Processo nº 1122/2017(*) Data: 19.09.2019
(Autos de recurso contencioso)
Assuntos : Despejo de terreno.
Competência do S.T.O.P..
Delegação de competências.
Fundamentação do acto administrativo.
Declaração de concordância (“Concordo”).
Audiência de interessados (Dispensa).
SUMÁRIO
1. A incompetência consiste na ilegalidade resultante da prática por um órgão de uma pessoa colectiva pública de um acto que não cabe na sua esfera de competência mas que pertence à competência de outro órgão ou pessoa colectiva.
A incompetência pode revestir diversas modalidades, nomeadamente: (i) a incompetência absoluta, que se verifica quando um órgão da Administração pratica um acto fora das atribuições da pessoa colectiva a que pertence e (ii) a incompetência relativa, que ocorre quando um órgão de uma pessoa colectiva pratica um acto que pertence a outro órgão da mesma pessoa colectiva.
O vício da incompetência absoluta é, nos termos do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 123.° do CPA, gerador da nulidade do acto e o vício da incompetência relativa provoca a respectiva anulabilidade.
2. Entende-se como “delegação de poderes” o acto através do qual um órgão administrativo indicado por lei, normalmente, competente, possibilita a outro órgão administrativo ou a um agente, também indicado pela lei, a prática de actos administrativos sobre a mesma matéria.
3. A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais foram os interesses e os factores considerados na opção tomada.
A fundamentação de um acto administrativo é uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto.
Todavia, em qualquer das circunstâncias, tem de ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento.
É admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão, de concordância e em que se acolhe as razões informadas que passam a constituir parte integrante do acto, nos termos do artigo 115º nº 1 do CPA.
Para a insuficiência da fundamentação equivaler à falta (absoluta) de fundamentação), é preciso ser manifesta a insuficiência, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte evidente que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.
4. Tal como o dever de fundamentar as suas decisões, à Administração cabe o dever de observar o contraditório e de facultar aos particulares o “direito de participarem nas suas decisões”.
5. Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 1122/2017(*)
(Autos de recurso contencioso)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. “SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO E FOMENTO PREDIAL A, LIMITADA” (“A發展置業有限公司”), com os restantes sinais dos autos, veio recorrer do despacho proferido pelo SECRETÁRIO PARA OS TRANSPORTES E OBRAS PÚBLICAS, (S.T.O.P.), com o qual se ordenou o despejo/desocupação do lote de terreno situado na zona de SEAC PAI VAN, ilha de Coloane, designado por lote “...”, alegando o que consta da petição inicial apresentada, com a qual, e em síntese, assaca à decisão recorrida os vícios de “incompetência”, “falta de fundamentação” e “preterição da sua audiência prévia”, considerando, a final, que o acto recorrido devia ser declarado nulo ou anulado; (cfr., fls. 2 a 6-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Citada, a entidade recorrida contestou, pedindo a improcedência do recurso; (cfr., fls. 29 a 41).
*
O processo seguiu os seus normais termos com alegações facultativas da recorrente e recorrida onde se manteve o anteriormente alegado e peticionado; (cfr., fls. 48 a 50 e 52 a 52-v).
*
Oportunamente, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, pugnando pela total improcedência do recurso; (cfr., fls. 59 a 60-v).
*
Cumpre apreciar e decidir.
Fundamentação
Pressupostos processuais
2. Este tribunal é o competente.
O processo é o próprio, inexistindo nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
O acto administrativo impugnado é recorrível.
Não existem excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
Dos factos
3. Considera-se assente a seguinte factualidade (com interesse para a decisão a proferir):
1 – Por despacho do Chefe do Executivo de 08.11.2016, declarou-se caduca a concessão do lote de terreno já identificado nos autos, (lote “...”);
2 – No dia 07.11.2017, elaborou a D.S.S.O.P.T. a proposta n.° 381/DSO/2017, com o teor seguinte:
“1. Por despacho do Chefe do Executivo, de 08 de Novembro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 5 288 m2, designado por lote “...”, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o n.° … a fls. … do livro …, a que se refere o Processo n.° 17/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP), de 02 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho (Anexo 1).
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, pelo Despacho do STOP n.° 48/2016, no Boletim Oficial da RAEM n.° 47, II Série, de 23 de Novembro de 2016, e o respectivo ofício de notificação n.° 370/DAT/2016 de 25 de Novembro de 2016 já foi recebido pela "Sociedade de Desenvolvimento e Fomento Predial A, Limitada" em 30 de Novembro de 2016 (Anexo 2).
3. Devido à indefinição do limite do terreno e no local estão armazenados vários materiais, e após várias inspecções realizadas pelos funcionários destes Serviços, em 07 de Setembro de 2017, foi confirmado que no interior do terreno existem alguns automóveis estacionados, contentores, máquinas de construção, barracas de ferro, resíduos sólidos e lixo. Não sabemos quem são os proprietários dos referidos automóveis (Anexo 3).
