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Proc. nº 615/2019
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Setembro de 2019
Descritores:
- Descanso semanal
- Art. 17º, nº1, do DL nº 24/89/M

SUMÁRIO:

1 - Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2), sem prejuízo do valor que já receberia mesmo sem prestar trabalho.

2 - O artigo 17º, nº1, do DL nº 24/89/M impõe que o dia de descanso semanal seja gozado dentro de cada período de 7 dias, ao fim do 6º dia de trabalho consecutivo.





Proc. nº 615/2019

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitualmente em Macau, na XXXXXX, titular do Passaporte da República Democrática Federal do Nepal nº XXXX de 14 de Agosto de 2014, emitido pela autoridade competente da República Democrática Federal do Nepal, ---
Instaurou no TJB (Proc. nº LB1-18-0051-LAC) contra:
1.º - B, SARL (B), com sede na XXXXXX, Macau, e ---
2.º - C, S.A. (adiante, C), com sede na XXXXXX, Macau, ---
Acção de processo comum do trabalho, ---
Pedindo a condenação destas RR no pagamento de créditos laborais, que computou em MOP$ 364.510,75 e MOP$ 370.129,50 e juros de mora, respectivamente.
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Na oportunidade foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou as rés a pagarem ao autor as quantias de MOP$ 297.110,88 e MOP$ 280.281,47 e juros de mora, respectivamente.
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Contra esta sentença recorreu primeiramente o autor da acção, tendo nas respectiva alegação formulado as seguintes conclusões:
“1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da 1.ª Ré (B) na atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal apenas na medida de um dia de salário em singelo e, bem assim, na parte em que na mesma Decisão se condena a 2.ª Ré (C) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado ao sétimo dia após em cada período de sete dias de trabalho consecutivo) também na medida de um dia de salário em singelo, porquanto em ambas as situações o Tribunal a quo recorre a fórmulas de cálculo que em muito se distanciam das que têm vindo a ser seguidas pelo Tribunal de Segunda Instância a respeito de idêntica matéria;
2) Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo utilizada para compensar o Recorrente pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e, bem assim, pelo trabalho prestado ao sétimo dia após em cada período de sete dias de trabalho consecutivo e, neste sentido, se mostra em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação do referido preceito legal;
3) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
4) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);

5) De onde, resultando provado que durante o período da relação laboral o Autor prestou trabalho para a 1.ª Recorrida (B) nos dias de descanso semanal e, bem assim, que o Autor prestou trabalho para a 2.ª Recorrida (C) ao sétimo dia de trabalho consecutivo, não tendo recebido qualquer quantia pelo referido trabalho prestado, devem as Recorridas ser condenadas a pagar ao Autor “o dobro da retribuição normal por cada um dos dias de trabalho em descanso semanal prestados”, o que desde já se requer;
Em concreto,
6) Deve a 1.ª Recorrida (B) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$101.970,00 - e não só de apenas MOP$50.985,00, a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal;
7) Deve a 2.ª Recorrida (C) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$135.444,00 - e não só de apenas MOP$67.722,50, pela prestação pelo Recorrente de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivos prestados, ambas as quantias acrescidas de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda à fórmula de cálculo tal qual apresentada pelo Autor na sua Petição Inicial e relativa ao trabalho prestado em dia de descanso semanal e, bem assim, pelo trabalho prestado ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
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As rés responderam ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“I. Veio o Recorrente no Recurso a que ora se responde insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou parcialmente improcedente as quantias reclamadas pelo mesmo a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, por entender que tal decisão enferma de erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado nos artigos 17.º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
II. A decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação do preceituado no sobredito artigo 17.º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;

