Processo n.º 359/2017
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 12/Setembro/2019
ASSUNTOS:
- Direito de uso e usufruição assistido ao comproprietário e alegada violação do mesmo
SUMÁRIO:
I - Ficou assente que a fracção autónoma identificada nos autos fora adquirida pelas partes (ex-casal), em regime de compropriedade. Portanto, o Autor é efectivamente comproprietário do imóvel a quem assiste o direito de o usar e fruir e a não ser privado deste direito.
II – Como não ficou demonstrada a alegada violação do direito de que o Autor goza sobre a fracção autónoma, uma vez que o próprio Autor alegou que, aquando da ruptura das relações conjugais em finais de 2009, altura em que a Ré passou a ocupar exclusivamente a fracção autónoma, as partes acordaram, como contrapartida desta ocupação, que todas as despesas dos filhos menores seriam suportadas pela Ré, o Autor não podia agora vir invocar tal privação de acesso para peticionar metade do “valor locativo hipotético” a título de indemnização.
O Relator,
________________
Fong Man Chong
Processo nº 359/20171
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 12 de Setembro de 2019
Recorrente : B (Autor)
Recorrida : C (Ré)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
B (Autor), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 07/11/2016, que decidiu absolver a Ré, ora Recorrida, dos pedidos formulados pelo Autor, veio, em 13/01/2017, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 411 a 421, tendo formulado as seguintes conclusões :
1. Vem o presente recurso interposto do conteúdo da sentença de fls. 394 a 402 dos autos proferida pelo Tribunal a quo, que decidiu absolver a Ré ora Recorrida do pedido formulado pelo Autor e declarar o Autor litigante de má fé e condená-lo na multa de 10 Ucs.
2. Salvo o devido respeito, o ora Recorrente não concorda, nem se conforma, com tal decisão que no seu modesto entendimento é ilegal.
3. O objecto do presente recurso está na violação dolosa, por parte da ora Recorrida, do direito de propriedade do ora Recorrente, comproprietário.
4. Recorrente e Recorrida adquiriram em 8 de Junho de 2005, cada um, a quota parte de 1/2 da fracção autónoma sita na Rua ......, n.º ..., Edifício ......, 8.º andar, "A" conforme a inscrição n.º 1*****G do Registo Predial.
5. O plano do ora Recorrente, ao comprar a fracção autónoma em regime de compropriedade com a Recorrida, consistia em gozar de modo pleno com ela, Recorrida, os direitos de uso, fruição e disposição da supra mencionada fracção autónoma.
6. Mas quando em Maio de 2012 regressou a Macau para exercer funções de director do Jornal XXXX a relação entre as partes já estava em fase de ruptura avançada, facto que impossibilitou o ora Recorrente de continuar a habitar a sua casa e o obrigou ir viver para outro local.
7. A matéria de facto assente e a BI vêm, sem margem para quaisquer dúvidas, dar como provado que o ora Recorrente, embora comproprietário da fracção autónoma supra referenciada está, pelo menos, desde Maio de 2012, privado do seu direito de gozo, uso, fruição e disposição da sua quota parte.
8. Acontece que, a sentença ora recorrida considerou não estar demonstrado a alegada violação do direito, previsto nos artigos 1229.º e 1299.° do CC, que o ora Recorrente goza sobre a já referida fracção.
9. Pelo que, havendo compropriedade de bens, qualquer das partes pode, pôr fim à indivisão e em qualquer momento exigir o crédito sob a utilização exclusiva da fracção pela comproprietária, Recorrida, e nada na lei o impede.
10. Assim, a conduta ora Recorrida o ofender ou violar um direito alheio gerou responsabilidade extracontratual nos termos do artigo 477.° do CC.
11. Atento os factos dados como provados, deve a ora Recorrida vir condenada relativamente aos danos causados ao ora Recorrente nesta sede, circunscrevendo-se esses danos apenas relativamente ao primeiro pedido, em valor não inferior a MOP$432.000,00 (quantrocentas e trinta e duas mil patacas) acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos.
12. Finalmente, a ora recorrida sentença acaba com a condenação do Recorrente em litigante de má fé para tanto alegando que "... para fundamentar a sua pretensão, o Autor alega que, a partir de finais de 2009, foi proibido pela Ré de aceder à fracção autónoma de Macau e estar com os filhos das partes.".
13. Salvo o devido respeito, aquilo que se disse no artigo 22.º da petição inicial foi que "A Ré impediu mesmo o Autor de entrar no apartamento, de que também é proprietário, sequer para poder visitar e estar com os filhos", sem referência a nenhuma data.
