Processo n.º 78/2019. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Assunto: Despejo de concessionária. Audiência da interessada nos termos artigo 93.º do Código do Procedimento Administrativo. Acto vinculado quanto ao sentido da decisão (despejo) e quanto ao momento da prática desta.
Data da Sessão: 30 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I - O acto que determina despejo da concessionária, após declaração de caducidade da concessão, não tem de ser precedido de audiência daquela, por se tratar de acto vinculado.
II - Do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de Terras, não resulta que a Administração possa deixar de executar o acto, determinando o despejo do terreno. A lei não concede à Administração margem de livre apreciação ou decisão, para aguardar ou deixar de aguardar a impugnação do acto que declarou a caducidade ou para aguardar quaisquer outros eventos.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
A, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 13 de Julho de 2018, do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que ordenou o despejo de um terreno, com a área de 3490 m2, designado por Lote 10 da Zona C do empreendimento denominado Fecho da Baía da Praia Grande, situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX, a fls. 172, do Livro XXXX, cuja caducidade do contrato de concessão por arrendamento havia sido declarada por despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 4 de Abril de 2019, negou provimento ao recurso.
Inconformada, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- O acto recorrido sofre do vício de forma por preterição de audiência prévia;
- O acto recorrido sofre do vício de violação dos princípios do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, da proporcionalidade e da justiça.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1 - A Recorrente tem sede em Macau, na [Endereço (1)], encontra-se registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n.º XXXX (SO), e é concessionária por arrendamento do terreno denominado Lote C10, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 3.490m2, destinado à construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, para habitação e estacionamento, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX, a fls. 172, do Livro XXXX, e inscrito a favor da Recorrente sob a inscrição n.º XXXXXX (Docs. n.os 2 e 3, juntos com a p.i.).
2 - Por Despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, tornado público pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 24/2018, publicado no Boletim Oficial n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2018, foi declarada a caducidade da mencionada concessão pelo decurso do prazo geral sem aproveitamento.
3 - A ora Recorrente interpôs recurso contencioso contra esse despacho do Chefe do Executivo em 15 de Junho de 2018, que corre termos no Tribunal de Segunda Instância com o nº 573/2018.
4 - Por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 13 de Julho de 2018, exarado sobre a proposta n.º XXX/DSO/2018, de 11 de Julho, que ordena o despejo do terreno, com a área de 3.490m2, designado por lote 10 da Zona C, do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na Península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX, a fls. 172, do livro XXXX, no prazo de 60 dias, com demolição das construções e remoção de todos os bens móveis que se encontra, naquele terreno, tais como equipamentos, materiais e máquinas de construção.
5 - A decisão referida no ponto 4 foi tomada sem a recorrente ter sido ouvida em audiência de interessados.
III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas.
2. Audiência do interessado com vista a prática de acto executivo
Imputa a recorrente ao acto recorrido a violação do artigo 93.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), na medida em que não foi precedido de audiência da interessada, a ora recorrente.
É certo que não se procedeu à audiência da interessada antes da prolação do acto que determinou o despejo da ex-concessionária, sendo que a audiência prévia do interessado, antes da decisão, é, em princípio, obrigatória (artigo 93.º do CPA).
Mas o acto administrativo que, verdadeiramente, afectou os direitos da recorrente foi o acto anterior, do Chefe do Executivo que declarou a caducidade do contrato de concessão do terreno em causa.
O despejo do terreno é uma mera consequência inelutável do acto que declarou a caducidade do contrato de concessão do terreno. Sem prejuízo de o acto que decreta o despejo, poder ser impugnado por ilegalidades próprias, independentes do acto primário.
Nos termos do n.º 1 do artigo 93.º do CPA, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
Não há qualquer poder discricionário na determinação da desocupação do terreno, após declaração de caducidade, e na fixação do prazo que, legalmente, é de 45 dias.
Como estatui o artigo 179.º da Lei de Terras:
Artigo 179.º
Despejo
1. O despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifique qualquer dos seguintes casos:
1) Declaração da caducidade da concessão;
2) Declaração da rescisão da concessão por arrendamento ou de uso privativo;
3) Declaração de devolução do terreno concedido por aforamento;
4) Revogação ou caducidade da licença.
2. O despejo processa-se nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto.
Ou seja, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado sempre que haja uma declaração da caducidade da concessão.
Trata-se de um acto vinculado.
Ora, tem este TUI entendido que sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º 1, do CPA, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo (acórdãos de 25 de Julho e de 25 de Abril, ambos de 2012, respectivamente, nos Processos n. os 48/2012 e 11/2012), doutrina que é de manter.
Improcede a questão suscitada.
3. Vícios de violação dos princípios do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, da proporcionalidade e da justiça
Alega a recorrente que o acto recorrido sofre dos vícios de violação dos princípios do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, da proporcionalidade e da justiça.
Como vimos, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado sempre que haja uma declaração da caducidade da concessão. Do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de Terras, não resulta que a Administração possa deixar de executar o acto, determinando o despejo do terreno. A lei não concede à Administração margem de livre apreciação ou decisão, para aguardar ou deixar de aguardar a impugnação do acto que declarou a caducidade ou para aguardar quaisquer outros eventos.
Os actos administrativos são executórios logo que eficazes, podendo o cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais (artigo 136.º, n.os 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo).
Era o caso do despacho que decretou a caducidade, cuja eficácia não foi suspensa [artigo 137.º, n.o 1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo].
Como temos decidido, os princípios jurídicos constituem limites internos dos actos praticados no exercício de poderes discricionários, não operando quando se está perante acto vinculado, em que a Administração não tem margem de livre apreciação ou decisão.
Improcede, portanto, a questão suscitada.
IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 7 UC.
Macau, 30 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator)(Vencido quanto ao vício de preterição de audiência prévia) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
2
Processo n.º 78/2019
8
Processo n.º 78/2019