III. Estando em causa o pagamento do trabalho em dias de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro);
IV. A tese defendida pelo Recorrente subverte por completo a letra da lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal;
V. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete;
VI. Diga-se aliás que, em face da redacção conferida pela lei 7/2008 ao artigo 43º, nº 2, 1), tornou-se evidente a opção legislativa no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base.
VII. Se o trabalhador já recebeu a remuneração só terá de receber o “equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago” (neste sentido vide “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, Miguel Pacheco Arruda Quental, pags. 283 e 284);
VIII. O Recorrente não tem razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso a que ora se responde ser julgado improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
*
Também a Ré C recorreu jurisdicionalmente, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso vem colocar em crise a sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma' indemnização ao Autor, ora Recorrido, no valor de MOP67,722.50 a título de compensação pelo trabalho prestado pelo Autor no sétimo dia, em cada período de sete dias de trabalho consecutivo.
II. Salvo devido respeito, que se adianta ser muito, está a Recorrente em crer que a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, mostrando-se, por isso, inquinada de erro na aplicação do Direito.
III. O Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja o artigo 17.º do DL n.º 24/89/M.
IV. Uma leitura atenta do disposto no artigo 17º do DL n.º 24/89/M permite concluir que os trabalhadores têm direito a gozar em cada período de sete dias um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas - o qual será fixado de acordo com as exigências de funcionamento da empresa - sem referir se o mesmo se refere a um dia, por exemplo, a uma segunda - feira, ou a parte de uma segunda - feira e parte da terça - feira seguinte.

V. Atento o Artigo 17º, o empregador pode escolher, dentro de cada período de sete dias, o momento em que deve ocorrer o descanso, sem necessidade de ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho que ocorrem antes e depois do dia de descanso.
VI. A Lei não proíbe que se trabalhe mais do que seis dias consecutivos - como defendia o Autor e veio a ser entendido pelo Tribunal - mas apenas impõe que em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas sejam de descanso, o qual pode calhar em qualquer um dos dias desse período de 7 dias, independentemente do número de dias de trabalho consecutivos que lhe precedem ou que se seguem.
VII. A expressão “em cada período de sete dias” não impõe o momento exacto em que o descanso deve ocorrer, isto é, não impõe que seja no 7º, apenas determina o intervalo de tempo - sete dias - em que esse mesmo descanso deve ser gozado.
VIII. Veja-se aliás que no mencionado artigo 17º não se faz menção a dias de trabalho consecutivo mas apenas exige que o período de descanso seja de 24 horas consecutivas em cada período de sete dias sem cuidar de saber quantos dias o trabalhador trabalhou antes desse dia e quantos vai trabalhar depois.
IX. Do que se vem dizendo e do que se retira da leitura atenta do preceito parece evidente que o princípio do descanso semanal não equivale a um princípio de descanso ao sétimo dia, ou seja, ao fim de 6 dias de trabalho.
X. Aliás, a epígrafe do Artigo 17º é “Descanso Semanal” e não “Descanso ao Sétimo Dia”.
XI. O legislador da RAEM não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso em cada período de sete dias, e tanto assim é que o artigo 18º do DL 24/89/M expressamente prevê a possibilidade de não se gozar um período de descanso de 24 horas em cada período de 7 dias, caso em que ao trabalhador deve ser concedido um “descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção”.

XII. O legislador estando já ciente da realidade em Macau, fixou a excepção constante no artigo 18.º do Decreto - Lei a qual veio a ser posteriormente confirmada no artigo 42.º, n.º 2 da Lei 7/2008 (nova Lei das Relações de Trabalho), que prevê que “O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.”
XIII. Ao excepcionar a obrigatoriedade da frequência semanal do descanso, o legislador está a dar primazia à lógica do descanso do trabalhador e não à lógica do repouso obrigatório ao sétimo dia.
XIV. Não sendo, por isso, imperativo que esse descanso ocorra no sétimo dia de trabalho, tal como alega o Autor e veio a ser entendido pelo douto Tribunal.
XV. Pode até acontecer, em face ao que ficou provado, que o Autor nem sempre tenha descansado “em cada período de sete dias” mas a ser assim, deverá fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o Recorrido tiver que ser compensado será só e apenas dos dias de descanso em falta, ou seja, o mesmo é dizer que se se apurar que o Recorrido não descansou 52 dias no ano, mas apenas 46 dias, então só poderá ser compensado por 6 dias de descanso não gozado.
XVI. É que, tal como se vem defendendo, não se impunha à aqui Recorrente que na organização dos turnos dos seus trabalhadores o descanso fosse concedido ao 7º dia, mas apenas que, em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas fosse de descanso.
XVII. Não importa que o trabalho seja organizado em turnos rotativos de 7 dias consecutivos findo os quais a entidade patronal concedia um dia de descanso, o que importa é determinar se dentro de cada período de sete dias - ou usando a expressão legal “em cada período de 7 dias” - e tendo em conta a organização dos turnos rotativos o trabalhador gozou de 24 horas consecutivas de descanso.