14. Como tal, não há aqui por parte do Autor nenhuma inverdade.
15. Por outro lado, o facto de não resultar como provado não quer dizer que isso não seja verdade.
16. Consequentemente, deverá vir o ora Recorrente absolvido da condenção como litigante de má fé.
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A Recorrida, C (Ré), veio, 07/03/2017, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 446 a 462, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O recorrente não dá observância à regra do artigo 598.°/2-a-b do CPC, uma vez que versando o recurso apenas sobre matéria de direito, não indica as normas violadas e muito menos o sentido com que deveriam ser interpretadas;
2. Não tendo impugnado o recorrente a decisão de facto, a apreciação do presente recurso deverá ser feito tendo por referência apenas os factos dados como provados e não provados;
3. É contraditório afirmar que a Recorrida violou dolosamente os direitos de uso e fruição do imóvel que também é do recorrente e, ao mesmo tempo, afirmar que a impossibilidade de continuar a habitar a sua casa e necessidade de ter ido viver para outro local resultou da "ruptura avançada" da relação entre as partes, verificava em Maio de 2012, quando o recorrente regressou a Macau;
4. O que constante da conclusão 6.ª não tem qualquer correspondência com os factos dados como provados;
5. Dos factos provados apenas se pode retirar a conclusão de que a ruptura da união de facto ocorreu, em finais de 2009;
6. Os factos provados demonstram que, até à Páscoa de 2012, o recorrente tinha acesso a fracção autónoma de que é comproprietário, aí vivendo por períodos de 2/3 semanas;
7. Dos factos provados não resulta que o recorrente tenha ficado impossibilitado de continuar a habitar a fracção dos autos e tenha sido obrigado a ir viver para outro local, em Maio de 2012;
8. Na falta de regulamento sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que na não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso que igualmente têm direito;
9. Não se provou a existência de qualquer regra/acordo sobre o uso da fracção autónoma dos autos;
10. A Recorrida utiliza a fracção dos autos, onde habita com os filhos dela e do recorrente, com fundamento no seu direito de compropriedade;
11. A utilização que a Recorrida faz do imóvel está de acordo com o fim concreto (habitação) a que o mesmo se destina;
12. A impossibilidade de utilização ou a privação do uso pelo consorte deve ser comprovada em concreto, não uma impossibilidade ou privação em abstracto, por referência à mera consideração da natureza da coisa conjugada com a utilização a que a mesma se destina;
13. O artigo 1302.°/1 do Código Civil deve ser interpretado no sentido de considerar que só não será legítima uma dada utilização exclusiva quando ela prive uma concreta utilização pretendida por outro consorte;
14. O recorrente não logrou provar a utilização que pretendia fazer do imóvel, se a utilização que a Recorrida faz o priva ou não da utilização por si pretendida ou qualquer facto susceptível de revelar uma sua clara oposição à utilização que a Recorrida faz da referida fracção;
15. A instauração da presente acção não é suficiente para converter em ilícita a utilização exclusiva que a Recorrida faz da mesma, dado que o pedido de condenação da Recorrida em quantia pecuniária correspondente à utilidade económica decorrente do uso que faz, na medida da sua quota, apenas permite concluir que recorrente pretende extrair um efeito jurídico desse facto, efeito jurídico este que a norma não consente;
16. Não tendo o recorrente conseguido provar a causa de pedir em que fez assentar a procedência da sua pretensão, não pode vir agora impugnar a decisão recorrida, com fundamento na impossibilidade de continuar a habitar a sua casa e na necessidade de ter viver num outro local;
17. É lícita a utilização exclusiva que a Recorrida faz da fracção dos autos, e sendo a mesma lícita, não havendo lugar a responsabilidade objectiva ou contratual, inexiste qualquer fundamento para exigir responsabilidade à Recorrida;
18. A acção de divisão de coisa comum visa-se fazer acabar com a indivisão da compropriedade, uma vez que, em princípio, nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer nessa indivisão, sendo que tal acção já se encontra pendente (CV1-15-0034-CPE) e onde Recorrida reclama créditos relativos a despesas com a fracção que suportou sozinha, mormente, pagamentos efectuados a título de sinal, com obras de decoração e melhoramento, prestações dos empréstimos, despesas de condomínio, seguro,
19. A inserção sistemática do alegado no artigo 22.° da p.i. e o advérbio "mesmo" utilizado neste mesmo artigo levam a concluir ser correcta a asserção do Tribunal de que o recorrente alegou que "a partir de finais de 2009, o mesmo foi proibido pela Ré de aceder à fracção autónoma de Macau e de estar com os filhos das partes";
20. As partes têm o dever de litigar de boa-fé, de actuar com respeito pela verdade, em obediência aos deveres de probidade e de cooperação, agindo em concordância com o padrão de conduta a estão obrigadas e de que são capazes;
21. Dando-se como provados factos contrários, o alegado pelo recorrente no artigo 22.° da p.i., sendo o mesmo um facto pessoal, que não o tendo conseguido provar, não pode deixar de levar à conclusão de que o recorrente tinha o dever de saber que o mesmo não poderia corresponder à verdade, o que significa, ao agir de forma diferente, procedeu em discordância com o padrão de conduta a que estava obrigado e de que era capaz;
22. A conduta do recorrente integra a previsão das normas do artigo 385.°/2-b-d do Código de Processo Civil, pelo que se mostra inteiramente correcta a condenação constante da sentença recorrida.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Da Matéria de Facto Assente:
- O Autor e a Ré têm dois filhos (alínea A) dos factos assentes):
1. O D, nascido em ... de ... de 2004, e
2. A F, nascida em ... de ... de 2008.
- A fracção autónoma sita na Rua ......, n.º ..., Edifício ......, 8º andar “A”, foi adquirido por Autor e Ré, em 8 de Junho de 2005, em regime de compropriedade, conforme a inscrição n.º 1*****G do Registo Predial (alínea B) dos factos assentes).
