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Processo n.º 73/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 30 de Julho de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Suspensão de eficácia de acto administrativo
- Grave lesão do interesse público
- Superioridade desproporcionada dos prejuízos do requerente

SUMÁRIO
1. A grave lesão do interesse público concretamente prosseguida pelo acto administrativo, referida na al. b) do 1.º do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, deve ser ponderada segundo as circunstâncias do caso concreto, tendo em conta os fundamentos do acto e as razões invocadas pelas partes.
2. Ao comando do n.º 4 do art.º 121.º do CPAC, ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
3. Cabe ao requerente o ónus de concretizar e demonstrar a invocada superioridade desproporcionada dos prejuízos para que possa ser decretada a suspensão de eficácia.

Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, requereu junto ao Tribunal de Segunda Instância e nos termos do art.º 120.º do Código de Procedimento Administrativo Contencioso o procedimento de suspensão de eficácia do despacho do Senhor Secretário para a Segurança, de 11 de Abril de 2019, que revogou a autorização especial de permanência do tipo estudante concedida ao requerente.
Por acórdão proferido em 30 de Maio de 2019, o Tribunal de Segunda Instância decidiu indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
Inconformado com a decisão, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, suscitando as seguintes questões:
- Estão verificados todos os requisitos consagrados pelo art.º 121.º n.º 1 do CPAC, incluindo o da al. b) do n.º 1 do art.º 121.º, ou seja, a suspensão de eficácia pretendida pelo recorrente não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto administrativo em causa;
- Mesmo assim não se entender, sempre se deve dar procedência ao recurso interposto pelo recorrente, por estar preenchido o pressuposto previsto no n.º 4 do art.º 121.º do CPAC.

Contra-alegou a entidade recorrida, tendo concluído que não se vislumbra qualquer erro na interpretação e aplicação da norma do art.º 121.º do CPAC, pelo que deve ser negado provimento ao recurso.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso, com revogação do acórdão recorrido e concessão da pretendida suspensão de eficácia, nos termos do art.º 121.º n.º 4 do CPAC.

2. Factos
Nos autos foram dados como provados os seguintes factos importantes para o conhecimento do presente recurso:
- Em 11 de Janeiro de 2017, nos termos do art.º 8.º da Lei n.º 4/2003, foi autorizada especialmente ao requerente a permanência na RAEM para fins de estudo, a fim de poder frequentar a [Universidade] em Macau até a data de conclusão do curso (31 de Agosto de 2020) (vd. a fls. 24 dos autos administrativos).
- Em 9 de Junho de 2018, por ter cometido um “crime de importunação sexual” p.p. pelo art.º 164.º-A do Código Penal, o requerente foi condenado pelo Juízo Penal do TJB em 30 de Novembro de 2018 a 2 meses de pena de prisão, com a execução suspensa por 1 ano (vd. a fls. 48 a 53 dos autos administrativos).
- Em 1 de Março de 2019, o requerente recebeu a notificação para audiência escrita emitida pelo Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do CPSP, que tinha como assunto: a revogação a ocorrer da autorização especial de permanência concedida ao Requerente para fins de estudo (vd. a fls. 74 dos autos administrativos).
- Em 11 de Março de 2019, o requerente apresentou o parecer sobre a audiência escrita ao Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do CPSP (vd. a fls. 55 a 73 dos autos administrativos).
- Em 11 de Abril de 2019, o Secretário para a Segurança exarou o despacho que revogou a autorização especial de permanência do tipo estudante concedida ao Requerente (vd. a fls. 105 a 108 dos autos administrativos).
- Neste momento o requerente está a frequentar o 3.º ano da licenciatura na Faculdade de Administração Comercial da [Universidade] em Macau.

3. Direito
Suscita o recorrente duas questões:
- Verificação do requisito previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC; e
- Aplicação ao presente caso do disposto no n.º 4 do art.º 121.º do CPAC.

Ora, regula o art.º 121.º do CPAC a legitimidade e os requisitos para a suspensão de eficácia:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Como se sabe, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º para a suspensão de eficácia de actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
Ao abrigo do n.º 4 do art.º 121.º, mesmo no caso de não ser dado como verificado o requisito da al. b) do n.º 1, que exige a não determinação de grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, isto não obsta à concessão de suspensão de eficácia, desde que sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.

