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Processo n.º 72/2019. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrentes: B, C, D, E, F, G, H e I, na qualidade de herdeiros de A.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Aplicação das leis de terras no tempo. Contrato de concessão por arrendamento. Lei de Terras. Prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano. Renovação de concessões provisórias. Declaração da caducidade do contrato de concessão. Prazo de concessão provisória.
Data da Sessão: 30 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Os artigos 212.º e seguintes da nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), entrada em vigor em 1 de Março de 2014, prevalecem sobre as disposições gerais relativas a aplicação de leis no tempo constantes do Código Civil.
II – No que respeita aos direitos e deveres dos concessionários a alínea 2) do artigo 215.º da nova Lei de Terras faz prevalecer o convencionado nos respectivos contratos sobre o disposto na lei. Na sua falta, aplica-se a nova lei e não a antiga lei (Lei n.º 6/80/M), sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Código Civil nos termos do qual “a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”.
III – Tendo em conta que o proémio do artigo 215.º da nova Lei de Terras já determina a aplicação da lei às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, a intenção da alínea 3) do mencionado artigo 215.º, é a de aplicar imediatamente dois preceitos da lei nova (n.º 3 do artigo 104.º e artigo 166.º), mesmo contra o que esteja convencionado nos respectivos contratos (alínea anterior) e na lei antiga, quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário.
IV – A prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º da Lei de Terras). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º).
V – A Lei de Terras estabelece como princípio que as concessões provisórias não podem ser renovadas. A única excepção a esta regra é a seguinte: a concessão provisória só pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (artigo 48.º).
VI - Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
VII - E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
VIII - Nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo quando atingido o prazo máximo de concessão, de 25 anos.
IX - A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
B, C, D, E, F, G, H e I, na qualidade de herdeiros de A, interpuseram recurso contencioso de anulação do despacho de 24 de Junho de 2016, do Chefe do Executivo, que declarou a caducidade do contrato de concessão provisória por arrendamento de um terreno, com a área de 3409 m2, sito península de Macau, na Rua dos Currais, por decurso do prazo da concessão.
No decurso do processo B, C, D, E, F, G, H e I, na qualidade de herdeiros de A, reclamaram para a conferência de despacho do Ex.mo Relator do Tribunal de Segunda Instância (TSI), que decidiu não ser necessária a produção de prova de alguns factos alegados na petição de recurso contencioso, respeitantes à culpa no não aproveitamento do terreno.
O TSI, por acórdão de 1 de Fevereiro de 2018, indeferiu a reclamação para a conferência.
Os reclamantes interpuseram recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), sustentando a ilegalidade do acórdão recorrido, por não ter determinado a produção de prova testemunhal relativamente aos factos que impedem a caducidade por decurso do prazo, ainda que se entendesse que a caducidade em causa é preclusiva.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 21 de Março de 2019, negou provimento ao recurso contencioso.
Inconformados, interpõem B, C, D, E, F, G, H e I recurso jurisdicional para o TUI, suscitando as seguintes questões:
- O acto impugnado é inválido por preterição da audiência prévia dos interessados, tendo o TSI incorrido em erro de julgamento a este título, com violação do disposto no artigo 93.° do Código do Procedimento Administrativo;
- A caducidade dos autos é sancionatória e não preclusiva;
- Em momento algum a Lei n.º 10/2013 exclui a necessidade de apreciação do comportamento culposo da concessionária no momento da declaração de caducidade das concessões provisórias;
- Deveria ter-se procedido a uma valoração do comportamento da concessionária para se concluir que a recorrente não contribuiu para nem teve culpa na não conclusão do aproveitamento do terreno;
- A não ser assim, a concessionária perderia todos os seus direitos e o prémio pago, sem qualquer indemnização, o que violaria a Lei Básica, designadamente o artigo 103.º, que protege a propriedade privada e os investimentos;
- Erro na não aplicação do artigo 323.º do Código Civil;
- Violação dos princípios da tutela da confiança, da boa-fé, da igualdade, da imparcialidade e da proporcionalidade e do abuso de direito;
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
  Pelo Despacho n.º 129/SAOPH/89, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 46, de 16 de Novembro de 1989, A obteve a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, de um terreno sito na península de Macau, na Rua dos Currais, com a área de 3409 m².
