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Processo n.º 67/2019. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrentes: C e D.
Recorridos: E e F.
Assunto: Arbitramento oficioso de reparação em processo penal. Alínea c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 74.º do Código de Processo Penal. Princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo.
Data do Acórdão: 30 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
Tendo sido deduzida acusação apenas pelo Ministério Público, pela prática de dois crimes de burla e não tendo havido pedido cível de indemnização, o acórdão do Tribunal Judicial de Base, que absolveu os arguidos da acusação - ao condenar os arguidos no pagamento de quantia em dinheiro, por suposta violação contratual, com fundamento em factos não constantes da acusação do Ministério Público, sendo que o acórdão nem sequer deu esses factos como provados - violou os princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo e o disposto na alínea c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 74.º do Código de Processo Penal, já que os arguidos não tiveram oportunidade de discutir a violação do contrato, de opor excepções dilatórias ou peremptórias, de arrolar testemunhas para contraditar factos, que só na sentença ficaram a saber que lhes eram imputados.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 21 de Julho de 2017, absolveu os arguidos C e D, da acusação do Ministério Público, relativamente à prática, em co-autoria material, na forma consumada, de dois crimes de burla, previstos e puníveis pelos artigos 211.º, n.os 1 e 4, alínea a) e 196.º, alínea b) do Código Penal.
E, embora não tenha sido deduzido pedido cível de indemnização pelos ofendidos dos crimes, E e F, o mencionado Acórdão de 21 de Julho de 2017 condenou os arguidos C e D a pagar solidariamente a E e F a indemnização de HKD$1.800.000,00, acrescida de juros de mora legais a partir da decisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 4 de Abril de 2019, negou provimento ao recurso interposto pelos arguidos C e D.
Recorrem, novamente, os arguidos C e D para este Tribunal de Última Instância (TUI), sustentando:
O acórdão de 1.ª Instância violou o art.º 74.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal e outrossim, o n.º 1 alínea c) do mesmo artigo, já que do julgamento não resultou prova suficiente dos pressupostos e do quantitativo da reparação a arbitrar, segundo os critérios da lei civil, bem como violou o princípio do contraditório.

II – Os factos
Os factos provados, os factos não provados constantes da acusação e a motivação da decisão sobre os factos foram os seguintes:
(1) Factos dados assentes da acusação do Ministério Público
Após a audiência de julgamento, o Tribunal dá provados os seguintes factos da acusação:
1.
Em Agosto de 2012, E conheceu o 1º arguido C.
2.
Em Abril de 2013, o 1º arguido apresentou o 2º arguido D a E, os 2 arguidos declararam que D era gerente da G que estava a pedir ao Governo realizar uma actividade grande chamada de “Carnaval de Macau”, o Governo iria deferir o pedido em Outubro de 2013. Os 2 arguidos inculcaram a E investir nessa actividade e alegaram que a taxa de retorno seria considerável.
3.
E e o seu irmão mais novo F discutiram-se e resolveram investir na actividade referida a título de “H Limited”, detida por eles em conjunto. Em 6 de Maio de 2013, E e D, respectivamente em representação dos irmãos E, F e dos 2 arguidos, celebraram um acordo sobre o investimento referido, no qual se dispõe que a utilização do capital investido deve ser previamente confirmada respectivamente por uma pessoa de cada outorgante mediante a aposição de assinatura (vide as fls. 35-37). Em seguida, E emitiu imediatamente em seu próprio nome um cheque no valor de HKD$1.500.000,00 e um cheque no valor de HKD$500.000,00 como capital de investimento preliminar à G entre os quais, o cheque no valor de HKD$500.000,00 foi emitido para adiantar o investimento de F, posteriormente já devolveu este a respectiva quantia a E.
4.
De facto, no momento da causa, a Sociedade G, Lda. não pediu realizar qualquer actividade de carnaval.
5.
Em 14 de Maio de 2013, os cheques foram apresentados ao pagamento pelo 2º arguido na qualidade de representante da G e depositou o dinheiro numa conta bancária da Sociedade.
6.
A seguir, o 2º arguido transferiu da quantia referida, sucessivamente no mesmo dia, em 3 de Junho e em 10 de Junho, respectivamente um montante de HKD$500.000,00, um montante de HKD$1.000.000,00 e um montante de HKD$490.000,00 à sua própria conta bancária.