No caso sub judice, o acórdão ora recorrido entende não preenchido o requisito referido na al. b) do n.º 1 do art.º 121.º, enquanto sustenta o recorrente o contrário.
Analisada a situação ora em apreciação, afigura-se-nos que o acórdão recorrido não merece censura.
O requisito em questão exige que a suspensão da eficácia do acto administrativo não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo mesmo acto.
Este Tribunal de Última Instância tem entendido que a grave lesão do interesse público deve ser ponderada segundo as circunstâncias do caso concreto, tendo em conta os fundamentos do acto e as razões invocadas pelas partes.1
No presente caso, decorre dos autos que o requerente foi condenado pelo TJB na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, por ter cometido um crime de importunação sexual p.p. pelo art.º 164.º-A do Código Penal (cfr. sentença do TJB de fls. 48 a 53 do processo administrativo instrutor).
Os factos dados como provados na sentença demonstram que o recorrente importunou uma transeunte desconhecida que estava a passar pelo local onde se encontrava o recorrente, ao não a deixar sair e passar para frente, abraçá-la e beijá-la à força, mesmo sabendo que agiu contra a vontade da ofendida, que o recusou expressamente e tentou sair, constrangendo a ofendida a sofrer contacto físico de natureza sexual que não queria.
Tal como afirmam tanto a sentença do TJB como o acórdão ora recorrido, evidentemente a conduta do recorrente ofende os bons costumes de Macau.
Os factos descritos na sentença revelam de certo modo a personalidade do recorrente, que tinha na altura quase 21 anos, idade com que devia ter já a maturidade suficiente para avaliar o mal da sua conduta e discernir o bem do mal, tal como refere o Tribunal recorrido. Mesmo assim, não conseguiu o recorrente controlar-se, tendo importunado no local público uma transeunte desconhecida, constrangendo-a a sofrer o abraço e beijo contra a sua vontade.
Nada impede que o Tribunal recorrido, ao ter em consideração a conduta do recorrente e as circunstâncias do caso concreto, faça a sua avaliação sobre a personalidade e a capacidade de auto-controlo do recorrente, mesmo não havendo o relatório social sobre o recorrente emitido pelo Instituto de Acção Social e ainda que não sejam especialistas na área da psicologia os Juízes que fazem parte do Tribunal Colectivo.
As vicissitudes processuais ocorridas no âmbito do processo-crime, invocadas pelo recorrente nas suas alegações do recurso, não se mostram relevantes para os presentes autos, sede em que se discute a questão de suspensão de eficácia do acto praticado pela Administração.
Tal como se pode ler no acórdão proferido por este TUI em 13 de maio de 2009 e nos autos n.º 2/2009, para apreciar a verificação do requisito previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, “é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido para identificar o interesse público prosseguido pelo mesmo e analisar a medida da lesão causada pela não imediata execução do acto”, não fazendo sentido voltar a discutir no procedimento preventivo a responsabilidade criminal do agente.
É de frisar que a conduta do recorrente põe em risco a segurança das pessoas que passem na rua pública bem como a ordem pública.
A entidade recorrida sustenta que o teor da sentença condenatória penal é revelador do potencial perigo para a ordem e segurança públicas de Macau que representa o comportamento do recorrente.
Ora, é precisamente a defesa da ordem e segurança públicas de Macau, que é o interesse público concretamente prosseguido pelo acto administrativo em causa, que está na base da decisão administrativa que revogou a autorização especial de permanência anteriormente concedida ao recorrente.
Alega o recorrente que o presente caso concreto não se revela a premência da lesão do interesse público.
Ora, se é verdade que nalguns casos o “tempo” é factor relevante e deve estar presente na análise concreta do caso, há outros casos em que a urgência se manifesta por si mesma, sem necessidade de grande congeminação, sendo que tudo depende da situação do caso concreto.
Na avaliação do grave lesão do interesse público, como tudo não passará de meras afirmações que não serão objecto de prova testemunhal, e que se limitam a apelar à sensibilidade, sensatez, prudência, experiência de vida do juiz, será a este que caberá o primordial papel de ponderação dos diversos interesses em conflito.2
Face aos elementos carreados aos autos e tomando em consideração as circunstâncias do caso concreto, afigura-se-nos não merecer censura o entendimento do Tribunal recorrido, no sentido de a suspensão de eficácia do acto administrativo em causa determinar a grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo mesmo acto.
Improcede o recurso, nesta parte.

No que diz respeito ao n.º 4 do art.º 121.º do CPAC, a lei exige a superioridade desproporcionada dos prejuízos resultantes da imediata execução do acto para o requerente, em comparação com a gravidade da lesão do interesse público determinada pela suspensão de eficácia.
Está aqui em causa o princípio da ponderação de interesses.
Cabe ao requerente o ónus de concretizar e demonstrar a falada superioridade desproporcionada dos prejuízos para que possa ser decretada a suspensão de eficácia.
Para fundamentar o pedido de suspensão de eficácia n.º 4 do art.º 121.º do CPAC, “é necessário alegar factos concretos capazes de demonstrar a desproporcionalidade superior dos prejuízos que a imediata execução do acto impugnado possa causar ao requerente”.3
Alega o recorrente que não pode mudar para o interior da China a fim de continuar o seu estudo, sem que no entanto apresentou qualquer prova.
Invoca ainda que, no caso de continuar o estudo nos países estrangeiros, precisa de pelo menos um ano para preparar-se e passa um ano sem poder fazer nada.
Ora, mesmo admitindo tal hipótese, não se entende que são desproporcionadamente superiores os prejuízos a causar pela imediata execução do acto, em confronto com a gravidade da lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo mesmo acto.
Não se vislumbra a violação do direito de estudo do recorrente.
Assim, improcede também o recurso, nesta parte.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 UC.

               Macau, 30 de Julho de 2019
               
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

1 Ac. do TUI, Proc. n.ºs 12/2010 e 14/2010, ambos de 10 de Maio de 2010.
2 José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2015, p. 315 e 316.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 13 de Maio de 2009, Processo n.º 2/2009.
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Processo n.º 73/2019