Proc. nº 633/2019
Recurso jurisdicional em matéria cível
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Setembro de 2019
Descritores:
- Propriedade horizontal
- Terraço de cobertura
- Uso exclusivo
SUMÁRIO:
I - O terraço de cobertura de um prédio, sendo propriedade do condomínio, pode ser afectado ao seu uso exclusivo por um dos condóminos.
II - Esse uso exclusivo, porém, não impede em certas situações o acesso directo ao terraço por parte dos restantes condóminos, nomeadamente para reparações necessárias e urgentes, sendo certo que noutras situações esse acesso, nomeadamente para colocação de aparelhos de ar condicionado, dependerá de aprovação nesse sentido pela assembleia geral de condomínio.
Proc. nº 633/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, solteiro, maior, residente no Edifício XX, sito no XX, nº XX, XX, Macau, instaurou no TJB (Proc. nº CV2-18-0027-CAO) -----
Acção declarativa de condenação, na forma de processo ordinário contra------
1 - B e mulher C, residentes em Macau na R. XX n.º XX, XX.º andar, titulares do direito de propriedade da fracção XX, do XXº andar esquerdo, do prédio n0XX do XX;
2 - D, viúva, residente em Macau, no XX n.º XX, XX.º andar, “XX”, por si e em representação de:
3 - E, solteiro, menor; residente em Macau, no XX n.º XX, XX.º andar, “XX”;
4 - F, solteiro, menor, residente em Macau, no XX n.º XX, XX.º andar, “XX”:
Pediu nela a procedência da acção e, em consequência, fossem os RR condenados a:
a) Reconhecerem o direito do A. e restantes condóminos, na qualidade de comproprietários das partes comuns do Edifício XX, ao uso do terraço de cobertura, para fins de utilidade comum, nomeadamente para colocação das unidades externas de ar condicionado, nos termos definidos pelo Regulamento do Condomínio do Edifício XX;
b) Permitirem a todos os condóminos o livre acesso à parte comum do edifício, constituída pelo terraço de cobertura, e serem condenados a retirar qualquer elemento de obstrução ao livre acesso ao terraço de cobertura para fins de uso comum e para segurança e prevenção de incêndios.
c) Sanção pecuniária compulsória de MOP$2.000,00 (duas mil patacas) por cada dia que os RR não acatem a decisão do tribunal e não permitam o acesso ao terraço de cobertura ao A. e demais condóminos.
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Na oportunidade, foi proferida despacho saneador-sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR dos pedidos.
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Inconformado, o autor interpôs recurso dessa decisão, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I - O direito de uso exclusivo de parte comum de prédio constituído em regime de propriedade horizontal, não constitui um direito real de uso.
II - O direito de uso exclusivo não resulta do desmembramento do direito real de propriedade, não equivale ao direito de uso e habitação, não é temporário, a posse do direito de uso exclusivo não permite adquirir por usucapião, excepto se existir inversão do título da posse.
III - O uso exclusivo de parte comum de prédio em regime de propriedade horizontal, desde que constituído no título constitutivo, concede apenas o direito de uso, qua tale, de forma exclusiva, ao seu titular, mas não é suficiente para impedir outros condóminos do exercício do direito de passagem para acesso a parte comum do prédio, ou e usufruir de utilidades para o bem comum e integral gozo do direito de propriedade da fracção autónoma de cada condómino (instalação de antenas satélite e de telecomunicações, aparelhos externos de ares condicionados, canalizações de aquecimento, água, energia solar, etc.).
IV - A sentença recorrida parte da concepção de que o uso exclusivo é um direito real de uso, constrói a partir daí um poder absoluto do titular do direito, esquecendo-se que o mesmo incide sobre propriedade comum de todos os condóminos, que mantêm a qualidade de co-proprietários daquela parte comum e não foram desapossados do direito de propriedade, só não têm o uso exclusivo.
Como refere Aragão Seia, in Propriedade Horizontal, Almedina, Fevereiro de 2001, a pág.s 74 e 75, a todos os condóminos é permitido o acesso ao vão do telhado para reparação de telhas ou colocação de equipamentos necessários e ainda que o acesso se faça pelo interior de uma das fracções, ali escrevendo o que se segue:
“O acesso é feito ou pela caixa da escada quando esta sobe até ao telhado, normalmente neste caso possui clarabóia, ou através de um alçapão no tecto da caixa da escada, quando ela não ultrapassa o último piso, ou, até, por um alçapão que se posiciona no tecto de qualquer das dependências dos apartamentos do último andar. O acesso, que neste último caso constitui uma verdadeira servidão de passagem, destina-se a permitir a visita ao telhado para reparações, colocação de antenas, de ar condicionado, etc”.
Responde ser possível a pretensão de servidão através de um sótão de uso exclusivo e não ser possível a pretensão de atravessar condutas através do espaço privativo da fracção autónoma.
V - A propriedade comum mantém a aptidão dos comproprietários, em relação às partes comuns, retirarem a utilidade necessária para satisfazer integralmente necessidades inerentes ao uso da sua fracção autónoma, e necessidades comuns de todos os condóminos, que não possam ser satisfeitas noutro local do prédio, e desde que não perturbem o direito ao uso exclusivo consagrado no título constitutivo da propriedade horizontal.
VI - Quando não existe afectação objectiva do telhado de cobertura a uma fracção autónoma, para uso exclusivo de um ou mais condóminos, impõe-se, como no caso dos autos, o livre acesso à mesma por todos os condóminos, para prevenção nomeadamente de incêndios, ou outras catástrofes, tal como consta do Edital da DSOPT junto como Doc. 2-A da PI.
VII - Quando defendemos, em termos de direito constituído que os condóminos têm o direito, face à natureza jurídica da compropriedade, de retirarem e fruírem utilidades comuns de uma parte comum do edifício, mesmo afecta ao uso exclusivo de um ou mais condóminos, para satisfazer integralmente as qualidades inerentes ao seu direito de propriedade sobre a própria fracção privada, que não tenha viabilidade de ser satisfeita de mais nenhum modo, não se está a desvirtuar o direito de uso exclusivo de uma parte comum do prédio em regime de propriedade horizontal, mas sim a fazê-lo ceder face à necessidade de satisfação integral do direito de propriedade de cada condómino em relação à sua própria fracção autónoma.
