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Processo nº 602/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 19 de Setembro de 2019
Recorrentes: A (Autor)
B (Ré)
Recorridos: Os mesmos

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
  Por sentença de 22/02/2019, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré B a pagar ao Autor A a quantia de MOP$130,938.75, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vêm recorrer o Autor e a Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
Do Autor:
1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (C) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
2) De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3) Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4) Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7) De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.º dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente "o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado", isto é, a quantia de MOP$56.650,00 - e não apenas MOP$28.325,00 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
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A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 175 a 179, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Da Ré:
1. O presente recurso vem colocar em crise a sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, entre outros, no pagamento de uma indemnização ao Autor, ora Recorrido, no valor de MOP28,325.00 (vinte e oito mil, trezentas e vinte e cinco patacas) a título de trabalho prestado pelo Autor ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo.
2. Esta matéria foi, salvo o devido respeito, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece dos vícios de erro de julgamento e na aplicação do Direito.
3. Com interesse para o presente recurso foi a factual idade tida por assente e provada nos quesitos C, 14º, 15º, 16º e 17º e entendeu o Digno Tribunal a quo na sua decisão que: «Nos termos do artigo 17º nº 1 do DL n.º 24/89/M, 1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º».
4. Determinou ainda que: «Nos termos do artigo 18º do mesmo diploma: "Sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas».
5. E fundamentou que: «Das normas resulta que, na vigência do DL 24/89/M, a lei garantia o gozo do descanso semanal em 7º dia após 6 dias de trabalho como regra geral nas legislações laborais de Macau. No entanto, tendo em consideração a necessidade do funcionamento de alguns sectores de actividade, o legislador abriu uma excepção de que permitia razoavelmente o trabalho contínuo mais de 7 dias, no máximo 26 ou 27 dias mensais e garantia o gozo dum descanso consecutivo de quatro dias no mês corrente.».
6. Concluindo que: «Repare-se que aqui se trata duma norma excepcional em que o legislador sublinhou o adjectivo "consecutivo" para o gozo de descanso semanal. Isto significa que esse modo de gozo de 4 dias de descanso semanal tem que ser contínuo, mas não separado, sob pena de violar a regra geral prevista no artigo 17º, nº 1, do DL 24/89/M.».
7. Contudo e salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja o artigo 17.º do DL n.º 24/89/M, nem a norma contida no artigo 18.º do mesmo diploma, já que sendo o Autor guarda de segurança de um casino e tendo os casinos laboração contínua, tal actividade tem características próprias estando sujeito a horários próprios.
8. Não poderá a Recorrente aceitar que haja violado o preceituado no referido nº 1 do artigo 17º o qual, salvo devido respeito, não impõe a regra do descanso ao sétimo dia isto porque dispõe o n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 24/89/M que: "todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, (…)", e de uma leitura atenta da norma se retira que os trabalhadores têm direito a gozar em cada período de sete dias um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas referindo-se o legislador a um período de sete dias, e não ao fim de sete dias.
9. E refere-se a um período de descanso de vinte e quatro horas sem se referir se o mesmo se refere a um dia, por exemplo, a uma segunda-feira, ou a parte de uma segunda-feira e parte da terça-feira seguinte, indo aliás neste sentido nota nº 3 do douto acórdão nº 253/2002, citado pelo Tribunal a quo na decisão ora em crise, conforme se transcreve: "Nem estipula explícita e forçosamente que o trabalhador tem que descansar no domingo, mas sim apenas tem direito, em cada período de sete dias, a um dia de descanso, dia esse que poderia não ser o domingo, o que é estipulado explicitamente no artigo 17º nº 2".
10. Importando apurar se o descanso semanal tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, no sétimo dia, conforme defendia o Autor e veio a ser aceite pelo Tribunal a quo, ou se, atento o sobredito artigo 17º, o empregador pode escolher, dentro de cada período de sete dias, o momento em que deve ocorrer o descanso, sem necessidade de ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho que ocorrem antes e depois do dia de descanso.
11. Entendendo a Ré que apenas este último entendimento se compatibiliza com o espírito e com a letra da Lei, já que dispõe o aludido preceito 17º que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas. O qual será fixado de acordo com as exigências de funcionamento da empresa (nº 2).
