打印全文
Processo n.º 957/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 26/Setembro/2019

Descritores: Prescrição do direito de indemnização
  Extensão do prazo de prescrição

SUMÁRIO
A sentença absolutória proferida no processo-crime não impede que o interessado intente acção cível com fundamento nos mesmos factos de que o arguido no processo-crime vinha acusado ou pronunciado, neste caso cabe ao interessado fazer prova dos factos constitutivos que comprovem a existência de um crime.
E para que seja aplicável a primeira parte do n.º 3 do artigo 491.º do CC, é necessário que os Autores invoquem, e provem, que a indemnização formulada assenta ou tem origem em facto ilícito criminoso para o qual a lei estabelece prazo mais longo.
Por outro lado, estatui a segunda parte do n.º 3 do artigo 491.º do CC que se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa.
O legislador quer abranger todas as causas que sejam susceptíveis de prejudicar a responsabilidade criminal do arguido, ficando apenas excluída a prescrição do procedimento penal, o que se compreende dada a previsibilidade e calculabilidade do seu prazo prescricional. Em relação a outras causas para além da prescrição do procedimento penal, uma vez que o interessado não tem condições de saber ou prever quando é que ocorre alguma dessas situações, é compreensível que o legislador venha atribuir extensão do prazo para que o interessado possa formular pedido cível autónomo.
Assim sendo, sempre que a responsabilidade criminal fica prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, mesmo que seja caso de arquivamento de inquérito ou de absolvição penal, há lugar a extensão do prazo de prescrição, prescrevendo o direito à indemnização no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 957/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 26/Setembro/2019

Recorrentes:
- A e B (Autores)

Recorridos:
- C, D Limitada (Réus) e E S.A. (interveniente principal)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformados com o despacho que julgou prescrito o direito que pretendem fazer valer na acção intentada pelos Autores A e B contra os Réus C, D Limitada e a interveniente principal E S.A., recorreram os Autores jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“A) Os recorrentes, em cumprimento do solicitado pelo douto tribunal a quo (despacho de fls. 351), apresentaram fotocópias do articulado do pedido cível e termos de notificação (relativos ao procedente processo crime), os quais não foram impugnados, e devem fazer prova plena dos factos que representam, nos termos e ao abrigo do disposto, quanto às reproduções mecânicas, no art.º 361º do Código Civil, ficando pois comprovado que dois dos demandados cíveis, na anterior acção crime mencionada nos autos, foram notificados em 22 e 25 de Novembro de 2013.
B) Julga-se defensável que o prazo prescricional seja dilatado precisamente nos casos em que venha a ser o demandado absolvido em processo crime, em função da distinta natureza e alcance da responsabilidade penal relativamente à responsabilidade civil. Acautelam-se, assim, os direitos compensatórios do lesado ou das pessoas com direito a indemnização pelo facto danoso.
C) Na perspectiva dos recorrentes, nada na lei permite concluir nos mesmos termos da decisão recorrida, i.e.: que «(…) o prazo normal de 3 anos ou um ano após a causa que prejudicou o apuramento, mas nunca mais de 5 anos sobre o momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito e da pessoa do responsável» (a fls. 539).
D) Mas, independentemente dessa questão, o certo é que o prazo prescricional não estava exaurido, na medida em que só com o trânsito em julgado da decisão final no precedente processo crime foi julgada a inverificação de ilícito criminal, sendo que, até esse momento, não era possível arredar a aplicação do preceito do n.º 3 do art.º 491º do Código Civil, pelo que a consideração do prazo mais alargado corresponde a uma expectativa legítima dos interessados, i.e., os ora recorrentes.
E) E quando neste invocado preceito se dispõe «se a responsabilidade criminal for prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento», essa outra causa deve ser entendida como as restrições interpretativas produzidas na douta decisão recorrida, pois, onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir, sendo certo que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 8º, n.º 3 do Código Civil).
F) Neste quadro, atento o disposto no art.º 299º, n.º 1 do Código Civil («o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido»), e considerando que, por força do «princípio da adesão» (art.º 60º do Código Penal), iniciada que foi a anterior acção crime, os ora recorrentes eram obrigados a instaurar a acção indemnizatória através da dedução de pedido cível, enxertado na mesma acção crime, só nesse momento se iniciou o prazo prescricional – ou novo prazo prescricional (se se considerar, como parecer ser o entendimento da decisão recorrida, que o mesmo se iniciou em 18 de Agosto de 2010, altura em que os recorrentes tiveram conhecimento do direito e da pessoa do responsável), por interrupção do prazo eventualmente em curso.