VIII - Nestes casos acima enunciados, a satisfação integral de necessidades próprias inerentes ao direito de propriedade privada de uma fracção autónoma (relativamente a utilidades como instalação de água, luz, ar condicionada, telecomunicações), sobrepõe-se ao direito de uso exclusivo de parte comum do prédio por algum ou alguns dos condóminos.
IX - Mas, a doutrina e jurisprudência tem largamente tratado este tema, porquanto a elasticidade do direito real de propriedade tem a potencialidade de permitir, na propriedade horizontal, o uso exclusivo de um bem comum, sem se descaracterizar o direito de compropriedade, e a fruição da integralidade do direito de propriedade privada de fracção autónoma, mesmo quando uma parte comum do edifício em propriedade horizontal está afecta ao uso exclusivo de um ou mais condóminos.
X - Ensina o Ilustre Professor Mota Pinto: “O terraço na propriedade horizontal, mesmo quando destinado ao último morador - mesmo quando este o pode utilizar para recreio ou para usos vários - é propriedade dos condóminos. E, por exemplo, um direito de construir sobre ele é um direito de que dispõe a comunidade, e não apenas o proprietário do último andar” (Mota Pinto, Direitos Reais, 1975-1976, pg. 286, nota 58)
XI - Por seu turno, os Professores Pires de Lima e Antunes Varela em anotação aos artigo 1421º do CC de 1966, (Código Civil Anotado - III Volume, pago 420 e 423, matéria hoje regulada no artigo 1324º do Código Civil de Macau de 1999, com a epígrafe Partes Comuns do Condomínio), escrevem:
“No elenco da coisas forçosa ou necessariamente comuns cabem não só as partes do edifício que integram a estrutrura (como elementos vitais de toda a construção), mas ainda aquelas, que transcendendo o âmbito restrito de cada fracção autónoma, revestem interesse colectivo, por serem objectivamente necessárias ao uso comum do prédio.
XII - E prossegue,
Quanto às primeiras (as que pertencem à estrutura da construção) elas são comuns, ainda que o seu uso seja afectado a um só dos condóminos, pela razão simples de que a utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos.
Quanto às segundas, a sua utilidade pode ser mais ou menos ampla, mas a justificação da sua natureza está no facto de constituírem, isolada ou conjuntamente com outras, instrumentos de uso comum do prédio.”
XIII - Chamámos à colação nas presentes alegações o conteúdo do Voto de Vencido do M. Juiz José Cândido Pinho, deste V.TSI no Acórdão de indeferimento da providência cautelar, que correu por apenso aos autos da 1º, Instância, no Procº Recurso Civil e Laboral nº 887/2018, de 10 de Janeiro de 2019.
Concordámos integralmente com as premissas de direito, nele expendidas, em especial que o uso exclusivo de parte comum, num edifício em regime de propriedade horizontal não constituiu um direito real, apesar de constar do título constitutivo da propriedade horizontal, mas constitui tão só de um direito de uso, que não se pode sobrepor ao direito de propriedade comum do terraço de cobertura, parte estrutural do edifico e parte forçosamente comum de todos os condóminos.
Citando:
“Ponto é, pois, saber se o uso exclusivo terá potencialidade para impedir o recorrente, enquanto condómino, enquanto dono comum da coisa, de aceder ao local, nomeadamente para o efeito acima mencionado. (colocação dos aparelhos externos de ar condicionado). Aditamento nosso.
Como se sabe, o uso exclusivo por algum dos condóminos não impede que do terraço outros possam retirar utilidades, desde que tal não afecte e desvirtue aquela exclusividade. Ou seja, o uso exclusivo não pode afectar a propriedade, nem ser mais forte do que o direito de propriedade, do qual todos os condóminos são tirutlares, Dito de outra maneira, nenhum condómino só porque é usurário exclusivo da parte comum, não pode ficar em melhor posição dos que os seus vizinhos condóminos, impedindo-lhe a extracção da função social da propriedade. (Negrito nosso)
O uso exclusivo apenas permite ao respectivo titular do direito de gozar e extrair as utilidades normais e próprias dessa parte, enquanto tal. Apenas o tritular (e nenhum outro condómino) pode estender uma toalha na superfície para se bronzear ao sol; apenas ele pode fazer um churrasco com os seus amigos; apenas ele pode beneficiar do direito de vistas e de paisagem que ele proporciona; apenas ele numa noite de Verão pode gozar do avistamento do movimento supersónico e espectacular das estrelas cadentes, et.etc.
Por essa razão, o usuário exclusivo, não pode livremente, e sem permissão prévia da assembleia de condóminos, ampliar, por exemplo, o seu espaço útil através da instalação de uma marquise ou e um anexo, criar uma arrecadação, construir uma estufa para plantas de interior, construir um muro, montar uma cozinha, implantar um jardim, montar um fogão de sala cuja chaminé atravesse a placa e o telhado, etc. (Abílio Neto, Manual de Propriedade Horizontal, 4a. Ed.,2015, pg 337)
XIV - É neste âmbito que se tem que avaliar quais as necessidades próprias e comuns dos condóminos que impõem o uso da propriedade comum, mesmo que ela esteja afecta ao uso exclusivo de um ou mais condóminos.
XV - A colocação de unidades exteriores de ar condicionado no terraço de cobertura, de forma ordenada, conforme o lay-out aprovado na Assembleia de Condóminos, não perturba o uso exclusivo do terraço de cobertura pelos RR, pois tais aparelhos exteriores podem ser colocados nas paredes de protecção do terraço de cobertura que são comuns a todo o prédio e a todos os condóminos, ou noutro local também comum a todos os condóminos, as paredes exteriores da caixa de escada que se eleva no terraço de cobertura.
XVI - De facto, existindo no terraço de cobertura uma caixa de escada, propriedade comum e não exclusiva dos proprietários do 3º andar, ora RR (ver lay-out constante do nº4 do artigo 5º do Regulamento de Propriedade Horizontal e foto junta como Doc. I da PI, caixa de escada e terraço de cobertura do Edifício XX, depois das demolições das edificações ilegais ordenadas pela DSOPT) que se eleva do pavimento do terraço em altura, que corresponde a uma parte forçosamente comum do Edifício XX, poderão nela ser colocados, em alternativa à colocação constante do lay-out identificado supra, as unidades exteriores dos aparelhos de ar condicionado do ora recorrente e de outros condóminos.
