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Processo nº 598/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 19 de Setembro de 2019

ASSUNTO:
- Embargos à execução

SUMÁRIO:
- Tendo a Embargante condenado por decisão judicial transitada em julgado no pagamento de “uma indemnização de valor igual a MOP$49.440,00 por cada mês decorrido desde aquela data (09.09.2012) até ao presente no valor de MOP$1.038.240,00 e ainda no valor vincendo a contar de 10.06.2014 à razão de MOP$49.440,00 por cada mês até à efectiva entrega do locado, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de legal, a contar da presente data até efectiva pagamento”, nunca pode, em sede de embargos à execução fundada na sentença condenatória, pôr em causa o mérito da condenação, o que viola o instituto do caso julgado previsto no nº 1 do artº 576º do CPCM.
O Relator
Ho Wai Neng


Processo nº 598/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 19 de Setembro de 2019
Recorrente: A Limitada (Embargante / Executada)
Recorridos: B, C, D, E (Embargados / Exequentes)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 21/12/2018, decidiu-se:
- julgar os embargos à execução improcedentes, ordenando o prosseguimento da execução;
- julgar parcialmente procedente a oposição à penhora, determinando o levantamento da penhora sobre a parte do saldo da conta n.º XXX do Luso Internacional Banking LTD, no valor de MOP1,038,240.00, a restituição de quantia MOP1,038,240.00 depositada à ordem do Tribunal a fls. 97 do apenso A à Embargante e o levantamento da penhora ordenada sobre os saldos bancários das contas bancárias tituladas pela Embargante (fls. 45v do apenso A);
- indeferir o pedido de condenação relativa à litigância de ma fé e o pedido de condenação de pagamento formuladas pela Embargante.
Dessa decisão vem recorrer a Embargante, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1) Vem o presente recurso interposto do conteúdo da sentença de fls.56 a fls. 62-verso dos autos, proferida pelo Tribunal a quo, que decidiu:
- Julgar os embargos à execução improcedentes, ordenando o prosseguimento da execução;
- Julgar parcialmente procedente a oposição à penhora, determinando o levantamento da penhora sobre a parte do saldo da conta nº XXX do Luso Internacional Banking LTD, no valor de MOP 1,038,240.00, a restituição da quantia MOP 1,038,240.00 depositada à ordem do Tribunal a fls. 97 do apenso A à embargante e o levantamento da penhora ordenada sobre os saldos bancários das contas bancárias tituladas pela embargante (fls. 45v do apenso A);
- Indeferir o pedido de condenção relativa à litigancia de má fé e o pedido de condenação formulados pelo embargante;
- Tudo com custas pelas partes na proporção do decaimento.
2) Salvo o devido respeito, a ora Recorrente não concorda, nem se conforma, com tal decisão que no seu modesto entendimento é desproprocional e ilegal.
3) Com efeito, resulta da simples leitura dos Autos que a ora Recorrente entregou o imóvel, objecto da acção principal, a 30 de Junho de 2014.
4) Determina o nº. 3 do Artigo 1016º do Código Civil que a revogação do contrato de arrendamento será sempre válida, independentemente da forma, quando o locatário restitua o gozo da coisa ao locador e este aceite a restituição.
5) Assim, objectivamente, a 30 de Junho de 2014, cessou o contrato de arrendamento ora em causa, e com ele qualquer direito ou obrigação das partes referente ao mesmo.
6) Entende-se que a entrega e aceitação das chaves do locado implica a extinção do contrato por via de revogação tácita ou real (artigo 209º, n.º2 do Código Civil) do negócio (art.º 1016º nº 3 do Código Civil), cessando assim os efeitos do contrato, incluindo as rendas.
7) Nessa mesma data, deixou de se poder responsabilizar o arrendatário pelo pagamento da indemnização por mora prevista no n.º 2 do art.º 1027.º do CC, na situação em que a mora é arguida e comunicada já após a extinção do contrato.
8) Trata-se de causa impediditiva do recebimento de qualquer tipo de quantia indemnizatória, a título de rendas devidas.
9) Encontra-se demonstrado o erro de direito em que incorreu a condenação que decorre da sentença "a quo", ao determinar a improcedência dos embargos efectuados pela ora Recorrente.
10) Em 12 de Janeiro de 2015, a ora recorrente juntou aos autos a guia de depósito datada desse mesmo dia, da quantia em que foi condenada integral do valor de MOP 1.038.240,00, caucionado nos termos do artigo 610º, 900º e 896° do CPC, e como tal, considerada nos autos válida e idónea.