G) Julga-se mais acordo com a lei o entendimento de que até ao momento processual em que podia ser deduzido o pedido cível não se iniciou o prazo prescricional, uma vez que o direito não podia ser exercido, - pese embora, ser indiferente a consequência, por via da interrupção do prazo prescricional eventualmente em curso e consequente início de um novo prazo de prescrição.
H) Assim, o prazo de prescrição do direito de crédito indemnizatório só começou a correr com a notificação a que faz referência o art.º 66º do Código Penal (v. datas supra referidas em A), interrompendo-se, porém, nos termos do n.º 1 do art.º 355º do Código Civil («a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a quo o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente»), não restando dúvidas de que a notificação da dedução de pedido cível é um acto absolutamente idóneo para interromper a prescrição.
I) Para o efeito da interrupção da prescrição, é irrelevante que o pedido cível tenha sido, ulteriormente, julgado intempestivo, uma vez que o seu efeito interruptivo estava já verificado, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (art.º 318º, n.º 1 do Código Civil), efeito interruptivo este que se manteve até ao trânsito em julgado da «decisão que puser [pôs] termo ao processo» (n.º 1 do art.º 319º do Código Civil).
J) Termos em que o novo prazo prescricional só começou a correr com o trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao anterior processo crime.
K) Mesmo a entender-se que o novo prazo começou a correr com o trânsito em julgado da decisão que julgou extemporâneo o pedido de indemnização cível, e portanto, antes do trânsito da decisão que pôs termo ao processo, mesmo assim o direito dos recorrentes era ainda plenamente eficaz e tempestivo, uma vez que tendo a decisão terminal do pedido cível transitado em meados de 2014, iniciou-se então o novo prazo prescricional geral de 3 anos (art.º 491º, n.º 1 do Código Civil), pelo que só em meados de 2017 se esgotaria o novo prazo prescricional, mesmo nesta hipótese “reducionista”.
L) Em qualquer das situações possíveis, o direito dos recorrentes não estava, ainda, prescrito quando da proposição da presente acção (28 de Outubro de 2015).
M) Com o devido respeito, a decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nas supracitadas normas, mormente, dos artigos 361º e 491º do Código Civil.
Termos em que, e nos melhor de Direito supríveis, deve proceder o presente recurso e, por conseguinte, revogar-se a decisão recorrida, com as legais consequências, aguardando-se de V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso responderam a Ré D Limitada e a interveniente principal E S.A., nos seguintes termos conclusivos:
“I. De acordo com a sentença sub judice, “[o] prazo [de prescrição] em análise começou a contar em 18/08/2010. Na verdade, por os autores terem deduzido a presente acção também contra a segunda ré que tem responsabilidade meramente civil, não estavam obrigados a exercer no processo penal que correu contra o réu o direito a indemnização que aqui exercem (art. 61º, n.º 1, al. f) do CPP), não sendo, assim, aplicável ao caso presente a norma inserta no art.º 299º, n.º 1 do CC que reporta o início da contagem do prazo de prescrição ao momento em que o direito puder ser exercido.”
II. Os Autores Recorrentes vieram recorrer da tese expendida na sentença, contudo, de modo algum pode merecer procedência a sua alegação, uma vez que o caso dos autos, como doutamente se consignou na sentença proferida, corresponde a uma das excepções ao princípio da adesão incerto no artigo 60º do CPP.
III. Em sede de procedimento criminal, prevalece como regra o princípio da adesão, segundo o qual, todo e qualquer pedido de indemnização civil fundado em facto ilícito que constituir também crime deve ser apresentado no próprio processo penal, salvas as excepções constantes da lei.
IV. O artigo 61º do CPP prevê as situações em que o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, sendo que, de acordo com a alínea f) do n.º 1 daquele preceito “[o] pedido de indemnização civil pode ser deduzido em acção cível separada quando: f) For deduzido contra o arguido e outras pessoas com responsabilidade meramente civil, ou somente contra estas e haja sido provocada, nessa acção, a intervenção principal do arguido.”
V. No processo-crime que correu termos sob o n.º CR1-13-0242-PCC, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, foram Arguidos o ora 1º Réu C e F, sendo que, a Ré D, LIMITADA não foi Arguida no referido processo-crime.
VI. A presente acção foi intentada contra o 1º Réu C e a 2ª Ré D, LIMITADA, na qualidade de entidade empregadora e comitente, que em momento algum foi constituída arguida no processo-crime supra referido, como tal, apenas foi chamada para o presente pleito a título de responsabilidade meramente civil, atenta a relação de comitente comissário.
