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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 24 de Abril de 2008, negou provimento ao recurso interposto pelo arguido A, da decisão do Tribunal Colectivo do Tribunal Criminal que o condenou na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão e na multa de MOP$20.000,00 (vinte mil patacas), ou, em alternativa a esta, em 132 (cento e trinta e dois) dias de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelo art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
Inconformado, interpõe recurso para este Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo não tomou em conta nomeadamente a personalidade e as condições económicas do recorrente, e o facto de este ser não residente, delinquente primário, e que os seus pais terem falecido quando era jovem, e a sua confissão relativamente aos factos de tráfico na audiência e julgamento.
2. Dos factos provados, porém, os agentes da PJ encontraram apreenderam, na residência do 1°. arguido, no total de 2,352g de Metanfetamina e os instrumentos de embalagem. Tendo conjugado os aludidos factos com a confissão do 1.° arguido, o Tribunal Colectivo pode confirmar que o 1.° arguido deteve Metanfetamina para o consumo dos outros.
3. Obviamente, a confissão dos factos criminosos pelo recorrente não foi considerada pelo T.J.B como circunstâncias favoráveis ao arguido.
4. Portanto, na determinação da medida de pena, o Tribunal não tomou em consideração o disposto do artigo 65.º do CPM, enfermando do vício acima referido.
5. Os Tribunais das duas instâncias, nos factos provados, confirmaram como instrumentos de embalagem o papel de estanho, tesoura, saco plástico e palhinhas encontrados na residência do recurso.
6. De acordo com as regras de experiência, a tesoura e os sacos plásticos são necessariamente os instrumentos para embalagem de estupefacientes, isto não justificou todavia por que o papel de estanho e palhinhas também foram usados para embalar os estupefacientes.
7. De acordo com a fundamentação do acórdão do T.S.I: em princípio, o papel de estanho e as palhinhas foram utilizados como instrumentos de consumo, sabemos que é da opinião do T.S.I que o papel de estanho e as palhinhas são, de modo geral, instrumentos de consumo,
8. De modo geral, ninguém confirmou o papel de estanho e as palhinhas como instrumentos de embalagem de estupefacientes, mas estes foram qualificados como instrumentos de embalagem pelo T.J.B.
9. Dos factos provados extrai-se uma conclusão logicamente inaceitável. Não é digno da confiança a dedução através da qual foram confirmados os objectos como instrumentos de embalagem, o que violou as regras de experiência geral.
Pelo exposto, e com ilustre opinião do Tribunal Colectivo, o recurso deve ser considerado como procedente, solicita-se que se reduza a pena a 8 anos de prisão ou remeta-se o processo para o novo julgamento.
Na resposta à motivação do recurso a Ex.ma Procuradora-Adjunta defendeu a negação de provimento ao recurso.
No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida.