4. Enfrentando o seguimento de caducidade da concessão, deve considerar-se o seguinte:
4.1. Nos termos do artigo 117.° e do n.° 1 do artigo 136.° do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.° 57/99/M de 11 de Outubro, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.° do mesmo código;
4.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.° do «Código do Processo Administrativo Contencioso» aprovado pelo Decreto-Lei n.° 110/99/M de 13 de Dezembro, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
4.3. Assim sendo, quer interponha o recurso contencioso quer não, a ordem emitida pela Administração tem de ser executada;
4.4. Com base no n.° 2 do artigo 179.° da Lei n.° 10/2013 «Lei de terras», o despejo processa-se nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.° 79/85fM, de 21 de Agosto «Regulamento Geral da Construção Urbana» (RGCU);
4.5. Os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210.° da «Lei de terras».
5. Em face do exposto, em conformidade com a alínea l) do n.° 1 do artigo 179.° da «Lei de terras» e com o artigo 55.° do RGCU, submete-se a presente proposta à consideração superior, a fim de:
5.1. Ordenar, no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, o despejo da "Sociedade de Desenvolvimento e Fomento Predial A, Limitada", de um terreno com a área de 5 288 m2, designado por lote “...”, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o n.° ... a fls. … do livro …, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 08 de Novembro de 2016, devendo demolir todas as construções existentes no local, tais como construções em estrutura metálica e chapas de ferro, removendo também todos os automóveis, contentores, máquinas de construção, resíduos sólidos e lixo que se encontram no interior do terreno.
Caso não se execute no referido prazo de 60 dias,
5.2. A DSSOPT irá executar coercivamente o referido despejo de acordo com o artigo 56.° do RGCU.
呈上級考慮
À consideração superior
高級技術員
O Técnico Superior
(…)”;
3 – Submetida à consideração do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, pelo mesmo foi proferido o despacho de “Concordo”, (sendo este o “acto” objecto do presente recurso).
Do direito
4. Resulta do que até aqui se deixou relatado que a presente lide recursória tem como objecto o acto administrativo pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas praticado e com o qual se ordenou o despejo/desocupação do terreno já identificado nos autos e que à ora recorrente tinha sido concessionado.
E como atrás se deixou também consignado, pela recorrente vem peticionada a “declaração de nulidade ou a anulação” do dito acto, alegando estar o mesmo inquinado com os vícios de “incompetência”, “falta de fundamentação” e “preterição da sua audiência prévia”.
Porém, da reflexão que sobre o pela recorrente alegado nos foi possível efectuar, e merecendo o recurso conhecimento, claro se nos apresenta que não merece provimento.
Aliás, como – bem – nota o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, as “questões” pela recorrente colocadas tem sido objecto de firme e unânime apreciação e decisão desta Instância assim como pelo Vdo T.U.I., motivos não existindo para se alterar o que se tem vindo a entender.
Vejamos.
No termos do art. 122° do C.P.A.:
“1. São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2. São, designadamente, actos nulos:
a) Os actos viciados de usurpação de poder;
b) Os actos estranhos às atribuições da pessoa colectiva em que o seu autor se integre;
c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime;
d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os actos praticados sob coacção;
f) Os actos que careçam em absoluto de forma legal;
g) As deliberações dos órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos;
h) Os actos que ofendam os casos julgados;
i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente”.
Por sua vez, estatui o art. 21° do C.P.A.C. que:
“1. Constitui fundamento do recurso a ofensa, pelo acto recorrido, dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis, designadamente:
a) A usurpação de poder;
b) A incompetência;
c) O vício de forma, nele incluindo a falta de fundamentação ou equivalente;
d) A violação de lei, nela incluindo o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários;
e) O desvio de poder.
2. São também fundamento do recurso outras causas relevantes de invalidade do acto recorrido, designadamente:
a) A falta de elementos essenciais do acto;
b) A falta e os vícios da vontade do autor do acto, quando relevantes”.
Tendo presente o estatuído nos transcritos preceitos legais, e atento o estatuído no art. 74° do referido C.P.A.C., passa-se a decidir.
–– Do alegado vício de “incompetência”.
Diz a recorrente que ao Secretário autor do acto recorrido não assistia competência para a sua prática, invocando o art. 179° da Lei de Terras que a atribui ao Chefe do Executivo, alegando, também, que do mesmo acto em questão não consta a “menção da delegação de poderes ou competência”.
Ora, como se verá, é evidente que não tem a recorrente razão.
