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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso civil
N.° 18 / 2008

Recorrente: A
Recorrida: B







1. Relatório
   Nos autos de embargos à declaração da falência n.º CV2-06-0002-CFI-J, em que é embargante B e embargada A, foi arguida pela embargante a nulidade do julgamento dos embargos por incompetência do tribunal singular, no início da audiência, e que foi julgada improcedente pela juiz titular do processo.
   A embargante recorreu deste despacho para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão proferido no processo n.º 490/2007, foi concedido provimento ao recurso e determinada a anulação do julgamento dos embargos que devia ser realizado pelo tribunal colectivo.
   Deste acórdão vem agora a embargada interpor recurso para o Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. O processo especial constitui uma excepção um desvio à regra e é regulado pelas disposições que lhes são próprias e sempre que a lei não preveja a intervenção do colectivo, os tribunais funcionam com Tribunal Singular.
   2. O CPC manda seguir nos embargos ao decretamento da falência o disposto no art.º 1092.º do CPC, e por remissão o art.º 1088.º do CPC, o que afasta a aplicação da tramitação segundo o processo de declaração, donde o Tribunal competente para fazer o julgamento é o Tribunal Singular e não o Tribunal Colectivo.
   3. Prevê-se a intervenção do Colectivo apenas quando a lei imponha tal solução, conforme resulta do n.º 2 do citado art.º 23.º, e tal solução não é imposta, no que respeita à discussão e julgamento dos factos, em sede de embargos à falência, porquanto é entendido que o julgamento dos embargos à falência é da competência do Tribunal Singular, o que se coaduna perfeitamente com a natureza instrumental e subsidiária da falência como processo especial, em que apenas se exige um sumario cognitio.
   4. A existir nulidade há muito que está sanada porque a entidade ora recorrida, desde o julgamento que decretou a falência, que tem conhecimento dessa nulidade, caso ela exista claro.
   5. Nos embargos à falência previsto no art.º 1091.º, n.º 1 do CPC não estamos perante um verdadeira contestação, mas sim num mecanismo que para contradizer os factos provados pela sentença que decretou a falência e por isso não são aplicáveis os preceitos legais que obrigam à intervenção do tribunal colectivo.
   6. Atenta à natureza do processo em causa e os critérios especiais porque se rege a falência não se aplica as disposições legais que o TSI invoca para concluir pela nulidade.
   7. A faculdade dada à embargante, ora recorrida, de se opor mediante embargos à sentença da declaração de falência visa unicamente e tão só avaliar se os factos que determinaram a declaração de falência têm sustentabilidade.
   8. No caso concreto, se a falência foi decretada pelo Tribunal Singular também é este Tribunal que tem competência para julgar os embargos.
   9. Nos processos de falência a lei prescinde da intervenção do tribunal colectivo e o legislador com o novo código de processo civil em vigor teve o entendimento que no processo de falência, a instrução e decisão de todos os termos do processo de insolvência, seus incidentes e apensos cabe sempre ao juiz singular.
   10. O douto despacho a fls. 985 não violou o disposto nos art.ºs 23.º, n.º 6, 3 da Lei de Bases da Organização Judiciária, art.ºs 372.º, n.º 1 do CPC, 147.º, n.º 1 e 549.º, n.º 3, todos dos CPC.
   11. Bem como, faz uma correcta interpretação dos art.ºs 1088.º e 1092.º, n.º 5, ambos do CPC.”
   Entendendo que o presente recurso deve ser julgado procedente.
   
   A recorrida contra-alegou e considerou que o recurso deve ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   A recorrente considera que as normas reguladoras dos embargos, depois do decretamento da falência, ou seja, os art.ºs 1092.º e 1088.º do Código de Processo Civil (CPC), afastam a aplicação da tramitação do processo de declaração, donde é competente o tribunal singular para fazer o julgamento, que se coaduna com a natureza da falência como processo especial.
   