XVII - Ou seja, o terraço de cobertura, comporta ainda um parte construída que não é de uso exclusivo dos condóminos do 3º andar, pelo que nesta parede os condóminos podem colocar os elementos exteriores dos aparelhos de ar condicionado, não perturbando o uso exclusivo dos RR e como impõe a Lei nº14/18, de 8 e Agosto, não interfere com interesses relevantes dos restantes condóminos.
XVIII - Pelo Edital da Direcção dos Serviços de Obras Públicas e Transportes, de 21 de Março de 2018, foi ordenado aos titulares da fracção 3º A a demolição das obras ilegais relaizadas por aqueles proprietários no terraço de cobertura e “considerando que as escadas, corredores comuns e terraço do edifício considerados caminhos de evacuação, devem os mesmos conservar-se permanentemente desobstruídos e desimpedidos, de acordo com o disposto no n04 do artigo 10º do RSCI, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/95/M, de 9 de Junho. As alterações introduzidas pelos infractores nos referidos espaços, descritos no ponto 1 do presente edital, contrariam a função desses espaços enquanto caminhos de evacuação e comprometem a segurança de pessoas e bens em caso de incêndio” .
XIX - Por força das leis e regulamentos da RAEM em sede de segurança e prevenção contra incêndios, aquelas partes comuns apesar de afectas ao uso exclusivo dos RR, são consideradas caminhos de evacuação que têm que estar livres e desimpedidos e não o acesso aos mesmos não pode ser obstruído, mantendo-se as portas de acesso ao terraço abertas e não trancadas.
XX - Ou seja, porque no presente caso não existe destinação objectiva do terraço em relação às fracções do 3º andar, propriedade dos RR, o uso exclusivo do mesmo sofre limitações impostas por lei e pelos regulamentos de segurança contra incêndios.
XXI- A necessidade de usar o terraço de cobertura para colocação das unidades externas de ar condicionado resultou de duas ordens de razão:
a) Por ordem administrativa, foi necessário desmontar todas as unidades exteriores de ar condicionado para proceder as obras gerais de conservação das paredes exteriores do Ed. XX; (Cf. doc nº4)
b) Por deliberação n. º3 da Assembleia Geral de Condóminos do Edifício XX, reunida em 12 de Dezembro de 2009, foi decidido que após a integral reparação e pintura das paredes exteriores do Ed. XX, estas não seriam de novo furadas e ocupadas com os mesmos equipamentos mecânicos, unidades exteriores de ar condicionado, e as mesmas canalizações informais, que foram causa da rápida deterioração dessas paredes. (Cf. doc. nº5)
XXII - Medida que resulta - e está fora do âmbito da vontade ou consenso de qualquer condómino ou da Administração do condomínio - dos termos da Planta de Alinhamento Oficial para este edifício (PAO de 28-10-2010), emitida quando da realização das obras de renovação de fachadas do Edifício XX, que se inscreve no Plano da Avenida Almeida Ribeiro onde os edifícios devem prever soluções para instalação de aparelhos de ar condicionado, de forma a não exporem esses aparelhos na via pública, o que dado o Edifício XX ter mais de 50 anos, não foi previsto o uso de tais soluções aquando da sua construção.
XXIII - A imposição legal de não colocação das unidades externas de ar condicionado na fachada do Edifício XX, virada para a via pública, obriga a soluções inovadores para protecção de bem jurídicos essências, como seja a vida, saúde, bem estar e segurança dos condóminos, em matéria de climatização das habitações.
XXIV - Não podendo os interesses de uso exclusivo de uma parte comum deixar de ceder aos interesses de protecção dos bens jurídicos essenciais enunciados supra.
XXV - Ora o acesso limitado ao terraço de cobertura, a ser efectuado nos termos e condições do estabelecido no nº 1 do artigo 16º da Lei nº 14/2017, de 8 de Agosto, não viola qualquer direito de uso exclusivo dos RR, é um direito inerente ao pleno e integral exercício do direito de propriedade privada dos proprietários das fracções autónomas, em edifícios construídos em regime de propriedade horizontal, sem necessidade de recurso a aprovação prévia de qualquer Assembleia Geral de Condóminos ou de qualquer Condómino.
XXVI - A nova legislação sobre Regime jurídico das partes comuns do condomínio, Lei nº 14/2017, de 8 de Agosto, que entrou em vigor em 21 de Agosto de 2018, é clara no que concerne a transformar em direito positivo o que temos vindo a defender com apoio doutrinário e jurisprudencial, mesmo antes da sua entrada em vigor, em sede de direito do uso de propriedade comum, mesmo que afecta ao uso exclusivo de um ou mais condóminos.
XXVII - Dispõe o artigo o n01 do artigo 16º do referido normativo
“1. O condómino pode levar a efeito obras em partes comuns para execução de benfeitorias necessárias ou úteis a funcionamento e utilização, na sua fracção autónoma, de equipamentos, instalações de água, electricidade, ar condicionado, aquecimento, gás, comunicações e semelhantes, sem necessidade de autorização da assembleia geral do condomínio, desde que não prejudiquem a utilização das coisas próprias ou das coisas comuns, nem interfiram com interesses relevantes dos restantes condóminos.”
XXVIII - Nos termos desta disposição legal o uso das paredes exteriores de protecção do terraço de cobertura, parte forçosamente comum do Edifício XX, não pode deixar de estar no âmbito da previsão legal pois são propriedade de todos os condóminos, na percentagem das respectivas permilagens, sem que qualquer título constitutivo de propriedade horizontal possa reservar o direito de uso exclusivo daquelas paredes a qualquer condómino, incluindo os ora RR,
XXIX - O mesmo se passa com o uso da parede exterior da torre da caixa de escada, que se eleva no terraço de cobertura a partir das escadas comuns do prédio, parte também forçosamente comum.
XXX - Estas paredes, partes forçosamente comuns no âmbito da propriedade horizontal, podem ser objecto de uso por todos os condóminos, porque são compropriedade de todos os condóminos, para nelas serem fixadas as unidades externas dos aparelhos de ar condicionado, quer do ora recorrente, quer dos demais condóminos.
XXXI - Esta interpretação que vimos pugnando, já tinha acolhimento na doutrina e jurisprudência, e na lei positiva da RAEM vigente até Agosto de 2018, mas está hoje reforçada pelo disposto no artigo 16º nº1 da Lei nº 14/2017, que entrou em vigor em 21 de Agosto de 2018, deixando a sentença em crise deixado de aplicar a lei ou dela fazendo errada interpretação no caso sub judicio.
