Processo nº 931/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 12 de Setembro de 2019
ASSUNTO:
- Marca
- Capacidade distintiva
SUMÁRIO:
- A marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas, daí que o seu registo exige a capacidade distintiva.
- Coexistem na RAEM as marcas de “X” e “X”, ambos em chinês “XX”, registadas a favor da ora Recorrida e da ora Recorrente, respectivamente.
- Nesta medida, a simplesmente semelhança entre as palavras inglesas “X” e “X” deixa de constituir imitação ou reprodução das marcas registadas a favor da ora Recorrente por parte da ora Recorrida.
O Relator
Ho Wai Neng
Processo n.º 931/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 12 de Setembro de 2019
Recorrente: A Hotels, Inc.
Recorrida: X Limited
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – Relatório
Por sentença de 05/05/2017, julgou-se improcedente o recurso interposto pela Recorrente A Hotels, Inc..
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
- Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base que determinou a manutenção do despacho de concessão proferido pela Direcção dos Serviços de Economia, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 31, II Serie, de 3 de Agosto de 2016, mediante o qual foi concedido à ora Recorrente o registo da marca N/…, X RESORTS, solicitada em 16.06.2015, para os seguintes serviços na classe 43ª da Classificação de Nice: "Serviços de acolhimento e alojamento, fornecimento de alimentos, incluindo catering, cafés e restaurantes".
- O douto Tribunal a quo assim decidiu por entender que a marca registanda não constitui reprodução de marca anteriormente registada e não é passível de criar confusão no consumidor médio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c), n.º 1 do artigo 9.º e al. c) e alínea c), n.º 1, do artigo 215.º, ambos do RJPI, em relação à marca previamente registada, para serviços idênticos, X PLAZA HOTELS AND RESORTS.
- É com esta decisão que a ora Recorrente não concorda e que na sua modesta opinião padece do vício de erro na aplicação do direito.
- A Recorrente é titular de marcas previamente registadas em Macau, que incluem a expressão «X», destinadas a assinalar serviços na Classe 43ª e para serviços idênticos e afins na Classe 42ª.
- Pelo que a concessão da marca sub judice vem directa e efectivamente prejudicar o exclusivo que a Recorrente detém sobre a referida expressão.
- Conforme se conclui na douta sentença, é incontroverso que:
"Ora, sendo a recorrente titular de uma marca prioritária, o recurso terá como questão primordial apurar se essa marca foi imitada ou reproduzida por marca registada posteriormente e subsidiariam ente, se com esse registo se pretendia fazer concorrência desleal ou de tal ser possível independentemente dessa intenção." (1.º §, pág. 819-verso dos autos).
"Regressando ao caso dos autos, verificamos que as marcas da recorrente que confrontam directamente com a da recorrida (N/… e N/…, ambas na classe 43, gozam de prioridade no registo (...)" (3.º §, pág. 820 dos autos).
Por outro lado, as marcas em questão também são aplicadas a serviços idênticos, da classe 43.ª, sendo certo que, neste ponto, não existe qualquer controvérsia entre as partes." (1.º §, pág. 820-verso dos autos).
- Relativamente a este aspecto, ao contrário do que se afirma na douta sentença a quo, salienta-se que a prioridade da marca da Recorrente antecede a 21.03.2006, com o registo da
* Marca Mista N/…, que inclui a parte nominativa «X PLAZA HOTELS AND RESORTS», na Classe 42ª, para "Serviços de hotéis, serviços de estalagens, providenciar alojamento; serviços de alojamento temporário; serviços de reservas para hotéis e para outros alojamentos; informação e planeamento de férias relacionados com alojamento; serviços de bar; serviços de clubes nocturnos e salas de "cocktail"; serviços de café, serviços de restaurante e "snack-bar"; serviços de "catering" para providenciar alimentação e bebidas; providenciar instalações para conferências, reuniões e exposições; serviços de "check-in" e "check-out" em hotéis; serviços de informação electrónica relacionados com hotéis; serviços de consultadoria e aconselhamento relacionados com os serviços acima mencionados". (Doc. 5 do recurso apresentado junto do TJB);
- Apesar desta última marca ser mista, como ensina Carlos Olavo, "No caso das marcas mistas, isto é, compostas simultaneamente por elementos figurativos e nominativos, a experiência demonstra que o elemento nominativo é, em regra, o mais importante para a apreciação do risco de confusão.
De facto, como já se referiu, os elementos fonéticos são mais idóneos para perdurar na memória do público.