XVIII. Carece por completo de fundamento a decisão recorrida na parte em que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização pelo trabalho prestado no sétimo dia como se se tratasse de trabalho prestado em dia de descanso semanal, tendo a sentença recorrida feito uma errada interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 17º e 18º do Decreto-lei 24/89/M, devendo em consequência ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré, aqui Recorrente, do pagamento da aludida indemnização.
Nestes termos,
E nos demais de direito que V. Exas. douta mente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei,
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA! “
*
Não houve resposta ao recurso.
*
Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
- O Autor foi recrutado pela Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança” para a 1ª Ré, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/98, aprovado pelo Despacho n.º 03297/IMO/SACE/98, de 17/09/98 (Cfr.fls.23 a 29, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (A)
- O referido Contrato de Prestação de Serviços foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (B)
- Desde 3 de Dezembro de 1998 o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré prestando funções de “guarda de segurança”, na qualidade de trabalhador não residente. (C)
- Por força do Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM n.º 01949/IMO/SEF/2003, de 17/07/2003, a autorização de contratação e de permanência do Autor (e dos demais 280 trabalhadores “guardas de segurança” de nacionalidade nepalesa que prestavam funções para a 1.ª Ré ) foi transferida para a 2.ª Ré , com efeitos a partir de 21 de Julho de 2003 (Cfr. fls.31 a 33, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (D)
- Desde de 22/07/2003 até 09/04/2018 o Autor passou a estar ao serviço da 2.ª Ré. (E)
- Mantendo na 2.º Ré a mesma categoria profissional, antiguidade e salário que detinha na 1.ª Ré. (F)
- Desde o início da relação de trabalho até Julho de 2010, o Autor recebeu das Rés a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (G)
- Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviço ao abrigo do qual o Autor exerceu a sua prestação de trabalho para as Rés, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (H)
- Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (I)
- Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (J)
- Desde o início da prestação de trabalho até 31 de Março de 2010, as Rés procederam a uma dedução no valor de HK$750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (K)
- A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente do Autor residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (L)
- Desde o início da relação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e os horários de trabalho (em regime de turnos rotativos) fixados expressamente pelas Rés. (1º)
- Entre 03/12/1998 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (2º)
- Entre 22/07/2003 a 31/03/2006, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3º)
- Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 20/3/2001 e 12/4/2001 (24 dias), entre 29/1/2002 e 21/2/2002 (24 dias), entre 7/1/2003 e 30/1/2003 (24 dias), entre 8/1/2004 e 3/2/2004 (27 dias), entre 6/1/2005 e 29/1/2005 (24 dias), entre 28/2/2006 e 30/3/2006 (31 dias), entre 4/1/2007 e 3/2/2007 (31 dias), entre 3/1/2008 e 3/2/2008 (32 dias), entre 7/1/2009 e 3/2/2007 (31 dias), entre 3/1/2008 e 3/2/2008 (32 dias), entre 7/1/2009 e 29/1/2009 (23 dias), entre 4/1/2010 e 26/1/2010 (23 dias), entre 4/1/2011 e 25/1/2011 (22 dias) e entre 3/1/2012 e 21/1/2012 (19 dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da 2ª Ré. (4º)
- Entre 03/12/1998 a 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (5º)
- Entre 22/07/2003 a 31/03/2010, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (6º)
- Entre 03/12/1998 a 31/12/2002, a 1.ª Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (7º)
- Entre 08/12/1998 a 31/12/2002, a 1.ª Ré nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório, em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (8º)
- Sem prejuízo da resposta ao quesito 4º, entre 03/12/1998 a 21/07/2003, o Autor prestou a sua actividade de segurança em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré. (9º)
- Durante o referido período de tempo, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (10º)
- Sem prejuízo da resposta ao quesito 4º, entre 22/07/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 2.ª Ré. (11º)
- Durante o referido período de tempo, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (12º)