  O terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX a fls. 478 do livro XXXXM e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor de A sob o n.º XXXXX a fls. 88 do livro XXXXX.
  A faleceu em 11 de Maio de 2006, sucedendo-lhe como herdeiros B, C, D, E, F, G, H e I.
  O arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, podendo o prazo ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049, nos termos da legislação aplicável e mediante condições a acordar.
  A finalidade de tal concessão era a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 13 pisos destinados a comercialização e apoio oficinal do parque automóvel.
  Conforme o estipulado no n.º 1 da cláusula quinta do contrato de concessão, o prazo global de aproveitamento foi fixado em 36 meses, contados a partir da publicação no Boletim Oficial do despacho que autoriza o contrato, ou seja, até 16 de Novembro de 1992.
  O concessionário pagou integralmente o prémio no valor de MOP8.735.240,00.
  Até 24 de Junho de 2016, data em que foi declarada a caducidade do contrato de concessão pelo Exm.º Chefe do Executivo, o terreno não se mostrava aproveitado.
  Reunida em sessão de 25 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras emitiu o seguinte parecer:
  “Proc. n.º XX/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3409m2, situado na península de Macau, na Rua dos Currais, a favor de A, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 15 de Novembro de 2014.
I
  1. Ao abrigo do disposto no artigo 44º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das suas características e só se converte em definitiva se, no decurso do prozo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. Nos termos do disposto no artigo 48º da mesma lei, a concessão provisória não pode ser renovada. Assim, através do despacho do Chefe do Executivo, declara-se a caducidade de concessão, por decurso do prazo de arrendamento, de acordo com o artigo 167º da mesma lei.
  2. De acordo com o disposto no artigo 179º da Lei de terras e no artigo 56º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifique a declaração da caducidade da concessão.
  3. Face ao exposto, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através da proposta n.º XXX/XXXXXX/2015, de 18 de Novembro, propôs autorização para dar início ao procedimento de declaração de caducidade das concessões provisórias cujo prazo de arrendamento expirou ou irá expirar, bem como dar início aos respectivos trabalhos por ordem cronológica das datas em que terminou o prazo de arrendamento de cada um daqueles processos, tendo o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) aprovada esta proposta por despacho de 25 de Novembro de 2015.
II
  4. Pelo Despacho n.º 129/SAOPH/89, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 46, de 16 de Novembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3409m2, situado na península de Macau, na Rua dos Currais, a favor de A.
  5. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 15 de Novembro de 2014.
  6. Conforme a cláusula terceira do respectivo contrato, o terreno é aproveitado com a construção de um edifício de 13 pisos, em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, indústria e estacionamento, para comercialização e apoio oficinal do parque automóvel.
  7. O prazo global de aproveitamento do terreno é de 36 meses, contados a partir da data de publicação do sobredito despacho, ou seja, até 15 de Novembro de 1992.
  8. O prémio do contrato e os respectivos juros em prestações no valor global de $8.735.240,00 patacas foram integralmente pagos.
  9. O terreno referido em epígrafe está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX a fls. 478 do livro XXXXM e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor do concessionário sob o n.º XXXXX a fls. 88 do livro XXXXX.
III
  10. Através da carta de 11 de Janeiro de 1990, o concessionário informou à entidade competente a impossibilidade de apresentação do projecto de obra dentro do prazo estipulado, dado que ainda não tinha sido emitida a planta de alinhamento oficial (PAO). No entanto, após a emissão em 12 de Fevereiro de 1990 da PAO, o concessionário solicitou em 9 de Dezembro de 1991 a alteração das finalidades do terreno para comércio e habitação, o qual foi indeferido pelo Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas (SATOP) por despacho de 14 de Julho de 1992.
