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Processo n.º 75/2019. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van, S.A.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Aplicação das leis de terras no tempo. Contrato de concessão por arrendamento. Lei de Terras. Prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano. Renovação de concessões provisórias. Declaração da caducidade do contrato de concessão. Prazo de concessão provisória.
Data da Sessão: 24 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
   I – Os artigos 212.º e seguintes da nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), entrada em vigor em 1 de Março de 2014, prevalecem sobre as disposições gerais relativas a aplicação de leis no tempo constantes do Código Civil.
   II – No que respeita aos direitos e deveres dos concessionários a alínea 2) do artigo 215.º da nova Lei de Terras faz prevalecer o convencionado nos respectivos contratos sobre o disposto na lei. Na sua falta, aplica-se a nova lei e não a antiga lei (Lei n.º 6/80/M), sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Código Civil nos termos do qual “a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”.
   III – Tendo em conta que o proémio do artigo 215.º da nova Lei de Terras já determina a aplicação da lei às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, a intenção da alínea 3) do mencionado artigo 215.º, é a de aplicar imediatamente dois preceitos da lei nova (n.º 3 do artigo 104.º e artigo 166.º), mesmo contra o que esteja convencionado nos respectivos contratos (alínea anterior) e na lei antiga, quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário.
   IV – A prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º da Lei de Terras). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º).
   V – A Lei de Terras estabelece como princípio que as concessões provisórias não podem ser renovadas. A única excepção a esta regra é a seguinte: a concessão provisória só pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (artigo 48.º).
   VI - Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
   VII - E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
   VIII - Nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo quando atingido o prazo máximo de concessão, de 25 anos.
   IX - A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo.