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Mais se provou:
Conforme o CRC, os 2 arguidos são primários.
O 1º arguido declarou que, é responsável de creche/instituto para reforço escolar, auferindo mensalmente uma quantia de MOP$12.000,00, tem 2 menores a seu cargo, tem como habilitação académica a escola secundária.
O 2º arguido declarou que, é responsável de creche/instituto para reforço escolar, auferindo mensalmente uma quantia de MOP$12.000,00, tem 2 menores a seu cargo, tem como habilitação académica a escola secundária.
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(2) Factos não provados
Após a audiência de julgamento, existem os outros factos seguintes, que não estão conformes à acusação:
·Os 2 arguidos nunca planearam, nem utilizaram efectivamente a quantia prestada por E e F no investimento referido.
·No momento da causa, a Sociedade G, Lda. não delegou poderes aos 2 arguidos referidos para praticar qualquer conduta.
·Os 2 arguidos apoderaram-se da quantia.
·Os 2 arguidos agiram livre, voluntaria e conscientemente, em conjugação de intenções e de esforços, mediante partilha e distribuição de tarefas, para proporcionar ao 2º arguido obter interesse, quando, com pretexto de projecto de investimento, induziram E e F em erro de prestar dinheiro e, assim, causaram-lhes dano patrimonial.
Os 2 arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
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(3) Juízo dos factos
Na audiência de julgamento, os 2 arguidos C e D negaram uma parte dos factos acusados, admitiram apenas os art.ºs 1.º, 2.º, 3.º e 6.º dos factos acusados e negaram os restantes. Os 2 arguidos justificaram que, em 2010 os 2 arguidos já iniciaram o projecto de carnaval internacional, investiram capital e fizeram trabalhos preparatórios (o seu projecto investido visava realizar actividades de carnaval a nível internacional, não só na RAEM, mas também em Hong Kong e cidades importantes do Interior da China). Sendo necessários os investidores das outras regiões (sic.), em Maio de 2013, os 2 arguidos e os 2 ofendidos chegaram a acordo de cooperação, com o plano de investimento no valor de $40.000.000,00 (planearam realizar na RAEM uma actividade grande de carnaval no terreno oposto a MGM e realizar actividades de carnaval numas cidades do Interior da China), do qual cada outorgante prestaria respectivamente uma quantia de $20.000.000,00. Depois de assinar o acordo, os 2 ofendidos prestaram uma quantia de $2.000.000,00 como capital inicial e os 2 arguidos receberam-na. Justificaram que, sendo enorme o projecto e já delegando na fase preliminar a sociedade de Hong Kong para preparação, necessitavam mais dinheiro, portanto, pediram aos 2 ofendidos elevar o investimento (investir mais uma quantia de $8.000.000,00), mas os 2 ofendidos afirmaram que não era necessário tanto dinheiro para realizar actividade em Macau, assim, recusou elevar o investimento. Rebentou conflito entre os 2 arguidos e os 2 ofendidos, os primeiros indicaram aos segundos que, o projecto era global, estendendo-se a Macau e umas cidades do Interior da China, como Qing Dao, Zun Hua e Cheng De da Província de HeBei e Qin Huang Dao, etc., mas os 2 ofendidos não o aceitaram, portanto, por conseguinte, os 2 arguidos jamais esclareceram os detalhes de carnaval a realizar no Interior da China. Além disso, ouvindo dizer que, normalmente, o Governo de Macau não autoriza a concessão de terreno para aproveitamento a sociedades comerciais, os 2 arguidos pediram ao Governo através Associação I, a concessão de terreno para realização da actividade de carnaval, mas o Governo de Macau indeferiu o pedido. No entanto, antes de receber a notificação de indeferimento do Governo, os arguidos já cessaram a conversação com os 2 ofendidos porque eles já fizeram denúncia à Polícia, assim sendo, nem informaram-nos da resposta do Governo (indeferimento de concessão do terreno).