XXXII - Com toda a certeza, as unidades exteriores de ar condicionado poderão ser instaladas na cobertura, porque assim está previsto no artigo 5º nº4 do Regulamento do Edifico XX.
XXXIII - Foi tomado por deliberação da Assembleia de Condóminos decidida por maioria legal e confirmada por decisão judicial, vd. Acórdão do TSI nº147/2014, de 5 de Junho de 2014.
XXXIV - O nº4 do artigo 5º do Regulamento não ficou afectado pelo completamento do título de propriedade horizontal que atribuiu o direito de uso exclusivo aos RR sobre o terraço de cobertura.
XXXV - Aquela norma do Regulamento mantém-se em vigor, pois somente o nº1 alínea a) do artigo 5º do Regulamento deve ser considerado como não escrito porque colide com o conteúdo da completação do título constitutivo que afecta o uso do terraço de cobertura aos condóminos do 3º andar do Edifício XX.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V.Exªs doutamente suprirão, deve ser revogada a decisão do tribunal a quo, e a mesma substituída por outra proferida por este Venerando Tribunal, que reconheça o direito do A. ao uso do terraço de cobertura para colocação das unidades externas de ar condicionado, nos termos do artigo 16º nº 1 da Lei nº 14/2017, de 21 de Agosto, as quais podem ser colocadas em paredes que constituem partes forçosamente comuns (paredes de protecção exterior do terraço de cobertura e/ ou parede exterior da caixa de escada no terraço de cobertura), sem necessidade de decisão de assembleia de condóminos ou dos restantes condóminos, nos termos da referida lei, ficando os RR proibidos de obstruir o direito do A. sob pena de aplicação de sanção compulsória, conforme requerido na PI.
Assim se fazendo a costumada Justiça”.
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Os RR responderam ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. O direito de uso exclusivo, de parte comum do edifício, porquanto, prevista e regulada no Direito das Coisas do Código Civil de Macau, é um direito objectivo que recai directamente sobre coisas ou realidades a elas juridicamente assimiladas, conferindo ao titular poderes sobre elas, bem como o direito de exigir de todos os outros uma atitude de respeito pela utilização que delas faça, de acordo com os poderes que o direito lhe confere;
2. Trata-se, portanto, de um direito absoluto, isto é, oponível pelo seu titular a todas as pessoas, ou seja, erga omnes.
3. Obviamente, o direito de uso e fruição de coisa alheia, é um direito real na verdadeira acepção da palavra, assim entendido, quer na Lei, quer unanimemente na doutrina e na jurisprudência, uma vez que o seu titular tem o ius utendi et fruendi da coisa, ainda que alheia.
4. O Artigo 16.º da Lei nº, 14/2017, publicada a 21 de Agosto de 2018, vigente desde 21 de Agosto de 2018, regula as “Obras em partes comuns necessárias à fruição de fracção autónoma”.
5. E, como tal, determina o seu artigo 1º que “O condómino pode levar a efeito obras em partes comuns do condomínio para execução de benfeitorias necessárias ou úteis ao funcionamento e utilização, na sua fracção autónoma, de equipamentos e instalações de água, electricidade, ar condicionado, aquecimento, gás, comunicações e semelhantes, sem necessidade de autorização da assembleia geral do condomínio, desde que não prejudiquem a utilização das coisas próprias ou das coisas comuns, nem interfiram com interesses relevantes dos restantes condóminos”.
6. Obviamente, o próprio legislador da RAEM quiz salvaguardar, na parte final desta disposição normativa, os direitos legítimos de terceiros, ao expressamente prever “desde que não prejudiquem a utilização das coisas próprias ou das coisas comuns”.
7. O direito de uso e fruição de uma parte comum, constante dos documentos constitutivos da propriedade horizontal, e devidamente registado como tal, é um Direito Real oponível erga omnes, exercido em exclusivo pelo seu titular.
8. Já o direito de condómino, relativamente às partes comuns do prédio, é um direito exercido em co-titularidade com os demais condóminos do prédio, onde cada um tem uma quota ideal correspondente à sua permilagem no edifício, representados por uma Assembleia Geral que delibera a vontade da maioria, ou até da unanimidade, dos presentes na reunião (Vide artigos 1317º e 1318º do CC).
9. O Direito dos Condóminos nas partes comuns do prédio, cessa quando se depara com o “uso exclusivo” de um determinado condómino porque o Direito deste é um Direito distinto e superior ao seu.
10. Todos os actos administrativos que a Recorrente refere nos Autos, são isso mesmo e tão só.
11. Na verdade, nenhum acto administrativo pode colidir com o direito de real, ainda que de uso de coisa alheia, pelo que nunca os mesmos podiam suportar ou servir de base para qualquer decisão de Direito privado.
12. Se, porventura, o que nem sequer se admite, tal acontecesse, seriam actos contrários ao sistema jurídico vigente, e por isso nulos e de nenhum efeito.
13. Considera-se parte comum (propriedade comum de todos os condóminos) tudo o que não seja fracção autónoma e/ ou tudo o que não seja parte integrante ou uso exclusivo de fracção autónoma.
14. Se a afectação da parte comum ao uso exclusivo de um determinado condómino não constar do titulo constitutivo da propriedade horizontal, só por acordo de todos os condóminos, constante de acta assinada por todos, é que pode este vir a ser modificado, o que não é o caso.
NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado improcedente, e, consequentemente, ser mantida a Douta Sentença do tribunal a quo com todas as consequências legais.
Decidindo desta forma, farão V.Exas., a devida JUSTIÇA!”
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A decisão recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. O Autor é proprietário de 3 fracções (AR/C, BR/C, A2) do prédio denominado XX, construído em encosta, em regime de propriedade horizontal, sito no no XX do XX e no XX do XX, descrito sob o no 2XXX7, inscrito na XX sob o no 1XXX0, estando as referidas fracções inscritas em nome do A. sob o no 1XXX0, a fls. XX do Livro XX, no XX e no 1XXX5G respectivamente.