O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van, S.A, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 3 de Maio de 2018, do Chefe do Executivo, que declarou a caducidade do contrato de concessão provisória por arrendamento de um terreno sito na península de Macau, designado por Lote 1 da Zona C, do “Fecho da Baía da Praia Grande”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 22513, a fls. 165 do Livro B-47K, por decurso do prazo da concessão.
No decurso do processo Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van, S.A. reclamou para a conferência de despacho do Ex.mo Relator do Tribunal de Segunda Instância (TSI), que determinou apresentações de alegações no recurso contencioso e decidiu não ser necessária a produção de prova de alguns factos alegados na petição de recurso contencioso, respeitantes à culpa no não aproveitamento do terreno.
O TSI, por acórdão de 21 de Março de 2019, indeferiu a reclamação para a conferência e negou provimento ao recurso contencioso.
Inconformada, interpõe Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van, S.A., recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- Ilegalidade do acórdão recorrido, por não ter determinado a produção de prova testemunhal relativamente aos factos que impedem a caducidade por decurso do prazo, ainda que se entendesse que a caducidade em causa é preclusiva.
- Deveria ter-se procedido a uma valoração do comportamento da concessionária para se concluir que a recorrente não contribuiu para nem teve culpa na não conclusão do aproveitamento do terreno;
- Houve causa impedidtiva da caducidade;
- Foram violados por parte do acto recorrido os princípios da igualdade, da boa-fé, da proporcionalidade, da decisão e da eficiência e houve abuso de direito;
- Foi violado o artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico e os artigos 7.º e 103.º da Lei Básica.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
  1 - A concessão do terreno em discussão foi originalmente concedida à Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A.R.L. (“Nam Van”) por escritura de 30 de Julho de 1991, na sequência do Despacho 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento do Boletim Oficial n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, contrato de concessão que veio a ser posteriormente alterado pelos Despachos (i) 73/SATOP/92, publicado no B.O. n.º 27, de 6.7.1992, (ii) 57/SATOP/93, publicado no B.O. n.º 17, de 26.4.1993 e (iii) 56/SATOP/94, publicado no B.O. n.º 22, de 1.6.1994.
  2 - Pelo Despacho 80/2001, do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, publicada no Boletim Oficial n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi autorizada a transmissão onerosa, a favor da Recorrente, dos direitos resultantes da concessão por arrendamento do Terreno (doc. 4 junto com a p.i.).
  3 - A cláusula segunda do contrato anexo ao Despacho n.º 80/2001 do STOP determina que o arrendamento seria válido até 30 de Julho de 2016, podendo ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049 (vide cit. doc. 4).
  4 - Os lotes de terreno que compõem o empreendimento “Fecho da Baía da Praia Grande”, assim denominado nos despachos de concessão acima citados, foram concedidos à Nam Van em 1991 como parte de um projecto integrado como resulta dos despachos mencionados no artigo 3.º.
  5 - À data da concessão (1991), os terrenos a explorar pela Nam Van não existiam ainda, eram, como melhor explica a escritura de concessão (fls. 268 do PA), “terrenos a conquistar ao mar”.
  6 - A Nam Van passou os 10 anos seguintes a construir as zonas de aterro dos “terrenos a conceder” (cláusula 6.º do Desp. 73/SATOP/92 relativa ao prazo do aproveitamento) e a construir infra-estruturas que constituíam os encargos especiais do contrato:
  1. Sistema de reciclagem de água dos lagos, que incluíam a concepção e construção dos dois lagos artificiais da Nam Van e da ilha artificial;
  2. Sistema de tratamento de águas residuais desde a Barra até ao Porto Exterior, incluindo as estações elevatórias de águas residuais;
  3. A rede geral de distribuição de água destas zonas e ligação à rede existente;
  4. A rede de distribuição de rede eléctrica:
  5. Os arruamentos de toda área e zonas limítrofes, que incluiu a construção de importantes redes de circulação rodoviária;
  6. As circulações pedonais;
  7. Os estacionamentos públicos;
  8. Os arranjos paisagísticos e os arranjos exteriores, conforme se menciona, com mais pormenor, na cláusula 7.ª do Desp. 73/SATOP/92 relativa aos encargos especiais.
  7 - A Administração recebeu provisoriamente estas estruturas entre Julho e Novembro de 1999, conforme consta das recepções provisórias das Infra-estruturas das Zonas B, C, D e E, e dos Lagos que integram o Plano de Pormenor do Reordenamento da Zona da Baía da Praia Grande, cujos autos se encontram de fls. 80 a 85 do PA.
  8 - A recepção definitiva das infra-estruturas só vem a acontecer em Dezembro de 2001.
  9 - O auto de vistoria para recepção definitiva, de 4 de Dezembro de 2001, certifica que as infra-estruturas da Zona C, nomeadamente o pavimento, “oferecem toda a garantia de solidez e conservação”.
  10 - O auto de vistoria para recepção definitiva foi homologado pelo STOP em 20 de Janeiro de 2003.
  11 - Teve lugar em 1999 mais uma revisão da concessão e do prazo de aproveitamento - cfr. artigo 3.º do Desp. 71/SATOP/99 (fls. 236 do Vol. 1 do PA) - tendo-se prorrogado o prazo de aproveitamento da Zona C/D por mais 72 meses (6 anos) a contar da data de publicação no Boletim Oficial desta revisão (18.8.1999).
  12 - Com a autorização da Administração, os direitos resultantes de cada uma das concessões da Zona C desse empreendimento foram divididos e transmitidos para maior facilidade na obtenção de financiamentos, como melhor é explicado na primeira carta que solicita a transmissão, datada de 28 de Outubro de 1994 (vide fls. 62 do Vol.1 do PA), tendo a Nam Van mantido, por longos anos, a maioria do capital social de cada uma destas subsidiárias detentoras dos lotes da zona C da Nam Van.
  13 - A transmissão ocorreu em Setembro de 2001.
  14 - De qualquer forma, em 2004 a Recorrente tinha ainda 12 anos para completar o projecto antes de atingir o prazo de arrendamento e havia duas práticas da administração com as quais contava:
  a) Os projectos (desde que passíveis de aprovação técnica) eram sempre aprovados ainda que fora do prazo de aproveitamento (o que aconteceu com várias concessionárias da Nam Van) ou por outras palavras, não era o decurso do prazo de aproveitamento que impedia a aprovação do projecto e a realização das obras de construção: e
  b) As concessões eram sucessivamente renovadas após o decurso do prazo de arrendamento.
  15 - Ora, desde 2002 que o Governo vinha oferecendo à Nam Van e às várias sociedades concessionárias da Zona C e D, entre as quais a Recorrente, a promessa de uma revisão geral do Plano Geral da Zona C e D de forma a nele incluir, senão todo, pelo menos uma parte das áreas destes quatro lotes entregues ao Governo.
  16 - Reunida em sessão de 27 de Outubro de 2016, a Comissão de Terras exarou no seu Parecer n.º 123/2016, o seguinte: «De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato de concessão inicial, titulado pela escritura pública de 30 de Julho de 1991, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da sua outorga, ou seja, o prazo terminou em 30 de Julho de 2016. Uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada.
  Nestas circunstâncias, o Departamento de Gestão de Solos (DSO) da DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 366/DSODEP/2016, de 12 de Setembro, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e tramitações ulteriores sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, nos termos do artigo 167.º da Lei de terras, proposta esta que mereceu a concordância do Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 19 de Setembro de 2016.
  Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 30 de Julho de 2016 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
  Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
  Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
  De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior) que, no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
  Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tomar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
  Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.» (fls. 95-96, do p.a. “60-2016-C.T.)
  17 - O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 4/11/2016, emitiu parecer no sentido de concordar com a proposta da Comissão de Terras em que fosse declarada a caducidade da concessão (fls. 101-102, do p.a., nº “60-2016-C.T.)
  18 - O Chefe do Executivo, por despacho de 3/05/2018, proferiu a seguinte decisão (a.a.):
  “Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo nº 60/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 4 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho” (fls. 103 do p.a. “60-2016-C.T.”)
  