Acresce que na prática comercial os comerciantes acabam por ver os produtos do seu comércio, que têm marcas mistas, ser conhecidos somente pela respectiva designação de fantasia." (Carlos Olavo, "Propriedade Industrial" - Volume I, Almedina, 2005, pág. 110).
- Mais, é consabido e unânime em toda a doutrina e jurisprudência que, para efeitos de ajuizar sobre a afinidade de produtos e serviços é irrelevante a classe na Classificação de Nice onde se encontram inscritas as marcas.
- A inscrição ou classificação da marca numa das classes da Classificação de Nice é meramente indicativa.
- Por conseguinte, certo é que a marca prioritária da Recorrente, com relevância para o presente caso, antecede a 21.03.2006.
- Sem conceder, a componente nominativa da marca sub judice apresenta um elevado grau de confundibilidade e associação com qualquer das marcas anteriormente referidas, nos termos a seguir expostos.
- No exame comparativo das marcas, feito nestes termos, deve considerar-se decisivo o juízo que emitiria o consumidor médio dos serviços em questão, assim «(…) o risco de confusão de marcas há-de ser aferido em função do registo de memorização do consumidor médio dos produtos a que elas se reportam, baseado na afinidade desses mesmos produtos e na semelhança gráfica, figurativa ou fonética dos elementos constituintes da marca em questão» (conforme se refere, por mera referência, no acórdão do STJ, de 2004.04.22, disponível em www.dgsi.pt., proc. 04B541).
- Aflora-se a questão do consumidor médio a ter em conta na douta sentença que ora se recorre, nomeadamente quando se refere que "Ao falar de consumidor médio, estamos a reportar-nos a um consumidor minimamente consciente e atento, não a um consumidor distraído ou com a atenção focada noutro ponto qualquer" (3.º §, pág. 820-Verso dos autos) e "Queremos com isto dizer que o próprio conceito de consumidor médio tem que ser aferido de acordo com a época e sociedade em que vivemos, e não como uma entidade passiva ou confusa" (2.º §, pág. 821 dos autos).
- Contudo, não se concretiza que tipo de consumidor médio é esse nem se retira daí os seus corolários.
- É que o consumidor médio deste tipo de serviços não é o residente em Macau, que conhece perfeitamente onde se localiza e quem opera o X RESORTS, não sendo comum, salvo situações excecionais, que reserve um quarto no Hotel e recorra aos serviços da ora Recorrente.
- Outro sim, o conceito de consumidor médio aqui em causa é constituído por turistas, maioritariamente provindos da China continental, que ao efetuarem a reserva do seu quarto de hotel ou quando já se encontrarem no território, certamente serão passíveis de confundir-se ao deparar-se com as marca ora em confronto.
- Tendo em conta a referida concretização de consumidor médio e sendo a marca «X» associada a hotéis, resorts e serviços de hotelaria e sobejamente conhecida pelos consumidores (nomeadamente considerando tudo quanto ficou dito quanto acerca da notoriedade da marca da Recorrente em 12.º a 22.º das alegações de recurso apresentadas junto do TJB).
- Pois conforme refere Carlos Olavo, a propósito das marcas notórias, "a notoriedade da marca agrava o risco de confusão, uma vez que uma marca notória deixa na memória do público uma lembrança certa e persistente. Por isso o risco de confusão é maior quando a imitação sugere uma marca que o consumidor imediatamente reconhece (...)" (in Propriedade Industrial, Volume I, Editora Almedina, 2005, pág. 107).
- Acrescendo ainda que "A doutrina tem considerado que o público atribuirá a mesma origem a produtos ou serviços de natureza e utilidade próxima e que sejam habitualmente distribuídos através dos mesmos circuitos" (Carlos Olavo, op. cit., pág. 97).
- Em suma, assentes as questões das marcas da Recorrente serem prioritárias e de as marcas em confronto serem destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins, resta verificar se, tendo em conta o consumidor médio acima descrito, se verifica o 3º requisito cumulativo, referido no artigo 215.º, n.º 1, alínea c) do RJPI.
- Para considerar-se que as marcas da Recorrente se considera imitada, parcialmente, pela marca da Recorrida, será necessário concluir-se que esta última tem tal semelhança nominativa, figurativa ou fonética que poderá induzir facilmente o consumidor médio em erro ou confusão ou compreender um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que esse consumidor médio não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
- Na verdade, salvo o devido respeito, discordamos com o Tribunal a quo quando refere na sua douta Sentença que "na marca da recorrente prepondera a expressão composta "X plaza'' (...). Enquanto que na marca da recorrida o enfoque a fazer é na palavra "X" (pág. 821-Verso dos autos, in fine).