11) Com efeito, determina o Artigo 619º e seguintes do Código Civil que a caução prestada voluntariamente e autorizada pelo Tribunal, constitui uma forma de cumprimento da obrigação.
12) Tendo o ora Recorrente prestado caução e, encontrando-se a referida quantia, desde 12 de Janeiro de 2015, à ordem do Tribunal, está garantida a quantia da condenação.
13) Contrariamente ao que decidiu a sentença recorrida, a ora recorrente arguiu, quer a inexequibilidade do título, quer a inexibilidade da obrigação exequenda (cf. Alineas a) e e) do Artigo 697º do CPC).
14) Após a revogação do contrato de arrendamento, que não da denúncia, não existiu qualquer privação do uso e fruição do arrendado.
15) As rendas encontram-se pagas e nada mais é devido à Exequente.
16) Quanto à questão da mora, está provado que a sentença nos autos principais teve lugar a 06.06.2014,
17) Bem como que esta Sentença foi, posteriormente confirmada pelo TSI, tendo transitado em julgado, somente, no dia 17 de Outubro de 2017.
18) Não são, consequentemente, exigíveis, quaisquer juros moratórios.
19) Quanto à prescrição, obviamente, e pelas razões já anteriomente invocadas, há muito que se encontra prescrito o direito do senhorio de invocar qualquer pagamento a título de indemnização e ou juros.
20) Resulta da prova produzida nos autos que os Autores agiram consciente, deliberada, e culposamente, por forma, não só a colocar a ora recorrente em posição de incumprimento, como, também, a tentarem enrequecer ilegitimimamente à sua custa, peticionando quantias indevidas, pelo que devem ser condenados como litigantes de má fé.
21) Mais, devem ser condenados a pagar o montante de MOP 46.400 por cada mês que receberam, desde 10 de Setembro de 2012, até à entrega do locado, em Junho de 2014, bem como ao alegado diferencial por não terem procedido ao novo arrendamento, o que perfaz o total de MOP 1.038.240,00, tudo conforme consta da PI dos Embargos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
22) Os Embargados faltaram à verdade em todo o processo, sendo que o recebimento das rendas que nunca revelaram intencionalmente determinou todas as decisões.
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Os Embargados responderam à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 101 a 117 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Por sentença de 06 de Junho de 2014, arbitrada nos presentes autos e confirmada pelo Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos autos de Proc. N.º 398/2015 a 28 de Setembro de 2017, foi julgada parcialmente procedente a acção de despejo intentada pelos Exequentes contra a Executada, nomeadamente:
«(…) julga-se a acção parcialmente procedente porque provada e em consequência declara-se resolvido por denúncia com efeitos a 09/09/2012 o contrato de arrendamento celebrado pelos Autores e Ré relativamente à fracção autónoma identificada em consequência condena-se a Ré a entregar aos Autores a referida fracção autónoma livre de pessoas e bens, bem como, no pagamento aos Autores de uma indemnização de valor igual a MOP$49,440.00 por cada mês decorrido desde aquela data até ao presente no valor de MOP$1,038,240.00 e ainda no valor vincendo a contar de 10.06.2014 à razão de MOP$49,440.00 por cada mês ou fracção até efectiva entrega do locado, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de legal, a contar da presente data até efectivo pagamento.».
2. A Executada a fls. 219 dos autos principais veio interpor recurso ordinário.
3. A Executada procedeu à entrega das chaves da fracção autónoma na data de 30 de Junho de 2014.
4. A entrega das chaves por parte da Executada foi aceite pelos Exequentes.
5. Posteriormente e na sequência do recurso interposto pela Executada os Exequentes vieram através de requerimento datado de 19/06/2014 a solicitar a prestação de caução nos autos no montante de MOP$1,038,240.00 (um milhão, trinta oito mil duzentas e quarenta patacas).
6. Através de despacho proferido a fls. 326 dos autos principais foi determinada a prestação de caução, por meio de depósito de dinheiro ou fiança bancária no valor de MOP$1,038,240.00.
7. Na sequência de tal despacho, a Executada veio juntar guia de depósito com data de 12 de Janeiro de 2015 no valor caucionado MOP1,038,240.00 (um milhão, trinta oito mil e duzentas e quarenta patacas) de acordo com fls. 334 dos autos principais.
