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Processo nº 389/2017(*) Data: 19.09.2019
(Autos de recurso contencioso)

Assuntos : “Trabalho ilegal”.
Interdição de entrada na R.A.E.M..
Vícios do acto administrativo.
Erro nos pressupostos de facto.
Erro na aplicação do direito.
Pressupostos da medida de interdição.
Princípio da proporcionalidade.



SUMÁRIO

1. O recurso contencioso é o meio (processual) próprio para obter o reconhecimento judicial da existência de (todos os) vícios que possam inquinar um acto administrativo lesivo, e, assim, obter a sua anulação contenciosa; (cfr., art. 21° do C.P.A.C.).

2. Constituindo o erro nos seus pressupostos um dos vícios de violação de lei que conduzem à anulação do acto administrativo, e competindo ao recorrente alegar e provar no recurso os factos integrativos do erro, cabe ao Tribunal, face a todos elementos legalmente admissíveis de que dispõe, formular um juízo sobre a conformidade com a realidade dos pressupostos de facto que a Administração teve em conta aquando da prolação do acto impugnado.

3. O “erro nos pressupostos de facto”, constitui assim uma das causas de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois é a própria substância do acto administrativo que contraria a lei.
Tal vício consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade.
Assim, se o pressuposto (factual) de que o acto recorrido partiu, não se mostra verificado, o mesmo encontra-se inquinado com o vício de “violação de lei” por “erro nos pressupostos de facto”.

4. Adequado é desta forma dizer-se que:
- o «erro sobre os pressupostos de facto», traduz-se na divergência entre os factos que a entidade administrativa teve em conta para decidir como decidiu, e a sua real ocorrência; e que,
- o «erro nos pressupostos de direito», traduz-se na inadequação do regime jurídico e normas jurídicas aplicadas pela entidade administrativa à base factual convocada.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 389/2017(*)
(Autos de recurso contencioso)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (A), com os restantes sinais dos autos, veio recorrer do despacho proferido pelo SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA datado de 07.02.2017, com o qual se indeferiu o recurso hierárquico que tinha interposto da decisão do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública que lhe interditou a entrada em Macau por 3 anos.

Em sede das suas alegações de recurso produz as conclusões seguintes:

“A. O presente recurso tem por objecto o acto pelo qual o Exmo. Senhor Secretário para Segurança, em despacho datado de 7 de Fevereiro de 2017, negou provimento ao recurso hierárquico necessário interposto pela ora Recorrente contra a decisão proferida pelo Exmo. Senhor Comandante de Corpo de Polícia de Segurança Pública de aplicação, que aplicou à ora Recorrente a medida de interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de 3 anos.
B. No entendimento da ora Recorrente. o acto recorrido padece dos vícios de
iv) erro nos pressupostos de facto e respectiva qualificação jurídica;
v) erro na interpretação da lei; e
vi) violação do princípio da proporcionalidade.
C. A decisão recorrida não apreciou devidamente os factos relevantes e dá eco a uma errada interpretação da lei.
A aplicação de uma medida de interdição de entrada pelo período de três anos à ora Recorrente se mostra manifestamente desproporcional ou desequilibrada, em face das circunstâncias do caso concreto e da medida do interesse público que, com tal medida, se visa proteger.
D. A decisão recorrida não estava vinculada ao julgado da decisão da DSAL de punição da Recorrente em multa por trabalho ilegal, nem da decisão do CPSP de revogação de autorização de permanência pelos mesmos factos, quanto à existência de situação de trabalho ilegal no caso sub judice.
E. A decisão recorrida deveria ter apreciado devidamente os factos e, nesse caso, deveria ter concluído pela inexistência de uma situação de emprego ilegal.