VII. Os Autores não estavam obrigados, por conta do artigo 60º do CPP, a aguardar pela notificação a que respeita o artigo 66º do CPP, para deduzir o pedido de indemnização cível que reclamam, uma vez que, de acordo com a alínea f) do n.º 1 do artigo 66º do CPP, o mesmo poderia ser deduzido em separado, a todo o tempo.
VIII. Caso os Recorrentes estivessem, como ora alegam, “obrigados a instaurar a acção indemnizatória através da dedução de pedido cível enxertado na mesma acção crime” (cfr. Conclusão F) teriam o seu direito definitivamente precludido porquanto não foi admitido por decisão de 12 de Maio de 2014 que o considerou extemporaneamente apresentado.
IX. Os Autores não podem fazer-se valer do disposto no n.º 1 do artigo 299º do CPP para invocar que a contagem do prazo de prescrição apenas iniciou com a notificação a que respeita o artigo 66º do CPP, na medida em que, o direito em apreço podia ser exercido livremente desde a data do óbito da cônjuge do Autor, filha da Autora, isto é, desde 18 de Agosto de 2010.
X. Resulta dos documentos juntos aos autos que no procedimento criminal que correu termos sob o n.º CR1-13-0242-PCC do 1º Juízo Criminal, foi proferida sentença que absolveu os Arguidos dos factos que lhe vinham imputados, como tal, na modesta opinião das Recorridas, os factos objecto dos presentes autos não podem ser qualificados como factos ilícitos que constituem crime, pois que não foi esse o entendimento do douto Tribunal em sede de procedimento criminal.
XI. As Recorridas entendem que o prazo de prescrição aplicável no presente caso é de três anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 491º do CC.
XII. Não merece acolhimento nos autos a aplicação de prazo de prescrição mais longo aplicável ao procedimento criminal, nos termos da primeira parte do n.º 3 do artigo 491º do CC, na medida em que o facto ilícito invocado pelos Autores Recorrentes não constitui crime, visto que os factos em apreço foram objecto de sentença absolutória, já transitada em julgado.
XIII. Não se aplicando ao caso o disposto na primeira parte do n.º 3 do artigo 491º do CC, jamais poderiam os Autores ponderar a aplicação ao caso da extensão do prazo de prescrição incerta na segunda parte do mesmo preceito.
XIV. Sem prescindir desta posição, que as Recorridas consideram a mais acertada face às normas jurídicas em apreço, sempre se dirá que mesmo que mereça acolhimento junto do Douto tribunal ad quem a posição assumida pelo tribunal a quo, também se deverá considerar prescrito o prazo em análise, visto que, no segmento “se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal” (artigo 491º, n.º 3, 2ª parte do CC) não deve ser incluído o caso dos autos em que ocorreu a absolvição dos Arguidos dos crimes de que vinham imputados.
XV. A referida segunda parte do n.º 3 do artigo 491º do CC, segundo a qual “se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento criminal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa, mas não antes de decorrido o prazo referido na primeira parte do n.º 1”, deve ser aplicada aos casos em que a responsabilidade criminal não chegou a ser apurada, nomeadamente, por amnistia, desistência da queixa, falta de queixa ou de acusação particular, mas não aos casos de absolvição por se apurar que não ocorreu responsabilidade criminal.
XVI. Não se compreenderia, por exemplo, que se o arguido fosse condenado pela prática do crime o prazo de prescrição do direito a indemnização fosse de 5 anos e que se o arguido fosse absolvido ainda pudesse demorar mais um ano a prescrever aquele direito.
XVII. Assente que está que, pelo facto do arguido ter sido absolvido da prática do crime que lhe foi imputado, não lhe é aplicável qualquer extensão do direito à indemnização pelos danos decorrentes, então, independentemente de se aplicar ao caso dos autos o prazo de três anos, como bem considerou a Ré D, LIMITADA na contestação apresentada, ou o prazo de cinco anos, em conformidade com a sentença proferida, o prazo de prescrição já se encontrava ultrapassado no momento em que a presente acção foi apresentada em juízo.
XVIII. Os Autores Recorrentes defendem que o prazo de prescrição do direito à indemnização que pretendem fazer valer na presente acção veio a ser interrompido com a notificação do pedido de indemnização cível aos Demandados, no âmbito do processo-crime que correu termos sob o n.º CR1-13-0242-PCC do 1º Juízo Criminal, por aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 315º do CC.
