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Processo nº 713/2018


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

No âmbito dos autos de acção de processo comum do trabalho, instaurada por A, devidamente identificado nos autos, contra a B e C, ambas devidamente identificadas nos autos, doravante abreviadamente designadas B e C, foi a final proferida a sentença pelo Tribunal Judicial de Base, condenando as Rés nos termos seguintes:

I. DECISÃO
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se:
  - a 1.ª Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$146,503.84, sendo:
- MOP$20,400.00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$15,440.00 a título de subsídio de alimentação;
- MOP$27,552.50 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$27,552.50 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$8,755.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- MOP$24,256.50 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento descontadas;
- MOP$9,527.50 pelas 8 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho;
- MOP$13,019.84 pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo; e
  - a 2.ª Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$77,085.75, sendo:
- MOP$13,200.00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$16,480.00 a título de subsídio de alimentação;
- MOP$8,755.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- MOP$25,389.50 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento descontadas;
- MOP$13,261.25 pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo.
  Às quantias supra mencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até integral e efectivo pagamento.
  Absolve-se no mais as Rés do pedido.
  As custas serão a cargo das Rés e do Autor na proporção do respectivo decaimento.
  Registe e notifique.


Notificado e inconformado com a sentença, veio o Autor recorrer dela para esta segunda instância, concluindo e pedindo que:

1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao ora Recorrente as quantias pelo mesmo reclamadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriados obrigatórios;
2. Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo devida pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e de feriado obrigatórios e, nesta medida, se mostra em violação ao disposto nos artigos 17.°, 19.° e 20.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e substituída por outra que atenda à totalidade dos pedidos reclamados pelo Autor na sua Petição Inicial; Em concreto,
3. Ao condenar a 1.ª Recorrida (B) a pagar ao ora Recorrente apenas uma quantia em singelo pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal não gozado, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na medida em que de acordo com o referido preceito se deve entender que o mesmo trabalho deve antes ser remunerado em dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um outro dia de descanso compensatório, tal qual tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Segunda Instância;
4. Assim, resultando provado que até 31/12/2002, o Recorrente não gozou de 107 dias de descanso semanal, deve a 1.ª Recorrida (B) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$55,105.00 a título do dobro do salário - e não só apenas de MOP$27,552.50 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer, devendo manter-se a restante condenação no pagamento da quantia devida a título de não gozo de dias de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal; Acresce que,
5. Contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, não parece correcto concluir que pela prestação de trabalho nos dias de feriados obrigatórios se deva proceder ao desconto do valor do salário em singelo já pago;
6. Pelo contrário, salvo melhor opinião, a fórmula correcta de remunerar o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, será conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - conforme tem vindo a ser entendido pelo douto Tribunal de Segunda Instância;
7. Assim, resultando provado que durante o período da relação laboral em apreciação o Recorrente prestou trabalho durante 6 dias de feriado obrigatório para a 1.ª Recorrida (B) e de 6 dias de feriados obrigatórios para a 2.a Recorrida (C), deve a 1.ª Recorrida (B) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$12,750.00 - e não só de apenas Mop$8,755.00, e a 2.a Recorrida (C) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$12,750.00 - e não só de apenas Mop$8,755.00 a título do triplo do salário, acrescidas de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!

Notificadas, as Rés contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso.

Por despacho do Exmº Juiz a quo exarado nas fls. 486 e 487, o recurso foi admitido apenas na parte contra a 1ª Ré e feito subir a este Tribunal de recurso.

Liminarmente admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Inexistindo questão de conhecimento oficioso e face às conclusões dos recursos, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:


1. Dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais; e

2. Dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos feriados obrigatórios.

A fim de nos facilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, convém relembrar infra os factos que ficaram provados na primeira instância:

1. Entre 8 de Maio de 1999 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré, prestando funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. (A)
2. O contrato de prestação de serviço n.º 5/96 celebrado entre a 1.ª Ré e a D, Lda. foi sempre objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (B)
3. Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1.ª Ré para a 2.ª Ré, com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. fls.37 a 40, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (C)
4. Entre 22/07/2003 a 16/04/2006, o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré, prestando funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. (D)
5. Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés. (E)
6. Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e as instruções das Rés. (F)
7. Foi ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviço n.º 5/96 celebrado entre a 1.ª Ré e a D, Lda. que o Autor foi recrutado e exerceu a sua prestação de trabalho para a 1.ª Ré. (1.º)
8. Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pelas Rés. (2.º)
9. Os locais de trabalho do Autor eram fixados de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (3.º)
10. Durante o período que prestou trabalho, as Rés pagaram ao Autor a quantia de HKD$7,500.00, a título de salário de base mensal. (6.º)
11. Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de "( ... ) $20.00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação". (7.º)
12. Entre 08/05/1999 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (8.º)
13. Entre 08/05/1999 a 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ ou géneros. (9.º)
14. Entre 22/07/2003 a 16/04/2006, a 2.ª Ré nunca pagou Ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (10.º)
15. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) " ( ... ) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço". (12.º)
16. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (13.º)
17. Entre 08/05/1999 a 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (14.º)
18. Entre 22/07/2003 a 16/04/2006, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (15.º)
19. Entre 08/05/1999 e 31/12/2002, a 1.ª Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, nem um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (16.º)
20. Entre 08/05/1999 e 31/12/2002, o Autor prestou a sua actividade de segurança por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré. (17.º)
21. Entre 08/05/1999 e 31/12/2002, a 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (18.º)
22. Entre 08/05/1999 e 21/07/2003, o Autor prestou a sua actividade de segurança em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré. (19.º)
23. Durante o referido período de tempo, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (20.º)
24. Entre 22/07/2003 a 16/04/2006, o Autor prestou a sua actividade de segurança em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 2.ª Ré. (21.º)
25. Durante o referido período de tempo, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (22.º)
26. Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (23.º)
27. Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Réu procederam a uma dedução no valor de HKD750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de "comparticipação nos custos alojamento". (24.º)
28. A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente do Autor residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (25.º)
29. Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia: Turno A: (das 08h às 16h), Turno B: (das 16h às 00h), Turno C: (das 00h às 08h). (26.º)
30. Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor sempre respeitou o regime de turnos especificamente fixados pelas Rés. (27.º)
31. Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (28.º)
32. Durante a relação laboral entre o Autor e a 1.ª Ré, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo, o Autor prestava trabalho durante dois períodos de 8 horas cada num período de 24 horas, sempre que se operasse uma mudança entre os turnos (C-B) e (B-A). (29.º)
33. A 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (30.º)
34. Por ordem das Rés, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (31.º)
35. Durante os 30 minutos que antecediam o início de cada turno, os superiores hierárquicos do Autor distribuíam o trabalho pelos guardas de segurança (leia-se do Autor), v.g., indicando-lhe o seu concreto posto (local dentro do casino onde o mesmo se devia colocar), os clientes tidos por "suspeitos", sendo ainda feito um relato sobre todas as questões de segurança a ter em conta no interior do Casino, ou mesmo da necessidade de qualquer participação em eventos especiais. (32.º)
36. O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (33.º)
37. Cumprindo as ordens e as instruções que lhe eram emanadas pelos seus superiores hierárquicos. (34.º)
38. As Rés nunca atribuíram ao Autor uma qualquer quantia salarial pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno. (48.º)
39. Entre 08/05/1999 e 21/07/2003, o Autor gozava anualmente 24 dias de férias anuais.
Entre 08/05/1999 e 21/07/2003, o Autor prestou 1245 dias do trabalho efectivo junto da 1.ª Ré. (49.º)
40. Entre 22/07/2003 e 16/04/2006, o Autor gozava anualmente 24 dias de férias anuais e 46 dias de descanso.
Entre 22/07/2003 e 16/04/2006, o Autor prestou 824 dias do trabalho efectivo junto da 2.ª Ré. (50.º)

Passemos então a apreciar as seguintes questões de direito.

1. Dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais

O Autor pediu, inter alia, a condenação da 1ª Ré a pagar-lhe a compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.

O Tribunal a quo deu-lhe razão e acabou por reconhecer ao Autor esse direito nos termos seguintes:

  Compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e pelo descanso compensatório
  O Autor ainda pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal, no período decorrido entre 08/05/1999 e 31/12/2002. No entanto, já se declararam prescritos os créditos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral até 10/12/2000.
Ficou provado que entre 08/05/1999 e 31/12/2002, a 1.ª Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, nem um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. O Autor prestou a sua actividade de segurança por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré, mas esta nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal.
  O artigo 17.º do Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu nº1, que todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
  O nº6 do artigo 17.º do mesmo Decreto-Lei, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
  Então, deve calcular os valores da indemnização a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, segundo a fórmula: (Salário diário) x (nº de dias devidos e não gozados) x 2.
  Há, todavia, que ponderar a circunstância de a 1.ª Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela 1.ª Ré1, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê2.
  Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (nº de dias devidos e não gozados):
Período
Salário diário
Nº de dias não gozados
Quantia indemnizatória
11/12/2000 a 31/12/2002
HKD$250.00
107
MOP$27,552.50
  Assim perfaz num total de MOP$27,552.50.


Mas o Autor questiona o multiplicador (X 1) para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, adoptado pelo Tribunal a quo, defendendo que deve ser adoptado o multiplicador (X 2).

Tem razão o Autor.

Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

Aplicando esta fórmula, devemos atribuir ao Autor, a título de compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal não gozados, a quantia de MOP$27.552,50 X 2 = MOP$55.105,00, peticionada por via de recurso.

Procede o recurso interposto pelo Autor nesta parte.

2. Dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos feriados obrigatórios;

A sentença recorrida atribuiu ao Autor a título de indemnização pelo trabalho prestado nos feriados obrigatórios não gozados a quantia calculada de forma seguinte:

Período
Salário diário X 2
Nº de dias de trabalho prestado em feriados obrigatórios remunerados
Quantia indemnizatória
11/12/2000 a 21/07/2003
HKD$250.00X2
17
MOP$8,755.00
22/07/2003 a 16/04/2006
HKD$250.00X2
17
MOP$8,755.00
  Assim, deve a 1.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$8,755.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, e deve a 2.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$8,755.00 a mesmo título.


No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Aplicando esta fórmula, deve atribuir ao Autor, a título de compensação pelo trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios não gozados, a quantia de HKD$250,00 X 3 X 17 = HKD$12.750,00, convertível em MOP$13.151,63 (HKD$12.750,00 X 1.0315).

Todavia, como o recorrente pediu apenas o valor de $12.750,00 em patacas, não podemos condenar mais do que isto por força do princípio do dispositivo.

III

Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso interposto pelo Autor:

a. Revogando a condenação quanto à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e em substituição passando a condenar a Ré B a pagar ao Autor, a título dessa compensação, o valor de MOP$55.105,00;

b. Revogando a condenação quanto à compensação pelo trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios e em substituição passando a condenar a Ré a pagar ao Autor a título dessa compensação o valor de MOP$12.750,00;

c. Mantendo a restante parte da sentença recorrida na parte não impugnada e impugnada sem êxito.

Custas do recurso pela Ré B.

RAEM, 25JUL2019

_________________________
Lai Kin Hong
_________________________
Fong Man Chong
_________________________
Ho Wai Neng



1 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. E que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
2 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.°, n.º 2, 1) da Lei 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
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Ac. 713/2018-17