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Processo n.º 700/2019 Data do acórdão: 2019-9-19
Assuntos:
– recurso extraordinário de revisão da sentença
– art.o 431.o, n.o 1, alínea d), do Código de Processo Penal
– falso depoimento
S U M Á R I O
Tendo uma das duas testemunhas indicadas no pedido de revisão da sentença formulado nos citados termos do art.o 431.o, n.o 1, alínea d), do Código de Processo Penal prestado falso depoimento, o depoimento da restante testemunha, por sí só, sem estar apoiado em outros elementos probatórios objectivos, não dá para inverter a decisão condenatória então proferida no processo principal, pelo que deve ser indeferido o pedido.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 700/2019
(Autos de recurso extraordinário de revisão da sentença)
Requerentes: B (B)
C (C)




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum Colectivo n.o CR2-16-0391-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o 1.o arguido B (B) e o 2.o arguido C (C), aí já melhor identificados, foram condenados em 13 de Junho de 2017, por decisão já transitada em julgado em 20 de Fevereiro de 2019, como co-autores materiais de um crime consumado de ofensa grave à integridade física, p. e p. pelo art.o 138.o, alínea d), do Código Penal (CP), na igual pena de três anos de prisão, e como co-autores materiais de um crime consumado de ofensa à integridade física, p. e p. pelos art.os 137.o, n.o 1, do CP, na igual pena de seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas parcelares, finalmente na idêntica pena única de três anos e três meses de prisão, com obrigação solidária de pagamento de indemnizações civis a favor dos dois ofendidos (cfr. o teor mormente da certidão do acórdão condenatório em primeira instância, junta a fls. 20 e seguintes do presente processado de recurso extraordinário de revisão de sentença).
Vieram os dois arguidos condenados pedir a revisão da acima referida decisão condenatória penal, nos citados termos materialmente do art.o 431.o, n.o 1, alínea d), do Código de Processo Penal de Macau (CPP), alegando, para o efeito, e na sua essência, o seguinte (cfr. o teor do requerimento uno de revisão a fls. 3 a 19 do presente processado):
– eles foram condenados por haver sido dado como provado que, no dia 15 de Setembro de 2018, haviam agredido o ofendido D (D) e a filha deste F (F), numa luta que despoletou numa cantina, tendo resultado disso perigo para a vida do primeiro ofendido;
– os dois arguidos defenderam em audiência que se haviam limitado a defender de agressões levadas a cabo pelos ofendidos sobre eles, facto alegado esse que não ficou provado, por não ter sido efectuada prova suficiente do mesmo;
– já após o conhecimento da decisão do recurso anteriormente interposto, o 1.o arguido foi contactado por duas pessoas que estavam no dito local, na data e hora dos factos dos autos, testemunhas essas que lhe disseram que tinham assistido à luta que ocorreu naquele dia e que bem sabiam que os dois arguidos tinham agido em legítima defesa e meramente em resposta à agressão violenta dos supostos ofendidos;
– os arguidos desconheciam absolutamente a existência dessas testemunhas, razão pela qual não as puderam arrolar para o julgamento então realizado;
– essas duas testemunhas não têm qualquer relação familiar ou de amizade com os arguidos, nem sequer os conheciam pessoalmente, sendo certo que a única razão pela qual se dispuseram a dar a sua versão dos factos é efectivamente a sensação de injustiça ao saberem que os dois arguidos, que sabiam terem agido legítima defesa, haviam sido condenados a penas de prisão efectiva;
– estão portanto reunidos os pressupostos previstos nos art.os 431.o, n.o 1, alínea d), e 435.o, n.o 2, do CPP para a concessão da revisão;
– estas duas testemunhas, quais sejam, o senhor G (G) e a senhora H (H), podem testemunhar directamente que foi o 1.o ofendido quem insultou e agrediu primeiramente os arguidos, que foi a 2.a ofendida quem primeiro bateu com a garrafa de vidro na cabeça do 1.o arguido, que o 2.o arguido bateu com uma garrafa de vidro no 1.o ofendido para repelir uma agressão com um banco por parte deste, que o 1.o arguido teve lesões por virtude do ataque da 2.a ofendida, ficando, nomeadamente, a sangrar abundantemente do rosto, factos todos esses que então não foram dados como provados pelo Tribunal sentenciador por inexistência de prova que os corroborassem;
