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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------------------------
--- Data: 18/09/2019 --------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz José Maria Dias Azedo ----------------------------------------------------------------------------


Processo nº 758/2019
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, (1°) arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado como autor material da prática 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 e 3, al. a) do C.P.M., com dispensa de pena; (cfr., fls. 283 a 288-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, afirmando que o Acórdão recorrido padecia do vício de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 303 a 309).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso deve ser rejeitado; (cfr., fls. 313 a 314).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Submetido a julgamento em processo comum perante tribunal colectivo, foi o ora recorrente A condenado por um crime de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo artigo 137.°, n.° 1, do Código Penal, tendo sido dispensado de pena, nos termos do n.° 3, alínea a), do mesmo artigo.
Vem interpor recurso do acórdão, imputando-lhe o vício de erro notório na apreciação da prova, o que é refutado pela contraminuta do Ministério Público, que sugere a rejeição do recurso por manifesta improcedência.
Também se nos afigura manifestamente improcedente a argumentação do recorrente.
Este traça a sua própria leitura da prova, fixando-se nos depoimentos de duas testemunhas que asseveram não ter visto o recorrente a agredir o ofendido B.
Porém, e por um lado, as testemunhas em causa não excluem concludentemente a hipótese de o recorrente ter agredido B. O que sustentam é que, quando se viraram, ou quando olharam, apenas viram o B a agredir o recorrente.
Por outro lado, o tribunal não decidiu apenas com base na prova resultante desses dois depoimentos. Formou a sua convicção atendendo nomeadamente às versões dos arguidos e às perícias médico-legais sobre as lesões corporais que ambos (B e A) ostentavam após a discussão e confronto relatados nos autos.
Impõe-se, pois, a conclusão de que o tribunal não incorreu em erro na apreciação da prova, muito menos no erro notório exigido pelo artigo 400.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
Improcede a argumentação do recorrente, não merecendo a decisão recorrida o reparo que lhe vem apontado, pelo que deve rejeitar-se o recurso ou negar-se-lhe provimento”; (cfr., fls. 366 a 366-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 284-v a 285-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 e 3, al. a) do C.P.M., com dispensa de pena.

É de opinião que o Acórdão recorrido padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”.

Porém, não se lhe pode reconhecer razão.

Vejamos.

Em síntese, o Tribunal a quo deu como provado que o ora recorrente e o (2°) arguido dos autos, B, “agrediram-se mutuamente”, e “não se tendo apurado qual dos contendores agrediu primeiro”, deu aplicação ao estatuído no art. 137°, n.° 1 e 3, al. a) do C.P.M., condenando ambos os arguidos como autores de 1 crime de “ofensa à integridade física” com dispensa de pena.

Entende o ora recorrente que não devia o Tribunal dar como “provado” que ele agrediu o (2°) arguido, invocando o depoimento de duas testemunhas, concluindo assim pelo imputado “erro”.

E, assim, como se referiu, manifesta é a improcedência do presente recorrente.

Com efeito, de forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.10.2018, Proc. n.° 803/2018, de 17.01.2019, Proc. n.° 812/2018 e de 07.03.2019, Proc. n.° 93/2019).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 24.01.2019, Proc. n.° 905/2018, de 21.02.2019, Proc. n.° 34/2019 e de 06.06.2019, Proc. n.° 476/2019).

Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).

E como se consignou no Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16, “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.

No caso, e como – bem – nota o Ministério Público no seu douto Parecer, a apreciação da prova pelo Tribunal a quo apresenta-se equilibrada e sensata, não deixando o Colectivo de explicitar de forma clara e lógica os motivos da sua convicção, não se vislumbrando qualquer desrespeito a (qualquer) regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis.

Com efeito, e como se apresenta evidente, não é por existir – um – dois (ou mais) “depoimentos favoráveis” à versão do recorrente para que se tenha de considerar que vinculado está o Tribunal a dar como provada a sua versão.

Importa – natural e obviamente – ter em conta outros elementos probatórios, como no caso sucede com o depoimento do (2°) arguido B, assim como o parecer médico junto a fls. 47, ambos, pelo Tribunal a quo invocados para justificar a sua convicção, e que suportam (claramente) a sua decisão no sentido de que este mesmo arguido foi (também) agredido pelo ora recorrente.

Nesta conformidade, e ociosas se apresentando mais alongadas considerações, há que decidir como segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 18 de Setembro de 2019
José Maria Dias Azedo
Proc. 758/2019 Pág. 14

Proc. 758/2019 Pág. 1