- Conforme o plano da vida que organizaram em conjunto, o Autor e a Ré compraram o apartamento referido em B) em Macau (alínea C) dos factos assentes).
- “Foi adquirido pela Ré, em 2 de Abril de 2007, um apartamento na cidade de Lisboa, sito na Rua ......, nºs ... e ..., 11º andar Esquerdo, freguesia de Carnaxide, Concelho de Oeiras, tendo o Autor ficado a constar como fiador do crédito bancário prestado pelo Banco ZZZZ, S.A.” (alínea D) dos factos assentes).
- O Autor e a Ré acordaram que o Autor pagaria as prestações do preço do apartamento de Lisboa, e a Ré pagaria a amortização do empréstimo para pagamento do preço do apartamento de Macau (alínea E) dos factos assentes).
- Além disso, o Autor ficaria responsável pelo pagamento das contas e contribuições relativas ao imóvel referido na alínea D) e a Ré relativas ao imóvel referido na alínea B) (alínea F) dos factos assentes).
- Em Novembro de 2012, a Ré intentou acção de regulação do poder paternal dos filhos, demandando ao Autor o pagamento de alimentos para os menores, acção que correu termos pelo 3º Juízo deste Tribunal, com o n.º CV3-12-0054-MPS, e que culminou por acordo constante a fls. 171v a 172v dos presentes autos homologado por Sentença datada de 04 de Outubro de 2013 e transitada em julgado em 15 de Outubro de 2013 (alínea G) dos factos assentes).
- O autor regressou a Macau em Maio de 2012, encontrando-se aqui a trabalhar como director do jornal XXXX (alínea H) dos factos assentes).
- Desde Maio de 2006 que o Autor, por decisão sua, embora com o acordo de ambos, não habitava o apartamento de Macau, altura em que passou a viver em Lisboa, por se encontrar a trabalhar na agência YYYY (alínea I) dos factos assentes).
- E permaneceu a viver em Portugal até Maio de 2012, altura em que regressou a Macau (alínea J) dos factos assentes).
- Enquanto residia e trabalhava em Portugal, o Autor passou todo o tempo que quis com os filhos (alínea K) dos factos assentes).
- Na Páscoa de 2010, o Autor deslocou-se a Macau e passou cerca de três semanas com os filhos (alínea L) dos factos assentes).
- No Verão de 2010, os menores viajaram a Portugal, a expensas da Ré, e ficaram com o pai durante dois meses (alínea M) dos factos assentes).
- Na Páscoa de 2011, o Autor passou duas semanas com os filhos, tendo ficado instalado no apartamento onde a Ré reside, em Macau (alínea N) dos factos assentes).
- No Verão de 2011, os menores ficaram com o pai durante dois meses em Portugal, tendo a Ré suportado todos os custos com as suas viagens (alínea O) dos factos assentes).
- No Natal de 2011, o Autor veio a Macau e permaneceu com os filhos cerca de três semanas, tendo ficado novamente alojado no apartamento de Macau onde a Ré reside (alínea P) dos factos assentes).
- Também na Páscoa de 2012, o Autor se deslocou a Macau e permaneceu com os filhos cerca de três semanas, instalado no apartamento de Macau onde a Ré reside (alínea Q) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- Entre 1999 e 2009 e sempre que se encontravam em Macau, o Autor e a Ré viveram juntos como se marido e mulher fossem (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- Até finais de 2009, o Autor e a Ré, na companhia dos filhos, tinham o seu lar familiar estabelecido na fracção autónoma indicada em B) dos factos assentes (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- O Autor viveu em Lisboa, por obrigações profissionais, enquanto director-adjunto da agência noticiosa YYYY (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- O Autor deixou de poder estar e conviver com os filhos todos os dias como normalmente acontecia antes da ruptura do seu relacionamento com a Ré (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
- Essa impossibilidade gerou e gera no Autor angústia e sofrimento (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
- A fracção autónoma referida em B) dos factos assentes vale actualmente no mercado imobiliário, pelo menos, MOP$7.200.000,00 (sete milhões e duzentas mil de patacas) (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
- O seu valor locativo é de, pelo menos, MOP$12.000,00 (doze mil patacas) por mês (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
- Depois de Maio de 2012, apenas a Ré e os filhos das partes vivem na fracção autónoma referida em B) dos factos assentes enquanto que o Autor vive num outro local (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I – Relatório:
B, solteiro, maior, residente em Macau na Avenida ......, Edifício ......, n.º ..., ...º andar “...”, titular do BIRM n.º 1******(3), emitido em 20 de Abril de 2011, pelos Serviços de Identificação de Macau;
veio intentar a presente
Acção Ordinária
contra
C, divorciada, residente em Macau, na Rua ......, n.º ..., Edifício ......, 8º andar “A”, titular do BIRPM n.º 5******(9);
com os fundamentos apresentados constantes da petição inicial de fls. 2 a 9,
concluiu pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção, e em consequência, fosse a Ré condenada a pagar ao Autor o montante de MOP632.000,00, acrescido de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal.