8. A caução prestada pela ora Executada foi considerada válida e idónea nos termos dos artigos 610.º, 900.º 896.º do CPC.
9. O Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que confirmou a sentença proferida nos autos principais transitou em 17 de Outubro de 2017.
10. Em 07 de Janeiro de 2016, foram juntos os comprovativos dos depósitos a fls. 393 a 412 dos autos principais.
11. Pelo despacho de fls. 45 do Apenso A foi ordenada à penhora da caução depositada à ordem do Tribunal a fls. 334 dos autos principais e do saldo da conta n.º 10015100440-1 do Luso Internacional Banking LTD (fls. 101 do apenso A).
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III – Fundamentação
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   A embargante formulou basicamente dois fundamentos para embargos à execução que é inexigibilidade de prestação condenada pela sentença proferida nos autos principais e inexigibilidade de juros peticionados pelos embargados.
   Começamos pelo primeiro fundamento.
   Em concreto, a embargante alegou que é inexigível o pagamento dos montantes constantes da sentença condenatória, confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância porque as rendas foram todas pagas e não pode pagar indemnização pelo atraso num pagamento já efectuado e tempestivo.
   Por sua vez, os embargados alegam que os fundamentos invocados pela embargante não se enquadram nos casos previstos no artigo 697.º do CPC e a indemnização em causa não tem a ver com as rendas mas antes se prende com a recusa de entrega da fracção.
   Cumpre decidir.
   A presente execução foi instaurada com base na sentença condenatória proferida a fls. 207 a 215v nos autos principais e confirmada pelo TSI.
   Nos termos do artigo 697.º do CPC, “se a execução se basear em sentença, os embargos só podem ter algum dos fundamentos seguintes:
   a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
   b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
   c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
   d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa, quando o réu não tenha intervindo no processo;
   e) Incerteza, iliquidez ou inexigibilidade da obrigação exequenda, não supridas na fase preliminar da execução;
   f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
   g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento, salvo tratando-se da prescrição do direito ou da obrigação, que pode ser provada por qualquer meio.”.
   Entendemos que os fundamentos invocados pelo embargante não se enquadram nos casos elencados previstos no artigo citado.
   Apesar de a embargante ter usado a expressão de“inexigibilidade”de prestação condenada, da leitura dos seus fundamentos resulta que a mesma não levantou a questão sobre a inexigibilidade da obrigação exequenda no sentido de a mesma não ser exigível por não ter sido vencida. A embargante, ao alegar que a indemnização condenada não é devida porque as rendas foram todas pagas, não está mais de que por em causa a sentença condenatória proferida nos autos principais.
   Uma vez que a sede própria para conhecer as questões levantadas pela embargante sobre a“inexigibilidade”de prestação condenada é o recurso da sentença condenatória e não os presentes embargos à execução, não cabe aqui o conhecimento dessas questões.
   Mais deve dizer que as razões invocadas pela embargante para a “inexigibilidade”da prestação condenada na sentença proferida nos autos principais já foram objecto de apreciação pelo TSI no âmbito do conhecimento do recurso interposto pela embargante e o mesmo já afirmou que a prestação condenada não tem a ver com o incumprimento da obrigação de pagamento de renda estipulada no contrato de arrendamento mas privação do uso e fruição do imóvel, objecto de arrendamento, após a efectivação da denúncia do contrato operada pelos embargados (cfr. fls. 434v dos autos principais).
   Pelo exposto, por o fundamento invocado pelo embargante não ser fundamento para embargos à execução previstos no artigo 697.º do CPC, julga-se improcedente os embargos deduzidos com base em“inexigibilidade”de prestação condenada.
   No que concerne ao segundo fundamento dos embargos, a embargante invocou as seguintes razões:
   - Impossibilidade legal de vencimento dos juros até ao trânsito da decisão por ter sido interposto o recurso contra a mesma;
   - Falta de interpelação para o efeito;
   - Impossibilidade de vencimento de juros por ter prestado caução;
   - Prescrição das rendas, respectivas indemnizações e juros.
   Conforme a sentença proferida a fls. 207 a 215v nos autos principais e confirmada pelo TSI, a embargante, ora Ré, foi condenado no pagamento de “uma indemnização de valor igual a MOP$49.440,00 por cada mês decorrido desde aquela data (09.09.2012) até ao presente no valor de MOP$1.038.240,00 e ainda no valor vincendo a contar de 10.06.2014 à razão de MOP$49.440,00 por cada mês até à efectiva entrega do locado, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de legal, a contar da presente data até efectiva pagamento.”.