II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
Ao receberem informação de que alguém pretendia realizar uma festa de droga, em 28 de Novembro de 2006, pelas 11h00, da noite, agentes da PJ chegaram ao lugar perto do [Endereço (1)], no Porto Exterior para efectuar a vigilância.
Em 29 de Novembro de 2006 da madrugada, o arguido B e sua namorada C chegaram à entrada da fracção supracitada onde bateu à porta, foi D quem abriu a porta, por outro lado, os arguidos E e F, G e H também estavam lá dentro.
Foi o arguido E quem tomou de arrendamento a supracitada fracção para si próprio e para o arguido F residir. Agentes da PJ procederam de imediato à revista ao indivíduos referidos e busca na fracção em causa, apreenderam na mala do arguido B dois sacos de plástico transparentes embrulhados por um lenço de papel de cor branca, contendo no interior de cada saco 10 comprimidos de cor vermelha (num total de 20 comprimidos); também apreenderam na sua posse um telemóvel de marca Sony Ericsson, cinquenta e seis mil dólares de Hong Kong em numerário (HK$56.000,00) duas mil patacas (MOP$2.000,00), seiscentos renminbis (RMB$600,00).
Após o exame laboratório, confirmou-se que os supraditos comprimidos de cor vermelha continham substância de Metanfetamina regulada na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M, com peso total de 1,932g; após a análise quantitativa, revelou-se que o peso líquido de Metanfetamina era de 0,238g.
Os supracitados estupefacientes foram adquiridos em 28 de Novembro de 2006, por cerca das 2lh00, no posto de gasolina, pelo arguido B, a pedido do arguido E e através de um indivíduo de alcunha I, ao arguido A por preço de duas mil patacas (MOP$2.000,00) para o seu consumo próprio.
Além disso, agentes da PJ apreenderam na posse do arguido E três telemóveis, de marca Nokia, Sony Ericsson e Samsung respectivamente, bem como quinze mil Dólares de Hong Kong (HK$15.000,00).
Agentes da PJ apreenderam na posse do arguido F um telemóvel, de marca Nokia, bem como sessenta e nove mil dólares de Hong Kong (HKD69.000,00).
Depois, agentes da PJ apreenderam dentro da fracção em causa, um rolo de papel de estanho, uma embalagem de palhinhas, uma tesoura, dois utensílios de vidro com palhinhas e com líquido, um papel de estanho e um fragmento de palhinha.
Após o exame laboratório, confirmou-se que os dois utensílios de vidro com palhinhas e com líquido supracitados continham substâncias de Metanfetamina, Anfetamina e N,N -Dimetafetamina reguladas na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M, com capacidade de 110 ml; o supracitado papel de estanho estava manchado de substâncias de Metanfetamina e N,N-Dimetanfetamina reguladas na Tabela II-B do mesmo diploma, o supracitado fragmento de palhinha estava manchado de substância de Metanfetamina regulada na Tabela II -B do mesmo diploma.
Em 29 de Novembro de 2006, pelas 08h00 da noite, quando o arguido B estava nas instalações da PJ para prestar apoio à investigação, telefonou activamente ao arguido A e disse-lhe que pretendia comprar 40 comprimidos de Ma Ku e 6 pacotes de Ice, bem como combinou efectuar a transacção no posto de gasolina no porto exterior.
Cerca das 08h35 da noite, quando o arguido A chegou ao supracitado posto de gasolina, agentes da PJ aproximaram-se dele e efectuaram-lhe uma revista, apreenderam na sua posse uma caixa para cigarros de cor vermelha, contendo no interior quatro sacos de plástico transparentes embrulhados por um lenço de papel de cor branca, cada saco continha 10 comprimidos (num total de 39 comprimidos de cor vermelha e 1 de cor verde), bem como 7 pacotes de cristais embrulhados por outro lenço de papel de cor branca.
Após o exame laboratório, confirmou-se que os supracitados 39 comprimidos de cor vermelha e 1 de cor verde também continham substância de Metanfetamina, regulada na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M, como peso total de 3,843g; após a análise quantitativa, revelou-se que o peso líquido de Metanfetamina era de 0,564g; os supracitados 7 pacotes de cristais continham substância de Metanfetamina, regulada na Tabela II-B, com peso total de 2,367g; após a análise quantitativa, revelou-se que o peso líquido de Metanfetamina era de 1,873g.
Os supracitados estupefacientes foram guardados no lado lateral da perna esquerda do arguido A e transportado, com sucesso, por este da Cidade de Haerbin da Província de Heilongjiang para Macau via Zhuhai; o preço dos supracitados comprimidos de cor vermelha e de cor verde (Ma Ku) era de oitenta renminbis (RMB$80,00) cada um, o preço dos cristais (Ice) era quatro centos renminbis (RMB$400,00) cada pacote) .
Depois, agentes da PJ chegaram à residência do arguido A que era um quarto feito de placas de madeira situado na [Endereço (2)], para efectuar uma busca, apreenderam nas fendas entre os assentos de sofá do quarto 6 pacotes de cristais e 3 pacotes contendo no interior de cada pacote 10 comprimidos de cor vermelha (num total de 30); bem como descobriram numa gaveta um rolo de papel de estanho, uma tesoura com cabo de cor vermelha, 5 saquinhos de plástico transparentes e 8 atados de palhinhas de plástico coloridas.
Após o exame laboratório, confirmou-se que os supracitados 6 pacotes dos cristais continham substância de Metanfetamina, regulada na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M, com peso total de 2,528g, após a análise quantitativa, revelou-se que o peso líquido de Metanfetamina era de 1,935g; os supracitados 30 comprimidos de cor vermelha também continham substância de Metanfetamina regulada na Tabela II-B, com peso total de 2,895g, após a análise quantitativa, revelou-se que o peso líquido de Metanfetamina era de 0,4l7g.
O arguido A, detinha os supracitados estupefacientes encontrados na sua residência para serem vendidos a terceiros por preço de cem patacas cada comprimido e quinhentas patacas cada pacote de Ice, os supracitados papel de estanho, tesoura, saco de plástico e palhinhas eram utilizados pelo arguido A como instrumentos de embalagem de droga.
No mesmo dia, agentes da PJ também apreenderam um telemóvel, de marca Song Ericsson, cento e quarenta patacas em numerário (MOP$140) e três chaves, todos pertencentes ao arguido A.
O supracitado telemóvel era utilizado pelo arguido para a comunicação relativa a transacções de droga, as supracitadas chaves eram chaves da residência do arguido A.
Os arguidos A e B tinham perfeito conhecimento da natureza e características dos estupefacientes supracitados.
O arguido A transportou, vendeu e deteve os supracitados estupefacientes para vendê-los a terceiros para obter ou tentar obter remuneração pecuniária.
O arguido B obteve, adquiriu e deteve os supracitados estupefacientes para consumo pessoal.
O arguido A deteve os supracitados objectos e utensílios com o objectivo de utilizá-los como instrumentos de embalagem de droga.
O arguido B mostrou activa e voluntariamente colaboração com agentes da P.J, tendo prestado ajuda necessária e fornecido informação definitiva para que, conseguissem identificar e deter o arguido A.
Os arguidos A e B agindo livre, voluntária e dolosamente praticaram os actos supracitados.
Os arguidos A e B sabiam bem que os supracitados actos eram proibidos e punidos por lei.
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Mais se provou:
De acordo com o CRC, os quatro arguidos são primários.
O 1.º arguido alegou ser agente da venda das peças acessórias do veículo no interior da China antes de ser preso, recebendo o salário mensal e comissão no montante de cerca de 10.000,00 renminbis. Os seus pais faleceram quando era jovem, tendo este 6 irmãos mais velhos, um dos quais foi morto no roubo, enquanto 5 outros irmãos têm a própria família e bem cuidavam o arguido. O arguido terminou o curso do ensino secundário.
O 2.º arguido é funcionário da empresa de negócio, mediante o salário mensal de 7.000,00 e 8.000,00 renminbis, tem a mãe e a mulher a seu cargo. O arguido tem como habilitação académica o 1.º ano do curso do ensino secundário geral.
O 3.º arguido é bate-ficha mediante o salário mensal de 20.000,00 a 40.000,00. Tem os pais a seu cargo. O arguido suspendeu o 2.º ano do curso do ensino secundário complementar.
O 4.º arguido é bate-ficha mediante o salário mensal de 30.000,00 a 50.000,00. Tem os pais e o avó a seu cargo. O arguido suspendeu o 3.º ano do curso do ensino secundário geral.
Factos não provados:
outros factos essenciais descritos na acusação que se revelam incompatíveis são os seguintes:
Os estupefacientes encontrados na posse do arguido B foram adquiridos pelo arguido B, a pedido do arguido E para além do seu consumo próprio, também para o consumo dos outros e o pessoal no referido apartamento, sobretudo para o consumo do arguido F.
Os referidos telemóveis e dinheiro eram utilizados pelo arguido B na comunicação relativa à transacção de drogas. A referida quantia do dinheiro é o rendimento que o arguido B obteve da transacção.
Além disso, agentes da PJ apreenderam na posse do arguido E os telemóveis e o dinheiro que eram utilizados na comunicação relativa à transacção da droga e quantia pecuniária obtida da transacção. O referido utensílio de vidro com líquido, o papel de estanho e as palhinhas eram possuídos pelos arguidos E e F, como instrumentos para consumir drogas
Os estupefacientes encontrados na casa do arguido A servem para consumo pessoal; os supracitados papel de estanho, tesoura, saco de plástico e palhinhas eram utilizados pelo arguido A como instrumentos de consumo de droga.
Os arguidos E e F tinham perfeito conhecimento da natureza e características dos estupefacientes supracitados.
O arguido A transportou e deteve os supracitados estupefacientes para o consumo próprio.
O arguido B obteve, comprou e deteve os supracitados estupefacientes para consumo do terceiro.
O arguido E obteve, comprou e deteve os supracitados estupefacientes para consumo próprio e do terceiro.
O arguido F sabia bem que sem que a lei autorize, não pode deter os supraditos produtos estupefacientes para consumo pessoal.
O arguido A deteve os supracitados objectos e utensílios com o objectivo de utilizá-los como instrumentos de consumo de droga.
Os arguidos E e F detiveram os supracitados objectos e utensílios, com o objectivo de utilizá-los como instrumento de consumo dos referidos produtos estupefacientes.

