Processo n.º 761/2018
(Autos de recurso contencioso)
Relator: Fong Man Chong
Data: 19/Setembro/2019
Assuntos:
- Poder discricionário de decidir em matéria de concessão da autorização de fixação de residência na RAEM e fundamentação da decisão
SUMÁRIO:
I – Perante 2 registos de antecedente criminal do Requerente que solicitou a autorização da fixação da residência em Macau a Entidade Recorrida concluiu pela ideia de que os crimes cometidos pelo Requerente constituem uma ameaça potencial à segurança pública e ordem social de Macau. Há, por isso, falta de confiança na capacidade do Requerente para o cumprimento da lei de Macau, motivos que determinaram, ao abrigo da alínea 1) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, de 17 de Março, a Entidade referida a indeferir o respectivo pedido, o que não merece censura, visto que um destinatário normal fica a saber as razões de facto e de direito subjacente à decisão ora posta em crise.
II - Em matéria da concessão (ou não concessão) de autorização de residência, no caso do artigo 9º da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, o legislador atribui, propositadamente, ao Chefe do Executivo o poder discricionário (delegável) de decisão, pois, o legislador proclama mediante a forma de “pode conceder” (norma interpretada a contrário significa “pode não conceder”).
III - No caso sub judice, poderá discutir-se se a decisão ora recorrida viola ou não os princípios gerais de Direito Administrativo, nomeadamente o princípio de justiça e de proporcionalidade, mas como inexistem provas que permitam sustentar esta posição, é de manter a decisão recorrida.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 761/2018
(Autos de recurso contencioso)
Data : 19/Setembro/2019
Recorrente : A
Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 11/06/2018, que indeferiu o pedido de autorização de residência apresentado pela Recorrente em 5 de Dezembro de 2017, veio, em 02/08/2018 interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 17, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) Em 5 de Dezembro de 2017 o ora Recorrente apresentou um pedido de autorização de residência na RAEM, o qual foi indeferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança por despacho de 11/06/2018, com os fundamentos constantes do mesmo e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
b) No essencial e para fundamentar a decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência, foi considerado que o Recorrente, devido a condenação em dois processos de natureza penal, não inspirava confiança quanto ao cumprimento da lei no futuro, considerando o disposto na alínea 1) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003.
c) Vista a fundamentação do despacho de indeferimento e do relatório complementar que o incorpora, é cristalino que a decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência foi motivada com base num juízo de prognose da entidade recorrida: falta de confiança no interessado quanto ao cumprimento da lei no futuro.
d) Em termos de enquadramento legal, a entidade recorrida entende que tal juízo de prognose lhe é permitido pelo disposto no art.º 9, n.º 2, 1), da Lei n.º 4/2003.
e) A norma fundamento mencionada pela entidade recorrida no despacho prevê que para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, aos antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da Lei n.º 4/2003.
f) Ora, apesar do despacho recorrido mencionar os antecedentes criminais do requerente do pedido de autorização de residência e que este não é um sujeito cumpridor da lei, estes factos são - de acordo com a fundamentação - meramente instrumentais do supra citado juízo de prognose quanto ao cumprimento das Leis da RAEM no futuro, razão essencial que justificaria o indeferimento do pedido do requerente.
g) O Recorrente desconhece se a opção da entidade administrativa recorrida pela formulação de um juízo de prognose assenta na circunstância da pena que lhe foi aplicada no processo CR1-15-0067-PSM ter sido substituída por multa e da pena aplicada no processo CR1-15-0130-PSM ter sido suspensa na sua execução por 2 anos, acabando por ser declarada extinta nos termos de decisão proferida em 05/01/2018 (doc. n.º 2).