XIX. As Recorridas entendem que não merece acolhimento a tese dos Autores Recorrentes relativa à interrupção do prazo de prescrição, pois que a decisão proferida pelo tribunal a quo não merece qualquer censura.
XX. A Autora B nunca poderá aproveitar da interrupção do prazo prescricional, uma vez que não apresentou qualquer pedido de indemnização cível no âmbito do processo-crime, sendo que, apenas o Autor A deduziu pedido de indemnização cível naquele processo-crime, vindo o mesmo posteriormente a ser julgado intempestivo.
XXI. O 1º Réu C não foi notificado do pedido de indemnização cível, visto que o documento junto com o requerimento de fls. 500 e seguintes corresponde a uma certidão negativa que comprova, precisamente, a não efectivação da notificação do pedido de indemnização cível relativamente ao 1º Réu, posto isto, o prazo de prescrição, relativamente ao 1º Réu nunca foi interrompido por via da notificação.
XXII. A 2ª Ré D, LIMITADA apenas responde na presente acção com base na relação comitente – comissário, face à relação laboral existente com o 1º Réu, como tal só responderia se sobre o comissário recaísse também a obrigação de indemnizar.
XXIII. Assim, ainda que a 2ª Ré D, LIMITADA tivesse sido notificada do pedido de indemnização cível, o que também não ocorreu e, quanto a si, procedesse a alegada interrupção do prazo de prescrição, nunca esta poderia responder autonomamente, face à relação de comitente – comissário existente, nos termos do n.º 2 do artigo 492º do CC.
XXIV. A 2ª Ré D, LIMITADA não foi demandada, muito menos notificada, no pedido de indemnização cível formulado no processo-crime, tendo sido demandado o Hotel G e tendo sido este o notificado.
XXV. À data da entrada da petição inicial apresentada pelos Autores Recorrentes já havia decorrido por inteiro o prazo de prescrição do direito à indemnização, uma vez que não ocorreu nenhuma notificação que acarretasse a interrupção do prazo.
XXVI. As Recorridas entendem que terá necessariamente de improceder o recurso apresentado pelos Autores A e B, por manifesta falta de fundamento legal, visto que não foi feita na decisão qualquer errada interpretação e aplicação do disposto nas normas constantes dos artigos 361º e 491º do CC.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente Recurso, a que ora se responde, ser julgado improcedente e consequentemente ser confirmada a douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base.
Assim fazendo V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Findos os articulados, foi proferido o seguinte despacho saneador:
“O tribunal é competente.
*
O processo é válido e segue a forma adequada.
*
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade para a acção, interesse processual e estão devidamente representadas.
*
É já possível conhecer do mérito da causa porquanto a respectiva decisão não depende de matéria de facto ainda controvertida.
*
Da prescrição.
Alegam os autores que a esposa do autor e filha da autora faleceu no dia 18/08/2010 na sequência de um acidente de afogamento ocorrido em 01/07/2010 numa piscina explorada pela segunda ré e onde o primeiro réu trabalhava empregado como nadador-salvador.
Está assente por ter sido alegado pela ré D sem impugnação dos autores que correu processo-crime contra o primeiro réu onde foi pronunciado pela prática de um crime de homicídio por negligência e onde, por sentença de 13 de Novembro de 2014, transitada em julgado em 3/12/2014, foi o arguido, aqui primeiro réu, absolvido da prática do crime por que vinha pronunciado tendo o tribunal considerado que não se provou que o arguido tivesse actuado com inobservância dos seus deveres de cuidado.
Pelas mesmas razões, embora a alegação se reporte a articulados e documentos com eles juntos, está também assente que em tal processo-crime o aqui autor, depois de notificado do despacho de pronúncia do arguido, aqui primeiro réu, em 27 de Março de 2012, deduziu contra o aqui primeiro réu e contra F e Hotel G pedido de indemnização cível para ser indemnizado pelos danos que aqui reclama e que tal pedido não foi admitido por decisão de 12 de Maio de 2014 que considerou tal pedido como extemporaneamente apresentado.
Apesar de os autores não terem sido claros na resposta ao convite ao aperfeiçoamento que lhes foi feito, está também assente que a autora não formulou pedido de indemnização no referido processo-crime.
No dia 28/10/2015 foi intentada a presente acção pretendendo os autores a condenação em regime de solidariedade passiva do primeiro réu e da sua entidade patronal, a segunda ré, a indemnizar pelos danos que os autores sofreram em consequência da morte por afogamento daquela sua familiar.