III - O Direito
1. As questões a resolver
O recorrente vem pedir, agora, a redução da pena a que foi condenado. Mas não suscitou a questão no recurso para o TSI, que, aliás, manteve a referida pena. Por se tratar de questão nova, que não é de conhecimento oficioso, dela não conheceremos, visto que o recurso para o TUI tem por objecto a decisão do TSI, que não apreciou a questão por não lhe ter sido colocada.
A questão a resolver é a de saber se houve erro notório na apreciação da prova quando se entendeu que os produtos estupefacientes encontrados na posse do arguido eram destinados a venda a terceiros e não para consumo próprio.

2. Erro notório na apreciação da prova.
Insiste o recorrente na tese do erro notório na apreciação da prova, fundamentando a sua tese em ter sido encontrado em seu poder papel de estanho e palhinhas, que são, em geral, instrumentos utilizados para o consumo de drogas.
Este Tribunal tem considerado que existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.1
Ora, salvo o devido respeito, o facto de alguém ter em sua casa materiais que, em regra, são utilizados para o consumo de estupefaciente, não o transforma, necessariamente, num consumidor de tais produtos. É da experiência comum que, por vezes, as pessoas têm em seu poder, objectos que não se destinam a ser utilizados por si, mas, por vezes, por amigos, familiares, companheiros, visitas de casa, etc. Isto é tão evidente que não necessita de outros desenvolvimentos.
O Tribunal Colectivo apreciando as provas chegou à conclusão que os produtos estupefacientes encontrados na posse do arguido eram destinados a venda a terceiros e não para consumo próprio. Não detectamos qualquer erro ostensivo na apreciação da prova.
É de rejeitar, portanto, o recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC. Nos termos do art. 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal, pagará 3 UC pela rejeição do recurso.
Macau, 25 de Junho de 2008.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai – Chu Kin

A Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei

1 Cfr., entre outros, os acórdãos de 16 de Fevereiro de 2004, 30 de Janeiro e 15 de Outubro de 2003, respectivamente, nos Processos n. os 3/2004, 18/2002 e 16/2003.
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1
Processo n.º 22/2008