Processo n.º 443/2018 Data do acórdão: 2019-7-25
Assuntos:
– art.o 92.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– inibição efectiva de condução
– pena efectiva de inibição de condução
– acto de condução de veículo durante a inibição de condução
– art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
S U M Á R I O
1. A norma do art.o 92.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR) tem por objecto acto de condução de veículo em via pública durante o período de inibição efectiva de condução.
2. Atento o contexto do articulado da LTR, e sob padrões de hermenêutica jurídica plasmados no art.o 8.o do Código Civil, o termo “inibição efectiva de condução” empregue pelo legislador da LTR no referido n.o 1 do art.o 92.o está a referir-se propriamente à pena efectiva de inibição de condução, pois a sanção jurídica de inibição de condução pode ser objecto de suspensão na sua execução nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da LTR.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 443/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 39v a 42 do Processo Sumário n.° CR2-18-0012-PSM do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de desobediência qualificada (por condução durante o período de inibição de condução), p. e p. pelas disposições conjugadas do art.o 92.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR) e do art.o 312.o, n.o 2, do Código Penal, na pena de cinco meses de prisão efectiva, com cassação da licença de condução (cassação essa suspensa na execução por dois anos).
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando àquela decisão, na motivação apresentada a fls. 50 a 59 dos presentes autos correspondentes, a violação, a título principal, da norma incriminadora do art.o 92.o, n.o 1, da LTR (por não ser de entender, diversamente do decidido pelo Tribunal autor daquela sentença, que a conduta de condução do próprio arguido seria punível em sede desse preceito legal), e, a título subsidiário, dos padrões da medida da pena, para pedir a absolvição do crime por que vinha acusado, ou, pelo menos, a substituição da pena de prisão por multa ou a suspensão da execução da pena de prisão.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 66 a 71v, defendendo a manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 93 a 94, opinando pela necessidade do reenvio do processo para novo julgamento, com fundamento, materialmente falando, na verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por não ter sido investigada, pelo Tribunal recorrido, a seguinte circunstância fáctica, cujo conhecimento seria importante para se decidir da existência do crime acusado ao arguido: o veículo automóvel ligeiro de chapa de matrícula n.o MU-XX-X1 conduzido pelo arguido na data dos factos ora em causa no presente processo penal é veículo pelo qual exerce a profissão do arguido como motorista?
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença recorrida ficou proferida a fls. 39v a 42, cuja fundamentação fáctica se dá por aqui integralmente reproduzida;
2. Ficou aí descrito como provado, nomeadamente, que:
– em 20 de Julho de 2017, o arguido ora recorrido ficou condenado, no âmbito do Processo n.o CR3-17-0007-PSP do Tribunal Judicial de Base, em quatro meses de prisão suspensa na execução por dois anos e seis meses, e em inibiçao de condução por um ano suspensa na execução por um ano e seis meses, sob condição de só poder conduzir veículos de trabalho de chapa de matrícula n.os MO-XX-X9, MS-XX-X6 e MR-XX-X8 no período dessa suspensão;
– em 3 de Março de 2018, cerca da 00:13 hora, o pessoal policial de Segurança Pública interceptou numa via pública, em operação de fiscalização de actos de condução com excesso de velocidade, o veículo de chapa de matrícula n.o MU-XX-X1, na altura conduzido pelo arguido, o qual sabia claramente que só podia ele conduzir veículos de trabalho permitidos por tribunal no período de suspensão da execução da inibição de condução e apesar disso agiu livre, voluntária e conscientemente, ao praticar o acto de condução em causa.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, o arguido traz material e principalmente à discussão na presente lide recursória a questão da interpretação da norma incriminadora do art.o 92.o, n.o 1, da LTR, que dispõe nos seguintes termos: “Quem conduzir um veículo na via pública durante o período de inibição efectiva de condução é punido pelo crime de desobediência qualificada e com cassação da carta de condução […]”.
Por aí se vê que esta norma tem por objecto acto de condução de veículo em via pública durante o período de inibição efectiva de condução.
No caso dos autos, no anterior Processo n.o CR3-17-0007-PSP do arguido, ele ficou condenado na sanção de inibição de condução mas suspensa na respectiva execução, pelo que juridicamente falando não se trata, nesse processo, da aplicação da pena efectiva de inibição de condução. Entretanto, os termos pelos quais foi decretada a suspensão da execução da pena de inibição de condução nesse processo conduzem, no plano fáctico falando, à situação de inibição efectiva de condução em via pública de todos os veículos que não sejam os de trabalho dele.
Quid juris?
Após feita a reponderação das posições jurídicas assumidas em diversos acórdãos do TSI sobre recursos congéneres, é de entender o seguinte:
Crê-se que atento o contexto do articulado da LTR, e sob padrões de hermenêutica jurídica plasmados no art.o 8.o do Código Civil, o termo “inibição efectiva de condução” empregue pelo legislador da LTR no referido n.o 1 do art.o 92.o está a referir-se propriamente à pena efectiva de inibição de condução, pois a sanção jurídica de inibição de condução pode ser objecto de suspensão na sua execução nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da LTR.
Assim sendo, no caso dos autos, e independentemente do demais, a conduta de condução do arguido em 3 de Março de 2018 não pode integrar o crime de desobediência qualificada do dito n.o 1 do art.o 92.o da LTR, por ele não ter sido condenado no referido anterior processo seu em pena efectiva de inibição de condução.
Contudo, como uma observação a final, esse mesmo acto de condução dele em 3 de Março de 2018 não deixaria de poder acarretar impacto ao processo da suspensão da execução da pena nesse anterior processo dele.
Procede, pois, o recurso, sem mais indagação por prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso, revogando, por conseguinte, a decisão condenatória recorrida, e passando a absolver o arguido da acusada prática, em autoria material, de um crime consumado de desobediência qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas do art.o 92.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário e do art.o 312.o, n.o 2, do Código Penal.
Sem custas no recurso.
Comunique a presente decisão (com cópia da sentença ora recorrida) ao Processo n.o CR3-17-0007-PSP do Tribunal Judicial de Base, e ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 25 de Julho de 2019.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
(mantenho a minha posição assumida no acórdão do processo n.o 511/2016 de 11/1/2018.)
Processo n.º 443/2018 Pág. 7/7