Pois bem, como notam V. Lima e A. Dantas:
“A incompetência consiste na ilegalidade resultante da prática por um órgão de uma pessoa colectiva pública de um acto que não cabe na sua esfera de competência mas que pertence à competência de outro órgão ou pessoa colectiva. A incompetência pode revestir diversas modalidades, nomeadamente: (i) a incompetência absoluta, que se verifica quando um órgão da Administração pratica um acto fora das atribuições da pessoa colectiva a que pertence e (ii) a incompetência relativa, que ocorre quando um órgão de uma pessoa colectiva pratica um acto que pertence a outro órgão da mesma pessoa colectiva. O vício da incompetência absoluta é, nos termos do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 123.° do CPA, gerador da nulidade do acto e o vício da incompetência relativa provoca a respectiva anulabilidade”; (cfr., vd., “A.P.A.C. Anotado”, C.F.J.J., 2015, pág. 47, podendo-se ainda ver, Lino Ribeiro in, “Curso de Procedimento Administrativo”, 2001, pág. 170, e, mais recentemente, José Cândido Pinho in, “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. I, 2018, pág. 103 e segs.).
No caso dos presentes autos, inexiste a assacada “incompetência”, sendo de notar que em conformidade com o estatuído no art. 31°, n.° 1 do C.P.A. – onde se preceitua que “A competência é definida por lei ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes e à substituição” – o acto recorrido está estribado na “delegação de poderes” efectuada pelo Chefe do Executivo através da Ordem Executiva n.° 113/2014, publicada no Boletim Oficial da R.A.E.M., I Série, de 20.12.2014, e tem como base legal o art. 15° da Lei n.° 2/1999 e o art. 3° do Decreto-Lei n.° 85/84/M, de 11.08; (cfr., sobre “A problemática das delegações de poderes em Macau”, o estudo de Vitalino Canas in Revista “Administração”, n.° 7, Vol. III, 1990-1, pág. 81 e segs., onde se define delegação de poderes como “o acto através do qual um órgão administrativo indicado por lei, normalmente, competente, possibilita a outro órgão administrativo ou a um agente, também indicado pela lei, a prática de actos administrativos sobre a mesma matéria”).
Com efeito, pelo n.° 1 da referida Ordem Executiva n.° 113/2014, o Chefe do Executivo delegou no Secretário para os Transportes e Obras Públicas todas as competências relativas a todos os assuntos respeitantes à D.S.S.O.P.T., (cfr. art 6° e Anexo VI do Regulamento Administrativo n.° 6/1999), claro se apresentando que a delegação de poderes ali efectuada engloba a “matéria em questão”: desocupação de terreno(s).
Por outro lado, importa ter presente que o n.° 1 do art. 39° do C.P.A. – onde se determina que “no acto de delegação ou subdelegação, deve o órgão delegante ou subdelegante especificar os poderes que são delegados ou subdelegados ou quais os actos que o delegado ou subdelegado pode praticar” – não impede que a delegação de competências comporte uma delegação de poderes com a dimensão daquela que está contida na Ordem Executiva n.° 113/2014, já que da mesma decorre claramente que foram delegados poderes para praticar o acto agora impugnado.
Como expressamente já decidiu o Vdo T.U.I.: “O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto, vigora na Ordem Jurídica.
Pela Ordem Executiva n.º 113/2014 o Chefe do Executivo delegou no Secretário para os Transportes e Obras Públicas as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, onde se encontra a área do ordenamento físico do território, pelo que também estavam delegadas as competências previstas na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da actual Lei de Terras”; (cfr., v.g., os Acs. de 07.06.2017, Proc. n.° 10/2017; de 22.11.2017, Proc. n.° 39/2017; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; e mais recentemente, de 20.03.2019, Proc. n.° 41/2018).
Por sua vez, apesar de o órgão delegado dever, nos termos do art. 40° do C.P.A., mencionar essa sua “qualidade”, (nomeadamente para efeitos de se determinar os meios processuais para a sua sindicância), e, conforme exige a alínea b) do n.° 1 do art. 113° do C.P.A., do acto dever constar a “menção da delegação de poderes”, no caso, por força do disposto no n.° 3 do art. 113° do mesmo C.P.A., estava a dita menção dispensada, uma vez que, como se referiu, foi a Ordem Executiva n.° 113/2014 publicada no Boletim Oficial da R.A.E.M.; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 07.02.2013, Proc. n.° 767/2011, onde se consignou que “Nos termos do artº 40º do CPA, o órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação, devendo esta menção ficar sempre a constar do acto – cfr. A al. b) do nº 1 do artº 113º, todos do CPA”, mas que, “Contudo, esta menção obrigatória pode ser dispensada mediante a publicação no Boletim Oficial de Macau dos diplomas de delegação de competências do Chefe do Executivo nos Secretários – cfr. Nº 3 do artº 113º do CPA”).
Nos termos do que se deixou expendido, e sendo, igualmente, de notar ainda que, seja como for, a dita falta da menção da qualidade de delegado não impediu a Recorrente de reagir contra o acto recorrido, há que negar provimento ao presente recurso na parte em questão.