Na audiência de julgamento, o 1º ofendido E declarou que, ele e F prestaram um capital inicial (10%) no valor de $2.000.000,00 e celebraram com os 2 arguidos o acordo de cooperação, com o valor total de investimento de $40.000.000,00, do qual cada outorgante prestaria respectivamente uma quantia de $20.000.000,00 (planearam realizar na RAEM uma actividade grande de carnaval no terreno oposto a MGM, da forma semelhante à Doca dos Pescadores de Macau). Os 2 arguidos exibiram-lhes uns documentos, como documento de requerimento de concessão do terreno, achavam que o pedido foi apresentado pela G só depois conheceu que foi apresentado pela Associação I. A testemunha fez denúncia à Polícia porque, após investir o capital inicial, solicitou por várias vezes aos 2 arguidos exibir a conta, mas eles arranjaram sempre pretextos, só apresentaram um indivíduo de Hong Kong até Maio de 2013 para exibir as despesas em Hong Kong, que, porém, não tinham nada a ver com o projecto de Macau. Além disso, desde Setembro de 2013, ou seja 3 a 4 meses depois da celebração do primeiro acordo, os 2 arguidos solicitaram sempre aos 2 ofendidos prestar a quantia restante de investimento ($18.000.000,00), mas eles nunca justificaram-lhes o andamento do projecto de Macau (como procedimento de concessão do terreno pelo Governo de Macau e utilização do capital). A testemunha salientou que, os 2 ofendidos só celebraram com eles o acordo de realização de carnaval em Macau, investiram dinheiro só na RAEM, nunca discutiram-se sobre a realização de carnaval fora de Macau. Interpretou também o primeiro acordo constante das fls. 30 a 37 e as cláusulas dum outro acordo complementar, incluindo as de devolução do capital investido no caso de falha em obtenção da licença dentro de 3 meses e de inibição de cessação da cooperação, bem como a disposição de que, a utilização do capital investido deve ser previamente confirmada respectivamente por uma pessoa de cada outorgante mediante a aposição de assinatura (vide as fls. 35-37). A testemunha acrescentou que, ao utilizar o dinheiro dos outorgantes, os 2 arguidos nunca solicitaram-lhes o consentimento quer previamente quer posteriormente, até não os informaram da forma de utilização do dinheiro. No fim, quebrando a relação entre os outorgantes, os 2 arguidos indicaram que poderiam devolver 90% do capital investido, no entanto, só após 1 ano. Os ofendidos fizeram denúncia à Polícia e não o aceitaram. Até hoje, eles não devolveram nada, a testemunha indicou que gostava de efectivar as responsabilidades penal e civil dos 2 arguidos.
Na audiência de julgamento, o 2º ofendido F prestou depoimento, cujo teor está conforme aos factos descritos na acusação. No tocante ao acordo entre os 2 ofendidos e os 2 arguidos, o seu depoimento está conforme à descrição do 1º ofendido. Sublinhou que, na altura, os 2 arguidos disseram-lhes um investimento com taxa de retorno considerável, sendo a realização de carnaval no terreno oposto ao Hotel MGM de Macau (já se apresentou o requerimento ao Governo). Após discussão, achando que o negócio merece investimento, em 6 de Maio de 2013, H Limited (BVI) (representada pelos irmãos E,F) e a Sociedade G (representada por D) celebraram o acordo em quotas de 20% ao 1º arguido, 30% ao 2º arguido, 37,5% a E e 12,5% a F. O denunciante afirmou que, desde 6 de Maio de 2013, os 2 arguidos arranjaram sempre pretextos para solicitar aos irmãos E, F elevar o investimento, mas nunca esclareceram o andamento de carnaval e os detalhes de operação, portanto, os 2 ofendidos jamais investiram dinheiro, até Novembro de 2013, quando o denunciante solicitou examinar o destino do fundo e a inicialização da operação, os 2 arguidos alegaram que, como os irmãos E, F deixaram de investir dinheiro, cessou a operação do projecto, mas já se gastou quase uma metade do fundo, poderiam devolver-lhes 90% do dinheiro, mas só após 1 ano. Os ofendidos fizeram denúncia à Polícia e não o aceitaram. Até hoje, eles não devolveram nada, a testemunha indicou que gostava de efectivar as responsabilidades penal e civil dos 2 arguidos.