h) Com efeito, apesar do art.º 9.°, n.º 2, 1), da Lei n.º 4/2003, permitir uma decisão de indeferimento da autorização de residência em caso de antecedentes criminais e de comprovado incumprimento das leis da RAEM, a entidade recorrida parece ter tomado consciência que no caso do ora Recorrente os Tribunais de Macau tinham-se decidido pela substituição da pena de prisão pelo pagamento de uma multa no primeiro caso e pela suspensão da execução da pena no segundo caso.
i) Na aplicação das penas alternativas e de substituição, os Tribunais devem ponderar as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite.
j) O pressuposto material da aplicação de suspensão da pena de prisão consiste num prognóstico favorável feito pelo tribunal de que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
k) No caso concreto do Recorrente, as situações julgadas pelos Tribunais da RAEM tiveram em consideração as necessidades de prevenção geral e especial a até fizeram um prognóstico favorável relativo à situação pessoal daquele, sendo que, na segunda situação, não puderam deixar de atender à conduta anterior e posterior ao crime por parte do agente.
l) O despacho de indeferimento do pedido de autorização de residência altera o juízo de prognose feito pelo Tribunal da RAEM na decisão proferida mais de 3 anos antes (08/07/2015), considerando como não confiável alguém que o Tribunal entendeu ser capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, logo merecedor de alguma confiança.
m) Considerando que durante o período de suspensão da pena aplicada no processo CR1-15-0130-PSM o ora Recorrente não cometeu quaisquer outros crimes, não se encontram razões para a entidade decorrida "desautorizar" o juízo de prognose feito pelo Tribunal da RAEM quanto à sua conduta futura e à confiança de que o mesmo, apesar do sucedido no passado, era merecedor à luz das leis da RAEM e dos princípios fundamentais formadores do Direito.
n) Aliás, a decisão recorrida tão pouco fundamenta essa modificação do juízo de probabilidade, que levaria a Administração a não confiar em alguém em quem os Tribunais haviam confiado há 3 anos de que não reincidiria, sem a ocorrência de circunstâncias posteriores que influenciassem o juízo de prognose feito pelo Tribunal.
o) Nem se alegue que o juízo de prognose feito no despacho recorrido não é sindicável pelo Tribunal, pelo facto da decisão proferida cair no âmbito actividade discricionária da Administração.
p) Como é doutrina dominante e jurisprudência assente, não existem hoje actos administrativos absolutamente discricionários ou absolutamente vinculados.
q) No caso do poder discricionário da Administração o seu exercício há-de sujeitar-se, em virtude do alargamento do entendimento da legalidade, aos princípios gerais da Administração Pública, designadamente o princípio da justiça consagrado no art.º 7.º do Código do Procedimento Administrativo.
r) E o princípio da justiça não é aferido por critérios de justiça abstracta que a Administração Pública possa adoptar já que o conceito de justiça, neste sentido, passa por certos critérios materiais ou de valor, como por exemplo, o da dignidade da pessoa humana, da efectividade dos direitos fundamentais.
s) Não é, pois, por referência à concepção subjectiva do decisor administrativo ou do juiz, sobre o que seria justo no caso concreto, que se encontra a avaliação da hipotética invalidade do ato injusto, mas antes por referência a critérios e valores de justiça consagrados no ordenamento jurídico, especialmente ao nível constitucional.
t) A entidade recorrida fez uso de um poder discricionário violando o princípio da justiça consagrado no art.º 7.° do Código do Procedimento Administrativo.
u) No caso concreto, tão pouco está em causa, como já foi defendido noutros casos, que do confronto dos interesses do recorrente, de obtenção da autorização de residência, e do interesse público de salvaguarda dos valores inerentes à segurança e ordem pública, deve ser dada primazia ao interesse público.
v) ln casu as decisões proferidas pelos Tribunais da RAEM nos processos em que o Recorrente foi julgado já tiveram em consideração, necessariamente, a salvaguarda daqueles valores.