F. A conduta da ora Recorrente reúne os requisitos do disposto no artigo 4.°. n.° 1. al. 1) do Regulamento Administrativo 17/2014, em cuja estatuição cabem, não apenas as situações exemplificativamente elencadas no corpo da referida norma, mas, também, quaisquer outras que se qualifiquem como ocasionais e determinadas.
G. A decisão recorrida desconsidera, violando-o, artigo 4.°, n.° 1, al. 1) do Regulamento Administrativo 17/2014.
H. Não existindo uma situação de emprego ilegal, não estavam verificados os pressupostos para revogação da autorização de permanência da ora Recorrente e, em consequência, não estavam preenchidos os pressupostos para aplicação da medida de interdição, do artigo 12.°/ 2, 2) da Lei 6/2004.
I. A medida de interdição de entrada prevista no artigo 12° da Lei 6/2004 constitui uma medida de polícia, exercida sob a forma de uma medida administrativa de segurança, através da qual o legislador confere à Administração um meio de actuação com vista a (sic) "salvaguardar um certo padrão social de ordem e tranquilidade públicas sob forma de reacção a uma atitude comportamental de alguém que não se dobrou às regras de convivência societária".
J. A aplicação da medida de interdição de entrada, não basta que se tenha verificado (i) o requisito da existência de uma situação de trabalho ilegal que deu origem à revogação de permanência, sendo, ainda, necessário verificar-se o (ii) requisito de que a mesma se funde na existência de um perigo de perturbação da ordem ou tranquilidade públicas.
K. A medida de interdição de entrada tem que fundar-se necessariamente na existência de razões concretas e próprias que justifiquem que os mesmos não devam, por determinado período de tempo, entrar na RAEM
L. Tais razões não podem resultar, singelamente, do facto de a ora Recorrente ter (alegadamente) prestado trabalho ilegal na RAEM (o que, de todo o modo, não se aceita): mesmo que tal se tivesse verificado (o que não se concede), de tal facto não resulta, sem mais, necessaria e/ ou automaticamente, qualquer perturbação para a ordem ou a tranquilidade pública.
M. No caso dos autos razão alguma, do ponto de vista do interesse público, se verifica no presente caso que possa justificar a aplicação de tal medida à ora Recorrente.
N. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 12° da Lei 6/2004.
O. A Lei n.° 6/2004 não estabelece qualquer limite mínimo nem máximo para o período de interdição de entrada, nem o mesmo pode ser extraído, para efeitos dos presentes autos, da Lei da Criminalidade Organizada.
P. O juízo quanto à proporcionalidade da medida de interdição de entrada não pode fazer-se por mera comparação entre o período aplicado e o respectivo limite máximo.
Q. Ao contrário, prevê o artigo 12°. n.° 4 da Lei n.° 6/2004 que "o período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam".
R. Nos termos do artigo 5°, n.° 2 do Código de Procedimento Administrativo, "as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar".
S. O princípio de proporcionalidade constitui os limites internos do exercício do poder discricionário, por força do qual, a medida de interdição de entrada tem de ser idónea ou adequada, sendo capaz de conduzir ao objecto que se visa; necessária, sendo, entre as medidas idóneas, aquela menos lesiva; e proporcional ou equilibrada, sendo aceitável em função de sacrifícios e benefícios.
T. A Entidade Recorrida não crivou a medida de interdição luz de tal princípio e limites, tendo preferido, ao invés, aleatoriamente invocado uma diferença aritmética entre a medida aplicada e um suposto (mas inexistente ou, pelo menos, inaplicável ao caso concreto) limite "legal" de 10 anos, o que é legalmente infundado.
U. O período de interdição de 3 anos é proporcional à gravidade, perigosidade e censurabilidade dos actos da Recorrente.
V. A aplicação de tal medida pelo período de três anos, mostra-se manifestamente desproporcional e desequilibrada, em violação do disposto no artigo 12.°/ 2, 2) e 4 da Lei 6/2004 e do artigo 5.°/ 2 do Código do Procedimento Administrativo”.

