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Proc. nº 202/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Data do acórdão: 26 de Setembro de 2019
Relator: Cândido de Pinho
Descritores:
- Habitação social
- Morte do arrendatário
- Caducidade do arrendamento

SUMÁRIO:

I - O nº1 do art. 27º do Regulamento Administrativo nº 25/2009 apresenta-se dominante em relação aos 2 e 3.

II - Pelo primeiro fica assegurada subsistência do contrato de arrendamento de habitação social em caso de morte do arrendatário, mesmo que lhe sobreviva um só elemento do primitivo agregado. Os números 2 e 3 limitam-se a prescrever sobre quem deve passar a figurar no caso de sobrevivência de mais do que um elemento do agregado.




Proc. nº 202/2019

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, solteiro, maior, de nacionalidade chinesa, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM n.º ..., emitido em 24/06/2015 pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau, residente em Macau, …14樓B座, ----
Recorreu para o Tribunal Administrativo (Proc. nº 2753/17-ADM) ----
Do despacho proferido pelo Presidente Substituto do Instituto de Habitação de Macau, datado de 5 de Julho de 2017, que lhe indeferiu o pedido de conversão em representante do agregado familiar, face ao falecimento da anterior arrendatária, B, sua mãe, e determinou ainda a restituição da fracção de habitação social dentro do prazo fixado de 30 dias.
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Na sentença lavrada em 26/10/2018, foi o recurso contencioso julgado improcedente.
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É contra essa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações o recorrente formula as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso vem interposto da sentença proferida a fls. 144 a 151 dos autos através da qual foi julgado improcedente o recurso contencioso de anulação do acto administrativo proferido Entidade Recorrida, onde se declarou a caducidade do contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma designada por “B14”, 14.º andar B, do Edifício ..., Bloco …, na…, Macau (a “fracção”), nos termos do disposto nos artigos 27.º, n.ºs 2 e 3 do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 (o “Regulamento”) e, bem assim, dos artigos 1022.º, n.º 1, alínea d) e 1029, n.º 1 do Código Civil (“CC”) e a subsequente restituição da fracção sob pena de despejo.

II. O Acto Recorrido fundamentou-se, essencialmente, na circunstância de, por um lado, tendo a Sra. B, mãe do Recorrente e titular do contrato de arrendamento sub judice, falecido em 14/01/2013, e sendo o Recorrente menor de idade, este não tinha capacidade para assumir a qualidade de representante do agregado familiar nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 do acima referido Regulamento, e, por outro lado, de se entender que o Recorrente não se encontrava em situação de perigo social, físico ou moral nos termos e para os efeitos do artigo 8.º, 1) do mesmo Regulamento, decidindo, assim, pela declaração de caducidade do arrendamento aqui em causa, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 27.º e da alínea 1), do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento e, bem assim, nos artigos 1022.º, n.º 1, al. d) e 1029.º, n.º 1 do CC.
III. O Recorrente impugnou contenciosamente o Acto Recorrido com fundamento na violação de lei, designadamente do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 27.º e da alínea 1), do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento e, bem assim, nos artigos 1022.º, n.º 1, al. d) e 1029.º, n.º 1 do Código Civil (“CC”), e, bem assim, do princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 5.º, n.º 2 do CPA.
IV. A Sentença Recorrida julgou todos os fundamentos de recurso do Recorrente improcedentes, confirmando, por um lado, o entendimento feito pela Entidade Recorrida quanto ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 27.º e da alínea 1), do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento e, por outro lado, por entender não estar demonstrado que o Recorrente se encontre na situação de perigo social prevista no artigo 8.º do Regulamento nem que tenha havido qualquer violação do princípio da proporcionalidade, por se tratar de acto de conteúdo vinculado.

V. A Sentença Recorrida encontra-se inquinada por erro de julgamento, em razão da errada interpretação jurídica dos artigos n.º 27.º e 3.º do Regulamento e, bem assim, do disposto no artigo 8.º, n.º 1 do mesmo diploma.
VI. A conclusão do douto tribunal a quo que o facto de o Recorrente ter 16 anos à data da morte da sua mãe e, como tal, não preencher o requisito de maioridade previsto no artigo 3.º, n.º 2, 1) para o representante do agregado familiar, é determinante da caducidade do contrato de arrendamento aqui em apreço parte de uma errada interpretação das normas em apreço, violando os comandos dos artigos 7.º e 8.º do Código Civil e, assim, os direitos fundamentais consagrados nos artigos 38.º, 3.º parágrafo da e 39.º, 1.º parágrafo da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
VII. O n.º 1 do artigo 27.º do Regulamento, é lapidar e inquestionável no sentido de, caso sobreviva qualquer membro do agregado familiar constante do contrato de arrendamento, reúna ou não os requisitos previstos no artigo 3.º, n.º 2, 1), o contrato não caducar com a morte do respectivo arrendatário titular.