w) Ou seja, o juízo de potencial perigo para a segurança e ordem pública da RAEM que poderia ser imputado ao Recorrente já foi avaliado pelos Tribunais, e em ambos os casos referidos (CR1-15-0067-PSM e CR1-15-0130-PSM) a possibilidade desse perigo foi afastada pela substituição da pena de prisão pelo pagamento de uma multa no primeiro caso e pela suspensão da execução da pena no segundo caso.
x) Desta sorte, utilizar os mesmos factos com relevância penal para realizar um juízo diametralmente oposto de confiança no cumprimento futuro da Lei e negar a autorização de residência ao Recorrido representaria um segundo "sancionamento" do Recorrente, atentatório do princípio da justiça e do princípio ne bis in idem.
y) Por outro lado, considerando a avaliação oposta que a Administração faz o despacho recorrido daquela que foi feita pelos Tribunais quanto à confiança no cumprimento futuro da Lei por parte Recorrente, o acto de indeferimento do pedido de autorização de residência ofende o princípio da prossecução do interesse público previsto no art.º 4.º do Código do Procedimento Administrativo.
z) A decisão ora recorrida não concorda com a avaliação das necessidades de prevenção geral e especial e do risco de recidiva feita nos processos CR1-15-0067-PSM e CR1-15-0130-PSM pelos Tribunais da RAEM, ou seja, não acredita que ora Recorrente esteja preparado para manter uma conduta lícita no futuro.
aa) Sucede que o interesse público não se compadece com "juízos" administrativos (mesmo que de cariz probabilístico) em sentido contrário de "juízos judiciais" anteriores sobre a mesma situação em concreto, lançando a desconfiança sobre os residentes da RAEM quanto à aplicabilidade e o alcance das decisões proferidas pelos Tribunais da RAEM.
bb) Termos em que, por violação dos princípios da justiça, da legalidade, da protecção da confiança e da prossecução do interesse público, a decisão recorrida deverá ser revogada, assim se defendendo a imagem da Justiça e o prestígio dos tribunais da RAEM.
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 31 a 34, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 上訴人針對保安司司長不批准其居留許可申請的決定,提起本上訴,理由是違反公正原則、適度原則、追求公共利益原則等,並請求予以撤銷。
2. 上訴人的上訴理由是不成立的。
3. 上訴人除醉酒駕駛外,還無視法庭禁令,在停牌期間駕駛汽車上路。
4. 隨著澳門城市的發展,機動車數量不斷增加,道路交通繁忙,交通意外無論在事故的數量上還是在受害人的數目上,都達到了令人憂慮的程度。而其中,因醉酒駕駛導致的交通意外亦呈現上升趨勢,醉酒駕駛大大增加了交通意外發生的機率,嚴重威脅公共安全,特別是道路通行安全,與道路安全有關的人的生命、身體完整性以及財產安全。
5. 上訴人的行為無疑表明其守法意識淡薄不值得信任,為減少其再次做出有損本地居民利益行為的風險,行政當局作出不批准其居留許可申請的決定,從行為擬達至的目的來看,完全是為了追求公共利益。
6. 在許可外國人或外地居民在澳門居留的事宜上,行政當局擁有廣闊的自由裁量空間。
7. 第4/2003號法律第9條2款列舉了行政當局在批給居留許可時,尤其應考慮的一系列因素,但對行政當局如何考慮並沒有作出任何規定及限制,賦予行政當局極大的自由裁量權,令其可以自由選擇考慮上述條文所列出的全部或部分因素,以決定是否批給或維持居留許可。
8. 成為澳門居民意味著享有一系列特殊的權利和義務,包括某些政治權利,這就要求行政當局在給予居留許可時,審慎考量並採取較為嚴格的標準,除要考慮值不值得給予申請人居民身份外,亦要考慮其是否對本地社會公共安全帶來風險。
9. 根據針對上訴人的刑事判決,行政當局對其人格、品行進行自由、獨立的分析和判斷,除認為不配賦予澳門居民地位外,亦鑑於其行為對於公共安全存在潛在的危險,特別是道路交通安全。
10. 基於公共安全和居民利益,運用法律所賦予的自由裁量權,保安司司長作出了不批准上訴人居留申請的決定。該自由裁量權的行使,只有在其所依據的前提為非法,或受保護的利益與被犧牲的利益之間完全不合理時,才不被允許。
11. 在本上訴個案中,在鄰近地區獲取居民地位這樣的個人利益,與本地社會不必接受一個不配給予居民地位的人,以及不需承受其對公共治安帶來風險的公共利益,顯然是對立的,但是,很明顯,維護公共安全的公共利益明顯地優於個人在特別行政區居留的利益。
12. 而對上訴人而言,在被上訴行為作出前後,均不具有澳門居民身份,其本人的法律狀況沒有因被上訴行為的作出而產生絲毫改變,其家庭團聚方面的利益亦沒有因居留許可申請被否決而受到特別的損害,依舊可以來澳門逗留,與家人團聚。況且,家庭團聚並不一定非要透過非本地居民來澳門居留而實現,也可以透過澳門居民去往外地而達成。