- Não entende, nem se conforma a Recorrente, com a dualidade de critérios aplicada ao caso sub judice, desconsiderando-se a expressão descritiva "resorts", na marca da Recorrida, mas não desconsiderando a expressão "plaza", "hotel" e "resorts" na marca da Recorrente.
- É consabido que a expressão "plaza" é uma expressão de uso comum no comércio, no ramo hoteleiro, existindo muitos hotéis, em todo mundo, que incluem esta designação, incluindo diversas marcas registadas em Macau, como por exemplo na marca N/… "X PLAZA CASINO", na classe 43, referindo-se expressamente que "Não foi concedido o direito no uso exclusivo da(s) palavra(s) "X", "PLAZA" e "CASINO".
- Por ser de tal forma claro e em tudo semelhante à situação dos presentes autos, transcreve-se a conclusão do Douto Acórdão do TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA RAEM, de 21 de Outubro de 2009 (negrito e sublinhado nosso, meramente para evidenciar a semelhança com o caso ora em apreciação):
"A parte característica do nome de estabelecimento registado com o n.º E/XX – 澳門XX廣場 [Ou Mun XX Kuong Cheong], que em inglês significa Macau X Plaza - a que lhe dá eficácia distintiva, é XX[XX], ou seja, X. Não é, nem 澳門 [Ou Mun], ou seja, Macau, nem [Kuong Cheong], ou seja, Plaza.
O referido estabelecimento é um hotel de Macau, comummente designado por Hotel X.
Pois bem, discorda-se da tese que vingou nas instâncias, segundo a qual, os caracteres香港, que significam Hong Kong, juntos aos caracteresXX[XX] (que são a expressão utilizada em chinês para significar X), ou seja, Hong Kong X, permitam ao consumidor médio distinguir claramente a marca da recorrida particular香港XX [Hong Kong XX], ou seja Hong Kong X, do nome de estabelecimento – 澳門XX廣場[Ou Mun XX Kuong Cheong], ou seja, Macau X Plaza.
Na verdade, não parece que uma designação de proveniência geográfica, como Hong Kong, seja capaz de fornecer eficácia distintiva aos caracteres XX [XX].
Manifestamente, na marca香港XX [Hong Kong XX], traduzida para Hong Kong X, não é a designação "Hong Kong" que tem eficácia distintiva. É antes XX [XX], ou seja, "X".
O mesmo acontece no nome de estabelecimento – 澳門XX廣場 [Ou Mun XX Kuong Cheong], ou seja, Macau X Plaza. O que tem capacidade distintiva é XX [XX], ou seja, "X".
Da mesma maneira, recorrendo a um exemplo, nos nomes X Hong Kong e X Plaza, o que tem carácter distintivo é X e não Hong Kong ou Plaza. Um consumidor médio pensará que há ligação entre os dois nomes. Isto sem esquecer que, provavelmente, X é uma marca mais forte que X.
No caso dos autos, um consumidor médio em Macau, que não faça um exame atento ou confronto, pode confundir o nome do estabelecimento com a marca, pode pensar que a marca está ligada ao estabelecimento de hotel X, que aquela marca provém deste estabelecimento.
Afigura-se-nos, portanto, que a mencionada marca, a que foi concedido o registo em Macau, é susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão com o nome do estabelecimento."
- Embora no caso supra mencionado estejam em confronto marca e nome de estabelecimento, ambos são sinais distintivos de comércio e direitos de propriedade industrial sujeitos ao mesmo regime aplicável integrado no RJPI.
- Tomando assim os critérios referidos enunciados por Luís Couto Gonçalves para auxiliar o julgador na apreciação do requisito "semelhança entre os sinais", vertidos na douta Sentença de que ora se recorre (4§ e ss. da pág. 821 dos autos), cremos ser clara a conclusão de que a semelhança entre os sinais em confronto na presente lide - "X" e "X" - pode induzir facilmente o consumidor médio deste tipo de serviços em erro ou confusão ou compreender um risco de associação com as marcas da Recorrente.
- Sendo certo que, caso viessem a coexistir, o consumidor médio deste tipo de serviços não as poderia distinguir senão depois de um exame atento ou confronto.
- Assim, decorre, do que se acaba de expor, que a semelhança nominativa e fonética supra descrita é idónea a levar o consumidor médio a associar as referidas marcas, não só aos mesmos serviços como à mesma empresa.