   A data de sentença proferida a fls. 207 a 215v nos autos principais é 06.06.2014.
   Na execução a que se corre no apenso A, os exequentes, ora embargados, pedem o pagamento dos juros vencidos desde a data de 6 de Junho de 2014 sobre o capital em dívida, que é MOP 1.038.240,00, no valor de MOP 407.249.94.
   Começamos pelo primeiro fundamento, é verdade que a embargante interpôs o recurso contra a sentença proferida a fls. 207 a 215v nos autos principais e o acórdão do TSI que confirma a sentença em causa só transitou em julgado no dia 17 de Outubro de 2017.
   Sendo o acórdão do TSI acórdão confirmativo da sentença proferida na primeira instância, entendemos que o facto de o acórdão do TSI só ter transitado em julgado no dia 17 de Outubro de 2017 não tem efeito de tornar inexigíveis os juros de mora vencidos e condenados pela sentença proferida na primeira instância. Ora, se esses juros são aqueles que o Tribunal entende que é devido na primeira instância e o mesmo foi confirmado pelo TSI, não encontramos a razão porquê esses juros não são exigíveis.
   De facto, se a embargante entende que só se poderia vencer os juros sobre a quantia pela qual a mesma foi executada a partir do trânsito em julgado do acórdão do TSI, o que devia ter feito é interpor o recurso sobre a sentença proferida quanto à parte dos juros.
   Deste modo, por os juros peticionados pelos embargados se encontrarem dentro dos limites de condenação da sentença proferida nos autos principais, a embargante não tem razão quanto à impossibilidade de vencimento de juros.
   No que concerne ao segundo fundamento, falta de interpelação, importa-se referir que a interpelação é a forma de constituição de mora de devedor fora dos casos previstos no 794.º do CC. Ou seja, não é mais necessário a interpelação se o devedor já se encontra em mora.
   In casu, está em causa uma indeminização devida pelo atraso na restituição do imóvel locado. O Tribunal, ao tornar liquida a indemnização devida através da sentença proferida nos autos principais, o devedor já se encontra em mora (artigo 794.º/4 do CC). Foi por essa razão que o Tribunal condenou a Ré no pagamento dos juros de mora vencidos a contar da data de sentença. Com efeito, como os juros de mora em causa foram condenados pela sentença condenatória e o facto de a Ré ter sido condenado no pagamento de juros de mora a contar de data de sentença é porque a Ré se encontra em mora, a falta de interpelação não é fundamento para opor ao pagamento dos juros peticionados pelos embargados.
   Aliás, se a embargante entende que só se poderia vencer os juros de mora sobre o montante condenado com a interpelação, o que devia ter feito é interpor o recurso sobre a sentença quanto à parte de juros. Não tendo feito isso, é com base em o que foi condenado pela sentença deve ser prosseguida a execução.
   Deste modo, improcede o segundo fundamento invocado pela embargante para não pagamento dos juros de mora.
   No que toque ao terceiro fundamento, importa-se referir que uma coisa é prestar garantia para o capital em dívida, outra coisa é o vencimento de juros de mora sobre o capital por já se encontrar em mora. Ora, como a prestação de caução não exclui o vencimento de juros de mora, não vemos a razão porquê o facto de ter prestado a caução por parte da embargante a fls. 334 e 335 dos autos principais impede o vencimento dos juros de mora. Improcede portanto também o terceiro fundamento invocado para não pagamento dos juros de mora.
   Por último, quanto à questão de prescrição das rendas e respectivas indemnizações e juros, cabe dizer que o montante condenado pela sentença proferida nos autos não tem a ver com o atraso de pagamento das rendas mas a indemnização pelo atraso na restituição do imóvel locado após a cessação do contrato de arrendamento. Assim é, a invocação de prescrição de direito relativo às rendas e respectivas indemnizações e juros não tem interesse para os presentes embargos.
    Pelo exposto, julga-se improcedentes os embargos quanto aos juros de mora peticionados.
   Passamos a apreciar sobre o pedido de condenação de litigância de má fé formulado pelo embargante.
   Para o efeito, a embargante alega que os exequentes mentem no processo principal, nunca juntam os comprovativos do recebimento das rendas, não emitiram nenhum recibo de quitação da renda e vêm alegar que as rendas não foram pagos enquanto os mesmos não podem desconhecer que o pagamento das rendas foi feito tempestivamente.