  11. Posteriormente, depois do projecto de arquitectura apresentado em 13 de Junho de 1990 ter sido considerado passível de aprovação condicionada em 26 de Agosto de 1992, através da carta de 10 de Novembro de 1992, o concessionário solicitou informações concretas das alterações relativas às condições urbanísticas do terreno, a fim de se dar seguimento ao projecto de construção.
  12. Após recepção, em 2 de Março de 1993, da PAO actualizada, o concessionário solicitou em 6 de Março de 1993 a prorrogação do prazo de apresentação do projecto de arquitectura para 30 de Abril de 1993, o qual foi autorizado em 12 de Março do mesmo ano.
  13. Em 22 de Agosto de 1995, ao abrigo do regime de contrato de desenvolvimento para habitação, o concessionário solicitou a alteração das finalidades do terreno de indústria e comércio para habitação. Ouvidos os pareceres das entidades competentes, o SATOP indeferiu este pedido por despacho de 8 de Janeiro de 1996.
  14. Posteriormente, em 12 de Abril de 1996, o concessionário apresentou várias questões no âmbito de protecção ambiental, de segurança e em termos económicos relativos à implementação no respectivo terreno do projecto de reparação de automóveis. Para além disso, através do despacho de 10 de Dezembro de 1998, o Secretário-Adjunto para a Coordenação Económica (SACE) fez saber que tendo em consideração o desenvolvimento do respectivo bairro social e os factores ambientais, considera que não é adequada a construção no bairro do edifício indicado no contrato, tendo emitido parecer viável sobre a alteração das finalidades do terreno e proposto ainda o reinício do projecto previsto no contrato noutra zona do território (Pac On).
  15. Apesar disso, através dos requerimentos apresentados no Gabinete do Chefe do Executivo e na DSSOPT em 9 de Outubro de 2000 e 29 de Maio de 2001, respectivamente, o concessionário veio solicitar a devolução do prémio do contrato e compensação. Tendo o STOP indeferido o pedido de devolução do prémio, mas permitido a alteração das finalidades do terreno por despacho de 17 de Setembro de 2001.
  16. Conforme a PAO e a planta cadastral emitidas em 12 de Outubro e 1 de Novembro de 2001, respectivamente, as finalidades do terreno foram alteradas para habitação, comércio/serviço, equipamentos sociais e de estacionamento.
  17. Devido à execução das obras de construção do novo Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, celebrando-se em 18 de Janeiro de 2002 um documento, o concessionário aceitou o pedido da Administração sobre a utilização temporária do respectivo terreno até 30 de Junho de 2004 para instalação de um terminal provisório de autocarros e depósito de materiais de construção civil, devendo essa entidade desocupar a sucata e materiais ali existentes. De acordo com o auto de vistoria para a recepção de 17 de Outubro de 2002, os trabalhos da desocupação do terreno ficaram concluídos.
  18. Posteriormente, por Despacho do Chefe do Executivo n.º 24/2003, publicado no Boletim Oficial da Região Administração Especial de Macau (RAEM) n.º 5, I série, de 4 de Fevereiro de 2003, a parcela destinada à instalação de um parque de estacionamento, ou seja, um terminal provisório de autocarros, foi considerada como via pública para efeitos de responsabilidade civil e criminal.
  19. Em 2 de Junho e 27 de Julho de 2004, o concessionário solicitou acompanhamento do assunto relativo à devolução do terreno, uma vez que o prazo de utilização temporária do terreno iria terminar em 30 de Junho de 2004.
  20. Por motivo de falecimento do concessionário em 11 de Maio de 2006, através dos requerimentos de 9 de Agosto de 2006 e 4 de Maio de 2007, os seus herdeiros solicitaram a transmissão do direito resultante da concessão do terreno.
  21. Através da proposta n.º XXX/XXXXXX/2007, de 29 de Novembro, a DSSOPT propôs que se acompanhasse o respectivo pedido, no entanto, a proposta não recebeu qualquer resposta.