III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas, muitas delas semelhantes, até na forma da sua abordagem, às conhecidas no nosso acórdão de 23 de Maio de 2018, no Processo n.º 7/2018, que seguiremos de muito perto.

2. Recurso da decisão de não admitir produção de prova no recurso contencioso
No recurso contencioso, a produção de prova só tem lugar se os factos forem relevantes para a decisão de mérito (n.º 1 do artigo 63.º e n.º 3 do artigo 65.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (proémio do n.º 1 do artigo 430.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
A produção de prova visava estabelecer a culpa da Administração e a falta de culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno, bem como a eventual causa impeditiva de caducidade.
Ora, como desenvolveremos adiante, entendemos que tais questões não são relevantes para a decisão sobre a legalidade da caducidade da concessão por decurso do prazo.
Assim, independentemente de a relevância da culpa poder integrar uma das soluções plausíveis da questão de direito, certo é que “os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa…” (1.ª parte do n.º 3 do artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), o que, como veremos melhor, não é manifestamente o caso.
Donde, ter de improceder, sem mais, o recurso.

3. Aplicação das leis de terras no tempo
Relativamente à questão de saber qual a lei aplicável ao caso dos autos, se a nova Lei de Terras, se a antiga Lei (Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho), no que concerne à declaração de caducidade, damos aqui por reproduzido o que expendemos no nosso acórdão de 23 de Maio de 2018, no Processo n.º 7/2018.

4. O regime dos terrenos do Estado na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), em particular da concessão onerosa por arrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano e o caso dos autos
Trata-se, agora, de saber se a caducidade por decurso do prazo constitui um caso de caducidade-sanção, por não se dar por forma automática, sendo necessário que a Administração verifique o incumprimento das condições estabelecidas, ou seja, se só se pode declarar a caducidade se se demonstrar que a falta de aproveitamento é imputável à concessionária.
Damos aqui por reproduzido o que expendemos no nosso acórdão de 23 de Maio de 2018, no Processo n.º 7/2018.

5. Caducidade do contrato de concessão por arrendamento na nova Lei de Terras e o caso dos autos
Relativamente ao regime de caducidade das concessões provisórias e definitivas damos aqui por reproduzido o que expendemos no nosso acórdão de 23 de Maio de 2018, no Processo n.º 7/2018.

6. Impedimento da caducidade
Na tese da recorrente a Administração reconheceu várias vezes o seu direito de aproveitamento do lote, o que impediria a caducidade, nos termos do n.º 2 do artigo 322.º do Código Civil.
Dispõe o artigo 323.º do Código Civil:
Artigo 323.º
(Causas impeditivas da caducidade)
 1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
 2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

Mas o acórdão recorrido entendeu que não estão em causa direitos disponíveis, acrescentando que o n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil só se aplica quando estão em causa direitos disponíveis. Sobre esta matéria nada contrapôs a recorrente, pelo que não cabe apreciar as questões suscitadas no recurso contencioso contraditadas pelo acórdão recorrido sem impugnação da recorrente.