VIII. Através do n.º 1 do supra citado artigo 27.º, a lei disciplina a qualidade dos sujeitos que devem suceder nos contratos de arrendamento sub judice em caso de morte do respectivo titular, e nos números subsequentes o modo pelo qual se deverá escolher o membro do agregado que titulará os contratos em apreço.
IX. A interpretação feita pela Entidade Recorrida e pela Sentença Recorrida coarta, ilegalmente, o direito de direito de sucessão nos contratos de arrendamento que é claramente conferido por lei a “qualquer dos membros do agregado familiar” que se encontre nas circunstâncias do ora Recorrente.

X. o argumento de que o Decreto-Lei 69/88/M não impunha a maioridade como requisito para a transmissão da posição de arrendatário, por contraposição às normas em crise do Regulamento não pode colher, pois a ausência de menção expressa, no Decreto-Lei anteriormente vigente, à maioridade como requisito para assunção da posição de arrendatário, não distingue aquele regime do actual, pois que a mesma solução resultaria das normas relativas à condição jurídica dos menores constante dos artigos 111.º e seguintes do CC.
XI. O n.º 2 do artigo 27.º não teve em vista regular, positiva ou negativamente, a situação em causa nos presentes autos, mas apenas o critério de primazia da atribuição da qualidade de representante de agregado familiar na pressuposição de 1) ser o agregado familiar é composto por uma pluralidade de pessoas, e 2) de pelo menos uma delas assumir o encargo do sustento da família e preencher os requisitos previstos no artigo 3.º do diploma em causa, ademais regulando o n.º 3 as situações em que mais do que uma pessoa preencha as condições mencionadas.
XII. A situação em que apenas sobrevive um membro do agregado familiar que não reúne as condições sobreditas não se encontra prevista nem expressamente excepcionada do n.º 1 do artigo 27.º e, como tal, interpretação dos normativos em causa carece, em absoluto, de fundamento legal, e viola o disposto nos artigos 8.º e 113.º do Código Civil.
XIII. À luz das normas relativas ao suprimento da incapacidade dos menores, em concreto do disposto no artigo 113.º e, bem assim, nos artigos 1758.º, 1763.º e 1778.º, n.º 1, al. a) e 2, todos do CC, a incapacidade de exercício do Recorrente sempre deveria ter sido suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela nomeação oficiosa de um tutor, e nunca o Recorrente deveria ter sido negado do direito que, patentemente, o n.º 1 do artigo 27.º lhe confere.
XIV. A conclusão alcançada quer pela Entidade Recorrida como pelo pelo douto tribunal a quo é resultado de um exercício interpretativo feito contra legem, porquanto contraria expressamente a letra do n.º 1 do artigo 27.º e, assim, em violação do disposto no artigo 8.º, n.º 2 do CC, contrariando frontalmente o espírito do sistema que enforma o pensamento legislativo subjacente ao Regulamento aqui em apreço, que é justamente o de concretizar e garantir o amparo e protecção dos menores e dos residentes com dificuldades económicas, como a tal estes fundamentalmente têm direito, nos termos do disposto no artigo 38.º, 3.º parágrafo e 39.º da lei Básica.
XV. Choca ao mais elementar sentido de justiça - e viola as leis fundamentais da RAEM - que da leitura conjugada das normas em apreço se aceite como válida a injustiça de ser negado do direito à sucessão no contrato de arrendamento a menor totalmente desamparado e absolutamente carecido dos benefícios sociais que a lei lhe confere, por contraposição à situação de quem, encontrando-se em identidade de circunstâncias mas tenha já perfeito 18 anos de idade - e, assim, plena capacidade de facto e de direito para prover pelo seu próprio sustento.
XVI. Tendo violado o disposto nos artigos 27.º, n.º 1, do Regulamento e, bem como o disposto nos artigos 8.º, n.º 1 e 113.º do CC e os artigos 38.º, n.º 3 e 39.º da Lei Básica, deve a Sentença Recorrida ser revogada.
XVII. A Sentença Recorrida violou ainda o disposto no artigo 8.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo 25/2009, ao julgar válida a conclusão da Entidade Administrativa de que o Recorrente não se encontrava na situação de perigo social, físico ou moral a que se refere aquele artigo, pois, não obstante estar em causa conceito legal indeterminados, a margem de actuação da actividade administrativa deve esta observar os princípios fundamentais do Direito Administrativo, designadamente o da proporcionalidade.
XVIII. Se é de admitir a conclusão da Sentença Recorrida de, estando em causa acto de conteúdo vinculado, não se puder discutir a proporcionalidade da decisão administrativa quanto à apreciação e aplicação do disposto no artigo 27.º do Regulamento, a mesma já não pode valer quanto à decisão da Entidade Recorrida relativa ao disposto no artigo 8.º, n.º 1 daquele diploma, pelo que mesmo que fosse de aceitar a tese da incapacidade de sucessão do Recorrente sempre existiriam nos autos factos - que a entidade Recorrida nunca disputou - que manifestamente impunham a conclusão que o Recorrente se encontrava em situação de perigo social e, assim, adquirira o direito de residir na habitação em causa.