   Para determinar a intervenção do tribunal colectivo, é essencial atender, antes de mais, o art.º 23.º da Lei de Bases da Organização Judiciária (Lei n.º 9/1999).
   Dispõe assim o n.º 2 deste artigo:
   “2. Sempre que a lei não preveja a intervenção do colectivo, os tribunais funcionam com tribunal singular.”
   Em relação a acções cíveis, o n.º 6, al. 3) do mesmo artigo prescreve que, sem prejuízo dos casos em que as leis de processo prescindam da sua intervenção, compete ao tribunal colectivo julgar as questões de facto nas acções de valor superior à alçada dos tribunais de primeira instância.
   Por outro lado, as acções comuns de declaração seguem o processo de forma ordinária quando o valor exceda a alçada dos tribunais de primeira instância (art.º 371.º do CPC). E neste tipo de acções a intervenção do tribunal colectivo reside na fase de audiência de discussão e julgamento (art.º 549.º do mesmo Código), salvo o caso especial previsto no art.º 549.º, n.º 2, última parte do CPC, em que a lei prescinde a sua intervenção, com a aplicação correspondente do art.º 24.º, n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária.
   
   Em relação às disposições legais aplicáveis a acções especiais de declaração, prescreve assim o art.º 372.º, n.º 1 do CPC:
   “1. O processo sumário e os processos especiais regem-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo ordinário.”
   Então, para as acções especiais de declaração, a intervenção do tribunal colectivo também deve limitar aos casos em que haja lugar à audiência de discussão e julgamento, por aplicação supletiva do referido art.º 549.º do CPC.
   
   Nestes termos, é possível a intervenção do tribunal colectivo em acções especiais cujo valor exceda a alçada dos tribunais de primeira instância quando a lei manda seguir os trâmites do processo ordinário de declaração, tal como previsto nos art.ºs 854.º, n.º 2, 869.º, n.º 1, 881.º, n.º 1, 925.º, n.º 1, 930.º (na redacção dada pelo art.º 4. da Lei n.º 9/2004), 955.º, n.º 1, 961.º, n.º 3, al. c), 987.º, n.º 1, 1025.º, n.º 2 e 1031.º, n.º 3, todos do CPC, ou prevê expressamente a audiência de discussão e julgamento, como nos art.ºs 1086.º, n.º 3 e 1088.º, 1092.º, n.º 4 e 1150.º, e 1151.º do mesmo Código, todos referentes à falência e aplicáveis à insolvência segundo o seu art.º 1187.º.
   
   Nos presentes autos, está agora em causa o julgamento dos embargos à declaração da falência previsto no art.º 1092.º, n.º 5 do CPC, que remete para o disposto no art.º 1088.º do mesmo Código. Uma vez que o valor do presente processo excede manifestamente o valor de alçada dos tribunais de primeira instância, do acima exposto resulta que se deve realizar o julgamento com o tribunal colectivo.
   A intervenção do tribunal colectivo não deve ser entendida como contrária à necessidade de celeridade inerente ao processo de falência, quer no plano normativo, quer em termos práticos, pois esta intervenção limita-se à fase de audiência de discussão e julgamento, sem acrescentar mais trâmites processuais.
   
   A referência a “juiz” constante do art.º 1088.º, n.º 2, al. a) do CPC, em que se prescreve que “o juiz indica os factos que integram a base instrutória” na audiência, não deve ser entendida como preterição do tribunal colectivo. Aqui o “juiz” entende-se por tribunal, não se vê como o legislador pretende afastar a intervenção do tribunal colectivo com o emprego desta palavra.
   É exemplo a mesma referência a “juiz” constante do art.º 552.º, n.º 1 do CPC ao regular a designação de técnicos “quando a matéria de facto suscite dificuldades de natureza técnica cuja solução dependa de conhecimentos especiais que o juiz não possua”. Naturalmente aqui a palavra “juiz” também significa o tribunal.
   
   
   Em seguida, a recorrente alega ainda que, a existir a nulidade de incompetência, teria de ser invocada no julgamento que decretou a falência, porque neste primeiro julgamento a embargada já teve conhecimento do vício.
   
   Sem cuidar agora da questão da incompetência do primeiro julgamento que decretou a falência, por não constituir objecto do presente recurso, a incompetência por preterição do tribunal colectivo constitui uma nulidade prevista nos art.ºs 147.º, n.º 1 e 549.º, n.º 3 do CPC e deve ser arguida nos termos do art.º 151.º, n.º 1 do mesmo Código, ou seja, se a parte estiver presente ou representada por mandatário no momento em que forem cometidas as nulidades, só podem ser arguidas enquanto o acto não terminar, caso contrário são arguidas posteriormente.
   A embargada suscitou a nulidade logo no início do julgamento dos embargos, estava em tempo, portanto, a arguição.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
   Custas pela recorrente.


   Aos 18 de Junho de 2008.






Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.° 18 / 2008 1