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A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 25 a 33v dos autos
Concluiu pedindo que fosse julgado improcedente o pedido do Autor.
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
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Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
***
II – Factos:
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
(…)
***
III – Fundamentos:
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Pela presente acção, pretende o Autor que a Ré seja condenada a pagar-lhe MOP632.000,00 correspondente à soma de (1) metade do valor locativo de uma fracção autónoma sita em Macau pertencente às partes, desde 2010 até à data de interposição da presente acção pelo uso exclusivo de que a Ré tem vindo a gozar desde 2009, e de uma indemnização, em montante não inferior a MOP200.000,00, pelo prejuízo moral que a Ré causou ao Autor, acrescida de juros de mora.
Para efeito, alega que o Autora e a Ré coabitaram como marido e mulher entre 1999 e 2009 e desta relação têm dois filhos menores nascidos respectivamente em 2004 e 2008; que, adquiriram, em compropriedade, a fracção autónoma “A8” em Macau onde as partes estabeleceram o lar familiar até finais de 2009; que também adquiriram uma outra fracção autónoma em Lisboa a qual, por acordo das partes, ficou apenas registada em nome da Ré; que, no que diz respeito às amortizações dos empréstimos bancários contraídos para a aquisição desses dois imóveis, ficou acordado que o Autor pagaria as do apartamento de Lisboa e a Ré as do apartamento de Macau; (1) que a partir de finais de 2009, em simultâneo com a ruptura da coabitação das partes, a Ré, com auxílio de terceiros, arrombou a porta da fracção autónoma de Lisboa, trocou a respectiva fechadura, vedou o acesso do Autor à mesma e aos seus bens pessoais que aí se encontravam e deu um destino desconhecido ao imóvel; (2) que, ao mesmo tempo, exigiu ao Autor que deixasse a fracção autónoma de Macau impedindo-o de o usufruir o que o obrigou a tomar de arrendamento um outro apartamento para residir e a pagar a respectiva renda; que a Ré usufrui este imóvel em exclusivo desde 2009 cujo valor locativo é de MOP16.000,00 por mês; (3) que o Autor ficou privado do convívio mútuo e quotidiano como os filhos das partes, porque foi impedido quer de entrar no imóvel acabado de referir quer de visitar e estar com os filhos, facto que lhe gerou e gera enorme angústia e sofrimento tendo em conta que abdicara o estatuto de Director-Adjunto da YYYY em Lisboa para poder estar em permanência com os filhos em Macau; (4) que, porque a Ré ficou a residir e a usufruir de forma exclusiva a fracção autónoma de Macau aquando da ruptura das partes, ficou acordado que a Ré suportaria integralmente os encargos dos filhos para minimizar o desequilíbrio patrimonial entre as partes pelo facto de o Autor ter passado a suportar o encargo acrescido com a renda da sua nova habitação; que a Ré incumpriu esse acordo intentando uma acção de regulação do poder paternal em que exigiu ao Autor a prestação de alimentos aos filhos das partes.
Contestando a acção, a Ré impugna grande parte dos factos alegados pelo Autor reconhecendo apenas que chegou a coabitar como marido e mulher com este em Macau com quem tem dois filhos menores, que adquiriram a fracção autónoma em Macau onde a Ré sempre residiu com os filhos e, durante alguns anos, com o Autor, e cujas despesas, por acordo das partes, foram pagas pela Ré e que, relativamente à fracção autónoma em Lisboa, ficou acordado que este pagaria todas as despesas da mesma contestando, contudo que este imóvel fora adquirido por ambos.
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Flui do acima exposto que estão em causa dois pedidos: (1) o da metade do valor locativo da fracção autónoma sita em Macau adquirida pelas partes, desde Janeiro 2010 até 1 de Julho de 2014 e (2) o da indemnização pelo prejuízo moral que a Ré causou ao Autor.
Dos factos alegados pelo Autor vê-se que o primeiro pedido tem por base a ocupação exclusiva da fracção autónoma de Macau por parte da Ré desde finais de 2009 altura em que o Autor alegadamente foi impedido de voltar a entrar nela e de a usufruir. Relativamente ao pedido de indemnização, se bem interpretado o articulado do Autor, o mesmo tem como fundamento os sofrimentos que o Autor teve em consequência da alegada privação do direito do Autor de contactar e conviver com os filhos, perpetrada pela Ré desde finais de 2009 quer porque esta o impedia de entrar na fracção autónoma acima referida onde vivia os filhos quer porque a Ré não permitia ao Autor visitar os filhos.