- Acerca do risco de associação o Professor Coutinho de Abreu, in "Boletim da Faculdade de Direito", Vol. LXXIII, 1997, pág.145, em estudo sobre as "Marcas (Noções, Espécies, Funções, Princípios Constituintes)" escreve:
"[...] O risco de confusão deve ser entendido em sentido lato, de modo a abarcar tanto o risco de confusão em sentido estrito ou próprio como o risco de associação.
Verifica-se o primeiro quando os consumidores podem ser induzidos a tomar uma marca por outra e, consequentemente, um produto por outro (os consumidores crêem erroneamente tratar-se da mesma marca e do mesmo produto).
Verifica-se o segundo quando os consumidores, distinguindo embora os sinais, ligam um ao outro e, em consequência, um produto ao outro (crêem erroneamente tratar-se de marcas e produtos imputáveis a sujeitos com relações de coligação ou licença, ou tratar-se de marcas comunicando análogas qualidades dos produtos)".
- Pois, "Quando se verifique do ponto de vista do consumidor médio, possibilidade de indução em erro ou confusão sobre a origem empresarial dos produtos ou serviços, a função identificadora da marca fica esvaziada de conteúdo, independentemente do facto de se confundirem ou não os produtos em que é aposta. (...). Mas há também risco de erro ou confusão sempre que o público considere que há identidade de proveniência entre os produtos ou serviços a que os sinais se destinam ou que existe uma relação, que não há, entre a proveniência desses produtos ou serviços. Fala-se então em risco de associação" (Carlos Olavo, cit., pág. 104).
- Considerando o elevado grau de distintividade das marcas da Recorrente, sem conceder e colocando por mera hipótese académica que a expressão "X" fosse integrada a meio ou no final de uma marca da Recorrida e composta por outros elementos distintivos, poderia eventualmente ponderar a Recorrente não se opor ao uso de tal marca, bem sabendo que em tal caso se veria diminuído o risco de confusão para os consumidores.
- A Recorrida ao pretender registar marcas com a expressão "X" no início da sua componente nominativa e sem adicionar outros elementos distintivos, insiste na tentativa ilícita de apoderar-se de uma expressão confundível com as marcas da Recorrente, com a óbvia pretensão de tirar proveito económico do prestígio e reconhecimento das marcas desta última, compostas pela expressão distintiva "X".
- Ora, "Da constatação de que a comparação não é simultânea, mas sucessiva, decorrem importantes corolários. Quando dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam.
Mas quando dois sinais são vistos sucessivamente, é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece, pelo que, nesse momento, apenas as semelhanças ressaltam.
A imitação, deve, pois, ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem as marcas em cotejo, e não pelas diferenças que poderiam oferecer (…).
Daí que, quanto às marcas nominativas, o aspecto a considerar em primeiro lugar seja o da semelhança fonética." (Carlos Olavo, ob. cit., pág. 102).
- Em suma, o uso da palavra "X" pela Recorrida, no início da sua marca e sem adição de quaisquer outros elementos distintivos, constitui uma clara imitação das marcas da Recorrente.
- Verifica-se pois que as marcas em confronto são semelhantes, pelo que, se encontram integralmente e cumulativamente preenchidos os requisitos constantes das alíneas a) b) e c) do artigo 215.º do RJPI, não se poderá deixar de concluir que, no presente caso, se verifica o fundamento de recusa previsto na alínea b), do n.º 2, do artigo 214.º do RJPI.
- Tendo em conta tudo quanto se expôs acima, salvo melhor entendimento, não se conforma também a Recorrente com a douta Sentença recorrida, na parte em que se conclui que a coexistência das marcas «X PLAZA HOTELS AND RESORTS» e «X RESORTS» não é passível de consubstanciar uma situação de concorrência desleal por parte da Recorrida, independentemente da sua intenção, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º ex vi a alínea a) do n.º 1 do artigo 214.
- É manifesto que os serviços que serão comercializados sob a marca da Recorrida são passíveis de ser adquiridos pelos mesmos consumidores aos quais a Recorrente presta ou pode potencialmente prestar os seus serviços.
- A expressão "X" conjugada apenas com a expressão meramente descritiva "RESORTS", colocada no início da componente nominativa da marca da Recorrida, sem adição de outra expressão distintiva que a distinga das marcas previamente registadas pela Recorrente, é passível de levar a crer os consumidores que estão a adquirir serviços da Recorrente.