  22. Em 2 de Agosto de 2011, os herdeiros do concessionário apresentaram uma sentença homologatória da partilha dos bens incluindo o terreno em apreço e solicitaram, em 15 de Junho e 26 de Dezembro de 2012, o acompanhamento do assunto relativo à transmissão por morte da concessão e à devolução do terreno.
  23. Dado que decorria a realização do Plano Conceptual Urbanístico da Zona das Portas do Cerco e Envolvente e se pretendia que o respectivo terreno se destinasse a instalações de bairro social e aos equipamentos desportivos, como não se encontrou nenhum terreno adequado para permuta, em 3 de Abril de 2013, a DSSOPT propôs que se considerasse a viabilidade de devolução dos prémios pagos.
  24. Através do requerimento apresentado em 21 de Junho de 2013, os herdeiros do concessionário, não pretendendo receber a devolução do prémio, solicitaram a devolução do terreno ou a concessão de um outro terreno por permuta, uma vez que o prazo de arrendamento estava quase expirar.
  25. Posteriormente, em 30 de Julho de 2013, através de requerimento apresentado no Gabinete do Chefe do Executivo pelo advogado dos herdeiros do concessionário, estes solicitaram autorização para a transmissão por morte da concessão do terreno e a revisão do contrato ou celebração de um novo contrato de concessão do terreno.
  26. Através da proposta n.º XXX/XXXXXX/2014, de 7 de Julho, o Departamento de Gestão de Solos (DSODEP) da DSSOPT propôs o envio do processo ao Departamento Jurídico (DJUDEP) para efeitos de emissão de parecer. A esta solicitação, através da proposta n.º XX/XXXXXX/2014, de 26 de Setembro, o DJUDEP julga que se deveria indeferir o respectivo pedido, uma vez que o prazo de arredamento terminará em 15 de Novembro de 2014 e a concessão do terreno ainda é provisória. Ao abrigo da disposição do artigo 48º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), as concessões provisórias não podem ser renovadas, o que significa que os herdeiros do concessionário manifestamente não podem assegurar o cumprimento das obrigações estipuladas no contrato de concessão, pelo que, não pode ser deferida a transmissão, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 157º da mesma lei. Para além disso, uma vez que o concessionário faleceu em 11 de Maio de 2006 e o pedido de transmissão da concessão foi indeferido, extinguiu-se o direito resultante da concessão do terreno e os respectivos herdeiros não têm qualquer posição jurídica do direito resultante da concessão, consequentemente, não podendo ser revisto nem celebrado um novo contrato de concessão do terreno, os herdeiros têm direito de solicitar à Administração uma compensação pelo uso do terreno, entre 1 de Julho de 2004 e 11 de Maio de 2006.
  27. Após o termo do prazo de arredamento, em 26 de Outubro de 2015, os herdeiros do concessionário solicitaram mais uma vez a autorização para a transmissão por morte da concessão e a revisão do contrato ou celebração de um novo contrato de concessão do terreno.
  28. Mesmo que os herdeiros do concessionário apresentassem os respectivos pedidos, a realização de audiência sobre o indeferimento do pedido não afecta o seguimento do procedimento de declaração de caducidade por decurso do prazo do arredamento, de acordo com os pareceres exarados na proposta n.º XX/XXXXXX/2015, de 31 de Março. Sendo assim, através da proposta n.º XXX/XXXXXX/2016, de 8 de Janeiro, o DSODEP propôs o indeferimento do pedido de transmissão por morte da concessão e da revisão ou celebração de um novo contrato de concessão do terreno, propondo ainda acompanhamento do procedimento ulterior de audiência.
  29. Por outro lado, de acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato, o prazo do arrendamento terminou em 15 de Novembro de 2014. No entanto, a respectiva concessão ainda é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48º da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada. Nestas circunstâncias, a DSSOPT, através da mesma proposta, propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer. Na sequência do parecer concordante do director da DSSOPT, o STOP manifestou a sua concordância por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
  30. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que tendo expirado em 15 de Novembro de 2014 o prazo de vigência da concessão (prazo de arrendamento), de 25 anos, fixado na cláusula segunda do contrato de concessão, sem que o aproveitamento do terreno definido neste contrato se mostre realizado, a concessão provisória em apreço encontra-se já caducada (caducidade preclusiva).