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 57 e 58):
A impugna o acto administrativo de 11 de Junho de 2018, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, que lhe indeferiu pedido de autorização de fixação de residência em Macau, com vista a junção conjugal.
Imputa ao acto a violação dos princípios da justiça e da prossecução do interesse público.
Vejamos.
É este o teor da decisão impugnada, que incorpora e faz seu o parecer constante do relatório suplementar n.º 300064/CESMFR/2018P:
Por ter conduzido sob a influência de álcool, o interessado foi condenado a 3 meses de pena de prisão (substituída por multa); além disso, foi-lhe aplicada a inibição de condução por 1 ano. No entanto, mesmo sabendo que se encontrava no período de inibição, o interessado sempre conduziu na via pública, e cometeu o crime de desobediência qualificada. O comportamento do interessado mostra que ele não respeita a lei e devido à falta de confiança de que ele respeite a lei no futuro, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, alínea 1), da lei n.º 4/2003, decide-se indeferir-lhe o pedido de autorização de residência.
Ante o teor do acto, e argumentando que as condenações aí referidas, traduzidas em penas de prisão de 3 meses e 7 meses, aplicadas em 06/04/2015 e 08/07/2015, foram objecto de substituição por multa, a primeira, e de suspensão na sua execução, por 2 anos, a segunda, o recorrente invoca a desconformidade entre o juízo do tribunal e o juízo da administração para fundamentar a imputada violação dos princípios da justiça e da prossecução do interesse público. Diz, com efeito, que, nem os valores inerentes ao princípio da justiça previsto no artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo, nem o interesse público mandado prosseguir pelo princípio previsto no artigo 4.º do Código do Procedimento Administrativo, se compadecem com "juízos" administrativos de sentido contrário aos "juízos judiciais".
Quer o recorrente significar que a substituição de uma pena de prisão por multa e a suspensão da execução de uma outra pena de prisão substanciam um juízo de prognose favorável por parte do tribunal, que o despacho de indeferimento da autorização de residência veio contrariar e desautorizar indevidamente, neste raciocínio alicerçando a violação daqueles princípios.
Não podemos concordar.
São diversos os planos e os objectivos subjacentes às decisões criminais de substituição das penas de prisão e aqueles em que se movem as decisões administrativas que têm que levar em conta as condenações criminais. Na base daqueles avultam razões de política criminal relacionadas com os designados malefícios das penas curtas de prisão e com motivos de prevenção especial; nestes estão sobretudo em causa potenciais ameaças à segurança e ordem públicas da Região Administrativa Especial de Macau, que a Administração não pode deixar de ponderar e valorar, no âmbito dos poderes discricionários que, nesta matéria, lhe assistem. E esta valoração e ponderação administrativa não está, não pode estar, condicionada pelos juízos favoráveis de prognose que, em matéria de determinação das penas, os tribunais entendam formular.