   Independentemente dos factos alegados pelo embargante ser verdade ou não, podemos constatar que os factos alegados pelo embargante não são relacionados com a execução que corre no apenso A nem com os presentes embargos, mas com a conduta processual adoptada pelos embargados no processo principal. Salvo melhor opinião, entendemos que não cabe nos presentes autos, embargos à execução, o conhecimento de ter havido ou não a litigância de má fé por parte dos Autores, ora embargados, no processo de despejo (autos principais), pois é no processo principal, onde se verificou a litigância de má fé, deve ter sido apreciado se o comportamento processual adoptado pelos Autores consiste em litigância de má fé. Neste sentido, temos o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/26/2014, no processo n.º 1524/10.7TBCSC.L.1, e o Ac. do mesmo Tribunal de 12/16/2003, no processo n.º 8263/2003-7.
   Segundo Paula Costa e Silva, não dever admitir-se que seja um juiz diverso daquele perante o qual ocorreu o comportamento de má fé a pronunciar-se sobre esta questão ainda que a nova pronúncia requerida não colida com a decisão pretérita na medida em que nenhum juiz estará melhor colocado para conhecer da má fé do que aquele perante o qual a parte agiu ilicitamente. Mais afirma que se a parte puder, perante o que ela entende ser uma omissão de pronúncia e ao invés de desencadear os mecanismos próprios de reacção a decisões viciadas, propor acção autónoma, aí deduzindo um pedido de indemnização com fundamento em comportamento processual inadmissível pretérito da contraparte, será um tribunal, ao qual a lei não reconhece a competência para controlar a validade da decisão.
   É o caso, a embargante já tinha formulado um pedido de condenação do 1.º embargado como litigante de má fé nas alegações do recurso (fls. 284v a 288v dos autos principais) com base nos mesmos fundamentos i.e. o 1.º embargado ter omitido o facto de ter recebido as rendas em causa. Ao deixar de atacar a decisão proferida pela TSI quanto à questão de litigância de má fé, não pode vir aos presentes autos deduzir o mesmo pedido.
   Por outro lado, ainda que admitisse a possibilidade de dedução do pedido indemnizatório em processo autónomo àquele em que a parte actuou ilicitamente com base na litigância de ma fé, os presentes autos não é sede para o efeito. Os embargos à execução é o meio processual para opor a execução e visa a extinção da execução. Não cabe por isso aqui o conhecimento de outras questões que não tem a ver com a paralisação e a extinção da execução. Assim sendo, não cabe os presentes autos o conhecimento do pedido de condenação dos embargados como litigantes de má fé com base no comportamento censurável adoptado pelos mesmos noutro processo, muito menos o pedido de condenação dos embargados com base em enriquecimento sem causa pois esses pedidos encontram-se fora do âmbito dos embargos à execução e não integram nas finalidades a que os presentes embargos à execução visam.
   Em conclusão, só podemos condenar os embargantes como litigantes de má fé se esses adoptaram algum comportamento processual susceptível de ser qualificado como litigância de má fé nos presentes autos.
   A litigância de mé fé está regulada no artigo 385.º do CPC.
   Segundo o artigo 385.º/2 do CPC, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
   a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
   b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
   c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
   d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
   Como o que os exequentes, ora embargados, fizeram foi somente instaurar a execução com base na sentença condenatória proferida nos autos principais e transitada em julgado, não vemos o comportamento dos mesmos se enquadram nos casos elencados no artigo 385.º/2 do CPC. Não existe portanto fundamentos para condenar os embargados como litigantes de má fé nos presentes autos.
   Destarte, não podemos deixar de julgar improcedentes o pedido de condenação relativo à litigância de ma fé e o pedido de condenação de pagamento formulados pela embargante.
   Por último, cabe apreciar a oposição à penhora.
   A embargante alega que como já foi prestada a caução à ordem do Tribunal a penhora ordenada sobre a caução é desnecessária e ilegal e a penhora ordenada sobre o saldo da conta n.º XXX do Luso Internacional Banking LTD, no valor de HKD$1.590.000 é ilegal por a quantia condenada já ter sido caucionado pela caução prestada e por violação do princípio de suficiência.
   Os embargados entendem que não há fundamentos para levantar as penhoras ordenadas.
   Cumpre decidir.