2. As fracções A/RC e B/RC, pertencentes ao Autor não têm afectação objectiva a qualquer pátio interior, os quais existem ao nível da cave, dois níveis abaixo do rés-do-chão, com entrada pelo no XX do XX, pátio designado por Saguão, no título constitutivo da propriedade horizontal, que serviu de base à inscrição da propriedade horizontal em 5 de Abril 1967, e estão afectos, por destinação objectiva, ao uso exclusivo das fracções AC/V, BC/V.
3. A constituição do regime de propriedade horizontal do Edifício XX, foi registada pela inscrição no 7XX0, a fls. XX do Livro XX no Registo Predial em 5 de Abril de 1967.
4. Em 7 de Março de 2011, foi requerido pelos proprietários da fracção B3, a completação do registo da propriedade horizontal efectuado em 5 de Abril de 1967. Após o registo de completação do registo original, passou a constar que “A cobertura - terraço é de uso exclusivo das moradias do 3° andar”. O Autor requereu a rectificação judicial do acto de registo mas este improcedeu por douto Acórdão do TSI no 208/2016, de 23 de Março de 2017.
5. O Regulamento de Propriedade Horizontal do referido prédio foi aprovado em Assembleia de Condóminos realizada em 22 de Agosto de 2010 e registado em 17 de Maio de 2011, sob o averbamento no 2 à inscrição no 7XX0 de constituição de Propriedade Horizontal, na Conservatória do Registo Predial de Macau, deliberação confirmada por douto Acórdão do TSI no 147/2014, de 5 de Junho de 2014.
6. Estatui o art. 5º do referido Regulamento de Propriedade Horizontal, nomeadamente, o seguinte:
“l. Terraço
a) É vedado o uso exclusivo do terraço por parte de qualquer fracção autónoma
b) É vedada qualquer construção no terraço de cobertura para uso exclusivo de qualquer fracção autónoma
2. Pátio
a) É autorizado o uso exclusivo do pátio às fracções ACv e BCv.
b) É vedada qualquer construção no pátio.
…………………………………………………………….
4. Equipamentos de ar condicionado “
a) As unidades exteriores de ar condicionado serão instaladas na cobertura de acordo com a seguinte disposição:
7. Conforme a certidão do registo predial junta aos autos, a inscrição da propriedade horizontal do Edifício XX foi efectuada em 5 de Abril de 1967 sob o no 7XX0.
8. O direito ao uso exclusivo das moradias do 3o andar, estava previsto na memória descritiva do projecto de construção do prédio, datada de 8 de Junho de 1966 e foi inscrito por averbamento no 1 da inscrição no 7XX0 em 7 de Março de 2011.
9. O Regulamento de Propriedade Horizontal referido no ponto 5) foi aprovado pelo Autor sozinho, na Assembleia do Condomínio realizada em 22 de Agosto de 2010.
10. O artigo 5º do Regulamento do Condomínio aprovado na Assembleia de Condóminos de 22 de Agosto de 2010, não foi aprovado por unanimidade dos condóminos do Edifício XX.
11. E não obteve o voto favorável de 2/3 do valor total do condomínio referido no no 2º do artigo 1321º do CC.
12. O artigo 5º do Regulamento, foi aprovado apenas com os votos do Autor, que é proprietário das fracções “AR/c”, “BR/c” e “A2”, as quais correspondem a 28% do valor total do condomínio.
Por constarem dos autos os respectivos elementos, ou por ser do nosso conhecimento em razão das nossas intervenções processuais em processos anteriores, damos por assente a seguinte factualidade:
13. No TJB foi também instaurada uma providência cautelar (Proc. nº CV1-18-0004-CPV) em que pedia que lhe fosse reconhecido, na qualidade de proprietário de três fracções do prédio onde vive, o direito de aceder ao terraço deste a fim de ali permitir colocar unidades externas de ar condicionado.
14. A decisão da 1ª instância foi de indeferir a providência, que o TSI, em recurso jurisdicional para si interposto, manteve por acórdão de 10/01/2019 no Processo nº 887/2018.
***
III – O Direito
1. Pretendia o autor da acção a condenação dos RR no seguinte:
- A reconhecerem a si, e aos restantes condóminos, o direito de acederem ao terraço de cobertura do prédio onde vive, de acordo com o Regulamento do Condomínio, para fins de utilidade comum, nomeadamente para colocação das unidades externas de ar condicionado, bem como para fins de segurança e prevenção de incêndios, e
- Retirarem quaisquer elementos de obstrução ao livre acesso ao referido terraço;
- A fixação de sanção pecuniária compulsória de MOP$ 2.000,00 por cada dia que os RR se neguem a acatar a decisão do tribunal.
O tribunal “a quo”, lavrou no despacho saneador, como se disse, uma decisão de improcedência da acção, com absolvição dos RR dos pedidos.
Para assim concluir, partiu do princípio de que o autor não podia passar por cima do direito dos condóminos titulares do 3º andar do prédio, a quem está reconhecido o direito de uso exclusivo do terraço de cobertura.
E porque assim decidiu?
a) - Por entender não ser possível reconhecer de modo geral e abstracto um direito ao autor de acesso ao terraço, sob pena de modificação de exclusividade que aos RR é garantido pelo título constitutivo da propriedade horizontal;
b) - Por achar que só casuisticamente é possível permitir o acesso ao terraço para actos de intervenção urgentes ou de conservação da parte comum;
c) - Por pensar que só negociando o autor com os RR é possível obter a sua permissão para aceder ao terraço para aquele fim ou para a alteração do título da propriedade horizontal;
d) - Porque o regulamento do Condomínio aprovado apenas com os votos do autor (proprietário das fracções AR/c BR/c e A2, o que equivale a 28% do condomínio), não pode ofender o direito dos proprietários do último piso do prédio;
e) - Porque a Lei nº 14/2017, embora permita a utilização das partes comuns do condomínio, apenas a possibilita se não for prejudicada a utilização das coisas próprias ou comuns ou se não interferir com interesses relevantes dos restantes condóminos.
Vejamos, então.
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2. A decisão impugnada reconhece que o terraço é parte comum dos condóminos e que o dono do 3º andar apenas tem sobre ele o seu uso exclusivo.
Uso exclusivo que, por exemplo, lhe permite tomar ali um chá fresco em noites quentes de Verão, tirar fotografias à cidade ou ao céu, fumar um cigarro, descansar sobre uma liteira, conversar com os elementos do seu agregado, deitar-se ao sol para se bronzear, etc. etc. Ou seja, pode retirar dele as suas valências, sem, porém o alterar na sua estrutura. Daí que, em princípio, não possa construir nele qualquer edificação, nem sequer colocar alguma unidade de ar condicionado.