Assim, os factos relativos à aquisição e arrombamento da fracção autónoma de Lisboa e a consequente impossibilidade de acesso à mesma e aos bens pessoais do Autor não têm relevância para os presentes autos. É que, essa matéria não tem nada a ver com os factos relativos à privação do uso da fracção autónoma de Macau ou à impossibilidade de contactos e convívio com os filhos das partes nem interferem nos valores peticionados não obstante terem alegadamente tido lugar na mesma altura. Com efeito, no que tange à metade do valor locativo, o valor peticionado resulta tão-só da renda que a fracção autónoma de Macau permitiria arrecadar (cfr. artigos 37º a 41º da petição inicial) e no que à indemnização se refere, segundo o próprio Autor, tem como fonte o fim da coabitação (contacto e convívio?) com os filhos (cfr. artigos 42º e 43º da petição inicial).
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Violação do direito de gozo e fruição da fracção autónoma de Macau
Posto isto, é momento de apreciar cada um desses pedidos tendo em conta os factos dados como provados começando com o pedido de metade do valor locativo da fracção autónoma de Macau alegadamente ocupada apenas pela Ré porque o Autor foi impedido de nela entrar desde finais de 2009.
Para a procedência desse pedido e seguindo a versão de factos alegada pelo Autor, é indispensável que esteja demonstrado que este é comproprietário do imóvel cujo direito de gozo e fruição foi violado pela Ré.
É que, nos termos do artigo 1302º,nº 1, do CC “Na falta de regulamento sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.”
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Produzida a respectiva provada, apurou-se que a fracção autónoma sita na Rua ......, n.º ..., Edifício ......, 8º andar “A”, fora adquirida pelas partes, em 8 de Junho de 2005, em regime de compropriedade. Portanto, o Autor é efectivamente comproprietário do imóvel a quem assiste o direito de o usar e fruir e a não ser privado deste direito.
Já no que diz respeito à violação desse direito por parte da Ré, o Autor não logrou demonstrar que aquela alguma vez aquela o impediu de viver no imóvel ou de o fruir como vem alegado. Está antes assente que em 2011 e 2012, quando o Autor se deslocou a Macau, vindo de Portugal onde então se encontrava a trabalhar, chegou a residir na fracção autónoma sub judice.
Por não estar demonstrada a alegada violação do direito de que o Autor goza sobre a fracção autónoma de Macau, fica precludida a necessidade de se debruçar sobre os demais aspectos relacionados com o pedido em discussão, designadamente o valor dos prejuízos que a violação causou ao Autor, devendo o pedido em questão ser julgado improcedente.
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Aliás, mesmo que o Autor tivesse demonstrado a alegada violação do seu direito de gozo, ainda assim, o pedido em questão não pode proceder.
Senão, vejamos.
Como se pode constatar da exposição feita no início desta parte da sentença, o próprio Autor alega que, aquando da ruptura das partes em finais de 2009, altura em que a Ré passou a ocupar exclusivamente a fracção autónoma de Macau, como contrapartida desta ocupação, as partes acordaram que todas as despesas dos filhos seriam suportadas pela Ré. Ou seja, o Autor ficaria dispensado de partilhar essas despesas com a Ré, facto que o mesmo também não conseguiu demonstrar aquando do julgamento da matéria de facto.
Ora, se assim tivesse acontecido, jamais o Autor poderia exigir o pagamento de metade do valor locativo pela ocupação da fracção autónoma por parte da Ré mas tão-só invocar a respectiva excepção de compensação, no processo de regulação do poder paternal. Nesse cenário, ter sido ou não a Ré quem impediu o acesso do Autor à fracção autónoma deixaria de ser relevante visto que, se tivesse acordado com a Ré da maneira como descreveu, o Autor se teria conformado com a alegada proibição de acesso ao imóvel aceitando deixar de usar e fruir o imóvel para, em contrapartida, ficar dispensado de suportar as despesas dos filhos. Consequentemente, não poderia invocar tal privação de acesso para peticionar metade do valor locativo como fez nestes autos.
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Indemnização pelo prejuízo moral
Quanto ao pedido de indemnização pelo prejuízo moral, sustenta o Autor que este prejuízo resultou da privação que sofreu ao não ser impedido de contactar e conviver com os filhos a partir de finais de 2009 aquando da ruptura das partes designadamente porque fora lhe fora vedado o acesso à fracção autónoma onde vivia com a Ré e os filhos.
Sobre esse pedido, está provado que, entre 1999 e 2009, sempre que se encontravam em Macau, o Autor e a Ré viveram juntos como se marido e mulher fossem e desta relação nasceram dois filhos: D, em ... de ... de 2004, e F, em ... de ... de 2008.
Desses factos conclui-se que o Autor chegou a viver em união de facto com a Ré até 2009 e é um dos progenitores dos dois menores por si indicados. Aliás, as partes estão de acordo quanto a isso. Assim, assiste ao Autor o direito de contactar e conviver com esses menores na qualidade de pai.
A privação de que o Autor se queixa teve alegadamente lugar desde finais de 2009, altura em que as partes deixaram de viver em união de facto.