- Durante todo o período da relação de trabalho com a 1.ª Ré, o Autor exerceu a sua actividade num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h). (13º)
- Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor sempre respeitou o regime de turnos especificamente fixados pelas Rés. (14º)
- Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (15º)
- Em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo, o Autor prestava trabalho durante dois períodos de 8 horas cada num período de 24 horas, sempre que se operasse uma mudança entre os turnos (C-B) e (B-A). (16º)
- Durante o período que prestou trabalho, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (17º)
- Os turnos de trabalho prestado pelo Autor ao serviço das Rés eram de 8 horas. (18º)
- Por ordem das Rés, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (19º)
- Durante os 30 minutos que antecediam o início de cada turno, os superiores hierárquicos do Autor distribuíam o trabalho pelos guardas de segurança (leia-se do Autor), v.g., indicando-lhe o seu concreto posto (local dentro do casino onde o mesmo se devia colocar), os clientes tidos por “suspeitos”, sendo ainda feito um relato sobre todas as questões de segurança a ter em conta no interior do Casino, ou mesmo da necessidade de qualquer participação em eventos especiais. (20º)
- O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos e nunca ausentou do trabalho. (21º)
- As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia pela prestação de mais 30 minutos que antecediam o início de cada turno. (22º)
- Desde 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a 2ª Ré num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (23º)
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (24º)
- Desde 22/07/2003 a 31/12/2008, a 2ª Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias. (25º)”.
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III – O Direito
1º Recurso (do autor)
Na sentença foram as rés condenadas, pelo serviço prestado em dia de descanso semanal, a pagar ao autor uma importância em dinheiro igual à que já lhe havia sido paga directamente.
É contra essa decisão que ora se insurge o autor. E com razão, devemos dizê-lo.
Com efeito, e tal como este tribunal tem dito abundantemente:
“A razão está do lado do recorrente, como este TSI de forma insistente tem vindo a decidir (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016; 1/06/2017, Proc. nº 307/2017;27/07/2017, Proc. nº 447/2017).
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será AxBx2, a que não há que descontar o valor já efectivamente pago em singelo.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira.
Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre já auferiria o correspondente valor (uma vez que a entidade patronal não lho pode descontar), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que já receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem atender, claro, ao valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente ao dia de descanso”.
Significa isto que a 1ª instância não andou bem em liquidar em MOP$ 50.985,00 e MOP$ 67.722,50 por cada uma das 1ª e 2ª rés, o valor a pagar a este título, quando deveria ter sido liquidado em MOP$ 101.970,00 e MOP$ 135,444,00, respectivamente.
Procede, pois, o recurso do autor.
*
2º Recurso (da ré C)
Neste recurso está simplesmente em causa a forma de apurar o dia de descanso semanal por parte dos trabalhadores ao abrigo do art. 17º do DL nº 24/89/M. Será que ele deve ser gozado pelos trabalhadores ao 7º dia, ou poderá entender-se que ao fim desse período de dias o trabalhador tem direito a um dia de descanso, a gozar, porém, segundo as exigências da entidade patronal?
É para esta segunda hipótese que a recorrente C se inclina.
Todavia, este TSI, em diversos arestos obtidos por unanimidade, tem decidido diferentemente.
Assim, foi exarado no Ac. do TSI, de 24/01/2019, Proc. nº 1094/2018, que “O artigo 17° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, dispõe que “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (…)”, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade.”
Repare-se, ainda, no que foi dito no Ac. de 9/05/2019, Proc. nº 211/2019:
“Alega a recorrente que a lei laboral não impõe que o descanso semanal ocorra necessariamente no sétimo dia de trabalho, sendo assim, entende que deveria fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o trabalhador tiver que ser compensado será apenas dos dias de descanso em falta.
Ora bem, dispõe o n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M que “Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”.