A questão está em saber se esse direito ao uso exclusivo é mais forte do que o direito dos condóminos em o utilizarem em caso de necessidade fundamentada.
No voto de vencido lavrado no âmbito do Acórdão deste TSI, de 10/01/2019, Proc. nº 887/2018, teve o relator oportunidade de dizer o seguinte:
“Sendo o terraço uma parte estrutural de qualquer edifício, além da função de resguardo que desempenha (quando não existe uma cobertura de telha), funciona como parte comum e, por esse motivo, só o uso, e não o direito de propriedade, pode ser conferido em exclusivo a algum condómino.
Ou seja, “Ainda que o terraço se destine ao uso exclusivo de um dos condóminos (…) ele não deixa de ser forçosamente comum pela função capital (de cobertura ou protecção do imóvel) que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª ed., pág. 422; tb. Ac. da RG, de 9/04/2015, Proc. nº 4649/11).
Por isso mesmo é que, embora afectado ao uso exclusivo de algum condómino, as despesas de conservação e manutenção do terraço, cabem a todos os condóminos (entre outros, o Ac. da RG, de 23/10/2008, Proc. nº 2083/08).
Igual pronúncia é feita por Mota Pinto ao afirmar que «O terraço na propriedade horizontal, mesmo quando destinado ao uso do último morador – mesmo quando este o pode usar para recreio ou para usos vários – é propriedade dos condóminos. E, por exemplo, um direito de construir sobre ele é um direito de que dispõe a comunidade, e não apenas o proprietário do último andar» (Direitos Reais, pág. 286, nota 58, citado por Aragão Seia, em Propriedade Horizontal, 2.ª edição, pág. 67, destaque nosso).
Aragão Seia sublinhava que, mesmo afecto a uso exclusivo de algum condómino, continua a ser parte comum (Propriedade Horizontal, cit., pág. 74). E o mesmo foi reafirmado, em termos de direito comparado, no Acs. da RP, de 25/11/2013, Proc. nº 0325108 e do STJ, de 12/10/2017, Proc. nº 1989/09, entre outros).
“…….o terraço de cobertura não serve exclusivamente o autor pois a sua função primordial é, como o recorrente certeiramente assinala, “a de ser parte estrutural” do edifício a que pertence” (Ac. da RG, de 23/10/2008, Proc. nº 2083/08).
De tal modo é assim, que a atribuição da propriedade do terraço a algum dos comproprietários condóminos será, em consequência, nula.
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Então, que este terraço de cobertura é necessariamente parte comum do condomínio nem sequer se coloca em dúvida, face à norma imperativa que brota do art. 1324º, nº1, al d), do Código Civil.
Seguro é, também, que, não obstante a natureza comum desse terraço, sobre ele foi constituído um direito exclusivo de uso a favor dos proprietários do 3º-A, possibilidade que está contemplada no art. 1324º, nº2, al. a) do CC.
Entretanto, esse uso exclusivo ou afectação prática não contende com a titularidade comum da coisa. São coisas distintas. (Pires de Lima e A. Varela, Código…, pág. 420).
Ponto é, pois, saber se esse uso exclusivo terá potencialidade para impedir o recorrente, enquanto condómino, enquanto dono comum da coisa, de aceder ao local, nomeadamente para o efeito acima mencionado.
Como se sabe, o uso exclusivo por algum dos condóminos não impede que do terraço outros possam retirar algumas utilidades, desde que tal não afecte e desvirtue aquela exclusividade. Ou seja, o uso exclusivo não pode afectar a propriedade, nem ser mais forte do que o direito de propriedade, do qual todos os condóminos são titulares. Dito de outra maneira, nenhum condómino só porque é usuário exclusivo da parte comum, não pode ficar em melhor posição do que os seus vizinhos condóminos, impedindo-lhes a extracção da função social da propriedade.
O uso exclusivo apenas permite ao respectivo titular do direito de gozar e extrair as utilidades normais e próprias dessa parte comum, enquanto tal. Apenas esse titular (e nenhum outro condómino) pode estender uma toalha na superfície para se bronzear ao sol; apenas ele pode fazer um churrasco com os seus amigos; apenas ele pode beneficiar do direito de vistas e da paisagem que ele proporciona; apenas ele numa noite de Verão pode gozar do avistamento do movimento supersónico e espectacular das estrelas cadentes, etc., etc.
Todavia, o titular do uso exclusivo já não pode usar o terraço a seu bel-talante, nem exercê-lo como se fosse dono, visto que o direito de uso não lhe confere nenhum direito absoluto, como é o de proprietário único.
Por essa razão, o usuário exclusivo do terraço não pode livremente, e sem permissão prévia da assembleia de condóminos, ampliar, por exemplo, o seu espaço útil através da instalação de uma marquise ou de um anexo, criar uma arrecadação, construir uma estufa para plantas de interior, construir um muro, montar uma cozinha, implantar um jardim, montar um fogão de sala cuja chaminé atravesse a placa e o telhado, etc. (Abílio Neto, Manual da Propriedade Horizontal, 4ª ed., 2015, pág. 337).
Se o fizer, a sanção será a demolição das obras inovatórias, além de poder ter que indemnizar os restantes, nos termos gerais (Abílio Neto, ob. e loc. cits; também, Ac. do STJ, de 1/06/2010, Proc. nº 95/2000; Ac. do STJ, de 31/05/2012, Proc. nº 678/10; Ac. da RL, de 1/04/2014, Proc. nº 2031/10). Porquê?
Porque qualquer alteração do terraço é feita em propriedade comum, todos os condóminos, incluindo o usuário exclusivo, estão em igualdade de circunstâncias: todos eles (incluindo o usuário exclusivo), nessa hipótese, para qualquer obra no terraço de cobertura, terão que obter autorização do condomínio através da Administração ou da assembleia geral (arts. 1325º, nº2, al. a) e 1334º, do CC; tb. art. 5º, nº1, al. b), do Regulamento citado; neste sentido, também, Ac. da RP, de 7/01/2002, Proc. nº 00033646; Ac. do STJ, de 1/06/2010, Proc. nº 95/2000; Ac. da RC, de 23/09/2008, Proc. nº 521/1996).