A final, pede a procedência do recurso e a consequente anulação do acto recorrido; (cfr., fls. 4 a 48 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Citada, a entidade recorrida contestou, apresentando as conclusões seguintes:

“ 32.°
O despacho de 2017.02.07, proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança, que, decidindo do recurso hierárquico apresentado, aplicou à ora Recorrente a medida de interdição de entrada na RAEM, pelo período de 3 anos, não padece dos vícios invocados pela Recorrente.
33.°
Em primeiro lugar, a Recorrente confessa que praticou actos de actividade laboral, substituindo-se às trabalhadoras do estabelecimento loja n.° ..., denominada "ZZ, no Canal das Lojas do complexo The Venetian, para atender clientes.
34.°
Contudo, nunca logrou confirmar que a sua situação estava plenamente enquadrada na excepção prevista na alínea l) do nº 1 do artigo 4º do Regulamento Administrativo nº 17/2004, pois alegou a existência de um acordo entre empresas sediadas fora da Região Administrativa Especial de Macau e pessoas singulares ou colectivas sediadas na RAEM, mas comprovou o registo referido no nº 4 do mesmo artigo 4º do Regulamento Administrativo nº 17/2004.
35.°
Ora, esse registo - permanentemente actualizado, em que constem os dias em que o não residente exerce efectivamente actividades no âmbito daquele acordo interempresarial, e que deve ser exibido, sempre que solicitado, às entidades fiscalizadoras - é absolutamente exigível, independentemente do carácter mais ou menos determinado ou mais ou menos ocasional da actividade em causa, sob pena de sistemática fraude à lei e de inutilização dos mecanismos de controlo público do exercício de actividades laborais por não residentes.
36.°
Acresce que a Recorrente não contesta a punição administrativa de que foi alvo, por causa de tal conduta, por parte da DSAL, e a ausência de impugnação de tal punição.
37.°
Apenas tenta justificar a prática de actividade laboral, invocando, por um lado, a natureza pontual dessa actividade laboral, e, por outro, a necessidade de manter a porta do estabelecimento aberta, por causa de uma atitude concertada de "recusa" de prestação de trabalho por parte das 3 trabalhadoras do estabelecimento, através da invocação de subterfúgios vários,
38.°
E tenta justificar a não impugnação da sanção administrativa da DSAL e o pagamento da correspondente multa "não porque reconhecesse o mérito da mesma, mas por julgar que desse modo poderia pôr termo a uma situação para si bastante desconfortável, sem quaisquer outras consequências."
39.°
É manifesto, portanto, que não existe o alegado erro sobre o pressuposto de facto essencial, ou seja, sobre a prática de actividade laboral não autorizada.
40.°
Por outro lado, a Entidade Recorrida pronunciou-se em sede de recurso hierárquico e avaliou se, em face dos factos provados, e da lei vigente, poderia ser aplicada a medida de interdição de entrada, se essa aplicação tinha cobertura legal e se estava devidamente motivada.
41.°
Tendo a Entidade Recorrida avaliado minuciosamente todos os aspectos particulares do caso, e ponderado todos os argumentos apresentados pela Recorrente (incluindo quanto a certos argumentos que a mesma Recorrente já não repetiu em sede do presente recurso), não tem qualquer cabimento a alegação do vício de erro na interpretação da lei por causa do carácter automático de aplicação da medida de interdição de entrada.
42.°
Em terceiro lugar, também é improcedente, por manifesta falta de apoio na letra da lei, o alegado erro na interpretação da lei por falta do requisito de perigo de perturbação da ordem ou tranquilidade públicas.
43.°
Com efeito, a formulação legal é disjuntiva (não cumulativa): a autorização de permanência na RAEM pode ser revogada quando a pessoa não residente:
1) Trabalhar na RAEM sem estar autorizada para tal; OU
2) Manifestamente se desvie dos fins que justificam a autorização de permanência, pela prática reiterada de actos que violem leis ou regulamentos, nomeadamente prejudiciais para a saúde ou o bem-estar da população; OU
3) Constitua perigo para a segurança ou ordem públicas.
44.°
Os interesses públicos subjacentes, protegidos pela aplicação de medidas administrativas securitárias, são diferentes: na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11º e alínea 2) do n.º 2 do artigo 12º da Lei nº 6/2004 está em causa, autonomamente, a protecção da ordem e tranquilidade públicas; na alínea 1) do n.º 1 do artigo 11º e alínea 2) do n.º 2 do artigo 12º da Lei nº 6/2004 está em causa, autonomamente, a protecção do valor da protecção do trabalho dos residentes, nos termos preconizados, na sua formulação mais actual, no artigo 2º da Lei nº 21/2009 .
45.°
Finalmente, o acto administrativo recorrido não enferma de vício de desproporcionalidade do prazo de interdição.
46.°
A definição de um parâmetro, de uma moldura temporal, é uma condição de aplicação justa e equitativa da lei. E, na falta de moldura específica, na Lei nº 6/2004, a Entidade Recorrida teve por baliza o regime da Lei nº 6/97/M, apenas na sua componente máxima, para efeitos garantísticos dos particulares.
47.°
A Entidade Recorrida não aplicou estritamente a norma da alínea l) do nº 1 do artigo 18º da Lei 6/97/M, pois se o tivesse feito a Recorrente teria sido alvo de uma medida de 5 anos (o mínimo previsto naquela norma) e não de 3 anos. Ou seja, a Entidade Recorrida soube medir as diferenças e observou critérios de proporcionalidade.
48.°
De resto, e ao contrário do que capciosamente a Recorrente pretende fazer crer, a Lei nº 6/97/M não contém apenas directamente, necessariamente normas conexas com o fenómeno da criminalizada organizada: contém outro tipo de normas, que podem reputar-se de carácter mais geral (nomeadamente, as normas das alíneas c), d) e e) do nº 1 do artigo 33º, sobre interdição de entrada na RAEM) e nem sequer de carácter criminoso: segundo o artigo 35º (prostituição) daquela Lei, a prostituição constitui mera infracção administrativa, punida com multa de 5.000 patacas”.

A final, pugna pela manutenção da decisão recorrida; (cfr., fls. 108 a 118).

*

Em conformidade com o estatuído no art. 66° do C.P.A.C., procedeu-se à inquirição das testemunhas pela recorrente arroladas no integral respeito do formalismo processual; (cfr., fls. 156 a 156-v).

*

Deu-se observância ao estatuído no art. 68° do C.P.A.C., tendo recorrente e entidade recorrida apresentado alegações facultativas; (cfr., fls. 174 a 180 e 181 a 202).