  Com efeito, de acordo com o artigo 44º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212º e 215º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130º e 131º).
  Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48º da Lei de Terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
  De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49º, 132º e 133º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55º era aplicável apenas às concessões definitivas.
  Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167º da Lei n.º 10/2013.
  Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo o concessionário a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
IV
  Reunida em sessão de 25 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e tendo em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º XXX/XXXXXX/2016, de 8 de Janeiro, bem como o despacho nela exarado pelo STOP, de 3 de Fevereiro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 15 de Novembro de 2014, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
  Comissão de Terras, aos 25 de Fevereiro de 2016.”
  Posteriormente, o Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu, em 3 de Março de 2016, o seguinte parecer:
  “Proc. n.º XX/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3409m2, situado na península de Macau, na Rua dos Currais, a favor de A, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 15 de Novembro de 2014.
  1. Pelo Despacho n.º 129/SAOPH/89, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 46, de 16 de Novembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3409m2, situado na península de Macau, na Rua dos Currais, a favor de A.
  2. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a conta-se da data da sua publicação, ou seja, até 15 de Novembro de 2014.
  3. O terreno seria aproveitado com a construção de um edifício de 13 pisos, em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, indústria e estacionamento, para comercialização e apoio oficinal do parque automóvel.
  4. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 15 de Novembro de 2014 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a DSSOPT propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
  5. Reunida em sessão de 25 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento foi terminado, sem que o aproveitamento estabelecido neste contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), aplicável por força dos seus artigos 212º e 215º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respeito prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
  Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.”
  O Exm.º Chefe do Executivo proferiu a seguinte decisão em 24 de Junho de 2016: “Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º XX/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas, seguindo-se de muito perto a fundamentação exarada nos acórdãos deste TUI, de 23 de Maio de 2018 e de 12 de Dezembro de 2018, respectivamente, nos Processos n.º 7/2018 e 90/2018, por não só por os vícios suscitados nos presentes autos, mas também a sua fundamentação serem muito semelhantes aos invocados pelas recorrentes dos mencionados Processos n. os 7/2018 e 90/2018.
Previamente, apreciar-se-á o recurso do acórdão interlocutório.

2. Recurso do acórdão interlocutório
No recurso contencioso, a produção de prova só tem lugar se os factos forem relevantes para a decisão de mérito (n.º 1 do artigo 63.º e n.º 3 do artigo 65.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (proémio do n.º 1 do artigo 430.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
A produção de prova visava estabelecer a culpa da Administração e a falta de culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno, bem como a eventual causa impeditiva de caducidade.
Ora, como desenvolveremos adiante, entendemos que tais questões não são relevantes para a decisão sobre a legalidade da caducidade da concessão por decurso do prazo.
Assim, independentemente de a relevância da culpa poder integrar uma das soluções plausíveis da questão de direito, certo é que “os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa…” (1.ª parte do n.º 3 do artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), o que, como veremos melhor, não é manifestamente o caso.
Donde, ter de improceder, sem mais, o recurso.

3. Aplicação das leis de terras no tempo
Antes de se iniciar a apreciação das questões que respeitam ao acto administrativo recorrido e à resposta que o acórdão recorrido deu aos vícios suscitados, há que definir qual a lei aplicável ao caso dos autos, se a nova Lei de Terras, se a antiga Lei (Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho), no que concerne à declaração de caducidade.
Damos por reproduzida a fundamentação exarada nos acórdãos proferidos a 23 de Maio de 2018 e a 12 de Dezembro de 2018, respectivamente, nos Processos n.º 7/2018 e 90/2018.

4. O regime dos terrenos do Estado na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), em particular da concessão onerosa por arrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano e a caducidade do contrato de concessão por arrendamento na nova Lei de Terras.
