打印全文
Processo n.º 80/2019. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Assunto: Despejo de concessionária. Audiência da interessada nos termos artigo 93.º do Código do Procedimento Administrativo. Acto vinculado quanto ao sentido da decisão (despejo) e quanto ao momento da prática desta.
Data da Sessão: 30 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I - O acto que determina despejo da concessionária, após declaração de caducidade da concessão, não tem de ser precedido de audiência daquela, por se tratar de acto vinculado.
II - Do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de Terras, não resulta que a Administração possa deixar de executar o acto, determinando o despejo do terreno. A lei não concede à Administração margem de livre apreciação ou decisão, para aguardar ou deixar de aguardar a impugnação do acto que declarou a caducidade ou para aguardar quaisquer outros eventos.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 13 de Julho de 2018, do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que ordenou o despejo de um terreno, com a área de 738 m2, designado por Lote 4 da Zona C do empreendimento denominado Fecho da Baía da Praia Grande, situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX, a fls. 167, do Livro XXXX, cuja caducidade do contrato de concessão por arrendamento havia sido declarada por despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 28 de Março de 2019, negou provimento ao recurso.
Inconformada, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- O acto recorrido sofre do vício de forma por preterição de audiência prévia;
- O acto recorrido sofre do vício de violação dos princípios do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, da necessidade, do equilíbrio, da proporcionalidade e da justiça.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1 - A Recorrente é uma sociedade comercial anónima, com sede em Macau, [Endereço (1)], registada na Conservatória dos Registos Comerciais e Bens Móveis sob o n.º XXXX(SO). 
2 - A Recorrente é titular de uma concessão por arrendamento do terreno, com a área de 738 m2, designado por lote 4 da zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XX XXX, a fls. 167 do livro X-XXX, destinado à construção de um edifício para habitação e estacionamento.
3 - Por Despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, tornado público pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 21/2018, publicado no Boletim Oficial n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2018, foi declarada a caducidade da concessão do Terreno.
4- Em 15 de Junho de 2018, a Recorrente impugnou contenciosamente o acto do Chefe do Executivo que declarou essa caducidade em processo que corre termos no TSI com o n.º 577/2018. 
5 - Em 11/07/2018 foi elaborada a Proposta nº XXX/DSO/2018, no âmbito da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes:
“1. Por despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 738 m2, designado por lote 4 da zona C do empreendimento denominado « Fecho da Baía da Praia Grande », situado na península de Macau, descrito na CRP sob o n.º XX XXX a fls. 167 do livro XXXX, a que se refere o Processo n.º 62/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obra Públicas (STOP), de 4 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, pelo Despacho do STOP n.º 21/2018, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2018, e foi notificado à A o conteúdo do referido despacho pelo ofício n.º XXX/DAT/2018 de 16 de Maio (Anexo 1).
3. Conforme as fotografias tiradas pelo pessoal deste departamento em 31 de Maio de 2018, verificou-se que o terreno cuja vedação danificada está coberto pelas ervas. (Anexo 2)
4. Enfrentando o seguimento da caducidade de concessão, deve considerar-se o seguinte:
4.1. Nos termos do artigo 117.º e do n.º 1 do artigo 136.º do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade: salvo os actos previstos no artigo 137.º do CPA;
4.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.º do «Código de Processo Administrativo Contencioso» aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M de 13 de Dezembro, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
4.3. Assim sendo, quer interponha o recurso contencioso quer não, a ordem emitida pela Administração pode ser executada;
4.4. Com base no n.º 2 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras», o despejo processa-se nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto «Regulamento Geral da Construção Urbana» (RGCU);
4.5. Os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210.º da «Lei de terras».
5. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da «Lei de terras» e com o artigo 55.º do RGCU, submete-se a presente proposta à consideração superior, a fim de:
5.1. Ordenar o despejo da A, no prazo de 60 dias contados a partir da data da notificação, do terreno com a área de 738 m2, designado por lote 4 da zona C do empreendimento denominado «Fecho da Baía Praia Grande», situado na península de Macau, descrito na CRP sob o n.º XX XXX a fls. 167 do livro XXXX, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 3 de Maio de 2018, devendo remover ervas, resíduos sólidos e lixo que se encontram eventualmente no local;
Caso não se execute voluntariamente no referido prazo de 60 dias,
5.2. A DSSOPT irá executar coercivamente o referido despejo de acordo com o artigo 56.º do RGCU.
À consideração superior”
6 - Sem se ter realizado a audiência de interessados, o Secretário para as Obras Públicas e Transportes proferiu o seguinte despacho, em 13/07/2018 (a.a.):
“Concordo”.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas.