XIX. No momento a que se reporta o facto determinante da caducidade do contrato de arrendamento, o Recorrente viu-se obrigado a prover sozinho pelo seu sustento uma vez que todas as responsabilidades inerentes ao poder paternal foram sempre exercidas, unicamente, pela mãe do Recorrente.
XX. Aquando o falecimento da sua mãe, o Recorrente tinha 16 anos e para fazer face às despesas que tinha com a renda mensal, propinas e demais encargos do dia-a-dia e prosseguir os seus estudos, trabalhava em regime de part-time, chegando inclusivamente a recorrer a empréstimos de amigos.
XXI. Se a Entidade Recorrida considerou o facto da menoridade do Recorrente para, anos depois, fundamentar o cancelamento do contrato de arrendamento sub judice, deveria igualmente ter considerado as circunstâncias de vida do Recorrente de então para ter concluído pela atribuição, com efeitos retroactivos, da habitação social ao Recorrente e a que esse tinha direito, ao abrigo do artigo 8.º, n.º 1 do Regulamento.
XXII. Não o tendo feito, o Acto Recorrido é manifestamente desproporcional relativamente aos interesses e direitos do Recorrente levando em conta os princípios e finalidades que, enquanto entidade executora e fiscalizadora do Regulamento Administrativo 25/2009 visa alcançar e salvaguardar, pelo que a Sentença Recorrida violou o disposto nos artigos 8.º, n.º1 do Regulamento e, bem assim, no artigo 5.º, n.º 2 do CPA, devendo, em conformidade, ser revogada.
NESTES TERMOS,
E nos melhores de Direito que V.as Ex.as sempre tão doutamente melhor suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso, devendo, em consequência ser a sentença recorrida revogada e o acto recorrido anulado, fazendo-se, assim, a necessária JUSTIÇA!”
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Na resposta ao recurso, a entidade administrativa pugnou pelo improvimento do recurso.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“No âmbito do recurso contencioso de anulação n.º 2753/17-ADM, em que era impugnado o despacho de 5 de Julho de 2017, da autoria do Exm.º Presidente Substituto do Instituto da Habitação, foi proferida, em 26 de Outubro de 2018, a sentença de fls. 144 e seguintes, do Tribunal Administrativo, a negar provimento ao recurso contencioso que visou aquele despacho.
É desta sentença que vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cuja alegação o recorrente, A, verbera a errada interpretação das normas do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, com referência à alínea 1) do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009, e bem assim a violação da norma do artigo 8.º, alínea 1), do mesmo Regulamento.
Vejamos a questão da interpretação das normas do artigo 27.º.
A sentença entendeu que o contrato caducou, por morte da mãe do recorrente, locatária, porque, tendo o recorrente ao tempo menos de 18 anos, não havia pessoa a quem deferir a transmissão da posição de arrendatário, nos termos do n.º 2 daquele artigo.
Discordamos do assim decidido.

A norma prescritiva, em matéria de caducidade do contrato por morte do locatário, é a do n.º 1 do artigo 27.0 do Regulamento. E esta dispõe, inequivocamente, que o arrendamento não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva qualquer dos membros do agregado inscritos no contrato. N o caso concreto de que curamos, é incontroverso que, por morte da arrendatária B, em 14 de Janeiro de 2013, sobreviveu-lhe o filho e ora recorrente A, que estava inscrito no contrato como membro do agregado familiar. O que impõe, salvo melhor juízo, a conclusão de que o arrendamento não caducou por morte de B.
As restantes normas do questionado artigo 27.º são instrumentais e procuram auxiliar na determinação do representante do agregado a quem há-de ser deferida a transmissão da posição de arrendatário, não evidenciando seguramente uma regulação taxativa de todas as hipóteses que a riqueza da vida coloca. Delas não resulta, salvo melhor juízo, que o arrendamento caduque se, por morte do locatário, apenas lhe sobreviverem filhos menores.
Se assim fosse, isto representaria uma evidente discriminação negativa de quem mais precisa de protecção - os menores -, o que obviamente não pode ter estado na mente do legislador. Por outro lado, os menores apenas carecem de capacidade para o exercício de direitos, não da capacidade de gozo. E a sua incapacidade para o exercício é suprida nos termos do Código Civil, através do poder paternal - que, no caso de falecimento de um dos progenitores, fica a pertencer ao outro -, ou através da tutela e da administração de bens, como melhor se vê dos artigos 113.º, 1736º, 1759.º, 1778.º e 1779.º do Código Civil. Aliás, que os menores podem intervir em contratos de locação, posto que através dos seus representantes, resulta inequivocamente das normas do artigo 1744.º, n.º 1, alínea m), e 1794.º, n.º 1, alínea a), com referência ao mesmo artigo 1744.º, n.º 1, alínea m), do Código Civil. Porventura, por altura do falecimento da mãe, a situação de menoridade do recorrente não foi sinalizada às instâncias competentes para intervirem, nomeadamente através da instituição de tutela. Mas isto não apaga o direito que ele tinha, decorrente do artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento Administrativo n.º 25/2009, a beneficiar, na qualidade de membro do agregado inscrito no contrato, do perdurar do arrendamento e da transmissão da posição de arrendatário, ainda que mediante intervenção de representante.