   Quanto à penhora ordenada sobre a caução prestada pela embargante à ordem do Tribunal, entendemos que não existe fundamentos para o seu levantamento. Ora, uma coisa é os embargados têm ao seu dispor uma garantia prestada pela embargante, outra coisa é os embargados pretendem usar a caução prestada pela embargante para satisfação do seu crédito. Como os embargados pretendem fazer satisfazer o crédito através da caução depositada à ordem do Tribunal, não vemos motivos para não deferir o pedido de penhora da caução sendo a nomeação de bens à penhora direito dos embargados conferido pela lei (artigo 818.º do CPC). Também não vemos a razão porque a penhora é desnecessária uma vez que a quantia depositada à ordem do Tribunal pertence à embargante e os exequentes não têm outro meio senão o meio coercivo, a penhora, para usar a mesma para satisfazer o seu crédito.
   Deste modo, entendemos que é de manter a penhora ordenada sobre a caução prestada pela embargante a fls. 334 dos autos principais.
   No que toque à penhora ordenada sobre o saldo da conta n.º XXX do Luso Internacional Banking LTD, entendemos que a razão reside na embargante.
   Dos artigos 717.º/1 e 720.º/2 do CPC resultam o princípio da adequação da penhora ao valor da obrigação exequenda, i.e. a penhora deve ser limitado aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução. Ou seja, caso os bens penhorados já são suficientes para pagamento da dívida exequenda e custas prováveis, não deve admitir mais a penhora.
   No caso em apreço, os exequentes pedem o pagamento de MOP1,038,240.00 a título de capital e MOP407,249.94 a título dos juros de mora.
   Considerando que já foi penhorada a caução prestada pela embargante (MOP1,038,240.00), a penhora de saldo da conta n.º XXX do Luso Internacional Banking LTD titulada pela embargante no valor de MOP 1,590,000.00 já excedeu o valor da dívida exequenda e as custas prováveis (cfr. fls. 46 dos apenso A). Deste modo, deve reduzir a penhora do saldo da referida conta até aos limites de dívida exequenda e custas prováveis.
   Pelo exposto, em cumprimento do princípio da adequação da penhora ao valor da obrigação exequenda, julga-se parcialmente procedente a oposição à penhora deduzida quanto ao saldo da conta n.º XXX do Luso Internacional Banking LTD, determinando o levantamento parcial de penhora sobre o saldo bancário em causa, i.e. MOP1,038,240.00.
   Quanto à penhora ordenada sobre os saldos bancários através do despacho de fls. 45v do apeno A, considerando que já se encontra depositado quantia suficiente para pagamento da dívida exequenda e as custas prováveis (fls. 46 do apenso A), determino o levantamento da penhora ordenada sobre os saldos bancários (fls. 45v do apenso A).
***
  V. Decisão
   Nestes termos e pelos fundamentos, decide-se:
Julgar os presentes embargos à execução improcedentes, ordenando o prosseguimento da execução;
- Julgar parcialmente procedente a oposição à penhora, determinando o levantamento da penhora sobre a parte do saldo da conta n.º XXX do Luso Internacional Banking LTD, no valor de MOP1,038,240.00, a restituição de quantia MOP1,038,240.00 depositada à ordem do Tribunal a fls. 97 do apenso A à embargante e o levantamento da penhora ordenada sobre os saldos bancários das contas bancárias tituladas pela embargante (fls. 45v do apenso A);
- Indeferir o pedido de condenação relativa à litigância de ma fé e o pedido de condenação de pagamento formulados pelo embargante.
   Custas pelas partes na proporção de decaimento.
   Notifique e registe…”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso, com a qual concordamos na sua íntegra, pelo que ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, negamos provimento ao recurso com os fundamentos invocados na sentença recorrida.
Na verdade, tendo a Embargante condenado por decisão judicial transitada em julgado no pagamento de “uma indemnização de valor igual a MOP$49.440,00 por cada mês decorrido desde aquela data (09.09.2012) até ao presente no valor de MOP$1.038.240,00 e ainda no valor vincendo a contar de 10.06.2014 à razão de MOP$49.440,00 por cada mês até à efectiva entrega do locado, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de legal, a contar da presente data até efectiva pagamento”, nunca pode, em sede de embargos à execução fundada na sentença condenatória, pôr em causa o mérito da condenação, o que viola o instituto do caso julgado previsto no nº 1 do artº 576º do CPCM.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pela Embargante.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 19 de Setembro de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong




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