– ademais, o Tribunal sentenciador considerou implausível que o 1.o arguido tivesse ficado a sangrar do rosto porquanto da análise do vídeo da câmara de videovigilância no exterior da cantina resultou que quando ele saiu do local não tinha sangue na cara;
– mas como resulta agora dos novos testemunhos em causa, isso aconteceu tão só porquanto o 1.o arguido se deslocou à casa se banho primeiro para lavar a sua cara;
– os novos meios de prova em questão apontam para um quadro de actuação em legítima defesa por parte dos arguidos, configurando isto uma causa de exclusão da ilicitude da conduta que deve levar à absolvição deles;
– os novos meios de prova referidos, aliados às declarações do indivíduo chamado I (I) (fl. 138 dos autos) – que declarou nos autos não ter visto os arguidos a atacar primeiro os ofendidos, testemunho este que não foi relevado, porque ele também havido declarado que a situação era confusa e não viu bem o que sucedeu – têm o condão de suscitar sérias e reais dúvidas sobre a justiça da decisão condenatória proferida.
Sobre este pedido de revisão, a Digna Delegada do Procurador junto do TJB opinou pela improcedência do pedido (cfr. a exposição de fls. 72 a 75v do presente processado).
Os dois ofendidos (e também assistentes) responderam (a fls. 77 a 78 do processado) no sentido de negação de provimento ao pedido de revisão.
Subsequentemente, foi emitida (a fls. 79 a 80) informação judicial à luz do art.o 436.o do CPP, no sentido de não provimento de todo o pretendido pelos dois requerentes, porquanto, no entender essencial do M.mo Juiz autor dessa informação, tendo uma das duas testemunhas indicadas no pedido de revisão prestado falso depoimento, o depoimento da restante testemunha, por si só, sem estar apoiado em outros elementos probatórios objectivos, não daria para inverter a decisão condenatória então já proferida por duas Instâncias Judiciais.
Subido o processado para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer (a fls. 87 a 87v), também no sentido material de indeferimento do pedido de revisão.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos:
– o M.mo Juiz no TJB, para efeitos de emissão da informação sobre o pedido de revisão de sentença, ouviu as duas testemunhas ora em causa, chamadas H e G (cfr. o teor dos autos dessas diligências lavrados a fl. 55 a 55v e a fl. 60 a 60v do presente processado, respectivamente);
– como o indivíduo chamado G declarou, após prestado o juramento, que ele tinha visto ocularmente a ocorrência dos factos no dia 15 de Setembro de 2015 (ocorridos no período das quatro às seis horas da tarde desse dia), mas este indivíduo, conforme os registos de movimentações fronteiriças dele, requisitados pelo Tribunal, não esteve em Macau nesse período de tempo, aquele M.mo Juiz acabou por denunciar ao Ministério Público a prática, por esse senhor, inclusivamente, do crime de falso depoimento, do art.o 323.o , n.o 1, do CP (cfr. o despacho judicial de fl. 67 do presente processado).
Por outro lado, dá-se por aqui integralmente reproduzido o teor da informação judicial de fls. 79 a 80.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Em face dos elementos referidos na parte II do presente acórdão, é de louvar o juízo de valor emitido pelo M.mo Juiz autor da informação de fls. 79 a 80, na parte em que considerou que tendo uma das duas testemunhas indicadas no pedido de revisão prestado falso depoimento, o depoimento da restante testemunha, por si só, sem estar apoiado em outros elementos probatórios objectivos, não dá para inverter a decisão condenatória outrora proferida por duas Instâncias Judiciais no processo principal, com exame crítico de todos os elementos probatórios então carreados ao mesmo.
Daí que sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada, não se pode emitir o juízo rescindente ao caso sub judice.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em denegar a revisão pretendida pelos dois arguidos condenados B e C.
Custas pelos dois requerentes, com quatro UC de taxa de justiça individual.
Macau, 19 de Setembro de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
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