Temos, pois, para nós, que, ao fazer depender a não caducidade prevista no artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento Administrativo 25/2009, da verificação das circunstâncias aludidas no n.º 2, e nomeadamente do requisito da maioridade, quando é certo que o único elemento sobrevivo do agregado familiar era um menor, a decisão recorrida, tal como o acto administrativo sindicado, interpretou erradamente o referido artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento Administrativo 25/2009.
Procede, assim, este fundamento do recurso.
Já no que toca à alegada violação da norma do artigo 8.º, alínea 1), do Regulamento Administrativo n.º 25/2009, que constitui o outro fundamento do recurso, estamos com a decisão recorrida e com o aval que esta deu ao acto no que toca à abordagem da situação do recorrente à luz dos conceitos indeterminados contidos na norma. Tal como a sentença, também nós não detectamos erro ou violação de quaisquer princípios regentes da actividade administrativa na não inclusão da situação do recorrente em qualquer das hipóteses figuradas naqueles conceitos.
Soçobra este fundamento do recurso.
Ante o exposto, e na procedência da invocada violação do artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento Administrativo n.º 25/2009, deve, no provimento do recurso, revogar-se a sentença recorrida e anular-se o acto administrativo objecto do recurso contencioso.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade (por nós numerada):
“1 - O recorrente nasceu em 10 de Agosto de 1996 (vd. a fls. 48 e o verso dos autos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
2 - Em 14 de Outubro de 1996, C – o pai do recorrente - apresentou ao antigo Instituto de Habitação de Macau o boletim de candidatura para o arrendamento de habitação social n.º …, com os elementos de agregado familiar D, o recorrente e a mãe do recorrente B (vd. a fls. 9 a 10 e o verso dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
3 - Em 12 de Outubro de 1998, C e o antigo Instituto de Habitação de Macau assinaram um contrato de arrendamento de habitação social, e alugou a fracção situada no EDF. ... (BLOCO …), 14.º andar "B", Avenida do Nordeste, Macau, de agregado familiar n.º …, com os elementos de agregado familiar D, B e o recorrente (vd. a fls. 14 a 15 dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
4 - Em 23 de Janeiro de 2003, C apresentou uma declaração ao IH, afirmando que ele já se tinha casado com uma outra mulher e que já se tinha ido embora da fracção de habitação social acima mencionada. Portanto, pediu [para] transmitir a qualidade de locatário da fracção a B (vd. a fls. 29 dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
5 - No mesmo dia, B entregou ao IH a declaração de rendimento e os documentos relativos (vd. a fls. 31 a 33 e o verso dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
6 - Em 18 de Fevereiro de 2003, B assinou com o IH o contrato de arrendamento referente à fracção de habitação social acima mencionada, com os elementos de agregado familiar B e o recorrente (vd. a fls. 17 a 18 dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
7 - Em 4 de Setembro de 2003, B apresentou ao IH um boletim de requerimento directo para os casos particulares, pedindo [para] ajustar a renda da fracção de habitação social acima referida (vd. a fls. 27 dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
8 - Em 9 de Julho de 2004, através do ofício n.º 0781E/DGH/2004, o IH notificou B para se apresentar no IH na data e hora indicada para apresentar os documentos indicados e para uma reunião presencial (vd. a fls. 45 dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
9 - Em 13 de Julho de 2004, B entregou ao IH a declaração de rendimento e os documentos relativos (vd. a fls. 36 a 39 e o verso dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
10 - Em 1 de Setembro de 2004, B assinou de novo com o IH o contrato de arrendamento referente à fracção de habitação social acima mencionada, com os elementos de agregado familiar B e o recorrente (vd. a fls. 48 a 49 dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
11 - Segundo o boletim de óbito emitido pelo pela Conservatória do Registo Civil da RAEM, está confirmado que B morreu aos 14 de Janeiro de 2013 (vd. a fls. 70 dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
12 - Em 9 de Março de 2017, através do ofício n.º 1703080071/DHS, o IH notificou B para se apresentar no IH na data e hora indicada para apresentar os documentos indicados e para a negociação sobre a renovação do contrato de arrendamento (vd. a fls. 54 e o verso dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
13 - Em 27 de Março de 2017, o recorrente apresentou ao IH o formulário de pedido para itens normais de habitação social e os documentos relativos, com o motivo do falecimento da mãe dele B, pediu [para] cancelar a mãe dele dos membros do agregado familiar, e requereu [para] ficar a ser o representante do agregado familiar (vd. a fls. 55, 61 a 64 e 66 a 67 e o verso dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