Melhor dizendo, dentro do período de 7 dias, o trabalhador tem direito a gozar vinte e quatro horas consecutivas de descanso, podendo este ser no primeiro, segundo, terceiro ou no sétimo dia, mas nunca no oitavo dia ou seguintes.
Como observa José Carlos Bento da Silva e Miguel Pacheco Arruda Quental1, “as razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).”
Sendo assim, dúvidas de maior não restam de que impende sobre a entidade patronal a obrigação de facultar aos seus trabalhadores um dia, mais precisamente, vinte e quatro horas consecutivas de descanso dentro de cada período de sete dias, sob pena de violação da referida disposição legal.
No caso dos autos, provado está que entre 22.7.2003 e 31.12.2008, a Ré só atribuía um dia de repouso ao Autor após decorridos sete dias de trabalho contínuo e consecutivo, tendo, assim, prestado 261 dias de trabalho nos respectivos dias de descanso semanal.
Portanto, em vez de gozar um dia (ou vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, o trabalhador só tinha direito a repouso, pelo menos, no oitavo dia.
Desta forma, no dia em que deveria ter gozado descanso semanal, o Autor prestou trabalho à Ré, pelo que o seu direito terá que ser compensado, improcedem, pois, as razões da Ré nesta parte.”.
Fazemos nossa a fundamentação acabada de transcrever para todos os efeitos.
No mesmo sentido, ver:
- Ac. de 21/02/2019, Proc. nº 1116/2018;
- Ac. de 21/02/2019, Proc. nº 1118/2018;
- Ac. de 28/03/2019, Proc. nº 103/2019;
- Ac. de 2/05/2019, Proc. nº 216/2019;
- Ac. de 2/05/2019, Proc. nº 214/2019;
- Ac. de 2/05/2019, Proc. nº 192/2019;
- Ac. de 16/05/2019, Proc. nº 106/2019;
- Ac. de 16/05/2019, Proc. nº 109/2019;
- Ac. de 4/07/2019, Proc. nº 299/2019.
Ao nível da doutrina em direito comparado, podemos citar Bernardo da Gama Lobo Xavier (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, Anotado, Atlântida, 1972, pág. 123-124), Fernanda Agria e Maria Luísa Cardoso Pinto (Manual Prático de Direito do Trabalho, Contrato Individual de Trabalho, Almedina, 1972, pág. 93), autores que consideram expressamente (loc. cit.) ser ilegal a atribuição do descanso semanal ao cabo de 7 dias consecutivos de trabalho.
Em idêntico sentido, é referido por Jorge Leite e Coutinho de Abreu (Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra Editora, 1985, pág. 139) ou por Luis Miguel Monteiro (Código do Trabalho Anotado, Almedina, Coordenação de Pedro Romano Martinez, 4ª ed., 2005, pág. 372) que o descanso deve ser observado ao termo de cada série de 6 dias de trabalho efectivo.2
No direito local, esta é a posição igualmente de Augusto Teixeira Garcia, Lições de Direito do Trabalho (II Parte), no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, nº 25, pág. 185, para quem a regra será a de que o dia de descanso semanal deve seguir-se imediatamente ao sexto dia de trabalho.
Cremos ser esta, efectivamente, a melhor interpretação a dar ao art. 17º, nº1 do DL nº 24/89/M, tendo em conta a sua génese, motivada que está pela defesa da situação jurídica da parte mais frágil da relação laboral, e não vemos motivo para alterá-la.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 - Conceder provimento ao recurso interposto pelo autor, revogando a sentença impugnada na parte impugnada e condenando as rés a pagar ao autor, respectivamente, as quantias de MOP$ 101.970,00 e MOP$ 135.444,00, respectivamente, a título de prestação de trabalho em dia de descanso semanal e 7º dia, acrescidas de juros de mora a liquidar nos termos do Ac. do TUI, de 2/03/2011, no Proc. nº 69/2010.

2 - Negar provimento ao recurso interposto pela ré.
Custas pela recorrente/ré.
T.S.I., 19 de Setembro de 2019
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Tong Hio Fong
     (Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição” (cfr. se refere na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do DL nº 24/89/M), este “dobro” é constituído por um dia de salário normal (ao qual o trabalhador teria sempre direito mesmo que não prestasse trabalho) mais um dia de acréscimo. Provado que o Autor já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, teria apenas mais um dia de salário pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, sob pena de, salvo o devido respeito, estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a auferir o quádruplo do valor diário se trabalhar em dias de descanso semanal)

1 Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, CFJJ, 2006, pág. 92
2 Na jurisprudência comparada, podemos encontrar esta mesma posição no Ac. do STJ, de 6/07/1976, Proc. nº 8527, ou no Ac. da Relação do Porto, de 11/07/2016, Proc. nº 5286/15.
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615/2019 23