Trata-se, agora, de saber se a caducidade por decurso do prazo constitui um caso de caducidade-sanção, por não se dar por forma automática, sendo necessário que a Administração verifique o incumprimento das condições estabelecidas, ou seja, se só se pode declarar a caducidade se se demonstrar que a falta de aproveitamento é imputável à concessionária.
Damos por reproduzida a fundamentação exarada nos acórdãos proferidos a 23 de Maio de 2018 e a 12 de Dezembro de 2018, respectivamente, nos Processos n.º 7/2018 e 90/2018.

5. Violação do artigo 103.º da Lei Básica
Alegam os recorrentes que a não ser que se entenda que o concessionário tem o direito de aproveitar o terreno mesmo após o decurso do prazo da concessão se não teve culpa no não aproveitamento do terreno, os concessionários perderiam todos os seus direitos e o prémio pago, sem qualquer indemnização, o que violaria a Lei Básica, designadamente o artigo 103.º, que protege a propriedade privada e os investimentos.
Em primeiro lugar, pela concessão por arrendamento de um terreno o concessionário não adquire nenhum direito de propriedade sobre o terreno, mas apenas sobre as construções.
Em segundo lugar, não está excluído o direito à indemnização, se os concessionários demonstrarem factos que integrem os pressupostos da responsabilidade civil.

6. Erro na não aplicação do artigo 323.º do Código Civil.
Na tese dos recorrentes a Administração reconheceu o seu direito de aproveitamento do lote, o que impediria a caducidade, nos termos do n.º 2 do artigo 322.º do Código Civil.
Invoca, para tal, que o Secretário Adjunto da tutela, em 1998, autorizou o direito ao aproveitamento do lote, com nova finalidade.
Dispõe o artigo 323.º do Código Civil:
Artigo 323.º
(Causas impeditivas da caducidade)
 1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
 2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

Ora, que em 1998 a recorrente tinha direito a aproveitar o lote é indiscutível. Só tinham decorrido 10 anos sobre o início da concessão. E daí?
Como é evidente, isso é totalmente irrelevante já que até perfazer o prazo de 25 anos a lei e o contrato permitiam que os recorrentes aproveitassem o terreno, sem prejuízo do prazo de aproveitamento que aqui não está em causa. Não há aqui qualquer reconhecimento de direito a aproveitar o terreno depois do prazo da concessão.
Tudo isto sem prejuízo da questão de saber se os direitos da RAEM em causa são ou não disponíveis, dado que o n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil só se aplica quando estão em causa direitos disponíveis.

7. Violação dos princípios da justiça, da tutela da confiança, boa-fé, da igualdade, da imparcialidade e da proporcionalidade e do abuso de direito
Do que ficou dito, resulta claro que consideramos que, face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão: tem que a declarar necessariamente.
Logo, não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º e 8.º do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, os princípios da justiça, da tutela da confiança, da imparcialidade, boa-fé e da proporcionalidade.
Quanto à violação destes princípios e quanto ao abuso de direito, damos por reproduzida a fundamentação exarada nos acórdãos proferidos a 23 de Maio de 2018 e a 12 de Dezembro de 2018, respectivamente, nos Processos n.º 7/2018 e 90/2018.

8. Preterição de audiência prévia da interessada
Relativamente à invocada preterição de audiência prévia da interessada, damos por reproduzida a fundamentação exarada nos acórdãos proferidos a 23 de Maio de 2018 e a 12 de Dezembro de 2018, respectivamente, nos Processos n.º 7/2018 e 90/2018, julgando assim improcedente o vício.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento aos recursos.
Notifique com cópias dos acórdãos proferidos a 23 de Maio de 2018 e a 12 de Dezembro de 2018, respectivamente, nos Processos n.º 7/2018 e 90/2018.
Custas pela recorrente, com taxas de justiça fixada em 12 UC e em 4 UC, respectivamente quanto ao recurso principal e ao recurso interlocutório.
Macau, 30 de Julho de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa





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