14 - Em 19 de Maio de 2017, o recorrente apresentou posteriormente os documentos indicados ao IH (vd. a fls. 68 a 77 dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
15 - Em 5 de Julho de 2017, a entidade recorrida proferiu um despacho e concordou com o conteúdo da proposta n.º 1346/DHP/DHS/2017. Indicou que à morte da arrendatária B da fracção de habitação social envolvido no caso, nenhum dos membros do seu agregado familiar reunia os requisitos para poder ficar a ser o arrendatário; e que o recorrente não satisfazia o previsto no art.º 8.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009. Além disso, o recorrente já sabia da sua falta da satisfação dos requisitos para ficar a ser o representante do agregado familiar de habitação social e já tinha dado a explicação oral; por isso, nos termos do art.º 97.º, alínea a) do CPA e do art.º 27.º, n.º 1 e n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 25/2009, foi decidido isentar-lhe a audiência e indeferir que o recorrente ficasse a ser o arrendatário de habitação social; ao mesmo tempo, notificou o recorrente que devesse restituir a fracção de habitação social em causa dentro do prazo indicado (vd. a fls. 79 a 80 dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
16 - Em 10 de Julho de 2017, através do ofício n.º 1707030010/DHS, o IH comunicou o recorrente da decisão acima mencionada. Na notificação indicou que o recorrente devia restituir a fracção de habitação social em causa no prazo de 30 dias depois da recepção do ofício, sob pena da execução de despejo pelo IH. Indicou ao mesmo tempo que o recorrente podia apresentar reclamação ao Presidente do IH no prazo indicado, ou interpor recurso contencioso ao Tribunal Administrativo (vd. a fls. 81 a 82 dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
17 - Em 3 de Agosto de 2017, o recorrente apresentou pedido de apoio judiciário à Comissão de Apoio Judiciário (vd. a fls. 83 dos autos anexos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
18 - O pedido de apoio judiciário apresentado pelo recorrente foi deferido, e tornou-se inimpugnável em 13 de Setembro de 2017 (vd. a fls. 44 dos autos, o conteúdo em causa é dado por integralmente transcrito aqui).
19 - Em 12 de Outubro de 2017, o mandatário judicial designado do recorrente recorreu a este tribunal através do fax da decisão tomada pela entidade recorrida em 5 de Julho de 2017.
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III – O Direito
1. O caso
A fracção de habitação social indicada nos autos esteve dada de
arrendamento pelo Instituto de Habitação, primeiramente, ao pai do recorrente, de nome D, casado com B, sua mãe.
Posteriormente, o pai do recorrente saiu do local arrendado, por se ter casado com outra mulher.
Em consequência disso, a titularidade da posição de arrendatário passou para B.
Na fracção passaram a viver, então, o recorrente e sua mãe.
Mas, em 9 de Março de 2017 o IH enviou para a fracção um ofício de notificação para que a arrendatária B se deslocasse ao Instituto com vista à renovação do contrato.
Quem se apresentou, porém, foi o ora recorrente, alegando que a sua mãe tinha falecido em 14/01/2013. Nessa ocasião, pediu que o arrendamento fosse convertido para seu nome, como representante do agregado familiar.
Este pedido foi indeferido pelo acto administrativo objecto do recurso.
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2. A sentença
A sentença em crise julgou improcedente o recurso por entender, essencialmente, que o art. 27º, em conjugação com o art. 3º, ambos do Regulamento Administrativo nº 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social), não permitia que a pretensão do recorrente dirigida ao IH fosse acolhida, por, à data da morte da mãe, ele ser ainda menor de 18 anos e não poder ser, portanto, representante do agregado familiar da habitação social. A este principal fundamento, acresceu o de não estar demonstrado, pelos documentos por si apresentados, que ele não se encontrava em situação de perigo social, físico ou moral, para efeitos do art. 8º do referido diploma.
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3. Apreciando
Antes de mais nada, o Regulamento Administrativo nº 25/2009 mostra-se imperfeito e a carecer de alteração e melhoramento, como teremos oportunidade de ver mais adiante. A imperfeição da normação torna o caso mais difícil de resolver, mas nem por isso deixaremos de lhe dar solução.
No recurso jurisdicional, o recorrente tenta fazer crer que a decisão recorrida não pode manter-se, por errada interpretação e má aplicação do art. 27º do Regulamento citado.
Tanto quanto sabemos, este é o segundo caso judicial em que se discute a aplicação do referido preceito com reporte ao falecimento do arrendatário de fracção de habitação social.
O primeiro foi resolvido em 7/03/2019, no Proc. nº 1020/2018 deste TSI, mas a situação difere da presente, porque naqueles autos, falecido o arrendatário, sucederam-lhe a esposa e uma filha, o que significa que se mantiveram sobrevivos dois elementos capazes de comporem o conceito de agregado familiar, tal como o define o art. 2º.