*

Seguidamente, em sede de vista, emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na petição inicial e nas alegações de fls.183 a 202 dos autos, a recorrente solicitou a anulação do despacho recorrido que lhe tinha aplicado a interdição de entrada no período de três anos, invocando sucessivamente o erro nos pressupostos de facto, o erro na interpretação da Lei e, afinal, a violação do princípio da proporcionalidade.
*
Repare-se que o art.12º do Regulamento Administrativo n.º17/2004 bem como a alínea 2) do n.º1 do art.22º da Lei n.º21/2009 atribuem ao Director da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais a competência para qualificar se uma prestação de trabalho constituir trabalho ilegal ou trabalho sem devida autorização, e para graduar a sanção aplicável.
No caso sub judice, a recorrente reconheceu, nos arts.54º e 55º da petição, que tinha pago, de imediato, espontaneamente e sem reserva, a multa de MOP$5,000.00 aplicada pela Chefe substituta do Departamento de Inspecção de Trabalho da DSAL, que imputou à recorrente a prática duma infracção administrativa p.p. pelo preceito na alínea 1) do n.º5 do art.32º da Lei n.º21/2009 (doc. de fls.89 a 92 dos autos).
Independentemente de o pagamento espontâneo pela recorrente da dita multa constituir ou não a aceitação prevista no art.34º do CPAC, o certo é que tal pagamento faz com que o sobredito despacho punitivo da Chefe substituta do Departamento de Inspecção de Trabalho da DSAL se forme caso decidido e se consolide no ordenamento jurídico, tornando-se inimpugnável que ela praticou prestação de trabalho sem autorização p.p. pelo disposto na alínea 1) do n.º5 do art.32º da Lei n.º21/2009.
Bem, de acordo com o disposto na alínea 1) do n.º1 do art.11º da Lei n.º6/2004, a autorização de permanência na RAEM pode ser revogada quando a pessoa não residente trabalhar na RAEM sem estar autorizada para tal. E a alínea 2) do n.º2 do art.12º desta Lei prevê que pode ser decretada a interdição de entrada às pessoas a quem tenha sido revogada a autorização de permanência nos termos do n.º1 supra referido.
Interpretando o verbo «pode» em conformidade com as doutrinas e jurisprudências pacíficas, podemos extrair que são discricionários os poderes atribuídos pelos sobreditos dois segmentos legais ao Chefe do Executivo que os delegou no Secretário para a Segurança (art.1º da Ordem Executiva n.º111/2014 e art.4º, n.º1, do Regulamento Administrativo n.º6/1999).
Deste modo, as decisões punitivas tomadas pelo Director da DASL ao abrigo dos arts.9º a 12º do Reg. Adm. n.º17/2004 e dos arts.32º a 34º da Lei n.º21/2009 não eliminam os poderes discricionários do Secretário para a Segurança, e este não fica obrigado a aplicar interdição de entrada aos indivíduos não residentes que tenham sido punidos pelo Director da DSAL por terem cometido infracção administrativa de trabalho ilegal ou de trabalho sem devida autorização.
Porém, importa ter presente que o Secretário para a Segurança não tem competência para combater ou sancionar tralho ilegal, daqui decorre que por força do princípio da legalidade, o Secretário para a Segurança não se dispõe da competência para determinar se alguém tenha incorrido na infracção administrativa de trabalho ilegal lato sensu.
Convém sublinhar que não se descortina disposição regulamentar ou legal que atribua ao Secretário para a Segurança um poder de direcção ou supervisão sobre o Director da DSAL. O que nos conduz a entender que o Secretário para a Segurança não detém a competência para revogar os actos administrativos nos quais o Director da DSAL qualifique uma certa conduta na infracção de trabalho ilegal ou de prestação de trabalho sem devida autorização. Nesta linha de vista, inclinamos a entender ser sustentável e aplicável ao presente caso o douto raciocínio no sentido de que «因此,不論上訴人在本案中所陳述的是否屬實,其於……被發現在本澳非法工作的事實,已不能在本上訴中提出爭議,理由在於上訴人已自願繳交了勞工事務局對有關違法行為的罰款,且沒有適時就有關處罰行為提出申訴,等同於承認作出了有關違法行為。» (vide Acórdão do TSI de 17/11/20110 no Processo n.º759/2010)
Nestes termos, e sem embargo do respeito pela opinião diferente, opinamos que o acto atacado nestes autos não eiva do erro nos pressupostos de facto, nem do erro na interpretação da Lei, sob pena de exigir ao Secretário para a Segurança o que ele não tem competência de fazer.
A jurisprudência autorizada vem asseverando que ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. (vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.º13/2012 e n.º112/2014)
E vale ainda ter presente que a jurisprudência de Macau tem entendido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade por parte da Administração só deve ter lugar quando as decisões o violem de modo intolerável (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º62/2015).
Em plena conformidade com tais prudentes orientações jurisprudenciais, inclinamos a entender que o período de três anos fixado no acto recorrido para a interdição de entrada aplicada à recorrente não infringe o princípio da proporcionalidade.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso”; (cfr., fls. 211 a 212-v).

*

Colhidos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

Pressupostos processuais

2. Este tribunal é o competente.

O processo é o próprio, inexistindo nulidades.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

O acto administrativo impugnado é recorrível.

Não existem excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.