Resulta dos factos assentes que, nessa altura, o Autor estava a viver e a trabalhar em Lisboa e apenas regressou a Macau para trabalhar como Director do Jornal XXXX, em Maio de 2012.
Por força dessas circunstâncias (ruptura da relação entre as partes e ausência física de Macau), é manifesto que o Autor não podia estar em contacto com os filhos que continuaram a viver em Macau com a Ré, como e quando quisesse como muito provavelmente acontecia antes. Assim, para a pretensão do Autor são insuficientes os seguintes factos: “o Autor deixou de poder estar e conviver com os filhos todos os dias como normalmente acontecia antes da ruptura do seu relacionamento com a Ré” (resposta ao quesito 13º da base instrutória) e “essa impossibilidade gerou e gera no Autor angústia e sofrimento” (resposta ao quesito 14º da base instrutória). Com efeito, a redução dos contactos e convívios deveu-se a circunstâncias objectivas que, por si, não são imputáveis subjectivamente à Ré.
Daí a importância dos obstáculos alegadamente colocados pela Ré nas tentativas de visitas e contacto feitas pelo Autor. Porém, como decorre da matéria provada, o Autor não conseguiu demonstrar o por si alegado. Sobre esse último aspecto, está antes provado que, enquanto residia e trabalhava em Portugal, o Autor passou todo o tempo que quis com os filhos tendo estado com os mesmos, pelo menos, 6 vezes nos anos de 2010 a 2012 por períodos que variam entre duas semanas e dois meses, ou em Portugal em que nalgumas das vezes a expensas da Ré ou em Macau nalgumas vezes na fracção autónoma onde vivem a Ré e os filhos.
Disso conclui-se que está longe de poder afirmar que a Ré impediu que o Autor contactasse e convivesse com os seus filhos.
Nestes termos, é manifesto que esse pedido também não pode proceder.
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Juros de mora
Afastados todos os pedidos parcelares, nada resta senão também julgar improcedente o pedido de juros.
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Litigância de má fé
Pede o Autor que Ré seja condenada por litigância de má fé.
Nos termos do artigo 385º, nº 2, do CPC, “Diz-se litigante de má fé que, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos o omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Dos fundamentos invocados pelo Autor, vê-se que o que alegadamente a Ré fez é entrar em contradição consigo mesma a fim de fazer com que o Autor pagasse indevidamente alimentos aos filhos e continuasse a suportar as despesas da fracção autónoma de Portugal quando foi a própria Ré quem arrombou a porta da mesma vedando o acesso do Autor neste imóvel.
Uma vez que a Ré não formulou qualquer pedido nestes autos, não se pode dizer que a mesma deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar. A haver litigância de má fé e apenas no que diz respeito à pretensão de alimentos (tendo em conta os dados constantes do autos), deve este problema ser suscitado no processo de regulação do poder.
No que diz respeito às alegadas contradições, não se afigura que alguma vez a Ré teve esse problema aos expor os factos na contestação como alega o Autor.
Assim, indefere-se o pedido de condenação da Ré como litigante de má fé.
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Em resposta ao pedido de litigância de má fé acima apreciado, a Ré pede que o Autor seja condenado por litigância de má fé porque aproveitou o requerimento onde suscitou a questão da má fé para responder à contestação bem sabendo que não podia apresentar articulado para responder à contestação, destorceu o que a Ré pretendia afirmar quando fez referência à data da cessação da coabitação e da união de facto e faltou à verdade quando acusou a Ré de o ter obrigado a pagar alimentos aos filhos.
No que se refere ao requerimento onde é suscitada a questão de má fé, é verdade que o Autor fez referência a factos alegados pela Ré na contestação e manifestou a sua não concordância. No entanto, não deixa de ser verdade que o mesmo formulou um pedido de condenação por litigância de má fé em reacção aos factos alegados pela Ré na contestação. Ora, sem fazer referência a esses factos, como é que o Autor pede essa condenação? Uma vez que a lei não proíbe a formulação de tal pedido, não se pode, sem mais, dizer que o Autor litigou de má fé quando fez referência aos factos constantes da contestação no citado requerimento.
Relativamente ao que a Ré pretendia dizer na contestação quanto à data da cessação da coabitação ou da união de facto, as observações feitas pelo Autor, apesar de incorrectas como bem apontou a Ré, são perfeitamente desculpáveis. Com efeito, a união de facto normalmente vem associada à coabitação. A isso acresce que a coabitação não cessou em 2006 como alega a Ré visto que está assente que até 2009 as partes, sempre que se encontravam em Macau, viviam juntos como marido e mulher. Assim, a reacção que o Autor não é totalmente infundada apesar de a Ré não ter entrado em contradição. O que se verifica é não corresponder à verdade que as partes deixaram de coabitar em 2006 como a Ré alegou na contestação.
Relativamente ao problema dos alimentos, por não ser objecto de qualquer pedido nestes autos, como foi referido, ter ou não o Autor sido obrigado a prestá-los deve ser uma questão a debruçar nos autos de regulação do poder paternal razão por que o pedido de condenação por litigância de má fé não deve ser aqui formulado.