Apenas a segunda ré invocou a prescrição da obrigação de indemnizar.
Os autores entendem que não ocorreu a prescrição porquanto, o aqui réu foi absolvido no processo-crime onde fora acusado pela prática dos factos e o prazo de prescrição só termina depois de decorrido um ano desde o trânsito em julgado da decisão absolutória. Por outro lado dizem que se interrompeu o prazo de cinco anos em consequência da notificação do pedido cível apresentado no processo-crime. Dizem ainda que tal prazo só iniciou a sua contagem com a notificação para apresentação do pedido cível, uma vez que, por força do princípio da adesão tal pedido cível só poderia ser apresentado no processo-crime.
Convidada a ré excepcionante (D) a concretizar o momento em que os autores tiveram conhecimento do direito que pretendem fazer valer (indemnização) e da pessoa do responsável, veio a mesma ré, a fls. 408 (art. 37º), fixar tal momento no dia 18/08/2010. Porque tal alegação não foi impugnada pelos autores tem de considerar-se assente.
Os autores foram convidados a concretizar a data da interrupção da prescrição que invocaram, tendo referido que a ré excepcionante foi notificada da dedução do pedido de indemnização cível no processo penal em 22 de Novembro de 2013. A ré excepcionante não impugnou tal facto. O réu C, editalmente citado, também não impugnou. Não foi tal facto comprovado por documento com força probatória plena.
Vejamos então qual o prazo de prescrição, o início da sua contagem e se ocorreu interrupção desta.
Dispõe o art. 491º do CC:
“1. O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, ...
2. ...
3. Se o facto ilícito constituir crime para cujo procedimento a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável; contudo, se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa, mas não antes de decorrido o prazo referido na primeira parte do n.º 1.”
O prazo de prescrição do direito a indemnização varia conforme a correspondente obrigação provenha de factos que constituam ou não constituam crime.
A sentença absolutória proferida no processo-crime não vincula aqui no sentido de ter de se considerar que os factos da petição inicial não constituem crime (art. 579º do CPC e art. 73º do CPP).
Na petição inicial os autores alegaram factos, como praticados pelo primeiro réu, que consubstanciam um crime de homicídio por negligência simples, cometido por omissão (arts. 134º, nº 1 e 9º do CPenal). Assim, o prazo de prescrição do direito de indemnização que os autores se propõem exercer nesta acção é o mesmo da prescrição do procedimento criminal (art. 491º, nº 3 do CC).
Tal prazo é de cinco anos (arts. 134º, nº 1 e 110º, n1, al. d) e nº 2 do CPenal).
E não há que fazer distinção pelo facto de entre os réus haver relação de comitente e comissário, pois que apesar de nenhum crime ser imputado ao comitente, o prazo de prescrição não difere do do comissário (neste sentido, a título de direito comparado, discordando fundamentadamente da posição contrária de Antunes Varela, Ac. do STJ de Portugal nº 084516, de 22/02/1994, en www.dgsi.pt).
Mas se o prazo de prescrição do procedimento criminal começa a contar do dia da consumação do crime, o prazo de prescrição do direito a indemnização começa a contar do dia em que o lesado teve conhecimento do seu direito e da pessoa do devedor (art. 11º do CPenal e 491º, nº 1 do CC).
O prazo em análise começou a contar em 18/08/2010. Na verdade, por os autores terem deduzido a presente acção também contra a segunda ré que tem responsabilidade meramente civil, não estavam obrigados a exercer no processo penal que correu contra o réu o direito a indemnização que aqui exercem (art. 61º, nº 1, al. f) do CPP), não sendo, assim, aplicável ao caso presente a norma inserta no art. 299º, nº 1 do CC que reporta o início da contagem do prazo de prescrição ao momento em que o direito puder ser exercido.
Portanto, o prazo de prescrição é de cinco anos e começou a sua contagem em 18/08/2010.
A presente acção deu entrada em juízo no dia 28/10/2015, pelo que, se não ocorreram factos com eficácia extensiva do prazo ou suspensiva ou interruptiva do seu decurso, o mesmo prazo decorreu na sua totalidade e terminou em 18/08/2015.
Quanto à extensão do prazo.
Os autores defendem que o prazo de prescrição em análise foi ampliado de um ano contado desde a data da sentença que absolveu o aqui primeiro réu da prática do crime por que havia sido pronunciado. Invocam a seu favor o disposto na 2ª parte do nº 3 do art. 491º do CC: “… se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa…”.