- Tendo em conta que a expressão "RESORTS" é descritiva e de uso comum no comércio para este tipo de serviços, é inadmissível que a Recorrida pretenda usar a expressão "X" idêntica e confundível com «X» sem adicionar qualquer outra expressão distintiva que a distinga das marcas da Recorrente.
- Nessa medida, e pelos fundamentos acima expostos, deverá ser tido em conta Recorrida pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
- O pedido de registo da Recorrida é o resultado da intenção contrária aos usos honestos do comércio de se apropriar de uma marca cujo renome é conhecido internacionalmente e em Macau, sendo passível de causar no consumidor a impressão de que se tratam de serviços comercializados pela Recorrente ou que com esta última existe algum tipo de associação, o que é falso.
- A Recorrente não pode pois deixar de reiterar outro fundamento legal de recusa que não foi devidamente tido em conta pelo Tribunal a quo, qual seja, o reconhecimento de que a Recorrida pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção (alínea c), do n.º 1, do artigo 9.º, aplicável por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 214.º, ambos do RJPI).
- A disposição legal citada abrange assim duas situações: a contrariedade objectiva intencional e a contrariedade objectiva não intencional às normas da concorrência desleal.
- Conforme defende LUÍS COUTO GONÇALVES, "em ambas as situações do que se trata não é de apreciar a prática de um acto consumado de concorrência desleal" (in Direito de Marcas, pág. 167).
- Os tratadistas consideram existir várias modalidades de actos de concorrência desleal: actos de confusão, actos de apropriação, actos de descrédito e actos de desorganização aos quais acresce ainda, para alguns, a concorrência parasitária.
- No caso em análise está em causa a prática de actos de confusão - ou indutores de confundibilidade, a partir do sinal distintivo que in casu a Recorrida pretende registar.
- Face ao supra exposto, além do pressuposto de recusa previsto na b), do n.º 2, do artigo 214.º do RJPI, encontram-se reunidos os pressupostos para o conceito jurídico de concorrência desleal previsto no RJPI, por o pedido da marca N/… se integrar numa situação que constitui fundamento de recusa do seu registo, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI.
*
A Recorrida X Limited respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 860 a 874v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Em 16.06.2015 a parte contrária X LIMITED solicitou, junto da Direcção dos Serviços de Economia (DSE) da RAE de Macau, o pedido de registo da marca n.º N/…, para os seguintes serviços na classe 43ª da Classificação de Nice: "Serviços de acolhimento e alojamento, fornecimento de alimentos, incluindo catering, cafés e restaurantes", sendo a seguinte a imagem da marca: X RESORTS.
2. A Recorrente A HOTEL apresentou reclamação ao pedido de registo da marca, que a parte contrária contestou.
3. O referido pedido de registo foi objecto de despacho de concessão pela DSE, publicado no BORAEM n.º 31, II Série, em 03.08.2016.
4. A Recorrente A HOTEL é titular das seguintes marcas registadas em Macau:
a) Marca nominativa P/…, desde 03.08.1990, «X X PLAZA», na Classe 42ª, para "Serviços de alojamento, hotel, bar, restaurante, banquetes, motel, discotecas e serviços de reserva de hotel e de aprovisionamento".
b) Marca nominativa P/10655, desde 04.l2.l990, «XX酒店» (X X PLAZA em caracteres chineses), na Classe 42ª, para "Serviços de alojamento, hotel, bar, restaurante, banquetes, motel, discotecas e serviços de reserva de hotel e de aprovisionamento".
c) Marca mista N/…, desde 21.03.2006, « …», na Classe 42ª, para "Serviços de hotéis, serviços de estalagens, providenciar alojamento; serviços de alojamento temporário; serviços de reservas para hotéis e para outros alojamentos; informação e planeamento de férias relacionados com alojamento; serviços de bar; serviços de clubes nocturnos e salas de "cocktail"; serviços de café, serviços de restaurante e "snack-bar''; serviços de "catering" para providenciar alimentação e bebidas; providenciar instalações para conferências, reuniões e exposições; serviços de "check-in'' e "check-out'' em hotéis; serviços de informação electrónica relacionados com hotéis; serviços de consultadoria e aconselhamento relacionados com os serviços acima mencionados";
d) Marca nominativa N/…, desde 05.03.2010, «XXXX», (X PLAZA XX em caracteres chineses) na Classe 43ª, para os mesmos serviços da marca acima descrita;
e) Marca nominativa N/…, desde 05.03.2010, «XXXX» (X PLAZA XX em caracteres chineses), na Classe 43ª para os mesmos serviços da marca acima descrita;
f) marca nominativa N/…, desde 05.03.2010, «XXXX» (X PLAZA XX em caracteres chineses), na classe 43ª para os mesmos serviços da marca acima descrita;
g) Marca nominativa N/…, desde 05.03.2010, «XXXX» (X PLAZA XX em caracteres chineses), na classe 43ª para os mesmos serviços da marca acima descrita; .