12. Esse descanso pode calhar em qualquer um dos dias desse período de sete dias, independentemente do número de dias de trabalho consecutivos que lhe precedem ou que se seguem, ou seja, poderá ser então, no primeiro dia desse "período de sete dias", (que pode até ser seguido ao dia de descanso do período de sete dias anterior), no segundo dia "período de sete dias", no terceiro dia desse "período de sete dias" ou até mesmo no sétimo dia desse "período de sete dias". E se em três períodos consecutivos de sete dias for concedido ao trabalhador um dia de descanso no primeiro dia do primeiro período de sete dias, outro dia de descanso no segundo dia do segundo período de sete dias e ainda outro dia de descanso no terceiro dia do terceiro período de sete dias, mostra-se cumprida a exigência legal - a de se conceder "em cada período de sete dias" um dia de descanso.
13. Do que se vem dizendo e do que se retira da leitura atenta do preceito parece evidente que o princípio do descanso semanal não equivale a um princípio de descanso ao sétimo dia, ou seja, ao fim de seis dias de trabalho, aliás, a epígrafe do artigo 17º é "Descanso Semana" e não "Descanso ao Sétimo Dia", por isso o artigo 17º nº 1 tem necessariamente de ser interpretado em conjugação com o nº 2 que reconhece que "de acordo com as exigências de funcionamento da empresa" o período de descanso semanal será organizado pelo empregador, o que reforça que a intenção do legislador não foi impor o dia de descanso ao sétimo dia.
14. Com efeito, o legislador não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso em cada período de sete dias e tanto assim é que o artigo 18º do DL 24/89/M expressamente prevê a possibilidade de não se gozar um período de descanso de vinte e quatro horas em cada período de sete dias, caso em que ao trabalhador deve ser concedido um "descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção".
15. E o legislador estando já ciente da realidade em Macau, fixou a excepção constante no artigo 18.º do Decreto-Lei a qual veio a ser posteriormente confirmada no artigo 42.º, n.º 2 da Lei 7/2008 (nova lei das Relações de Trabalho), que prevê que "o gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas." (sublinhado nosso) e ao excepcionar a obrigatoriedade da frequência semanal do descanso, o legislador está a dar primazia à lógica do descanso do trabalhador e não à lógica do repouso obrigatório ao sétimo dia.
16. No caso concreto, em cada período de sete dias o Autor descansou, não necessariamente ao sétimo dia, porque a Lei nem sequer o impõe e pode até acontecer, em face ao que ficou provado, que o Autor nem sempre tenha descansado "em cada período de sete dias" mas a ser assim, deverá fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o Recorrido tiver que ser compensado será só e apenas dos dias de descanso em falta, em que o mesmo é dizer que, se se apurar que o Recorrido não descansou 52 dias no ano, mas apenas 46 dias, então só poderá ser compensado por seis dias de descanso não gozado, mas nunca por 772 dias tal como decidido pelo Tribunal a quo.
17. Com isto se quer dizer que não importa que o trabalho seja organizado em turnos rotativas de sete dias consecutivos findo os quais a entidade patronal concedia um dia de descanso, importando sim determinar se dentro de cada período de sete dias - ou usando a expressão legal "em cada período de sete dias" - e tendo em conta a organização dos turnos rotativas o trabalhador gozou de vinte e quatro horas consecutivas de descanso.