Não têm razão os autores. A norma que invocam não é fácil de interpretar. O legislador de Macau foi buscá-la ao Código Civil Italiano (art. 2947º) como consta dos trabalhos preparatórios do actual Código Civil de Macau. Mas crê-se que a desenraizou e a transformou. Crê-se ainda que a tornou pouco clara. O prazo italiano conta-se do facto lesivo e não do conhecimento do direito e do responsável, como o nosso. No caso italiano, se o facto lesivo constituir crime com prazo de prescrição superior também é esse o prazo de prescrição da indemnização, mas se a responsabilidade criminal se extinguir por causa diferente da prescrição, regressa-se ao prazo mais curto, mas contado da extinção e não do facto ilícito. O legislador de Macau utiliza uma expressão muito difícil de interpretar. Recorreu ao termo “se a responsabilidade criminal ficar prejudicada”. Mas a responsabilidade nunca pode ficar prejudicada, pode extinguir-se e exercer-se ou não se exercer. O que pode ficar prejudicado é o apuramento da responsabilidade, por amnistia, desistência de queixa, falta de queixa ou de acusação particular e por prescrição do procedimento criminal. Crê-se que o que o legislador quis dizer com a expressão “… se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal…” foi “se o apuramento da responsabilidade criminal ficar prejudicado por causa diferente da prescrição do procedimento criminal”, a responsabilidade civil prescreve no maior dos seguintes prazos: o prazo normal de 3 anos ou um ano após a causa que prejudicou o apuramento, mas nunca mais de 5 anos sobre o momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito e da pessoa do responsável.
De facto, não se compreenderia, por exemplo, que se o arguido fosse condenado pela prática de crime o prazo de prescrição do direito a indemnização fosse de 5 anos e que se o arguido fosse absolvido ainda pudesse demorar mais um ano a prescrever aquele direito.
O Código Civil Italiano onde se foi buscar a norma que se enxertou no nº 3 do art. 491º do Código Civil de Macau, “consciente” de que a prescrição começava a correr da data do facto danoso voltou a conceder o prazo curto de prescrição e a retirar o prazo alargado do procedimento criminal se a responsabilidade criminal não ocorresse. Porém, o legislador de Macau não restaurou o prazo mais curto, antes concedeu mais um ano sem prejuízo dos casos em que a parte do prazo mais curto ainda não decorrido fosse maior que o “bónus” de um ano concedido.
A facti species da norma em análise é pois constituída pelos casos em que a responsabilidade criminal não chegou a ser apurada, contrariamente ao caso em apreço em que o arguido foi absolvido e se apurou que não ocorria responsabilidade criminal. Mas nunca pode ser ultrapassado o prazo de prescrição do procedimento criminal, in casu cinco anos.
Conclui-se, pois, que pelo facto de o arguido ter sido absolvido da prática do crime que lhe fora imputado não implica qualquer extensão do direito de indemnização pelos danos decorrentes dos factos por que o arguido foi julgado.
Quanto à interrupção do prazo de cinco anos não estendido.
Os autores dizem que com a notificação do pedido cível à ré excepcionante se interrompeu o prazo de prescrição.
Em primeiro lugar, a autora não formulou qualquer pedido cível no processo-crime, pelo que o seu direito a indemnização não poderia ter visto interrompido o prazo da sua prescrição.
Em segundo lugar, o réu C não foi notificado do pedido de indemnização cível, nem os autores afirmam tal notificação na sua resposta ao despacho de aperfeiçoamento, pelo que o direito dos autores contra este réu não poderia ter visto interrompido o respectivo prazo de prescrição.
E aproveita a este réu a excepção de prescrição invocada pela ré D. Com efeito, apesar de a prescrição ter de ser invocada por aquele a quem aproveita (art. 296º, nº 1 do CC) e o regime geral de solidariedade das obrigações de indemnizar (art. 500º do CC) não dispensar qualquer dos devedores solidários de invocar a prescrição (art. 514º, nº 2 do CC), o certo é que o comitente só responde se sobre o comissário recair também a obrigação de indemnizar e o devedor solidário pode defender-se invocando a prescrição comum (arts. 493º, nº 2 e 507º, nº 1 do CC). Assim a invocação feita pela ré D da prescrição da obrigação de indemnizar aproveita também ao comissário, o réu C. Com efeito, o comitente pode defender-se apenas com a prescrição da obrigação de indemnizar do comissário, pois que será um meio de defesa pessoal do próprio comitente uma vez que sem haver obrigação de indemnizar por parte do comissário não haverá obrigação do comitente. Pode acontecer que a obrigação do comitente não esteja prescrita e esteja a obrigação do comissário, caso em que o comitente poderá ver excluída a sua própria obrigação por prescrição da obrigação do comissário. Neste caso, como manifestação do princípio da aquisição processual aflorado no art. 436º do CPC, o tribunal deve conhecer da prescrição com relevo para todos os sujeitos processuais que não estejam excluídos do regime de solidariedade das obrigações de indemnizar do(s) comitente(s) e do(s) comissário(s), uma vez que, contrariamente ao que acontece no regime geral das obrigações solidárias, no regime particular de solidariedade comitente/comissário, pode o comitente invocar a prescrição da obrigação do comissário para assim excluir a sua própria responsabilidade, a qual só subsiste enquanto sobre o comissário recair a obrigação de indemnizar (art. 493º, nº 1, in fine do CC).