h) Marca nominativa N/48016, desde 05.03.2010, «XXX» (X X em caracteres chineses), na classe 43ª para os mesmos serviços da marca acima descrita;
i) Marca nominativa N/…, desde 01.04.2014, «XXXX度假酒店» (X X RESORT HOTEL em caracteres chineses), na classe 43ª para "Catering de alimentos e bebidas; reservas de hotéis; restaurantes self-service; serviços de bar; serviços de campos de férias (alojamento); serviços de gestão de reservas de alojamento temporário em time-sharing / condomínios; casas de turismo; aluguer de salas de reuniões; aluguer de alojamento temporário; lares para a terceira idade; infantários (creches); alojamento para animais; aluguer de cadeiras, mesas, roupa de mesa, vidraria; reservas de alojamentos; serviços de gestão de alojamento em time-sharing / condomínios; serviços para fornecimento de alimentos e bebidas; alojamento temporário; serviços de hotéis; serviços de alojamento; serviços de restaurantes; aluguer de aparelhos de cozinha; aluguer de distribuidores de água potável.";
j) Marca nominativa N/…, desde 18.04.2011, «X PLAZA», na classe 43ª para "Serviço de hotéis" ;
k) Marca nominativa N/..., desde 01.04.2014, «X PLAZA HOTELS AND RESORTS», na classe 433 para "Serviços de hotéis; serviços de bar e restaurante; serviços de bar de cocktails; serviços de catering para o fornecimento de alimentos e bebidas; fornecimento de instalações para conferências, reuniões, exposições e eventos; serviços de reserva de alojamento".
5. Por sua vez, a Recorrida é titular das seguintes marcas registadas no território:
N… a N/1…
…
39, 41 e 42
N/… a N/…
…
16, 17, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 42, 44 e 45
N/… a N/…
…
16,17, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 42, 44 e 45
N… a N/…
…
39, 41 e 42
N/… a N/…
…
16, 17, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 42, 44 e 45
N/… a N/…
…
39, 41 e 42
N/… a N/…
…
39, 41 e 42
N/… a N/…
…
35, 39, 41 e 43
N/… a N/…
…
35, 39, 41 e 43
N/… a N/…
…
35, 41 e 43
N/… a N/…
…
35, 41 e 43
*
III - Fundamentação
A questão fundamental do presente recurso jurisdicional consiste em saber se a marca registanda (N/100454) é ou não uma marca que imita, ou reproduz, ainda parcialmente, as marcas da ora Recorrente.
Olhamos para a marca registanda, o que sobressai desde logo à vista é a palavra inglesa “X”.
As marcas registadas a favor da ora Recorrente têm a palavra semelhante “X”.
Não temos qualquer dúvida de que aquelas duas palavras constituem parte essencial tanto da marca registanda como das marcas já registadas da ora Recorrente.
Será que esta semelhança é suficiente para concluir pela existência da imitação ou reprodução da marca já registada da Recorrente?
Como é sabido, coexistem na RAEM as marcas de “X” e “X”, ambos em chinês “XX”, registadas a favor da ora Recorrida e da ora Recorrente, respectivamente, para assinalarem as mesmas espécies de produtos e serviços, ou afins.
Nesta medida, a simplesmente semelhança entre as palavras inglesas “X” e “X” deixa de constituir imitação ou reprodução das marcas registadas a favor da ora Recorrente por parte da ora Recorrida.
No mesmo sentido, veja-se os Acs. deste Tribunal, de 14/05/2015 e de 23/06/2016, proferidos nos Procs. nº 239/2015 e 860/2015, respectivamente.
Também não se verifica qualquer situação de concorrência desleal, visto que a ora Recorrida já é titular da marca registada “X Global Resorts” para assinalar os serviços e produtos de classe 35, 39, 31 e 43.
Ora, a marca registanda “X Resorts” é composta por sinais quase idênticos a da marca registada supra referida.
Face ao expendido, o recurso não deixará de se julgar improcedente.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 12 de Setembro de 2019.
Ho Wai Neng
José Maria Dias Azedo
Fong Man Chong
931/2017 19