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Apesar de todo o expendido, a conduta que o Autor teve nestes autos consubstancia manifestamente litigância de má fé.
Com efeito, para fundamentar a sua pretensão, o Autor alega que, a partir de finais de 2009, foi proibido pela Ré de aceder à fracção autónoma de Macau e de estar com os filhos das partes.
Dos factos provados vê-se que o Autor, no ano de 2011, por duas vezes, ficou alojado na fracção autónoma de Macau, respectivamente por duas e três semanas (cfr. factos constantes da alínea N) e P) dos factos assentes) e quando residia em Portugal, ou seja, entre 2006 e 2012, passou todo o tempo que quis com os filhos (cfr. facto constante da alínea K) dos factos assentes). Mais se retira dos factos assentes que, nos anos 2010 e 2011, no total, o Autor esteve com os filhos dois meses e três semanas e dois meses e cinco semanas respectivamente, ou em Macau ou em Portugal tendo a Ré, em duas ocasiões, suportado os custos das viagens dos filhos a Portugal (cfr. factos constantes da alínea L) a Q) dos factos assentes).
Disso conclui-se, sem margem para dúvidas, que o Autor faltou à verdade quando alegou os citados factos par sustentar os seus pedidos. Por se tratar de factos pessoais, o Autor não podia ignorar que tais factos não correspondiam à verdade.
Assim, é de declarar o Autor como litigante de má fé e, tendo em conta a situação dos autos, julga-se adequada uma multa de 10UCs.
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IV – Decisão:
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção e, em consequência, decide:
1. Absolver a Ré, C, do pedido formulado pelo Autor, B;
2. Declarar o Autor litigante de má fé e condená-lo na multa de 10 UCs
Custas pelo Autor.
Registe e Notifique.
Quid Juris?
O objecto do presente recurso consiste em resolover as seguintes questões levantadas pelo Recorrente:
1) – Violação do direito do gozo e fruição da fracção autónoma de Macau e resposabilidade civil excontratual previstos nos artigos 1229º, 1299º e 477º do CC de Macau;
2) – Condenação infundada da litigância de má fé do Recorrente.
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Comecemos pela primeira questão.
Neste ponto, não foi impugnada a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo, pelo que, apreciaremos este recurso com base no quadro fáctico fixado pela instância.
A propósito desta primeira questão, o Tribunal a quo fez uma análise exaustiva e coerente, com a qual concordamos na essencialidade, limitamo-nos agora acrescentar o seguinte:
1) – É certo que a fracção autónoma é compropriedade do ora Recorrente e da sua ex-esposa e como tal ele podia usufruir deste imóvel enquanto comproprietário, mas não assim actuou, ele, o Recorrente, atirou a culpa para a Recorrida, alegando que ele foi impedido de gozar da utilidade do imóvel, só que esta versão fáctica não ficou provada.
2) – Aliás, o Tribunal Colectivo, ao decidir a matéria sobre este ponto, expressamente consigou o seguinte:
“(…)
Quanto à impossibilidade de aceder à fracção autónoma de Macau a partir de finais de 2009 bem como ao uso exclusivo da mesma pela Ré, além de constar dos factos assentes indicação que o Autor esteve alojado na mesma durante as suas visitas a Macau nos anos de 2011 e 2012 (cfr. alíneas N), P) e Q) dos factos assentes), do documento junto a fls 69 vê-se que, na véspera do regresso do Autor a Macau em 2012, este não fez qualquer exigência junto da Ré no sentido de voltar a viver na fracção autónoma nem levantou qualquer questão sobre a necessidade de se instalar noutro local. Antes, esse documento demonstra que foi por opção do Autor que não voltou a viver nela. Além disso, algumas das testemunhas que depuseram sobre essa matéria deram conta das circunstâncias em que o Autor ficava alojado na fracção autónoma de Macau quando regressava de Portugal para visitar os filhos, quando já estava separado da Ré. A testemunha G, no que concerne ao período posterior ao regresso do Autor a Macau em Maio de 2012, declarou que, a pedido da Autora, permitiu que o Autor ficasse a viver numa fracção autónoma por si arrendada o qual pagava as respectivas rendas sem se queixar de nada.
Foi a partir dessa provas que o tribunal entendeu não estar provado que a Ré impedira o Autor de aceder à fracção autónoma de Macau mas tão só o que consta da resposta do quesito 19º da base instrutória.
(…)”.
3) - Não deixa de ter razão quando a Recorrida veio a contra-alegar da seguinte forma neste recurso:
11. E o limite da não privação do uso da coisa a que os outros consortes têm igualmente?
Para que, em dado caso, se comprove a observância deste limite legal, entende a doutrina e a jurisprudência maioritárias que a impossibilidade de utilização ou a privação do uso pelo consorte deve ser comprovada em concreto, não bastando uma impossibilidade ou privação afirmadas em abstracta, pela mera consideração da natureza da coisa em questão conjugada com a utilização a que a mesma se destina.
