Processo n.º 869/2018 Data do acórdão: 2019-7-25
Assuntos:
– art.o 92.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– inibição efectiva de condução
– pena efectiva de inibição de condução
– acto de condução de veículo durante a inibição de condução
– art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
S U M Á R I O
1. A norma do art.o 92.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR) tem por objecto acto de condução de veículo em via pública durante o período de inibição efectiva de condução.
2. Atento o contexto do articulado da LTR, e sob padrões de hermenêutica jurídica plasmados no art.o 8.o do Código Civil, o termo “inibição efectiva de condução” empregue pelo legislador da LTR no referido n.o 1 do art.o 92.o está a referir-se propriamente à pena efectiva de inibição de condução, pois a sanção jurídica de inibição de condução pode ser objecto de suspensão na sua execução nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da LTR.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 869/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 78 a 80v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR3-18-0174-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido B, aí já melhor identificado, ficou absolvido da acusada prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de desobediência qualificada (por condução durante o período de inibição de condução), p. e p. pelas disposições conjugadas do art.o 92.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR) e do art.o 312.o, n.o 2, do Código Penal (CP).
Veio a Digna Delegada do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando àquela decisão, na motivação apresentada a fls. 86 a 89 dos presentes autos correspondentes, a violação da norma incriminadora do art.o 92.o, n.o 1, da LTR (por não ser de entender, diversamente do decidido pelo Tribunal autor daquela sentença, que a conduta de condução do arguido não seria punível em sede deste preceito legal), para pedir a condenação directa do arguido neste crime por que inicialmente vinha acusado.
Ao recurso, respondeu o arguido a fls. 92 a 94, defendendo a manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 111 a 112, opinando materialmente pela manutenção da decisão recorrida, sem prejuízo das consequências legais a advir da violação da condição da suspensão, decretada judicialmente ao arguido noutros processes deste, da inibição de condução.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Ficou descrito como inclusivamente provado na sentença ora recorrida que:
– em 13 de Julho de 2016, o arguido ora recorrido ficou, por causa de condução por excesso de velocidade em 11 de Dezembro de 2015, condenado (com respectiva decisão transitada em julgado em 7 de Setembro de 2016) na inibição de condução por sete meses, suspensa na execução por um ano, sob condição de só poder conduzir os veículos de chapa de matrícula n.os MM-**-** e MT-**-** durante o período das 22:00 horas às 07:00 horas;
– em 7 de Novembro de 2016, o mesmo arguido ficou, por causa de condução por excesso de velocidade em 9 de Março de 2016, condenado na inibição de condução por três meses, suspensa na execução por doze meses, sob condição de só poder conduzir os veículos de chapa de matrícula n.os MM-**-** e MT-**-** durante o período das 22:00 horas às 07:00 horas;
– em 14 de Julho de 2017, às 03:40 horas da tarde, o mesmo arguido, quando estava a conduzir em via pública o veículo automóvel ligeiro de chapa de matrícula n.o MS-**-**, foi interceptado por um guarda policial de Segurança Pública; o arguido sabia claramente que só podia conduzir veículos determinados em período de tempo determinado, mas apesar disso agiu livre, voluntária e conscientemente, ao conduzir em via pública veículo fora dos indicados, durante o período de suspensão da execução da inibição de condução.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, a Digna Delegada do Procurador traz à discussão a questão da interpretação da norma incriminadora do art.o 92.o, n.o 1, da LTR, que dispõe nos seguintes termos: “Quem conduzir um veículo na via pública durante o período de inibição efectiva de condução é punido pelo crime de desobediência qualificada e com cassação da carta de condução […]”.
Por aí se vê que esta norma tem por objecto acto de condução de veículo em via pública durante o período de inibição efectiva de condução.
No caso dos autos, nos dois outros processos do arguido ora recorrido, este ficou condenado igualmente na inibição de condução, e igualmente suspensa na respectiva execução, pelo que juridicamente falando não se trata, nesses dois processos, da aplicação da pena efectiva de inibição de condução.
Entretanto, os termos pelos quais foi decretada a suspensão da execução da pena de inibição de condução nesses dois processos conduzem, no plano fáctico falando, à situação de inibição efectiva de condução em via pública de todos os veículos que não sejam os com chapa de matrícula n.os MM-**-** e MT-**-**.
Quid juris?
Após feita a reponderação das posições jurídicas assumidas em diversos acórdãos do TSI sobre recursos congéneres, é de entender o seguinte:
Crê-se que atento o contexto do articulado da LTR, e sob padrões de hermenêutica jurídica plasmados no art.o 8.o do Código Civil, o termo “inibição efectiva de condução” empregue pelo legislador da LTR no referido n.o 1 do art.o 92.o está a referir-se à pena efectiva de inibição de condução, pois a sanção jurídica de inibição de condução pode ser objecto de suspensão na sua execução nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da LTR.
Assim sendo, no caso dos autos, a conduta de condução do arguido na tarde de 14 de Julho de 2017 não pode integrar o crime de desobediência qualificada do dito n.o 1 do art.o 92.o da LTR, por ele não ter sido condenado em qualquer dos seus dois processos anteriores em pena efectiva de inibição de condução.
Mas, como uma nota a final, esse mesmo acto de condução dele em 14 de Julho de 2017 não deixaria de poder acarretar impacto ao processo da suspensão da execução da sanção de inibição de condução em causa nesses outros dois processos dele.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso do Ministério Público.
Sem custas no recurso, dada a isenção subjectiva dessa Entidade Recorrente. Fixam em mil patacas os honorários oficiosos da Defesa, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância (cabendo 7/10 desta quantia à Ex.ma Defensora que minutou a resposta ao recurso, e os restantes 3/10 ao Ex.mo Defensor actual do arguido).
Comunique a presente decisão (com cópia da sentença ora recorrida) aos Processos n.os CR1-16-0082-PCT e CR4-16-0333-PCT do Tribunal Judicial de Base.
Macau, 25 de Julho de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta) (Mantenho a minha posicão assumida no acórdão
do processo nº 511/2016 de 11/1/2018.)
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