.º 696/2019 Data do acórdão: 2019-7-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– quantidade de referência de uso diário
– art.o 14.o, n.o 3, da Lei n.o 17/2009
– art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009
– Lei n.o 10/2016
S U M Á R I O
1. Tendo entrado em vigor, à data dos factos em causa, a nova redacção dada à Lei n.o 17/2009 pela Lei n.o 10/2016, já não pode fazer mais questão o facto de não se ter especificado na factualidade descrita como provada no acórdão recorrido qual a quantidade concreta da metanfetamina detida pelo arguido é que seria destinada por ele ao consumo próprio e qual a quantidade concreta da mesma substância é que seria destinada por ele à venda a outrem.
2. É que o n.o 3 do art.o 14.o da Lei n.o 17/2009 nessa redacção nova, prevê que são contabilizadas as substâncias que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais. Daí que como a quantidade líquida total de metanfetamina detida pelo arguido excede o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário da mesma substância, ele deve ser punido nos termos do art.o 8.o, n.o 1, por força nomeadamente do n.o 2 do art.o 14.o da mesma Lei (tudo na dita redacção nova).
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 696/2019
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 295 a 299v do Processo Comum Colectivo n.° CR1-18-0353-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016, de 28 de Dezembro), em cinco anos e três meses de prisão, e de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009 (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016), em quatro meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de cinco anos e cinco meses de prisão.
Inconformado, veio recorrer o arguido para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando (no seu essencial) e rogou, na sua motivação de recurso apresentada a fls. 307 a 314 dos presentes autos correspondentes, que o seu crime de tráfico deveria ser convolado para o crime de tráfico de menor gravidade com aplicação de pena correspondente (por a quantidade sensivelmente de 1,2 gramas líquidos de metanfetamina por ele detida só exceder muito pouco o quíntuplo da quantidade diária (de 0,2 grama líquido) de referência desta substância para consumo), e que, fosse como fosse, deveria ser reduzida a pena (com aplicação da pena de multa ao seu crime de consumo, e aplicação de pena de prisão não superior a cinco anos de prisão ao seu crime de tráfico, e aplicação, a final, de pena única de prisão não superior a cinco anos e um mês).
Ao recurso respondeu o Ministério Público a fls. 316 a 322v, no sentido de improcedência da pretensão do arguido.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 330 a 331v, pugnando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão recorrido consta de fls. 295 a 299v, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Segundo a factualidade descrita como provada nesse acórdão:
– o arguido, na noite de 14 de Março de 2018, num quarto de hotel em Macau, chegou a consumir em conjunto com duas senhoras, produto de droga contentor de metanfetamina;
– cerca das 11:40 horas da mesma noite, o arguido foi interceptado em via pública pelo pessoal policial de segurança pública, altura em o próprio arguido estava a trazer no seu corpo 1,17 grama líquido de metanfetamina que ele destinava parte dessa quantidade para consumo próprio e parte para cessão a outrem.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
A argumentação tecida a título principal pelo arguido na sua motivação de recurso tem a ver com a questão de subsunção dos factos provados ao Direito, a ser abordada de modo seguinte (na esteira, aliás, da posição jurídica já veiculada, de entre outros, no acórdão deste TSI, de 30 de Julho de 2018, do Processo n.o 539/2018, da pena do ora relator):
À data dos factos, já entrou em vigor a redacção dada à Lei n.o 17/2009 pela Lei n.o 10/2016, pelo que já não pode fazer mais questão o facto de não se ter especificado na factualidade provada em primeira instância qual a quantidade concreta da metanfetamina detida pelo arguido recorrente é que seria destinada por ele ao consumo próprio dele e qual a quantidade concreta da mesma substância é que seria destinada por ele à cessão a outrem.
É que: o n.o 3 do art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, na redacção introduzida pela Lei n.o 10/2016, prevê que “[…] são contabilizadas as […] substâncias […] que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais”, daí que como a quantidade líquida total de metanfetamina detida pelo arguido já excede o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário da mesma substância, ele deve ser punido nos termos do art.o 8.o, n.o 1, por força nomeadamente do n.o 2 do art.o 14.o do mesmo diploma legal (tudo na dita redacção nova), com o que improcede a pretensão do arguido de convolação do crime do tráfico para o de tráfico de menor gravidade do n.o 1 do art.o 11.o da mesma Lei (na dita redacção nova).
O arguido não deixou de assacar à decisão recorrida o excesso na medida concreta da pena.
Entretanto, consideradas todas as circunstâncias já apuradas em primeira instância aos padrões da medida concreta da pena vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal (CP), dentro das molduras penais aplicáveis, no caso, de cinco a quinze anos de prisão ao crime de tráfico (do n.o 1 do art.o 8.o, ex vi dos n.os 2 e 3 do art.o 14.o, todos da mesma Lei, na dita redacção nova) e de três meses a um ano de prisão ao crime de consumo ilícito de estupefaciente (do n.o 1 do art.o 14.o da mesma Lei, na dita redacção nova) (não sendo de optar pela moldura penal de multa, dadas as necessidades de prevenção geral deste tipo legal de crime quando praticado por pessoa vinda do exterior de Macau, como é o caso dos autos), as duas penas parcelares já achadas no acórdão recorrido para estes dois crimes do arguido recorrente já não podem admitir mais redução, e o mesmo se pode dizer em relação à pena única finalmente imposta a ele, à luz do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP.
Improcede, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça e três mil e duzentas patacas de honorários ao seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 18 de Julho de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
(vencido por ponderando na situação dos autos, especialmente o facto da ter o arguido na posse um total de 1.17 gramas líquido da metanfetamina, e sendo o uso diário de 0.2 gramas, e tendo-se em consideração o grau de ilicitude da conduta em questão, afigura-se-nos mais adequada era o crime de tráfico de menor gravidade de art. 11º da Lei n.º 17/2009, com redacção dada por Lei n.º 10/2016.)
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