De acordo esta doutrina, que corresponde à melhor interpretação do artigo 1302.°/1 do Código Civil, deve pois entender-se, com a ressalva do devido respeito por entendimento contrário, que só não será legítima uma dada utilização exclusiva quando ela prive uma concreta utilização pretendida por outro consorte.
Ora, in casu, não logrou o recorrente provar que pretendia habitar também a fracção aqui em causa ou que, pretendendo habitá-la, tal utilização se revelava impossível de concretizar, atendendo à natureza da fracção em causa e à utilização que a Recorrida faz da mesma.
Na verdade, dos factos provados fica-se sem se saber qual a utilização que o recorrente pretendia fazer do imóvel e se a utilização que a Recorrida faz do imóvel priva ou não o recorrente da utilização por si pretendida. Com efeito, o recorrente não logrou provar qualquer facto susceptível de revelar uma sua clara oposição à utilização que a Recorrida faz da referida fracção.
4) – Por outro lado, o alegado “valor da renda” do imóvel, seguida a tese do Recorrente, não deixa de ser um “valor hipotético”, pois, a Recorrida nunca tinha (nem tem hoje) esse “rendimento” efectivo, porque ela lá vivia, enquanto comproprietária, conjuntamente com os dois filhos menores, tomando-se ali como morada da família, da qual o Recorrente não já faz parte!
5) – Esta questão devia ser levantada e resolvida no processo de regulação do poder paternal (tratando-se de um processo de jurisdição voluntária) se o Recorrente reclamasse esse “valor locativo” hipotético, o valor de alimentos a que ele está sujeito sofreria alterações.
6) – Os artigos 598º e 599º do CPC indicam os fundamentos que pode ter um recurso, não se mostrando, no caso, violados os preceitos legais, o que está em causa é a falta de factos provados para sustentar a versão do Recorrente, e como tal é de manter a decisão recorria.
7) - Pelo que, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas do CPC, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC (reproduz-se para aqui toda a argumentação tecida na sentença recorrida), é de manter a decisão recorrida.
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Relativamente à questão da condenação do Recorrente como litigante de má fé, o Tribunal a quo decidiu nos seguintes termos:
Apesar de todo o expendido, a conduta que o Autor teve nestes autos consubstancia manifestamente litigância de má fé.
Com efeito, para fundamentar a sua pretensão, o Autor alega que, a partir de finais de 2009, foi proibido pela Ré de aceder à fracção autónoma de Macau e de estar com os filhos das partes.
Dos factos provados vê-se que o Autor, no ano de 2011, por duas vezes, ficou alojado na fracção autónoma de Macau, respectivamente por duas e três semanas (cfr. factos constantes da alínea N) e P) dos factos assentes) e quando residia em Portugal, ou seja, entre 2006 e 2012, passou todo o tempo que quis com os filhos (cfr. facto constante da alínea K) dos factos assentes). Mais se retira dos factos assentes que, nos anos 2010 e 2011, no total, o Autor esteve com os filhos dois meses e três semanas e dois meses e cinco semanas respectivamente, ou em Macau ou em Portugal tendo a Ré, em duas ocasiões, suportado os custos das viagens dos filhos a Portugal (cfr. factos constantes da alínea L) a Q) dos factos assentes).
Disso conclui-se, sem margem para dúvidas, que o Autor faltou à verdade quando alegou os citados factos par sustentar os seus pedidos. Por se tratar de factos pessoais, o Autor não podia ignorar que tais factos não correspondiam à verdade.
Assim, é de declarar o Autor como litigante de má fé e, tendo em conta a situação dos autos, julga-se adequada uma multa de 10UCs.
Discordando desta decisão, veio o Recorrente a replicar nos seguintes termos:
12. Finalmente, a ora recorrida sentença acaba com a condenação do Recorrente em litigante de má fé para tanto alegando que "... para fundamentar a sua pretensão, o Autor alega que, a partir de finais de 2009, foi proibido pela Ré de aceder à fracção autónoma de Macau e estar com os filhos das partes.".
13. Salvo o devido respeito, aquilo que se disse no artigo 22.º da petição inicial foi que "A Ré impediu mesmo o Autor de entrar no apartamento, de que também é proprietário, sequer para poder visitar e estar com os filhos", sem referência a nenhuma data.
14. Como tal, não há aqui por parte do Autor nenhuma inverdade.
15. Por outro lado, o facto de não resultar como provado não quer dizer que isso não seja verdade.
16. Consequentemente, deverá vir o ora Recorrente absolvido da condenação como litigante de má fé.
Quid Juris?
Ora, a condenação em causa tem por base não num só facto, mas sim, vários factos, expressamente citados nos termos acima transcritos. Mesmo que seja eliminado o facto constante do artigo 22º da PI, os outros factos continuam a subsistir para condenação, o que é suficiente para manter a decisão ora recorrida e julgar improcedente o recurso nesta parte.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 12 de Setembro de 2019.
(Relator) Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto) José Maria Dias Azedo
1 Processo redistribuído em 11/04/2019, conforme a deliberação do CMJ, de 04/04/2019
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2017-359-A 24