Claro que o direito exclusivo de uso não pode ser simplesmente suprimido pela Assembleia de Condomínio (Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª ed., Almedina, pág. 50), mas qualquer possível construção que se queira fazer no terraço, enquanto coisa comum, e que não inviabilize de todo aquele uso, dependerá sempre da vontade da comunidade (Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Direitos Reais, Almedina, 2016, segundo as lições do Prof. Doutor Mota Pinto ao 4º ano jurídico de 1970-1971, pág. 288, nota 58).”
Serve a transcrição para significar que o direito de uso exclusivo não é absoluto e só pode ser exercitado sempre que não ofenda o direito de compropriedade sobre ele por parte dos outros condóminos em situações concretas que importem a sua utilização para utilidades comuns, nomeadamente a instalação de ar condicionado.
Quanto a este aspecto, temos que reconhecer que o direito de uso é menor do que o direito de compropriedade sobre a coisa. Enquanto além, o respectivo titular exerce um direito individual, aqui estamos perante um direito colectivo, digamos assim. Logo, o individual tem que ceder perante o colectivo, perante a consideração e utilidade social que é possível extrair da coisa; o egoísmo dos interesses de um não pode cavalgar sobre a solidariedade e contra o lado social da força do conjunto.
E entre os interesses do conjunto está incluído, obviamente, o interesse do bem-estar de todos em resultado da instalação de aparelhos de ar condicionado, cujo funcionamento se mostra tão útil e necessário durante metade do ano em que o calor abrasador assola a RAEM sem dó nem piedade.
Repare-se que o autor, por exemplo, não pode, segundo diz, instalar na frontaria do prédio unidades exteriores de ar condicionado por via de norma urbanística plasmada na Planta de Alinhamento Oficial (PAO), sendo certo também que de acordo com a deliberação 3 da Assembleia de Condomínio de 12/12/2009 foi decidido que, depois das obras de reparação e pintura levadas a efeito nessa época nas paredes exteriores do edifício, não mais se fariam furos nelas e não mais nelas se colocariam unidades exteriores de ar condicionado (doc. 5, junto com a providência cautelar: Proc. nº 887/2018).
Perante este quadro, pode ser entendido eventualmente como egoísta a atitude dos condóminos do 3º andar em impedirem aos restantes a colocação de aparelhos mecânicos de ar condicionado para benefício destes, atentando, inclusive contra o bem estar e saúde deles.
E a colocação de portão com fechadura para impedir o acesso ao terraço pode até colocar em risco o próprio prédio, em caso de incêndio (como parece ter acontecido já: cfr. doc. 12, 13, 14, 15, 16 juntos com o requerimento cautelar), o que levou a DSSOPT a comunicar ao autor dessa obra o dever de desimpedir o terraço dos destroços de construção ali existentes (docs. 2A e 3A, a fls. 26 a 29 dos autos).
E que essa possibilidade está expressamente prevista no Regulamento do Edifício XX é fora de dúvida (Os proprietários da fracção A3, do 3º andar, B tentaram a anulação da deliberação da Administração de Condomínio que aprovou o referido Regulamento, mas sem sucesso, conforme se pode verificar pela decisão proferida neste TSI, no acórdão de 5/06/2014, lavrado no Proc. 147/2014). Portanto, se o Regulamento prevê a instalação dos aparelhos de ar condicionado no terraço de cobertura, não se vê como possa ele facilmente ser contrariado.
Mas aqui chegados, nem tudo está resolvido. É que mesmo que todos os restantes condóminos estejam unidos, nem por isso lhes é possível aceder com inteira liberdade ao terraço, mesmo para a execução de obras de que considerem ser de interesse geral.
Haverá sempre que ser bem preciso e distinguir três situações:
Primeira situação:
É necessário averiguar se a obra a efectuar na parte comum do condomínio: 1) é visível do exterior e modifique a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício; 2) altera colunas, pilares, paredes mestras e outras partes da estrutura do edifício; 3) altera a destinação da parte comum.
Se tal for o caso, será precisa uma prévia deliberação de autorização da assembleia de condóminos, não só porque isso resulta do art. 11º, nº1, do Regulamento citado, mas também porque tal condicionamento está protegido pelo art. 1325º do Código Civil.
Portanto, no caso particular de obra de instalação de aparelhos de ar condicionado, desde que essa obra altere a destinação da parte comum, ou implique uma construção que contenda com colunas, pilares, paredes mestras e outras partes da estrutura do edifício, ou é visível do exterior e modifique a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, será tida como obra de inovação, tornando-se então necessária deliberação de autorização da assembleia de condóminos (art. 14º, nºs 1 e 2, al. c), 22º, nº 16, da Lei nº 14/20171).
Segunda situação:
É necessário indagar se a obra a efectuar se apresenta como obra de reparação indispensável e urgente.
E considera-se obra indispensável e urgente a reparação de partes comuns quando a recuperação ou a substituição dos componentes avariados, arruinados ou deteriorados deve ser executada com brevidade por estar em causa a segurança ou a satisfação de necessidades essenciais dos condóminos (art. 15º, nº1 da Lei nº 14/2017).
Nesta hipótese, a reparação referida compete à administração ou, na falta, impedimento ou recusa desta, a reparação pode ser levada a efeito por iniciativa de qualquer condómino (art. 15º, nº2, cit. Lei).
Em situações destas, nem sequer é imprescindível a deliberação da assembleia de condóminos, por se pressupor que a obra impõe uma actuação muito célere ou urgente, que se não compadece com demoras.
Terceira situação:
Haverá que ver se as obras em partes comuns do condomínio são destinadas à execução de benfeitorias necessárias ou úteis ao funcionamento e utilização, na sua fracção autónoma, de equipamentos e instalações de água, electricidade, ar condicionado, aquecimento, gás, comunicações e semelhantes.
Se tal for o caso, já o condómino pode fazer as obras, “sem necessidade de autorização da assembleia geral do condomínio” (destaque nosso) “desde que não prejudiquem a utilização das coisas próprias ou das coisas comuns, nem interfiram com interesses relevantes dos restantes condóminos” (art. 16º, nº1, da Lei nº 14/2017).
Isto significa, “a contrario”, que só se esta obra prejudicar a utilização de coisas próprias de outros condóminos, ou mesmo comuns, ou se interferir com interesses relevantes dos restantes condóminos, é que ela não poderá ser levada a efeito sem autorização da assembleia geral do condomínio.
