Processo n.º 884/2019 Data do acórdão: 2019-9-26 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– quantidade de referência de uso diário
– art.o 14.o, n.o 3, da Lei n.o 17/2009
– art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009
– Lei n.o 10/2016
S U M Á R I O
1. Tendo entrado em vigor, à data dos factos em causa, a nova redacção dada à Lei n.o 17/2009 pela Lei n.o 10/2016, já não pode fazer mais questão o facto de não se ter especificado na factualidade descrita como provada no acórdão recorrido qual a quantidade concreta da metanfetamina detida pelo arguido é que seria destinada por ele ao consumo próprio e qual a quantidade concreta da mesma substância é que seria destinada por ele à cessão a outrem.
2. É que o n.o 3 do art.o 14.o da Lei n.o 17/2009 nessa redacção nova prevê que são contabilizadas as substâncias que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais. Daí que como a quantidade líquida total de metanfetamina detida pelo arguido já excede o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário da mesma substância, ele deve ser punido nos termos do art.o 8.o, n.o 1, por força nomeadamente do n.o 2 do art.o 14.o da mesma Lei (tudo na dita redacção nova).
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 884/2019
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 222 a 227v do Processo Comum Colectivo n.° CR1-18-0395-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.os 8.o, n.o 1, e 14.o, n.os 2 e 3, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016, de 28 de Dezembro), em seis anos de prisão.
Inconformado, veio recorrer o arguido para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando (no seu essencial) e rogou, na sua motivação de recurso apresentada a fls. 251 a 256 dos presentes autos correspondentes, que o Tribunal sentenciador errou notoriamente na apreciação da prova (já que o próprio arguido deteve as substâncias estupefacientes em causa não para fins de tráfico ou de obtenção de lucros, mas sim apenas para consumo próprio), pelo que o seu crime de tráfico deveria ser convolado para o crime de tráfico de menor gravidade (do art.o 11.o, n.o 1, da mesma Lei de droga) com aplicação de pena correspondente, e que, fosse como fosse, deveria ser reduzida a pena.
Ao recurso respondeu o Ministério Público a fls. 293 a 301, no sentido de improcedência da pretensão do arguido.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 317 a 319, pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão recorrido consta de fls. 222 a 227v, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Segundo a factualidade descrita como provada nesse acórdão: ao arguido (ora recorrente) foi descoberta a detenção, por ele, e no total, de 0,827 grama líquido de heroína em estado puro e 2,61 gramas (1,03 grama mais 1,58 gramas) líquidos de metanfetamina em estado puro, para obter lucros e destinar parte dessas substâncias para consumo pessoal.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação do recurso, defende o arguido que ele deteve as substâncias estupefacientes em causa apenas para consumo pessoal dele, e não para obter lucros, pelo que assaca à decisão condenatória recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova.
Entretanto, no tocante a esta questão de erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal: vistos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se mostra patente que o resultado de julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo tenha sido obtido com violação de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, havendo, pois, que naufragar o recurso nesta primeira parte.
E agora da segunda parte do recurso, acerca da questão de subsunção dos factos provados ao Direito, a solução não deixa de seguir a posição jurídica já veiculada, de entre outros, no acórdão deste TSI, de 30 de Julho de 2018, do Processo n.o 539/2018, da pena do ora relator:
No caso dos autos, como à data dos factos já entrou em vigor a redacção dada à Lei n.o 17/2009 pela Lei n.o 10/2016, já não pode fazer mais questão o facto de não se ter especificado na factualidade provada em primeira instância qual a quantidade concreta da metanfetamina detida pelo arguido recorrente é que seria destinada por ele ao consumo próprio dele e qual a quantidade concreta da mesma substância é que seria destinada por ele à cessão a outrem (para obtenção de lucros).
É que: o n.o 3 do art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, na redacção introduzida pela Lei n.o 10/2016, prevê que “[…] são contabilizadas as […] substâncias […] que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais”, daí que como a quantidade líquida total de metanfetamina detida pelo arguido já excede o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário da mesma substância, ele (e independentemente da quantidade concreta de heroína detida) deve ser punido nos termos do art.o 8.o, n.o 1, por força nomeadamente do n.o 2 do art.o 14.o do mesmo diploma legal (tudo na dita redacção nova), com o que improcede a pretensão do arguido de convolação do crime do tráfico para o de tráfico de menor gravidade do n.o 1 do art.o 11.o da mesma Lei (na dita redacção nova).
Por fim, o arguido assacou de modo subsidiário à decisão recorrida o excesso na medida concreta da pena.
Entretanto, consideradas todas as circunstâncias já apuradas em primeira instância aos padrões da medida concreta da pena vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal, dentro da moldura penal aplicável, no caso, de cinco a quinze anos de prisão ao crime de tráfico (do n.o 1 do art.o 8.o, ex vi dos n.os 2 e 3 do art.o 14.o, todos da mesma Lei, na dita redacção nova), a pena de seis anos de prisão já achada no acórdão recorrido para o crime do arguido recorrente já não pode admitir mais redução.
Improcede, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça.
Macau, 26 de Setembro de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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