Tratava-se de apurar ali se a posição de arrendatário podia transmitir-se para a esposa, mesmo que ela não reunisse os requisitos do art. 3º, nº2, já que residia em Macau há apenas 6 anos. A decisão foi favorável, com o argumento de que o art. 27º não podia remeter para o art. 3º, nº2, visto que o conceito de “representante do agregado familiar” contido no 27º (que também surge no art. 9º, nº1), não está previsto, nem definido em lado nenhum desse Regulamento, nomeadamente no art. 2º.
O caso entre mãos é mais severo, na medida em que com o falecimento da arrendatária, apenas permaneceu na fracção o seu filho, ora recorrente, então menor com 16 anos de idade (ver doc. nº 5 junto com a p.i.).
Vejamos, então.
Os preceitos do citado Regulamento Administrativo nº 25/2009, com que temos que lidar, são principalmente estes (destaque a bold nosso):
Artigo 3.º
Requisitos para arrendamento de habitação
1. Podem candidatar-se ao arrendamento de habitações sociais referidas no artigo anterior, os agregados familiares ou indivíduos residentes na RAEM e em situação económica desfavorecida.
2. A candidatura tem de ser sempre apresentada por um elemento do agregado familiar que reúna cumulativamente os seguintes requisitos:
1) Tenha idade mínima de 18 anos;
2) Resida na RAEM no mínimo há 7 anos;
3) Seja portador do bilhete de identidade de residente permanente da RAEM.
3. Com excepção dos cônjuges não residentes na RAEM, os cônjuges dos elementos do agregado familiar devem constar do mesmo boletim de candidatura.
4. Nenhum elemento do agregado familiar e seu cônjuge, em situação desfavorecida, pode:
1) Ser ou ter sido proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio ou fracção autónoma na RAEM, ou proprietário ou concessionário de qualquer terreno do domínio privado da RAEM, no período de três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura;
2) Ser proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio ou fracção autónoma na RAEM, ou proprietário ou concessionário de qualquer terreno do domínio privado da RAEM, desde o termo do prazo para entrega do boletim de candidatura até à data de assinatura do contrato de arrendamento com o IH;
3) Ser elemento que figure no boletim de candidatura de outro agregado familiar, ao qual o IH já tenha autorizado a aquisição de habitação construída em regime de contratos de desenvolvimento para a habitação nos termos do Decreto-Lei n.º 13/93/M, de 12 de Abril;
4) Ser elemento que figure no boletim de candidatura de outro agregado familiar, ao qual o IH já tenha autorizado a aquisição de habitação nos termos do Decreto-Lei n.º 35/96/M, de 8 de Julho, do Regulamento Administrativo n.º 24/2000 (Regime de bonificação ao crédito para aquisição ou locação financeira de habitação própria) ou do Regulamento Administrativo n.º 17/2009 (Regime de bonificação de juros de crédito concedido para aquisição de habitação própria);
5) Ser elemento de agregado familiar ao qual tenha sido, nos 2 anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura, rescindido contrato de arrendamento nos termos do artigo 19.º;
6) Ser elemento de agregado familiar contra o qual tenha sido, nos 2 anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura, emitido mandado de despejo nos termos do artigo 42.º, do n.º 3 do artigo 44.º ou do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 69/88/M, de 8 de Agosto;
7) Ser elemento de agregado familiar ao qual tenha sido, nos 2 anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura, cancelada anterior candidatura por prestação de declarações falsas ou inexactas ou uso de qualquer meio fraudulento para arrendamento de habitação, nos termos fixados por despacho do Chefe do Executivo, a publicar em Boletim Oficial da RAEM.
5. O presidente do IH, a título excepcional, desde que devidamente justificado, pode autorizar a candidatura à habitação social a elemento que tenha deixado de fazer parte de agregado familiar ao qual tenha sido autorizada a bonificação, nos termos do Regulamento Administrativo n.º 17/2009 (Regime de bonificação de juros de crédito concedido para aquisição de habitação própria), ou a aquisição de habitação, nos termos do Decreto-Lei n.º 35/96/M, de 8 de Julho, do Regulamento Administrativo n.º 24/2000 (Regime de bonificação ao crédito para aquisição ou locação financeira de habitação própria) ou do Decreto-Lei n.º 13/93/M, de 12 de Abril.
6. Os indivíduos que se candidatem à atribuição de habitações sociais devem reunir as condições equivalentes exigidas para os elementos do agregado familiar residente na RAEM.
Artigo 9.º
Contrato de arrendamento
1. O contrato de arrendamento, a celebrar entre os candidatos individuais ou representantes dos agregados familiares, aos quais são atribuídas as habitações, e o IH, a outorgar no IH ou em local por este indicado, é reduzido a escrito, de acordo com os termos do presente regulamento administrativo e está isento de emolumentos.
2. O modelo do contrato de arrendamento consta do Anexo II ao presente regulamento administrativo e do qual faz parte integrante.
3. São averbadas ao contrato de arrendamento todas as alterações ocorridas na composição do agregado familiar, bem como a transmissão da posição contratual do arrendamento e as alterações de renda.