Pois bem, actuando a Administração no exercício de poderes marcadamente discricionários, como sucede no caso em apreço, só a existência de erro ostensivo ou grosseiro e a violação dos princípios de direito que funcionam como limites internos da actividade administrativa caucionariam uma interferência do tribunal relativamente ao sentido do exercício daquele poder discricionário. Ora, não se divisa a ocorrência de erro ostensivo ou a violação de qualquer princípio, nomeadamente o da justiça e o da prossecução do interesse público, mostrando-se de todo improcedentes os argumentos avançados pelo recorrente nesse sentido.
Ante o exposto, improcedem os invocados vícios, pelo que o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- Em 05/12/2017 o Recorrente apresentou o pedido de autorização de residência na RAEM junto dos serviços competentes;
- Tal pedido foi indeferido pelo Senhor Secretário para a Segurança por despacho de 11/06/2018;
- Tal despacho tem o teor transcrito na seguinte comunicação, dirigida ao Recorrente/Requerente:
批示
事項:居留許可申請
利害關係人:A
參件:治安警察局第300064/CESMFR/2018P號補充報告書
經考慮上指補充報告書所載意見,內容在此予以完全轉載。
利害關係人因醉酒駕駛,除被判處三個月徒刑(以罰金代之)外,還被禁止駕駛為期一年。然而,利害關係人明知處於禁止駕駛期間,仍駕駛車輛在公共道路上行駛,觸犯加重違令罪。利害關係人的行為表明其不是一個遵守法律的人,基於對其今後遵守法律缺乏信任,經考慮第4/2003號法律第9條第2款1項,決定不批准有關居留許可申請。
保安司司長
黃少澤
二零一八年六月十一日
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IV – FUNDAMENTOS
A resolução do presente recurso passa pela análise e resolução da seguinte questão:
Violação do princípio de justiça, da legalidade, da confiança e de interesse público pela decisão atacada.
No caso, importa saber, antes de mais, o que levou a Entidade Recorrida indeferiu o pedido do Recorrente.
No despacho recorrido invocou-se o seguinte:
(…) Tendo em conta o parecer constante do relatório suplementar n.º 300064/CESMFR/2018P, foi decidido nos termos seguintes:
Por ter conduzido sob a influência de álcool, o interessado foi condenado a 3 meses de pena de prisão (substituída por multa); além disso, foi-lhe aplicada a inibição de condução por 1 ano. No entanto, mesmo sabendo que se encontrava no período de inibição, o interessado sempre conduziu na via pública, e cometeu o crime de desobediência qualificada. O comportamento do interessado mostra que ele não respeita a lei e devido à falta de confiança de que ele respeite a lei no futuro, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, alínea 1), da lei n.º 4/2003, decide-se indeferir-lhe o pedido de autorização de residência.
Ante o teor do acto, e argumentando que as condenações aí referidas, traduzidas em penas de prisão de 3 meses e 7 meses, aplicadas em 06/04/2015 e 08/07/2015, foram objecto de substituição por multa, a primeira, e de suspensão na sua execução, por 2 anos, a segunda, o recorrente invoca a desconformidade entre o juízo do tribunal e o juízo da administração para fundamentar a imputada violação dos princípios da justiça e da prossecução do interesse público. Diz, com efeito, que, nem os valores inerentes ao princípio da justiça previsto no artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo, nem o interesse público mandado prosseguir pelo princípio previsto no artigo 4.º do Código do Procedimento Administrativo, se compadecem com "juízos" administrativos de sentido contrário aos "juízos judiciais".
No caso dos autos, atendendo à matéria sobre que versou o acto recorrido, de 29/03/2018, referenciando-se inequívoca e expressamente o enquadramento legal em que se move, ou seja, o da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, e os respectivos normativos dos artigos 9º/2-1), com o que fica satisfeita a exigência de fundamentação de direito, o acto também arregimenta os fundamentos fácticos essenciais levados em conta para denegar a pretendida autorização de residência.