18. Assim, carece por completo de fundamento a decisão recorrida na parte em que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização pelo trabalho prestado no sétimo dia como se se tratasse de trabalho prestado em dia de descanso semanal verificando-se, por isso, uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente na quantia peticionada a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal em violação do princípio do dispositivo consagrado no art.º 5º do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 17º e 18º do DL 24/89/M.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- O Autor foi recrutado pela Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. – e, exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003 (Cfr. fls.16 a 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (A)
- O referido contrato de prestação de serviço foi objecto de apreciação, fiscalização e renovação por parte da Entidade Pública competente. (B)
- Entre 19/09/2006 a 31/07/2010 o Autor exerceu as suas funções para a Ré (B) prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (C)
- Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (D)
- Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (E)
- Desde o início da prestação de trabalho até 31 de Março de 2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (F)
- A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego. (G)
- Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré e ou dos seus directos responsáveis. (1º)
- O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pela Ré. (2º)
- Até Março de 2010, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (3º)
- Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização previa por parte da Ré, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 06/10/2007 e 27/10/2007 (22 dias), entre 21/01/2008 e 22/01/2008 (2 dias), entre 04/10/2008 e 01/11/2008 (29 dias), entre 28/04/2009 e 29/04/2009 (2 dias), entre 10/08/2009 e 12/08/2009 (3 dias), entre 22/09/2009 e 23/09/2009 (2 dias), entre 28/03/2010 e 29/03/2010 (2 dias) e entre 06/04/2010 e 07/04/2010 (2 dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré. (4º)
- Entre 19/09/2006 a 31/03/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (5º)
- Entre 19/09/2006 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante em 01 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 01 de Maio e 01 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela Ré (B) , sem prejuízo da resposta ao quesito 4º. (6º)
- Durante o referido período de tempo, a Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (7º)
- Os turnos de trabalho prestado pelo Autor ao serviço da Ré eram de 8 horas. (8º)
- Por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (9º)
- Durante os 30 minutos que antecediam o início de cada turno, os superiores hierárquicos do Autor distribuíam o trabalho pelos guardas de segurança (leia-se do Autor), v.g., indicando-lhe o seu concreto posto (local dentro do casino onde o mesmo se devia colocar), os clientes tidos por “suspeitos”, sendo ainda feito um relato sobre todas as questões de segurança a ter em conta no interior do Casino, ou mesmo da necessidade de qualquer participação em eventos especiais. (10º)
- O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (11º)
- Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor nunca se ausentou do trabalho (isto é, dos locais de reunião) que antecediam em, pelo menos, o início de cada turno. (12º)
- A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pela prestação de mais 30 minutos que antecediam o início de cada turno. (13º)
- Desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (14º)
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (15º)
- Desde o início da relação de trabalho e até 31/12/2008, a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias. (16º)
- A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (17 º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A. Do recurso da Ré:
O recurso da Ré versa apenas sobre a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à compensação a título do trabalho prestado pelo Autor após sete dias de trabalho consecutivo, no valor de MOP$28,325.00.
Para a Ré, o descanso semanal legalmente previsto não tem de ser gozado sempre após 6 dias consecutivos de trabalho, ou seja, no 7º dia, pois a entidade patronal pode escolher, dentro de cada período de sete dias, o momento em que deve ser ocorrer o descanso, sem necessidade de ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho que ocorrem antes e depois do dia de descanso.
Sobre esta questão, este TSI já tem oportunidade de se pronunciar em vários processos congéneres da ora Recorrente.
A título exemplificativo, citamos o acórdão de 24/01/2019, proferido no Proc. nº 1094/2018, no qual entendeu-se que:
“…
1ª questão: erro na aplicação de Direito (artigo 17º do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril)
A questão suscitada pela Recorrente/Ré pode ser colocada nos termos seguintes:
Em face do normativo do artigo 17.° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, que “Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso se vinte e quatro horas consecutivas (...)”, pergunta-se, ao fim de quantos dias consecutivos de trabalho deve ter lugar o referido período de descanso?
Ou seja, que limite assinala a Lei à série de dias consecutivos máximos de trabalho prestado? Ou ainda, após quantos dias de trabalho consecutivo tem o trabalhador direito a usufruir de um período de vinte e quatro horas de descanso consecutivo?
Entende a Recorrente que “o legislador da RAEM não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso semanal em cada período de sete dias (...) sem cuidar de saber quantos dias o trabalhador trabalhou antes desse dia e quantos vai trabalhar depois”. Nesta lógica, conclui a Recorrente que “a Lei desta Região não proíbe que se trabalhe mais do que seis dias consecutivos (...)” podendo o empregador fixar e atribuir esse(s) dia(s) de descanso semanal não no 7.°, dia, mas sim ao 8.º, ao 9.º, ou noutro dia do mês.
Diferentemente, no entender do Recorrido/Autor, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo em sentido contrário. Mas tal sétimo dia é sempre compensado nos termos legalmente permissíveis.
É este entendimento que vem sendo defendido pela jurisprudência e doutrina de Macau, e sem excepção em relação ao ordenamento jurídico português, aqui invocado em termos de direito comparado.