7. Princípios da igualdade, da boa-fé, da proporcionalidade, da decisão e da eficiência e abuso de direito
Do que ficou dito, resulta claro que consideramos que, face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão: tem que a declarar necessariamente.
Logo, não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º e 8.º do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, os princípios da igualdade, da justiça, da tutela da confiança, da imparcialidade, boa-fé e da proporcionalidade.
Alega a recorrente que o acórdão recorrido, relativamente à violação do princípio da iguldade respondeu que não há igualdade na ilegalidade. E pergunta a recorrente. “Mas onde está a ilegalidade? A decisão não a invoca a recorrente desconhece-a”.
Mas tinha obrigação de não desconhecer. O acórdão recorrido entende que a Administração está vinculada a declarar a caducidade da concessão por decurso do prazo. Se houve outros casos em que a Administração entendeu de outro modo, isso não é fundamento para anular o acto recorrido dos autos. A ilegalidade estaria na decisão dos outros casos. A haver outros casos, o que desconhecemos.
Quanto à violação dos mencionados princípios e quanto ao abuso de direito, damos por reproduzida a fundamentação exarada nos acórdãos proferidos a 23 de Maio de 2018 e a 12 de Dezembro de 2018, respectivamente, nos Processos n.º 7/2018 e 90/2018.
Não se vislumbra o que é que os princípios da decisão e da eficiência têm que ver com o que discute. Houve decisão sobre a caducidade e a eficiência não pode conduzir à violação da lei quando, como é o caso, a Administração considera que está vinculada a declarar a caducidade da concessão por decurso do prazo.

8. Violação do artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico
Alega a recorrente que foi violado o artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico.
Dispõe tal preceito:
Artigo 55.º
Revisão de contratos de concessão de terrenos do Estado, desistência da concessão e indemnização
 1. Quando a execução de um plano urbanístico colida com a finalidade da concessão ou com o aproveitamento ou reaproveitamento de um terreno do Estado concedido, o concessionário tem direito, nos termos da Lei de terras, a requerer a revisão do contrato de concessão, a desistência da concessão ou, tratando-se de concessão onerosa, a transmissão das situações resultantes da concessão.
 2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, tratando-se de concessões onerosas, os concessionários de terrenos do Estado lesados pela execução inicial ou pela alteração de um plano urbanístico têm direito a ser indemnizados, nos termos da Lei de terras, pelos danos que comprovadamente tenham sofrido, sendo aplicável à prescrição do direito e à fixação do valor da indemnização o disposto no n.º 2 do artigo 53.º e no artigo anterior, com as necessárias adaptações.

Mas a recorrente não alegou oportunamente que requereu a revisão do contrato de concessão. Em que sentido? Não obteve resposta? Nada disto alega.
Improcede a questão suscitada.

9. Violação dos artigos 7.º e 103.º da Lei Básica
Alega a recorrente que a caducidade resulta em expropriação ilegal o que violaria a Lei Básica, designadamente o artigo 103.º, que protege a propriedade privada e os investimentos.
Em primeiro lugar, pela concessão por arrendamento de um terreno o concessionário não adquire nenhum direito de propriedade sobre o terreno, mas apenas sobre as construções.
Em segundo lugar, não está excluído o direito à indemnização, se os concessionários demonstrarem factos que integrem os pressupostos da responsabilidade civil.
Quanto ao artigo 7.º da Lei Básica refere-se ao reconhecimento dos direitos sobre terrenos antes do estabelecimento da RAEM, que não está em causa no processo. E também aos poderes do Governo na gestão, uso e desenvolvimento dos solos e recursos naturais da RAEM, o que ainda está menos.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 12 UC.
Notifique com certidão dos acórdãos proferidos a 23 de Maio de 2018 e a 12 de Dezembro de 2018, respectivamente, nos Processos n.º 7/2018 e 90/2018.
Macau, 24 de Julho de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
 
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
  



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Processo n.º 75/2019

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Processo n.º 75/2019