Artigo 27.º
Morte do locatário
1. O arrendamento não caduca por morte do arrendatário se lhe sobreviver qualquer dos membros do agregado familiar inscrito no contrato, sendo aplicável o disposto no artigo 15.º
2. A transmissão da posição de arrendatário defere-se ao membro do agregado familiar que ficar com o encargo de sustento da família e que reúna os requisitos do representante do agregado familiar.
3. Coexistindo dois ou mais membros do agregado familiar na situação referida no número anterior, compete ao IH decidir a qual deles se defere aquela posição
Como se pode constatar, o art. 27º, no número 1, faz uma afirmação peremptória e vinculativa: “O arrendamento não caduca por morte do arrendatário, se [“conditio sine qua non”] “lhe sobreviver qualquer dos membros inscritos no contrato”. Ao consignar que o contrato perdura em caso de sobrevivência de qualquer membro do agregado inscrito, está a sublinhar que o contrato não caduca, mesmo que só permaneça no arrendado apenas um único elemento do agregado inicial.
Mas os nºs 2 e 3, que tratam de estabelecer a quem fica deferida a transmissão da posição contratual, logo determinam que essa posição de arrendatário será transmitida:
- “Ao membro do agregado que ficar com o encargo de sustento da família” (1ª parte, do nº2) e (requisito cumulativo)
- “Que reúna os requisitos do representante do agregado familiar” (2ª parte, do nº2).
- Ao membro que o IH designar em caso de coexistirem “dois ou mais membros do agregado familiar” (nº3).
Ora, parece razoavelmente seguro que os números 2 e 3, pela sua expressiva literalidade, permitem a clara percepção de que o legislador apenas “pensou” na transmissão da posição de arrendatário para um dos membros de um agregado familiar sobrevivo (“conjunto de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e estejam ligadas por laços de casamento, união de facto, parentesco, afinidade e adopção: art. 2º, al. 2)).
Ou seja, o falecido haverá de deixar no locado um agregado composto de dois ou mais membros. E tanto assim é que essa posição se transmitirá àquele (desses membros) que ficar com o encargo de sustento da família (nº2). E se nessa situação existirem dois ou mais membros do agregado sobrevivos que possam sustentar a família (por ora, não nos referiremos ao requisito cumulativo da parte final do nº2), caberá ao IH decidir a qual deles deferirá a posição de arrendatário (nº3).
Sendo assim, podemos facilmente concluir que há alguma – pelo menos aparente - contradição entre o nº1, quando se refere a qualquer membro do agregado inscrito, e os nºs 2 e 3, que, ao que tudo indica, exigem a sobrevivência de, pelo menos, dois elementos do agregado inscrito.
E então, uma de duas:
Hipótese a) - Ou se entende que o nº1 se apresenta como norma dominante, devendo adaptar-se os nºs 2 e 3 no sentido de que eles só se justificam se sobreviverem dois ou mais elementos que continuem a constituir um “agregado” e uma “família”;
Hipótese b) - Ou se conclui que os nºs 2 e 3, pelo seu carácter substantivo, se consideram normas decisivas e dominantes, de que o nº1 ficará dependente no que respeita à identidade do novo arrendatário.
A adopção da hipótese b) significaria que o legislador não previu a possibilidade de falecimento do arrendatário em conjunto com outros elementos do agregado (num acidente, por exemplo), numa situação em que apenas sobrevive um membro. E esta hipótese é, obviamente, duplamente injusta, para quem fica só, sem os seus entes queridos, e também sem casa onde viver. Por isso, quem subscrevesse esta interpretação haveria de chegar à conclusão de que estaria perante uma lacuna, a ser preenchida de acordo com os comandos do art. 9º do Código Civil.
A adopção da hipótese a) afigura-se-nos mais razoável porque leva a supor que o legislador foi sensato e justo na criação da norma, ao admitir que apenas possa ficar a residir no locado apenas um “qualquer” membro do agregado, em face do falecimento do outro ou outros elementos pré-existentes, ficando cometida aos nºs 2 e 3 apenas a solução quando houver mais do que um elemento nessas condições.
Se assim for, então os nºs 2 e 3 do art. 27º não se aplicarão ao caso em apreço, porque eles pressupõem que sobrevivam dois ou mais elementos do primitivo agregado, o que não é o caso. E nesta mesma linha, então também não faz sentido, e deixa de ser útil, ponderar sobre a exigência da verificação do 2º requisito inscrito na 2ª parte do nº2, do mesmo artigo 27º (reunião dos requisitos do representante do agregado familiar1).
Cremos ser este o melhor entendimento, pelo que o adoptaremos.
*
3.1 (Cont.)
Mas é caso para perguntar: Então, qualquer elemento sobrevivo, mesmo que seja o único do anterior agregado, assume automaticamente a posição de arrendatário? Não terá que obedecer aos requisitos do art. 3º, nº2 do RA? Será que, se não tiver que respeitar esses requisitos, não ficará ele em melhor posição do que aquela em que ficaria se sobrevivessem outros elementos do agregado primitivo?