Dos factos

3. Consideram-se assentes os seguintes factos (com interesse para a decisão a proferir):
A) - a ora recorrente é residente na R.A.E.H.K. e trabalhadora da Sociedade B Limited, com sede em Hong Kong, – doravante designada por “B Limited (Hong Kong)”, que pertence ao “Grupo B” – exercendo funções de supervisão na loja explorada pelo Grupo localizada no Aeroporto Internacional de Hong Kong;
B) - a actividade do “Grupo B” consiste na promoção, distribuição e venda a retalho de produtos de várias marcas de luxo, entre as quais se contam os produtos da marca “ZZ”;
C) - em Janeiro de 2014, a sociedade “B Macau Limitada” abriu o seu primeiro estabelecimento de venda a retalho de produtos/ acessórios para o cabelo da marca ZZ em Macau, na loja n.° ..., “Grand Canal Street”, do centro comercial “Venetian Macau Resort Hotel”;
D) - desde a sua abertura e até ao seu encerramento em Abril de 2015, a “B Macau Limitada” dispunha de um quadro de pessoal trabalhador na referida loja constituído por cerca de 4 a 5 trabalhadores residentes em Macau, tendo-se verificado várias entradas e saídas de pessoal durante esse período;
E) - por essa razão, e pela (normal) inexperiência e desconhecimento por parte dos trabalhadores residentes recém-contratados relativamente aos produtos comercializados, a “B Macau Limitada” celebrou, em 01.04.2014, um contrato com a sociedade “B Limited (Hong Kong)” para lhe solicitar apoio e serviços técnicos com vista a assegurar o bom funcionamento da sua actividade comercial;
F) - nos termos do referido contrato:
i) a “B Limited (Hong Kong)” obrigava-se a destacar ocasionalmente para Macau trabalhadores seus para prestar à “B Macau” apoio técnico e serviços relacionados com o recrutamento, supervisão e formação das funcionárias locais;
ii) a sociedade “B Limitada Macau” obrigava-se a suportar as despesas de transporte, alimentação e alojamento do(s) trabalhador(es) enviado(s) pela sociedade “B Limited (Hong Kong)”;
G) - para o cumprimento do referido contrato, a “B Limited (Hong Kong)” destacou profissionais para prestação de serviços técnicos à sociedade “B Macau Limitada”;
H) - o termo inicial do referido contrato era de 01.04.2014 a 31.03.2015;
I) - em face da contínua necessidade dos referidos serviços, a “B Limited (Hong Kong)” e a “B Macau Limitada” procederam à renovação do aludido contrato por mais um ano;
J) - no dia 08.04.2015, após uma denúncia da existência de duas pessoas de Hong Kong a trabalhar sem (a devida) autorização para tal na loja ... do Grand Canal Street, guardas do C.P.S.P. para aí se deslocaram, encontrando no local a ora recorrente e C, também trabalhadora da “B Limited (Hong Kong)”, (e recorrente no âmbito dos Autos de Recurso Contencioso n.° 390/2017, já findo, e que se encontra apenso aos presentes autos);
K) - nas declarações que a recorrente prestou na P.S.P., a mesma confirmou ter prestado trabalho na dita loja desde 01.01.2015, e que no âmbito do seu trabalho, atendia e vendia produtos a clientes, recebia dinheiro e fazia a gestão de documentos;
L) - atento o registo das suas entradas e saídas de Macau, no período de 01.01.2015 a 08.04.2015, a mesma permaneceu em Macau um total de 56 dias, com estadias de 5, 6, 8 e 9 dias consecutivos;
M) - foi a sua situação considerada “prestação de trabalho ilegal” para efeitos do Regulamento Administrativo n.° 17/2004, e pagou a recorrente a multa que por tal “infracção administrativa” lhe foi aplicada;
N) - por despacho do Comandante da P.S.P. de 09.04.2015, foi revogada a autorização da sua residência em Macau;
O) - por despacho de 20.04.2016, foi a mesma interditada de entrar em Macau por 3 anos;
P) - em sede do recurso hierárquico que do assim decidido interpôs, proferiu o Secretário para a Segurança o seguinte:
“ DESPACHO
Assunto: Recurso hierárquico necessário
Recorrente: A
Avaliando o teor do despacho do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, substituto, de 2016.04.20, confirmado por despacho do mesmo titular, de 2016.05.20 (após ponderação dos argumentos apresentados, ainda que extemporaneamente, pela ora Recorrente, em sede de audiência escrita) e compulsado todo o processo instrutor, mostra-se suficientemente comprovado que, em 2015.04.08, a Recorrente se encontrava na loja n.° ..., denominada "ZZ", no Canal das Lojas, do complexo turístico The Venetian, no Cotai, praticando actos que configuravam prestação de trabalho no referido local. Todavia, não demonstrou possuir autorização para esse efeito (de prestação de trabalho) emitida por autoridade competente da RAEM, sendo que, por esse facto, acabou por ser punida, com multa, pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, que não impugnou.
A Recorrente alega falta de fundamentação do acto recorrido, mas sem razão, como resulta, de resto, dos próprios termos da petição de recurso. De facto, o acto administrativo deve considerar-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal, possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção. E, desde o início do procedimento, logo em sede de audiência prévia (cfr. n.° 62 da pronúncia, a fls. 82), ficou bem evidente que a Recorrente teve pleno conhecimento das razões de facto e de direito subjacentes à medida de interdição de entrada que acabou por lhe ser aplicada.
A Recorrente alega também que o prazo de interdição é desproporcional, mas o argumento não colhe, pois o prazo de 3 anos, que foi aplicado no caso concreto, está bem longe do limite máximo legal, que tem sido situado em 10 anos (extraído da alínea l) do n.° 1 do artigo 18.° da Lei n.° 6/97/M, de 30 de Junho).
A Recorrente alegou, ainda, que os actos que praticou, na loja, foram de natureza pontual e que a situação não era ilegal porque estava abrangido pela excepção prevista na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.° do Regulamento Administrativo n.º 17/2004. Porém, não logrou fazer prova adequada, inequívoca, dos requisitos de que depende a verificação de tal excepção.
Por isso, foi justificada a revogação da autorização de permanência, determinada por despacho de 2015.04.09, do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 11.° da Lei n.º 6/2004, de que a Recorrente tomou conhecimento e que nunca impugnou (fls. 15 e 16).
E, uma vez que a lei (concretamente, a alínea 2) do n.° 2 do artigo 12.° da Lei n.° 6/2004) determina que pode ser aplicada a medida administrativa de interdição de entrada ao não residente a quem tenha sido revogada a respectiva autorização de permanência na RAEM ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 11.° da mesma Lei, não merece censura a decisão contida no acto administrativo impugnado, que aplicou à Recorrente, A, a medida de interdição de entrada na RAEM por um período de 3 anos.
Assim, e considerando que da petição de recurso hierárquico não decorre nenhum outro argumento que imponha ou aconselhe a revogação do acto impugnado, concluo que este tem bom fundamento de facto e de direito, e está adequadamente motivado, pelo que, ao abrigo do artigo 161.°, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, decido confirmá-lo, negando provimento ao presente recurso.
Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 07 de Fevereiro de 2017.
(…)”; (cfr., fls. 66 a 66-v).