E, por outro lado, como o interessado condómino que a quiser efectuar deve afixar aviso no átrio do edifício o tipo de trabalhos a executar e comunicar por escrito à administração (caso exista) a sua intenção (art. 16º, nº 2, als. 1) e 2)), sempre será possível que a administração ou qualquer outro condómino, que considere que as obras referidas no n.º 1 prejudicam a utilização das coisas próprias ou das coisas comuns ou que interferem com interesses relevantes dos restantes condóminos, pode promover ou requerer a providência cautelar adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado ou ofendido, nos termos da lei de processo (nº 4, do art. 16º), impedindo por esse meio a realização da obra.
Desta maneira, os condóminos que se sentirem lesados com essa obra sempre poderão reagir judicialmente para tutela dos seus direitos e interesses.
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3. Ora bem. Se é a própria lei que permite que, em certos casos (pelo menos, para realização de benfeitorias necessárias e úteis), é possível utilizar o terraço para obras de interesse comum, isso significa que o condómino do 3º andar não pode manter o portão de acesso ao terraço fechado.
Mas, quanto à colocação de aparelhos de ar condicionado em concreto, será preciso ver em que moldes ela seria efectuada.
Com efeito, pode dar-se o caso de ela obrigar a autorização da assembleia de condomínio (se se verificarem as condições expostas na primeira situação supra) ou ser dispensada tal autorização (no caso de a situação cair sob a alçada da terceira situação). Ora, isso terá que ser devidamente enquadrado em função de toda a pertinente matéria alegada pelo autor e RR, nas suas diversas peças (p.i., contestação e réplica, visto que a tréplica não foi aceite por despacho de fls. 167 vº a 168 vº).
Para já, o que importa assinalar é que o despacho saneador/sentença não pode manter-se na sua totalidade, porque considerou a impossibilidade geral de o autor poder aceder ao terraço para colocação de aparelhos de ar condicionado, o que atenta contra o Regulamento do Condomínio e contra o art. 16º da Lei n º 14/2017.
Efectivamente, não se sufraga a posição do despacho sindicado porque interpreta, a nosso ver indevidamente, o art. 16º citado. Em nossa opinião, quando essa disposição coloca a condição de que “as obras não prejudiquem a utilização das coisas próprias ou das coisas comuns, nem interfiram com interesses relevantes dos restantes condóminos” não está a afastar a possibilidade das obras. Não se trata de um requisito negativo à possibilidade de realização das obras; é, antes, e diferentemente, um requisito negativo apenas para a realização das obras a realizar por qualquer condómino “sem necessidade de autorização da assembleia”. Quer isto dizer que se as obras prejudicarem a utilização das coisas comuns ou interferirem com interesses relevantes dos restantes condóminos, já a obra carecerá de autorização da assembleia de condóminos.
Ora, parece que a conclusão sobre estas alternativas depende da matéria que for invocada, assente, quesitada e provada.
E a solução de deferimento total ou parcial do pedido depende da extensão da prova concreta dos factos acerca da interferência que a obra importar nos interesses de outros condóminos ou nos eventuais prejuízos que delas resultem para as coisas próprias ou comuns.
Pode inclusive acontecer que, conforme o que venha a ser provado, seja reconhecido judicialmente que a obra de colocação dos aparelhos de ar condicionado tenha que passar previamente pelo crivo da autorização prévia da assembleia de condomínio, nos termos já expostos atrás.
Mas tudo depende, como é evidente, do resultado do prosseguimento dos autos, o que por ora se decide, o que, por seu turno, depende da existência de factos alegados pelas partes que tenham incidência sobre a matéria das primeira e terceiras situações, no que respeita ao uso do terraço para colocação de aparelhos de ar condicionado.
Ora, quanto ao pedido formulado em a), da p.i., o A. não invocou numa formulação negativa factos que se integrem nas citadas situações, nem os RR invocaram factualidade que a esse título, mas pela afirmativa, e com sentido exceptivo (cfr. arts. 335º, nº2 do CC e 407º, nº2, al. b), do CPC) pudesse ser quesitada.
Deste modo, o processo não pode prosseguir e impõe-se manter, ainda que por fundamentos diferentes, a decisão da 1ª instância.
Quanto ao pedido em b) (desobstrução do acesso ao terraço aos restantes condóminos), diremos que o facto de os RR terem uso exclusivo do terraço, não lhes dá o direito de bloquear o acesso dos restantes condóminos a ele, por exemplo, para as situações de reparações necessárias e urgentes que se mostrem necessárias e sejam de utilidade para o condomínio, pois isso corresponderia a eliminar a compropriedade dos restantes condóminos sobre ele. Deverão, por isso, eliminar qualquer elemento de obstrução de acesso ao terraço, nomeadamente portão ou gradeamento metálico (o que, não obstante, não franqueia o acesso livre do A e outros eventuais condóminos ao terraço, pois ele apenas pode estar garantido para os efeitos da segunda ou da terceira situações hipotéticas referidas, nos termos acima equacionados). Neste sentido, ver, v.g., Ac. da RL, de 26/03/2015, Proc. nº 2656/10.
Cremos, então, que a procedência deste pedido não está automaticamente afastado (é necessário admitir todas as soluções plausíveis de direito). Mas, também pensamos que, para tanto, será necessário que os autos voltem à 1ª instância e aí se estabeleça a matéria assente e aquela que se mostre eventualmente controvertida, como é o caso da invocada nos arts. 13º, 21º, 23º da p.i.e 17º da réplica.
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Tendo em atenção o que se acaba de concluir, julga-se prejudicado o conhecimento do 3º pedido.
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IV – Decidindo
Nesta conformidade, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
Na parte alusiva ao pedido em b), da p.i., revoga-se o despacho saneador/sentença recorrido, que deve ser substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos com a formulação da matéria fáctica assente e da base instrutória que inclua os factos relevantes em consonância com o acima exposto;
Mantém-se o despacho saneador/sentença, na parte restante, ainda que por fundamentos diferentes.
Custas pelo recorrente em 60%, face ao decaimento do 1º pedido.
T.S.I., 26 de Setembro de 2019
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
1 Diploma que se aplica ao caso em apreço, por dispor sobre o conteúdo de relações jurídicas já constituídas anteriormente, mas que ainda subsistam (cfr. art. 11º, nº2, 2ª parte, do Código Civil).
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Proc. nº 633/2019 31