Suponhamos que pai e mãe morrem num acidente de viação, sobrevivendo o filho único com 16 anos, estudante. Terá que devolver a fracção, apenas porque não reúne o requisito da alínea 1), do nº2, do art. 3º (idade mínima de 18 anos), não obstante o arrendamento não caducar (art. 27º, nº1)?
Cremos que não, em qualquer das hipóteses a) e b) acima referidas. Na hipótese a), não teriam que aplicar-se os requisitos do nº2 do art. 27º, pelo que já dissemos (os requisitos substantivos não se verificariam nessa situação).
Na pior das hipóteses (alínea b)), a aplicação dos requisitos do nº2 do art. 3º, “ex vi” art. 27º nº2 levaria a uma situação tão absurdamente injusta, que até parece atentar contra os direitos humanos mais fundamentais. No exemplo configurado, seria desumano colocar na rua, à sua sorte, um jovem que acaba de perder os seus pais. Daí que, em última análise, sempre a solução poderia passar pela resposta social que o art. 8º prevê para casos excepcionais:
Artigo 8.º
Casos excepcionais
Excepcionalmente, precedendo autorização do presidente do IH, podem ser atribuídas habitações com dispensa de qualquer dos requisitos de candidatura, a:
1) Indivíduos ou agregados familiares que se encontrem em situação de perigo social, físico ou moral, ou quando se mostre urgente o realojamento, em casos de calamidade;
2) Organismos ou entidades que prossigam fins de solidariedade social ou a serviços ou entidades públicos.
Realmente, neste caso, o facto de ser menor e de não ter rendimento não o exclui necessariamente da habitação social, até porque a incapacidade resultante da sua menoridade sempre seria suprível pela tutela, nos termos do art. 113º e 1778º, nº1, al. a), e sgs. do Código Civil, que seria accionada caso esta situação tivesse sido detectada a tempo.
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4. A situação presente
O autor, naquela, era menor de 16 anos. Perdeu a mãe e ficou sozinho no locado.
A sua incapacidade era suprível necessariamente pela tutela? Não, necessariamente, porque, ao que se julga saber, o pai era vivo (recordemos que ele era o arrendatário inicial e só deixou de o ser por ter casado com outra mulher e abandonado esta casa).
Assim sendo, pensamos que deveria, em princípio, o menor ser representado pelo pai caso fosse encontrado e só na hipótese contrária se haveria de partir para a tutela. Num caso ou noutro, o arrendatário seria o menor, ainda que sob representação do pai ou do tutor.
E mesmo que assim não quisesse interpretar o IH as normas acima indicadas, cremos que sempre poderia manter-se a situação anterior ao abrigo do art. 8º do RA nº 25/2009, na medida em que o quadro de facto poderia ser tido como sendo de perigo social, físico ou moral para o recorrente. Com efeito, impor a saída da fracção a um menor de 16 anos e obrigá-lo a viver sob a influência dos elementos num qualquer beco escuro e frio da cidade, seria o mesmo que o expor a todos os perigos que rondam os jovens daquela idade e que todos bem conhecemos. E isto, para além de contrariar o art. 27º, nº1 citado, ofenderia o direito ao amparo e protecção dos menores que a RAEM deve garantir, nos termos do art. 38º, 3º parágrafo da Lei Básica.
Em suma, o recorrente, enquanto menor na situação descrita, haveria de ter direito à habitação social.
No caso, porém, essa questão viria a ficar prejudicada, visto que, no momento em que o acto administrativo sindicado foi praticado (5/07/2017) já o recorrente tinha 20 anos de idade. Portanto, nessa data já não se colocavam as dificuldades específicas que a situação de menoridade teria suscitado.
Ora, se concluímos que ele tinha direito àquela protecção, enquanto menor, não podemos nós achar agora que, já adulto no momento em que o acto foi praticado, ele não podia exercer o direito à habitação social. O que queremos dizer é que ele não pode ficar em situação pior agora, do que aquela que teria se lhe tivesse sido assegurada, na menoridade, o mesmo direito.
Portanto, o acto deveria ter assegurado o direito à habitação social ao recorrente, sem prejuízo de qualquer outra causa de rescisão (art. 19º, do RA nº 25/2009) ou de denúncia (art. 25º, do RA nº 25/2009), em face da situação concreta que se venha a verificar.
Posto isto, o recurso merece provimento.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso.
Em consequência, revogam a sentença recorrida, julgam procedente o recurso contencioso e anulam o acto administrativo impugnado.
Sem custas.
T.S.I., 26 de Setembro de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
1 Nomeadamente, ponderar sobre se este “representante” é aquele a que se refere o art. 3º, nº2 do RA nº 25/2009, ou seja, o elemento que apresenta a candidatura, o que parece corresponder à vontade do autor do diploma, tal como a introduziu no conceito inscrito no art. 2º do Despacho do Chefe do Executivo nº 296/2009.
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Proc. nº 202/2019 13