2. Audiência do interessado com vista a prática de acto executivo
Imputa a recorrente ao acto recorrido a violação do artigo 93.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), na medida em que não foi precedido de audiência da interessada, a ora recorrente.
É certo que não se procedeu à audiência da interessada antes da prolação do acto que determinou o despejo da ex-concessionária, sendo que a audiência prévia do interessado, antes da decisão, é, em princípio, obrigatória (artigo 93.º do CPA).
Mas o acto administrativo que, verdadeiramente, afectou os direitos da recorrente foi o acto anterior, do Chefe do Executivo que declarou a caducidade do contrato de concessão do terreno em causa.
O despejo do terreno é uma mera consequência inelutável do acto que declarou a caducidade do contrato de concessão do terreno. Sem prejuízo de o acto que decreta o despejo, poder ser impugnado por ilegalidades próprias, independentes do acto primário.
Nos termos do n.º 1 do artigo 93.º do CPA, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
Não há qualquer poder discricionário na determinação da desocupação do terreno, após declaração de caducidade, e na fixação do prazo que, legalmente, é de 45 dias.
Como estatui o artigo 179.º da Lei de Terras:
Artigo 179.º
Despejo
 1. O despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifique qualquer dos seguintes casos:
 1) Declaração da caducidade da concessão;
 2) Declaração da rescisão da concessão por arrendamento ou de uso privativo;
 3) Declaração de devolução do terreno concedido por aforamento;
 4) Revogação ou caducidade da licença.
 2. O despejo processa-se nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto.
Ou seja, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado sempre que haja uma declaração da caducidade da concessão.
Trata-se de um acto vinculado.
Ora, tem este TUI entendido que sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º 1, do CPA, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo (acórdãos de 25 de Julho e de 25 de Abril, ambos de 2012, respectivamente, nos Processos n. os 48/2012 e 11/2012), doutrina que é de manter.
Improcede a questão suscitada.

3. Vícios de violação dos princípios do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, da necessidade, do equilíbrio, da proporcionalidade e da justiça.
Alega a recorrente que o acto recorrido sofre dos vícios de violação dos princípios do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, da necessidade, do equilíbrio, da proporcionalidade e da justiça.
Como vimos, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado sempre que haja uma declaração da caducidade da concessão. Do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de Terras, não resulta que a Administração possa deixar de executar o acto, determinando o despejo do terreno. A lei não concede à Administração margem de livre apreciação ou decisão, para aguardar ou deixar de aguardar a impugnação do acto que declarou a caducidade ou para aguardar quaisquer outros eventos.
Os actos administrativos são executórios logo que eficazes, podendo o cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais (artigo 136.º, n.os 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo).
Era o caso do despacho que decretou a caducidade, cuja eficácia não foi suspensa [artigo 137.º, n.o 1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo].
Como temos decidido, os princípios jurídicos constituem limites internos dos actos praticados no exercício de poderes discricionários, não operando quando se está perante acto vinculado, em que a Administração não tem margem de livre apreciação ou decisão.
Improcede, portanto, a questão suscitada.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 7 UC.
Macau, 30 de Julho de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) (Vencido quanto ao vício de preterição de audiência prévia) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa




2
Processo n.º 80/2019

10
Processo n.º 80/2019