Foram expressamente convocados 2 registos de antecedente criminal:
Penas de prisão de 3 meses (CR1-15-0067-PSM) e 7 meses (CR1-15-0130-PSM), aplicadas em 06/04/2015 e 08/07/2015, respectivamente, foram objecto de substituição por multa, a primeira, e de suspensão na sua execução, por 2 anos.
Perante estes dados, a Entidade Recorrida concluiu-se da seguinte forma:
Os crimes cometidos pelo requerente constituem uma ameaça potencial à segurança pública e ordem social de Macau. Há falta de confiança na capacidade do requerente para o cumprimento da lei de Macau pelo que, ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, particularmente o disposto na alínea 1), decidiu indeferir o respectivo requerimento.
Quanto ao demais, consta do relatório do PA de fls. 195 a 197, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, citando aqui a respectiva conclusão:
4. 綜合分析本案:
• 根據澳門初級法院①第CR1-15-0067-PSM號判決書:申請人觸犯第3/2007號法律《道路交通法》第90條第1款一項“醉酒駕駛罪”。於06/04/2015被初級法院判處3個月徒刑,該徒刑得以相同日數的罰金代替,訂定罰金日額為澳門幣150元,合共澳門幣13,500元,倘若不支付罰金或不以勞動代替,則嫌犯須服被判處的徒刑。另判處嫌犯禁止駕駛,為期一年。②第CR1-15-0130-PSM號卷宗:申請人觸犯第3/2007號法律《道路交通法》第92條第1款結合澳門《刑法典》第312條第2款規定及處罰的“加重違令罪”。於08/07/2015被初級法院判處7個月徒刑,暫緩執行,為期2年,同時判處吊銷駕駛執照。
• 鑑於上述事實及考慮申請人在書面陳述中所提出的理由並不充分,其不但具有刑事犯罪前科,而且該等事實表明申請人不是一個遵守法律的人,建議不批准申請人的居留許可。
Perante este quadro, um destinatário normal fica a saber que a Entidade Recorrida não deferiu a autorização de residência, com base nas normas citadas e pelo facto de o Requerente ter 2 registos de precedentes criminais, o que espelha claramente as razões de facto e de direito subjacente à decisão ora posta em crise.
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Em matéria da concessão ou não concessão de autorização de residência, importa destacar as seguintes ideias:
a) – Ninguém pode afirmar que tem direito à fixação de residência na RAEM, salvo as pessoas que reúnem os pressupostos fixados no artigo 24º da Lei Básica da RAEM;
b) – O poder de decisão sobre esta matéria é normalmente reservado à Administração, concedendo-se-lhe uma grande margem de manobra, tendo em conta a variedade de situações e flexibilidade de posições em alguns casos particulares. É a Administração Pública, que melhor do que ninguém está numa posição privilegiada de tomar decisões acertadas nesta matéria tendo em conta as circunstâncias concretas rodeadas de caso a resolver, razão pela qual lhe é concedido tal poder discricionário.
c) – No caso de Macau, concretamente no do artigo 9º da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, o legislador atribui, propositadamente ao Chefe do Executivo o poder discricionário de decisão nesta matéria, pois, o legislador proclama mediante a forma de “pode conceder” ( norma interpretada a contrário significa “pode não conceder”):
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
Em matéria da concessão de discricionariedade aos agentes administrativos pelo legislador, ensina a doutrina:
(…)
40. Depois do que se disse, parece-nos legítimo sustentar que a discricionariedade pode ser atribuída por diversas vias:
a) Os poderes discricionários do administrador são eventualmente resultado duma remissão para conceitos-tipo, sem se curar de saber se a indeterminação reside na hipótese ou na estatuição.