Na audiência de julgamento, a testemunha J declarou que, foi sócio da G o 2º arguido é seu irmão mais novo, que, não foi sócio, mas podia fazer negócios e operar a Sociedade. E depois, a testemunha conheceu que o 2º arguido celebrou acordo em nome da Sociedade com os irmãos E, F, mas a testemunha não sabia as circunstâncias concretas nem participou. Só sabia que os 2 arguidos estavam a procurar investidores para efectuar financiamento. A testemunha disse ao 2º arguido que, tinha que obter a licença de realização de carnaval para procurar investidores, mas o 2º arguido ignorou a sua sugestão, só pediu ajuda. Portanto, a testemunha propôs ao 2º arguido apresentar o requerimento através de associação, como a sua namorada é filha do presidente da Associação I, o Presidente ajudou-os a pedir a licença de aproveitamento do terreno ao Governo em nome da Associação I. A testemunha acrescentou que, fez um vídeo de apresentação da actividade de carnaval para o 2º arguido, para lhe facilitar a promove-la ao Governo. Em seguida, a testemunha não mais interveio no acordo ou actividade comercial entre os 2 arguidos e os 2 ofendidos, mas confirmou que a Sociedade G recebeu a quantia de $2.000.000,00, entregue pelos 2 arguidos, a qual foi já transferida integralmente ao 2º arguido.
Na audiência de julgamento, o investigador da PJ K prestou depoimento sobre a medida de inquérito em que interveio. O agente da PJ declarou que, não investigou o investimento dos 2 arguidos porque eles recusaram cooperar com a Polícia. As provas documentais demonstram que, segundo os documentos oferecidos pelo [Banco (1)], já foram pagos os 2 cheques no valor total de HKD$2.000.000,00, emitidos por F à Sociedade G e D. De acordo com o registo comercial da Sociedade G, os 2 arguidos não são sócios, porém, no tocante ao acordo de investimento e acordo complementar, celebrados entre os 2 arguidos e os 2 ofendidos, há 4 sócios no acordo complementar de investimento em carnaval de Macau, celebrado em 6 de Maio de 2013 entre D, em representação da Sociedade G, e os ofendidos. Segundo a resposta da DSSOPT, só a Associação I pediu realizar a actividade de carnaval, o arguido D foi apenas um vogal permanente, a Sociedade G nunca apresentou o pedido. O respectivo pedido foi indeferido, o que foi notificado por carta à Associação em 30 de Agosto de 2013, não estava seguro se os 2 ofendidos sabiam isso.
Na audiência de julgamento, a testemunha L declarou que, é primo mais novo do 2º arguido e meio-irmão da testemunha J. Sendo contador, ajudou o primo em assentos contabilísticos. Os 2 arguidos planearam realizar actividades internacionais de carnaval em Macau, Taiwan e cidades do Interior da China. Ele foi responsável pela contabilidade, uma parte do fundo foi gastada nos trabalhos preparatórios em Hong Kong, antes de 30 de Junho de 2013 já se celebrou um acordo com uma sociedade de Hong Kong, constituindo-a para a operação. Foi empregado o assessor M para dirigir os trabalhos em Macau e foi completado o vídeo de propaganda. De Junho de 2013 ao ano 2015, os 2 arguidos investiu uma quantia total de $5.000.000,00, enquanto que os 2 ofendidos deixaram de investir mais após o investimento de $2.000.000,00. Agora o projecto ainda está a ser operado, foram realizadas actividades de carnaval no Interior da China, porém, actualmente o projecto já está transferido à Sociedade O para operação, o rendimento também pertence a esta, não tem nada a ver com a Sociedade G. Acrescentou que, dispõe o acordo complementar que, a utilização do capital investido deve ser previamente confirmada respectivamente por uma pessoa de cada outorgante mediante a aposição de assinatura, a testemunha interpretou a disposição como a obrigatoriedade de confirmação pelos outorgantes quando haja fluxo de caixa, mas não na fase preparatória.

Provas documentais:
Apenso 1: documentos fornecidos pela DSSOPT, dos quais consta que, em 8 e 9 de Novembro de 2012, a Associação I pediu à DSSOPT autorizar a realização da actividade de “Carnaval de Macau” e oferecer local temporário (campo livre da Rua da Torre de Macau). O mesmo pedido também foi apresentado ao Chefe do Executivo da RAEM. Foi juntado ao pedido um projecto (de instalação da praça de carnaval em Macau). No fim, em 30 de Agosto de 2013, a DSSOPT indeferiu oficialmente o pedido e enviou carta à Associação.