Por fim, vê-se que também a ré D não foi demandada no pedido de indemnização cível formulado no processo-crime, nem dele foi notificada, tendo sido demandado o Hotel G e tendo sido este o notificado.
Conclui-se, pois, que não se interrompeu e decorreu por inteiro o prazo de prescrição do direito dos autores a serem indemnizados pelos danos decorrentes dos factos alegados na petição inicial.
Pelo exposto, julga-se prescrito o direito que os autores nesta acção pretendem fazer valer e, em consequência, absolvem-se os réus do pedido.
Custas pelos autores.
Registe e notifique.”
*
A questão que se coloca neste recurso é saber se os direitos à indemnização que os Autores pretendem fazer valer já se encontram prescritos.
Vejamos.
A esposa do 1º Autor e filha da 2ª Autora morreu no dia 18.8.2010 na sequência de um acidente de afogamento ocorrido em 1.7.2010.
Correu processo-crime contra o aqui 1º Réu, na altura trabalhava como nadador-salvador numa piscina explorada pela aqui 2ª Ré.
Nos próprios autos de processo-crime, o aqui 1º Autor deduziu contra o 1º Réu, contra F e contra o Hotel G pedido de indemnização cível (enxerto cível) para ser indemnizado pelos danos aqui reclamados, mas o pedido não foi admitido por decisão de 12.5.2014 com fundamento na sua apresentação fora do prazo.
Por sentença de 13.11.2014, e transitada em julgado em 3.12.2014, o aqui 1º Réu foi absolvido da prática do crime de homicídio por negligência de que vinha pronunciado.
Os Autores intentaram a presente acção cível em 28.10.2015.
Entendem os Autores que os seus direitos ainda não se encontram prescritos uma vez que, de acordo com o n.º 3 do artigo 491.º do Código Civil, ainda não decorreu 1 ano a contar do trânsito em julgado da sentença absolutória.
Para saber se os direitos dos Autores já estão prescritos, há-de apurar quando se inicia a contagem do prazo e qual é esse prazo.
Nos termos do n.º 1 do artigo 491.º do Código Civil, o prazo de prescrição conta-se da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável.
No caso dos autos, conforme decidido na decisão recorrida, o prazo de prescrição começou a correr desde 18.8.2010, ou seja, da data em que os Autores tiveram conhecimento do direito que pretendem fazer valer e da pessoa do responsável.
Por outro lado, segundo o artigo 60.º do Código de Processo Penal, “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, em acção cível, nos casos previstos na lei”.
Entretanto, como consta da alínea f) do n.º 1 do artigo 61.º do CPP, o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em acção cível separada quando, entre outras causas, for deduzido contra o arguido e outras pessoas com responsabilidade meramente civil, ou somente contra estas e haja sido provocada, nessa acção, a intervenção principal do arguido.
Efectivamente, apenas foi arguido no processo-crime o aqui 1º Réu, sendo as restantes Rés da presente acção pessoas com responsabilidade meramente civil.
Isto significa que os Autores podiam intentar acção cível separada contra os aqui Réus a todo o tempo, e não estavam obrigados a deduzir pedido de indemnização cível (enxerto cível) no respectivo processo-crime.
Isto posto, somos a concluir que os Autores podiam exercer o seu direito à indemnização intentando acção contra os responsáveis pelos danos causados a partir da data do falecimento da esposa do 1º Autor, isto é, desde 18.8.2010, daí que o prazo da prescrição começa a correr a partir desta data.
E quando é que o direito dos Autores prescreve?
Determina o n.º 1 do artigo 491.º do Código Civil:
“O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”
Mais dispõe o n.º 3 do mesmo artigo:
“Se o facto ilícito constituir crime para cujo procedimento a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável; contudo, se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa, mas não antes de decorrido o prazo referido na primeira parte do n.º 1.”