Do direito

4. Como resulta do que se deixou relatado, vem A recorrer do despacho proferido pelo SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA, datado de 07.02.2017, com o qual se indeferiu o recurso hierárquico que interpôs da decisão do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública que lhe aplicou a medida de “interdição de entrada em Macau por 3 anos”.

E como se colhe das suas alegações e conclusões de recurso, assaca ao “acto administrativo recorrido” os vícios de “erro nos pressupostos de facto e respectiva qualificação jurídica”, “erro de julgamento quanto ao caracter automático de aplicação da medida de interdição de entrada em Macau” e de “violação do princípio da proporcionalidade”.

Sem mais demoras, vejamos se tem a recorrente razão.

Nos termos do art. 122° do C.P.A.:

“1. São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2. São, designadamente, actos nulos:
a) Os actos viciados de usurpação de poder;
b) Os actos estranhos às atribuições da pessoa colectiva em que o seu autor se integre;
c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime;
d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os actos praticados sob coacção;
f) Os actos que careçam em absoluto de forma legal;
g) As deliberações dos órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos;
h) Os actos que ofendam os casos julgados;
i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente”.

Por sua vez, estatui o art. 21° do C.P.A.C. que:

“1. Constitui fundamento do recurso a ofensa, pelo acto recorrido, dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis, designadamente:
a) A usurpação de poder;
b) A incompetência;
c) O vício de forma, nele incluindo a falta de fundamentação ou equivalente;
d) A violação de lei, nela incluindo o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários;
e) O desvio de poder.
2. São também fundamento do recurso outras causas relevantes de invalidade do acto recorrido, designadamente:
a) A falta de elementos essenciais do acto;
b) A falta e os vícios da vontade do autor do acto, quando relevantes”.

–– Notando-se que o “pagamento (voluntário) da multa” e a não reacção por parte da ora recorrente em relação ao acto administrativo que lhe revogou a autorização de residência em Macau não a impede de (agora) impugnar o acto administrativo do Secretário para a Segurança em questão no presente recurso contencioso, (assacando-lhe os “vícios” que já se deixaram referenciados), comecemos pelo alegado “erro nos pressupostos de facto e respectiva qualificação jurídica”.

Pois bem, no âmbito da temática dos “vícios do acto administrativo”, tem-se entendido, atento o preceituado nos atrás transcritos comandos legais, que estes se identificam com os (tradicionais vícios) de “usurpação de poder”, “incompetência”, “vício de forma”, “desvio de poder” e “violação de lei”, (sendo este último o pela recorrente invocado no seu recurso).

O conceito de “violação de lei” não abarca toda e qualquer violação da lei: com efeito, por definição, qualquer vício do ato administrativo implica uma violação da lei (no sentido amplo de “bloco de legalidade”).

Há um critério positivo e um critério negativo de identificação do vício da violação de lei.