Vejam-se, entre outras, as posições de Bernardo da Gama Lobo Xavier, Fernanda Agria e Maria Luísa Cardoso Pinto, Barros Moura, Jorge Leite e Coutinho de Almeida e Luis Miguel Monteiro para quem: o descanso semanal deve, nos termos do n.º 2 do art. 51.º da LCT, ter lugar dentro de cada período de sete dias: deve ter lugar no sétimo dia e nunca no oitavo; ou que, a lei é bem clara: o descanso é semanal ‒ o trabalhador tem direito a um dia de descanso em cada 7; isto é, em cada sete dias consecutivos, seis são dedicados ao serviço efectivo e um ao repouso", constituindo uma ilegalidade atribuir aos trabalhadores que prestam serviços em empresas de laboração contínua, o repouso semanal depois de sete dias, isto é, no 8.º dia;
Com especial interesse, veja-se a posição de Catarina Carvalho e de Liberal Fernandes, quando concluem que: “(...) o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a actividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório”.
Na jurisprudência de Portugal e para um preceito similar ao art. 17.° n.º 1 do DL n.º 24/89/M, veja-se, entre outros, o Ac. do STA, de 19/10/1076, nos termos do qual de decidiu que: O descanso semanal deve, assim, ter lugar ao fim de de seis dias de trabalho. Deve ter lugar no «sétimo, e nunca no oitavo» dia”;
Mais recentemente, veja-se, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Recurso n.º 5286/15.3T8MTS.P1, 11/07/2016, nos termos do qual se decidiu que: (...) o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a actividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório. (...) não podendo a trabalhadora trabalhar mais de seis dias consecutivos sem descansar no sétimo, o trabalho prestado neste terá de ser considerado trabalho suplementar e, como tal, retribuído, porque prestado em dia de descanso.
Entre nós, Augusto Teixeira Garcia, desde há muito sublinha que: “(...) o dia de descanso deve sempre seguir-se aos dias de trabalho prestado que são a sua razão de ser e não, portanto e em princípio, precedê-los. A regra deve ser a de que o dia de descanso semanal deve seguir-se imediatamente ao sexto dia de trabalho”.
Pelo que, conclui-se forçosamente que: o período de vinte e quatro horas consecutivas de descanso a que se refere o n.º 1 do artigo 17.° do DL n.º 24/89/M, deve necessariamente ocorrer dentro de um período de sete dias e, no máximo, após seis dias de trabalho consecutivo, não sendo lícito que o mesmo apenas ocorra ao oitavo, ao nono ou em qualquer outro dia posterior, contrariamente ao que vem alegado pela Recorrente.
Se assim não suceder, o trabalho efectuado no sétimo dia de trabalho, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivos corresponde a trabalho prestado em dia que deveria ter sido destinado a descanso semanal e, como tal, deve ser pago pelo dobro da retribuição normal, tal qual acertadamente concluiu o Tribunal de Primeira Instância.
Pelo que, não se verifica erro na aplicação de Direito. Pelo contrário, o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação das normas aplicáveis e como tal não merece censura a decisão, julga-se deste modo improcedente o recurso interposto pela Ré nesta parte.
…”
Por ora, não se vê qualquer razão plausível para alterar a posição já assumida.
Nesta conformidade, o recurso não deixará se julgar improvido.
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B. Do recurso do Autor:
O recurso do Autor não deixará de se julgar provido face à jurisprudência unânime deste TSI nos processos congéneres em que a Ré também é parte.
Assim, a fórmula para a compensação do descanso semanal é: dias não gozados X salário diário X 2, para além do salário-base já recebido.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em:
1. negar provimento ao recurso interposto pela Ré, confirmando a sentença recorrida na parte correspondente.
2. conceder provimento ao recurso do Autor, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$56,650.00, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
*
Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 19 de Setembro de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
  (Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição” (cfr. se refere na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do DL nº 24/89/M), este “dobro” é constituído por um dia de salário normal (ao qual o trabalhador teria sempre direito mesmo que não prestasse trabalho) mais um dia de acréscimo. Provado que o Autor já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, teria apenas mais um dia de salário pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, sob pena de, salvo o devido respeito, estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a auferir o quádruplo do valor diário se trabalhar em dias de descanso semanal)



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