Consta das fls. 30 a 34 dos autos o acordo de cooperação celebrado em 6 de Maio de 2013 entre a Sociedade G, Lda. (representada pelo 2º arguido), 1º outorgante, e H Limited (representada pelo 1º ofendido), 2º outorgante, cujo teor se dá por reproduzido. Os outorgantes resolveram perante acordo investir no projecto de “Carnaval de Macau”, com prazo de 45 dias ou mais, previu-se o valor de investimento em HKD$40.000.000,00, os outorgantes desfrutariam as quotas em proporção igual. O 2º outorgante investiria uma quantia de HKD$2.000.000,00 como capital inicial, a quantia restante seria investida em função do andamento do projecto. Além disso, no mesmo dia de celebração do acordo, o 2º outorgante entregou ao 1º outorgante 2 cheques no valor total de HKD$2.000.000,00.
Consta das fls. 35 a 37 dos autos um acordo complementar do investimento de carnaval de Macau celebrado em 6 de Maio de 2013 pelos outorgantes em seu nome próprio, no qual dispõe o art.º 3.º que “na operação, o fundo só pode ser utilizado quando tiver aposto assinatura D ou C e E ou F.” Isto é, a utilização deve ser previamente confirmada respectivamente por uma pessoa de cada outorgante mediante a aposição de assinatura.
Constam das fls. 40 a 50 o registo comercial e o documento dos sócios da G nos quais os 2 arguidos não são sócios, mas o 2º arguido é administrador, e o registo comercial e o documento dos sócios de H Limited, nos quais, os 2 ofendidos são sócios e administradores.
Constam das fls. 207 a 212 dos autos os documentos fornecidos pelo [Banco (1)], os quais mostram que, já foram pagos os 2 cheques no valor total de HKD$2.000.000,00, emitidos pelos 2 ofendidos, a quantia foi depositada na conta bancária da Sociedade G. Constam das fls. 239 a 246 dos autos as informações da conta bancária do 2º arguido, as quais mostram que a quantia de HKD$2.000.000,00 foi transferida da conta da Sociedade G à conta pessoal do 2º arguido.
Constam das fls. 393 a 421 dos autos os documentos de defesa, oferecidos pelos 2 arguidos, são o requerimento de realização de “Carnaval de Macau” à Direcção dos Serviços de Turismo e ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, o requerimento de concessão de local temporário aos respectivos órgãos do Governo, apresentados pela Associação I (à data desconhecida), e os procedimentos administrativos, bem como as cartas enviadas pela Associação I aos grupos sociais para solicitar apoio e auxílio.
Constam das fls. 406 a 421 os documentos emitidos pelo Governo Popular da Cidade de Zun Hua da Província de He Bei, os quais mostram que, de 1 de Outubro de 2014 a 31 de Março de 2015, a Sociedade O Limitada realizou na Cidade de Zun Hua o “Projecto de Carnaval de Cem Cidades de Macau”.
Segundo a fls. 404 dos autos, em 3 de Dezembro de 2012, o IPIM já respondeu por carta à Associação I, tendo em conta a questão de concessão do terreno temporário, negou as condições de realização desse projecto.
Constam das fls. 393 a 421 dos autos os documentos de defesa, oferecidos pelos 2 arguidos, entre os quais, consta das fls. 446 a 448 (sic.) um acordo de investimento não assinado pelos outorgantes (se o 1º outorgante não tiver conseguido obter a licença de exploração do Carnaval de Macau, após 3 meses podem ser integralmente devolvidas as quantias investidas mediante a discussão entre os outorgantes). Mas na celebração oficial, tal cláusula foi cancelada e substituída por (o 1º outorgante garante a obtenção da licença de exploração do “Carnaval de Macau” com sucesso, se o 1º outorgante não tiver conseguido obter a licença por qualquer motivo, não pode cancelar o presente contrato com qualquer fundamento, deve garantir a quota de 50% a título do 2º outorgante sempre que seja operado o “Carnaval de Macau” no futuro).
Constam das fls. 457 a 461 dos autos umas notícias.
Consta das fls. 473 a 479 dos autos o contrato de administração e operação de carnaval, celebrado em 30 de Junho de 2013 entre a Sociedade G e N Limited. Constam das fls. 516 a 525 dos autos o mapa circunstanciado da conta do projecto, oferecido pelos 2 arguidos, e o pagamento de caução contratual, realizado pela Sociedade G à N Limited, mediante 7 prestações, no valor de HKD$500.000,00 por uma.