O conteúdo essencial do vício de violação de lei respeita às ilegalidades objectivas materiais dos actos administrativos: o vício de violação de lei é, assim, aquele em que incorrem os actos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos pressupostos de facto, ao objecto e ao conteúdo.

O vício de violação de lei é também doutrinalmente empregue para garantir o caracter fechado da teoria dos vícios do acto administrativo.

Nestes termos, padecem de “violação de lei” os actos administrativos (ilegais) cuja ilegalidade não se possa reconduzir a qualquer dos outros vícios, tendo, portanto, este vício, “carácter residual”.

O recurso contencioso, é o meio (processual) próprio para obter o reconhecimento judicial da existência de (todos os) vícios que possam inquinar um acto administrativo lesivo, e, assim, obter a sua anulação contenciosa; (cfr., art. 21° do C.P.A.C.).

Constituindo o erro nos seus pressupostos um dos vícios de violação de lei que conduzem à anulação do acto administrativo, e competindo ao recorrente alegar e provar no recurso os factos integrativos do erro, cabe ao Tribunal, face a todos elementos legalmente admissíveis de que dispõe, formular um juízo sobre a conformidade com a realidade dos pressupostos de facto que a Administração teve em conta aquando da prolação do acto impugnado.

O “erro nos pressupostos de facto” constitui assim uma das causas de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois é a própria substância do acto administrativo que contraria a lei.

Tal vício consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade.

Assim, se o pressuposto (factual) de que o acto recorrido partiu, não se mostra verificado, o mesmo encontra-se inquinado com o vício de “violação de lei” por “erro nos pressupostos de facto”.

Adequado é desta forma dizer-se que:
- o «erro sobre os pressupostos de facto», traduz-se na divergência entre os factos que a entidade administrativa teve em conta para decidir como decidiu, e a sua real ocorrência; e que,
- o «erro nos pressupostos de direito», traduz-se na inadequação do regime jurídico e normas jurídicas aplicadas pela entidade administrativa à base factual convocada.

Aqui chegados, atento ao que se deixou relatado, e sem prejuízo do devido respeito por diversa opinião, cremos que visto está que não padece o acto administrativo recorrido dos apontados “vícios”.

Com efeito, e como cremos ser o que de uma análise global, cruzada e lógica dos elementos probatórios existentes nos presentes autos resulta, inexiste o imputado “erro nos pressupostos de facto”, pois que não se vislumbra a pela ora recorrente alegada “divergência” entre os factos que a entidade recorrida teve em conta para decidir como decidiu e a sua real ocorrência.

Antes pelo contrário, constata-se que os “pressupostos de facto” de que a entidade administrativa/autor do acto partiu para prolatar a decisão recorrida estão correctos, não se tendo considerado factos não provados ou desconformes com a realidade; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 13.03.2014, Proc. n.° 580/2011, onde se considera que “Há erro nos pressupostos de facto quando os factos que sirvam de fundamento a um acto administrativo não são verdadeiros, ou apenas putativos ou erradamente reputados como verdadeiros pela Administração na prática do acto”).

Não se olvida também que no âmbito dos Autos de Recurso Contencioso n.° 390/2017 – cfr., “alínea J) da matéria de facto” – outra foi a solução a que se chegou, (e que veio a ser confirmada pelo recente Acórdão do Vdo T.U.I. de 29.05.2019, Proc. n.° 20/2019, onde se considerou, expressamente, que “Se decorre da factualidade dada como assente nos autos que o interessado prestou trabalho ou serviço, no âmbito de um acordo celebrado entre uma empresa de Hong Kong e outra de Macau para prestar apoio técnico e serviços relacionados com o recrutamento, supervisão e formação das funcionárias locais, e a sua permanência na RAEM não foi superior a 45 dias, consecutivos ou interpolados, por cada 6 meses, não é de considerado trabalho ilegal, na falta de outros elementos fácticos que demonstrem a não ocasionalidade e pontualidade desse trabalho”).

Porém, há (também) que ter presente que “cada caso é um caso”, e que a “situação dos presentes autos” não é idêntica – nem se pode comparar – à que aí, (no dito Proc. n.° 390/2017), se apurou, pois que, tanto em sede da “natureza e assiduidade do trabalho” como no que toca ao “período de permanência em Macau” por parte da ora recorrente, (e como resulta da factualidade provada e atrás retratada), evidentes são as diferenças.

Nesta conformidade, por não se ter provado o que alega a ora recorrente quanto às “características e natureza” do trabalho que enquanto residente de Hong Kong aqui prestou, (certo sendo que à mesma cabia o ónus da prova), em face da factualidade que se apurou e que se deixou retratada, e atento ao estatuído no Regulamento Administrativo n.° 17/2004 em matéria de “trabalho ilegal” assim como o preceituado na al. 2) do n.° 2 do art. 12° da Lei n.° 6/2004 quanto à medida de “interdição da entrada a não residente da R.A.E.M.”, cabe pois dizer que se impõe negar provimento ao recurso na parte em questão, pois que o acto administrativo impugnado não se apresenta inquinado com os vícios de “erro nos pressupostos de facto” nem de “errada aplicação do direito” (no que toca à sua “qualificação” ou “enquadramento jurídico”).