Ora bem, o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, mas se o facto constituir crime para cujo procedimento a lei estabeleça prazo de prescrição mais longo, é este o prazo aplicável.
No caso dos autos, o aqui 1º Réu foi absolvido da prática do crime de homicídio por negligência de que vinha pronunciado.
Dispõe o n.º 1 do artigo 579.º do Código de Processo Civil: “A decisão penal, transitada em julgado, que tenha absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.”
Efectivamente, a sentença absolutória proferida no processo-crime não impede que o interessado intente acção cível com fundamento nos mesmos factos de que o arguido no processo-crime vinha acusado ou pronunciado, antes cabe ao interessado fazer prova dos factos constitutivos que comprovem a existência de um crime.
Sendo assim, para que seja aplicável a primeira parte do n.º 3 do artigo 491.º do CC, é necessário que os Autores invoquem, e provem, que a indemnização formulada assenta ou tem origem em facto ilícito criminoso para o qual a lei estabelece prazo mais longo.
No caso presente, os Autores alegaram factos suficientes que permitam deduzir que o 1º Réu, com a sua conduta, tenha criado ou potenciado a morte da vítima, mais concretamente, sendo o 1º Réu o único nadador-salvador na piscina, este eximiu-se da sua responsabilidade, deixando de supervisionar a zona mais profunda da piscina e limitando-se a fiscalizar a zona menos profunda, factos esses que, se vierem a ser provados, permitem integrar o crime de homicídio por negligência, uma vez que se traduz na inobservância do dever objectivo de cuidado que lhe é exigido em face das circunstâncias existentes naquele momento.
Ora bem, se se admitisse que os factos alegados pelos Autores integravam a prática do crime, o direito de indemnização prescreveria no prazo de 5 anos a contar de 18.8.2010 (artigos 110.º, n.º 1, alínea d) e 134.º, n.º 1 do Código Penal).
A presente acção foi intentada em 28.10.2015. Se contasse 5 anos a partir de 18.8.2010, os direitos dos Autores já se encontrariam prescritos.
Entretanto, coloca-se a questão de saber se a segunda parte do n.º 3 do artigo 491.º do Código Civil é também aplicável ao caso.
Prevê a segunda parte n.º 3 o seguinte:
“contudo, se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa, mas não antes de decorrido o prazo referido na primeira parte do n.º 1.” – sublinhado nosso
Ora, a decisão recorrida entende que esta parte da norma deve ser aplicada nos casos em que a responsabilidade criminal não chegou a ser apurada, e não ao caso em apreço em que o arguido foi absolvido e se apurou que não ocorria responsabilidade.
Salvo o devido e muito respeito, não acompanhamos o tal entendimento.
A nosso ver, a lei não distingue entre essas duas situações, antes pelo contrário, o legislador abrange todas as causas que sejam susceptíveis de prejudicar a responsabilidade criminal do arguido, ficando apenas excluída a prescrição do procedimento penal, o que se compreende dada a previsibilidade e calculabilidade do seu prazo prescricional. Em relação a outras causas para além da prescrição do procedimento penal, uma vez que o interessado não tem condições de saber ou prever quando é que ocorre alguma dessas situações, é compreensível que o legislador venha atribuir extensão do prazo para que o interessado possa formular pedido cível autónomo.
Aqui chegados, sempre que a responsabilidade criminal fica prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, mesmo que seja caso de arquivamento de inquérito ou de absolvição penal, há lugar à extensão do prazo de prescrição, prescrevendo o direito à indemnização no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa.
No caso vertente, o aqui 1º Réu foi absolvido da prática de crime de homicídio por negligência de que vinha pronunciado, tendo a sentença absolutória transitado em julgado em 3.12.2014.
Tendo os Autores intentado a presente acção cível em 28.10.2015, ao abrigo da segunda parte do n.º 3 do artigo 491.º do Código Civil, ainda não decorreu 1 ano sobre o trânsito em julgado da sentença absolutória, pelo que prescritos não se encontram os direitos invocados pelos Autores.
Concede-se, assim, provimento ao recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelos Autores A e B, revogando a decisão recorrida e, em consequência, determinando o prosseguimento dos autos até final, se nenhum outro motivo obste à sua apreciação.
Custas pela Ré e interveniente em partes iguais, nesta instância.
Registe e notifique.
***
RAEM, 26 de Setembro de 2019
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong



Recurso Cível 957/2018 Página 27