Deste modo, o Tribunal dá provados os factos segundo as regras de experiência e após feita uma análise lógica das declarações dos 2 arguidos, os depoimentos dos 2 ofendidos, das testemunhas e dum investigador, bem como das provas documentais acima descritas.
No caso, os 2 arguidos e os 2 ofendidos alegaram duas versões diferentes dos factos. Segundo as provas objectivas, o acordo de investimento do “Carnaval de Macau”, celebrado entre os 2 arguidos e os 2 ofendidos, não só tem 4 outorgantes, nem é projecto original, obviamente, os 2 arguidos induziram os 2 ofendidos em investimento para atrair mais investidores.
Nos autos não há um projecto original completo de investimento e a lista dos investidores originais, nem a lista dos investidores seguintes, mas, o projecto entregue pela Associação I ao Governo mostra que, o Carnaval só é realizado em Macau aos residentes e turistas de Macau.
E mais, segundo o acordo de cooperação constante das fls. 30 a 34 dos autos, o projecto do Carnaval de Macau refere-se à actividade de carnaval a realizar na RAEM, o que pode ser provado pelos prazo de investimento e prazo do projecto (45 dias). Deste modo, é fundamentado que os 2 ofendidos, como eles disseram, só investam dinheiro na RAEM.
É certo que o projecto do “Carnaval de Macau” dos 2 arguidos podem ser realizado fora de Macau, até estende-se ao Interior da China e outros países. De facto, segundo uns documentos entregues pelos arguidos, quando a sua actividade foi realizada fora de Macau, eles usaram a outra designação (ou seja, contactaram com os outros investidores não em nome da Sociedade G, mas sim em nome de P, Lda.). Assim, não se pode ver razoável a alegação dos 2 arguidos, só se pode dizer que, mesmo que o projecto dos 2 arguidos seja carnaval internacional, isso não é demonstrado no projecto investido em apreço (documento constante das fls. 30 a 34). De acordo com as provas, os 2 arguidos não obtiveram a licença de exploração na RAEM do projecto do carnaval de Macau, nunca conseguiram realizar qualquer actividade de carnaval em Macau, apenas dedicou-se a tal projecto, pelo menos de Outubro de 2014 a Março de 2015 conseguiram realizar uma actividade do carnaval de Macau na Cidade de Zun Hua da Província de He Bei. Antes disso (os 2 ofendidos solicitaram examinar a conta após o investimento até que fizeram denúncia à Polícia), os 2 arguidos realmente não os informaram do andamento do projecto do carnaval de Macau, uma vez que eles próprios não sabiam que a DSSOPT já rejeitou oficialmente a concessão do terreno para aproveitamento, mais importantemente, os 2 ofendidos nem sabiam que a apresentação pela Associação I do pedido de realização do carnaval de Macau e do pedido de concessão do terreno foi indirectamente promovida pelos 2 arguidos.
Pelo que, não há prova de que os 2 arguidos nunca planearam, nem utilizaram efectivamente a quantia prestada por E e F no investimento referido, mas, como acima disse, os 2 arguidos obviamente violaram o acordo, o que não pode ser considerado como execução do acordo com boa fé. Deste modo, no caso, não há burla, mas sim violação notória do acordo. Deve-se proceder à indemnização civil segundo o conteúdo do acordo.

III - O Direito
1. A questão a resolver
Trata-se de saber se o acórdão do Tribunal Judicial de Base violou o disposto no artigo 74.º do Código de Processo Penal e, portanto, se o acórdão recorrido, que negou provimento ao recurso daquele, incorreu na mesma violação.

2. Arbitramento oficioso de reparação
Como iremos ver, tendo sido deduzida acusação apenas pelo Ministério Público pela prática de dois crimes de burla e não tendo havido pedido cível de indemnização, o acórdão do Tribunal Judicial de Base, que absolveu os arguidos da acusação - ao condenar os arguidos no pagamento de quantia em dinheiro, por suposta violação contratual, com fundamento em factos não constantes da acusação do Ministério Público, sendo que o acórdão nem sequer deu esses factos como provados - violou os princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo e o disposto na alínea c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 74.º do Código de Processo Penal.
Como se disse, no processo houve apenas acusação do Ministério Público pela prática de dois crimes de burla.
Não foi deduzido pedido cível de indemnização.