b) A discricionariedade surgirá ainda porque se impôs ao agente o dever de utilizar padrões de valoração de qualidade de pessoas ou coisas dos quais tem o monopólio legal. É o que se passa com o funcionamento de júris de exame, que se apoia na suposição de que os seus membros usufruem dos conhecimentos técnicos suficientes – que poderiam ser também encontrados em outros órgãos equivalentes – mas, além disso, duma capacidade incontrolável de apreciação da importância relativa dos conhecimentos ou da habilidade demonstrada para o desempenho duma tarefa específica, da atribuição duma habilitação genérica ou de concessão dum status. Quer dizer: não se trata apenas de decidir se está certo ou errado, bem ou mal feito, mas se os resultados positivos são bastantes para preencher um estalão incontrolável ou alcançar um dos seus sucessivos degraus. Identicamente acontece com a classificação de coisas do ponto de vista artístico, histórico, paisagístico ou ecológico.
A estes casos deve somar-se o conjunto das situações caracterizadas por uma avaliação de circunstâncias futuras (“decisões de prognose”).
É isto que, sem o querer, a corrente do controlo total acabar por ter de aceitar quando se afasta duma revisão judicial nos casos de prerrogativa de avaliação.
c) E, naturalmente, por fim, a discricionariedade surge ainda nas situações em que o legislador directamente concede ao agente uma “faculdade de acção”, isto é, em que remete para duas ou mais soluções à escolha.
Chegarmos às conclusões anteriores não invalida contudo o trabalho de análise do material jurídico posto à disposição do administrador, que as várias correntes representam. É que compreender o sentido de cada grau de vinculação não satisfaz um desejo bizantino. Convém não esquecer que qualquer discricionariedade que se atribua não equivale à aceitação do arbítrio, não permite uma solução de moeda ao ar. Nem sequer vale como uma remissão para uma responsabilidade moral do agente. Ora, se há encargo jurídico que pesa sobre o agente, ele careceria de sentido caso não se previsse a existência de um controlo. (in Direito Administrativo, Rogério Soares, lições ao alunos do 2º ano da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pág. 61 e seguintes).
No caso em análise, como está em causa o exercício de poder discricionário, poderá discutir-se se a decisão ora recorrida viola ou não os princípios gerais de Direito Administrativo, nomeadamente o princípio de justiça, de legalidade, da confiança e do interesse público, mas entendemos que não, porque inexistem provas de que a decisão recorrida viola os princípios gerais de Direito Administrativo ou existe erro grosseiro na tomada da respectiva decisão.
Pelo expendido, julgam-se improcedentes os argumentos da existência dos vícios invocados, mantendo-se a decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
I – Perante 2 registos de antecedente criminal do Requerente que solicitou a autorização da fixação da residência em Macau a Entidade Recorrida concluiu pela ideia de que os crimes cometidos pelo Requerente constituem uma ameaça potencial à segurança pública e ordem social de Macau. Há, por isso, falta de confiança na capacidade do Requerente para o cumprimento da lei de Macau, motivos que determinaram, ao abrigo da alínea 1) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, de 17 de Março, a Entidade referida a indeferir o respectivo pedido, o que não merece censura, visto que um destinatário normal fica a saber as razões de facto e de direito subjacente à decisão ora posta em crise.
II - Em matéria da concessão (ou não concessão) de autorização de residência, no caso do artigo 9º da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, o legislador atribui, propositadamente, ao Chefe do Executivo o poder discricionário (delegável) de decisão nesta matéria, pois, o legislador proclama mediante a forma de “pode conceder” ( norma interpretada a contrário significa “pode não conceder”).
III - No caso sub judice, poderá discutir-se se a decisão ora recorrida viola ou não os princípios gerais de Direito Administrativo, nomeadamente o princípio de justiça e de proporcionalidade, mas como inexistem provas que permitam sustentar esta posição, é de manter a decisão recorrida.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se o despacho recorrido.
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Custas pelo Recorrente que se fixam em 5 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 19 de Setembro de 2019.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Mai Man Ieng
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