–– Continuemos, passando-se para a alegada “falta de fundamentação”.
Também aqui, nenhuma razão tem a recorrente.
É sabido que os “actos administrativos” devem ser fundamentados; (cfr., art. 114° e 115° do C.P.A.).
E como sobre esta matéria, e repetidamente, já teve este T.S.I. oportunidade de considerar:
“A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais foram os interesses e os factores considerados na opção tomada”, (cfr., v.g., o Ac. de 21.09.2006, Proc. n.° 201/2004);
“A fundamentação de um acto administrativo é uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto.
Todavia, em qualquer das circunstâncias, tem de ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento”, (cfr., v.g., o Ac. de 08.02.2007, Proc. n.° 296/2006); e que,
“É admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão, de concordância e em que se acolhe as razões informadas que passam a constituir parte integrante do acto, nos termos do artigo 115º nº 1 do CPA.
Para a insuficiência da fundamentação equivaler à falta (absoluta) de fundamentação), é preciso ser manifesta a insuficiência, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte evidente que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados”; (cfr., v.g., o Ac. de 02.12.2004, Proc. n.° 70/2004).
Contudo, não se pode olvidar que se nos termos do n.° 1 do art. 115° se prescreve que: “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão”, estatuiu-se, também aí, (cabendo aqui sublinhar), que a fundamentação pode “consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto”.
Ora, é – precisamente – esta a situação dos presentes autos.
O “acto administrativo” praticado com a decisão de “Concordo” exarada na informação/proposta n.° 381/DSO/2017 (cujo teor atrás de deixou transcrito) constitui – exactamente – uma “declaração de concordância” como a prevista (na segunda parte) do transcrito preceito legal, dúvidas não havendo que absorveu a fundamentação exposta na aludida informação e, onde, com clareza, se expõem os motivos de facto e de direito do que se acabou por decidir.
E, nesta conformidade, e sem necessidade de mais alongadas considerações, visto está que (adequadamente) fundamentado está o acto recorrido, evidente sendo a improcedência do recurso na parte em questão; (sobre idêntica questão, podem-se ver também os Acs. deste T.S.I. de 20.05.2010 e 29.07.2010, Procs. n°s 652/2009 e 82/2010 do mesmo relator, assim como os do Vdo T.U.I. de 15.06.2018 e 19.12.2018, Procs. n°s 35/2018 e 91/2018).
–– Por fim, detenhamo-nos na questão da “falta de audiência prévia da recorrente”.
Pois bem, tal como o dever de fundamentar as suas decisões, à Administração cabe o dever de observar o contraditório e de facultar aos particulares o “direito de participarem nas suas decisões”; (cfr., art. 10° do C.P.A., onde se preceitua que “Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos deste Código”).
Daí, preceituar-se (também) no art. 93° do C.P.A. o direito que aos interessados assiste em serem ouvidos antes de ser tomada a decisão final, (de forma a compensar as eventuais “insuficiências de representatividade” do órgão administrativo, e a fim de se “assegurar o melhor conhecimento possível da situação” a quem compete decidir).
Porém, o assim estatuído tem de ser entendido com alguma cautela.
De facto, e como (igualmente) já decidiu este T.S.I. perante idêntica “questão” e “matéria”: “(…) Estamos perante um acto de execução do despacho que declarou a caducidade da concessão. Posto que entendamos que este acto é recorrível, (…), trata-se de um acto situado a jusante da decisão principal, mas que faz parte do mesmo procedimento e constitui uma decorrência normal daquela decisão. Sucede que a recorrente já foi ouvida no procedimento, na altura própria, após a instrução, onde pôde exercitar o seu direito, não se vislumbrando fundamento que imponha uma nova audição.
Ainda que, em tese, pudéssemos equacionar um exercício de autonomização do procedimento de execução, nem assim se imporia a audição, porquanto não houve uma fase de instrução neste “novo” procedimento – cf. artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo”; (cfr., o Ac. de 27.10.2016, Proc. n.° 842/2015, podendo-se no mesmo sentido ver os Acs. do Vdo T.U.I. de 22.06.2016, Proc. n.° 20/2016; de 22.11.2017, Proc. n.° 39/2017; de 30.05.2018, Proc. n.° 42/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; e o de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019, onde se consignou que “Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo”, afigurando-se-nos ser este o caso dos autos).
Aqui chegados, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir como segue.
Decisão
5. Em face do que se deixou expendido, acordam negar provimento ao recurso.
Pelo seu decaimento pagará a recorrente a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 19 de Setembro de 2019
José Maria Dias Azedo
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
(*) Processo redistribuído ao ora relator em 11.04.2019.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
Proc. 1122/2017 Pág. 26
Proc. 1122/2017 Pág. 11