–– Continuemos, passando agora para o alegado “erro de julgamento quanto ao caracter automático de aplicação da medida de interdição de entrada em Macau”.

Ora, também aqui, não se pode reconhecer razão à ora recorrente.

Vejamos.

Se bem ajuizamos, é a recorrente de opinião que para “A aplicação da medida de interdição de entrada, não basta que se tenha verificado (i) o requisito da existência de uma situação de trabalho ilegal que deu origem à revogação de permanência, sendo, ainda, necessário verificar-se o (ii) requisito de que a mesma se funde na existência de um perigo de perturbação da ordem ou tranquilidade públicas”; (cfr., conclusão J).

Porém, labora em equívoco.

Com efeito, há que atentar no estatuído nos art°s 11° e 12° da Lei n.° 6/2004.

Nos termos do dito art. 11°:

“1. A autorização de permanência na RAEM pode ser revogada, sem prejuízo da responsabilidade criminal e das demais sanções previstas na lei, por despacho do Chefe do Executivo, quando a pessoa não residente:
1) Trabalhar na RAEM sem estar autorizada para tal;
2) Manifestamente se desvie dos fins que justificam a autorização de permanência, pela prática reiterada de actos que violem leis ou regulamentos, nomeadamente prejudiciais para a saúde ou o bem-estar da população;
3) Constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.
2. A pessoa a quem tenha sido revogada a autorização de permanência tem de abandonar a RAEM no mais curto prazo possível, não superior a 2 dias, excepto se:
1) Permanecer legalmente na RAEM por mais de 6 meses, caso em que dispõe de um prazo para abandoná-la não inferior a 8 dias, sem prejuízo do disposto na alínea seguinte;
2) Constituir grave ameaça para a segurança ou ordem públicas, caso em que pode ser decretado o abandono imediato.
3. O despacho de revogação da autorização de permanência fixa a data até à qual a pessoa tem de abandonar a RAEM.
4. A competência prevista no n.º 1 é delegável”; (sub. nosso).

E, em conformidade com o preceituado no art. 12° da mesma Lei:

“1. As pessoas a quem seja decretada a expulsão ficam, depois de esta ser concretizada, interditas de entrar na RAEM por um período a fixar na ordem de expulsão.
2. Pode igualmente ser decretada a interdição de entrada:
1) Preventiva ou sucessivamente, quando os motivos que levam à recusa de entrada, nos termos das alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, justifiquem que essa medida seja prolongada no tempo;
2) Às pessoas a quem seja revogada a autorização de permanência nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
3. A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
4. O período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam”; (sub. nosso).

E, como cremos resultar com (bastante) clareza, necessário não se mostra a “verificação cumulativa dos (dois) requisitos” pela recorrente enunciados, pois que, in casu, em causa não está a aplicação do n.° 3 do transcrito art. 12°.

Seja como for, da leitura que se nos apresenta de fazer ao teor da decisão agora recorrida, não se nos afigura que se tenha praticado o acto recorrido como “reacção automática” à conduta da ora recorrente, tendo-se, óbvia e naturalmente, ponderado na “necessidade”, “adequação” e “oportunidade” da medida decretada.

–– Aliás, tal, em nossa opinião, é até revelado com a (própria) duração do “período de interdição” fixado – em 3 anos – e que se apresenta, em nossa opinião, razoável e em sintonia com o estatuído no n.° 4 do transcrito art. 12° da Lei n.° 6/2004, assim se constatando também que improcede, igualmente, o último fundamento do presente recurso pela recorrente invocado, ou seja, o de “violação do princípio da proporcionalidade”, já que, nesta matéria, e com excepção de situações manifestas e grosseiras, que não se mostra ser o caso, a este T.S.I. não compete emitir pronúncia.

Como tem sido entendimento – firme e repetido – dos Tribunais de Macau:

“No âmbito da discricionariedade ou, em geral, naqueles casos em que é reconhecida uma margem de livre apreciação e decisão à Administração, não cabe ao Tribunal dizer se a decisão da Administração foi aquela que o tribunal teria proferido se a lei lhe cometesse essa atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.
A intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem”; (cfr., v.g., o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 22.05.2019, Proc. n.° 104/2014, podendo-se, sobre o sentido e alcance do princípio em questão ver Lino Ribeiro e José Cândido Pinho in “Código de Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado”, pág. 90 e segs.).

Outra questão não havendo a apreciar, impõe-se a decisão que segue.

Decisão

5. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela recorrente com 10 UCs de taxa de justiça.

Registe e notifique.

Macau, aos 19 de Setembro de 2019

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng Mai Man Ieng


(*) Processo redistribuído ao ora relator em 11.04.2019.
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Proc. 389/2017 Pág. 44

Proc. 389/2017 Pág. 1