Os arguidos foram absolvidos da prática dos crimes.
Mas foram condenados a pagar HKD$1.800.000,00, acrescida de juros de mora legais a partir da decisão, aos supostos ofendidos, por suposta violação do contrato, com base nas seguintes considerações:
«Dispõe o art.º 3.º do acordo complementar de investimento do carnaval de Macau que: “na operação, o fundo só pode ser utilizado quando tiver aposto assinatura D ou C e E ou F.” As provas mostram que os 2 arguidos utilizaram tal fundo por eles próprios, sem solicitar o consentimento de qualquer ofendido quer previamente quer posteriormente.
Além disso, segundo o acordo constante das fls. 30 a 34, o 1º outorgante garante a obtenção da licença de exploração do “Carnaval de Macau” com sucesso, se o 1º outorgante não tiver conseguido obter a licença por qualquer motivo no ano corrente, não pode cancelar o presente contrato com qualquer fundamento, deve garantir a quota de 50% a título do 2º outorgante sempre que seja operado o “Carnaval de Macau” no futuro. Verificando-se que os 2 arguidos não conseguiram obter a licença de exploração do “Carnaval de Macau” por 3 a 4 anos, nem realizaram qualquer actividade de carnaval em Macau, transferiram o fundo investido pelos 2 ofendidos, quando deixaram estes de investir dinheiro, na Sociedade G à conta do 2º arguido, depois os dois ofendidos deixaram de investir dinheiro e depois, o projecto da referida Sociedade foi transmitido à Sociedade P Limitada., pelo que, os 2 arguidos obviamente não cumpriram o acordo e devem assumir a responsabilidade civil.
No fim, os 2 arguidos declararam que, no fim de 2013, comprometeram-se a devolver 90% do fundo investido aos 2 ofendidos, mas não conseguiram fazer isso porque o projecto ainda estava a ser operado. Deste modo, tendo em conta as circunstâncias, com base no princípio da equidade, previsto pelos art.º 556.º, 558.º e 560.º do Código Civil, e nos termos do art.º 74.º do Código de Processo Penal, deve-se condenar os 2 arguidos C e D a pagar solidariamente aos ofendidos E e F a indemnização no valor de HKD$1.800.000,00, acrescida dos juros legais de mora do dia de prolação da decisão até integral pagamento».
Ou seja, os arguidos foram acusados da prática de dois crimes de burla.
Não lhes foi imputada a violação de nenhum contrato.
Os termos do contrato não constavam da acusação, embora esta se referisse ao acordo em causa, como não constavam da acusação factos integrantes da violação do acordo.
A sentença imputou-lhes a violação do contrato com base em factos que não deu como provados e condenou-os com base nesses factos.
Por outro lado, os arguidos não tiveram oportunidade de discutir a violação do contrato, de opor excepções dilatórias ou peremptórias, de arrolar testemunhas para contraditar factos, que só na sentença ficaram a saber que lhes eram imputados.
Dispõe o artigo 74.º do Código de Processo Penal:
Artigo 74.º
(Arbitramento oficioso de reparação)
 1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal respectivo ou em acção cível separada, nos termos dos artigos 60.º e 61.º, o juiz arbitra na sentença, ainda que absolutória, uma quantia como reparação pelos danos causados, quando:
 a) Ela se imponha para uma protecção razoável dos interesses do lesado;
 b) O lesado a ela se não oponha; e
 c) Do julgamento resulte prova suficiente dos pressupostos e do quantitativo da reparação a arbitrar, segundo os critérios da lei civil.
 2. No caso previsto no número anterior o juiz assegura, no que concerne à produção de prova, o respeito pelo contraditório.
 3. À sentença que arbitrar a reparação é correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.

A sentença de 1.ª Instância violou, pelo que fica dito, o disposto na alínea c) do n.º 1 e no n.º 2 deste artigo 74.º, bem como os princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo.
Impõe-se a absolvição dos arguidos, que equivale a uma absolvição da instância, já que este Tribunal não se pronuncia sobre o mérito da causa (contratual), que fica por decidir.
 
IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso e revogam o acórdão recorrido, bem como o acórdão do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, na parte em que este emitiu pronúncia sobre indemnização.
Custas pelos recorridos.
Macau, 30 de Julho de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
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Processo n.º 67/2019

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Processo n.º 67/2019