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Processo nº 722/2019 Data: 26.09.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “extorsão”.
Erro notório.
Elementos do crime.
Tentativa.
Pena.



SUMÁRIO

1. “Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.

2. São elementos do crime de “extorsão”:
- o emprego de violência ou ameaças, ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir;
- constrangimento, dai resultante, a uma disposição patrimonial que acarrete prejuízo para a vítima ou para terceiro;
- intenção de conseguir para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.

3. Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 722/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “extorsão qualificada”, na forma tentada, p. e p. pelos art°s 215°, n.° 2, al. a), 21° e 22°, todos do C.P.M., na pena de 2 anos e 3 meses de prisão e no pagamento de MOP$50.000,00 de indemnização ao assistente B; (cfr., fls. 542 a 565-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Do assim decidido, recorreu o arguido, afirmando – em síntese – que a decisão recorrida padecia do vício de “erro notório na apreciação da prova”, “erro na aplicação do direito” e “excesso de pena”, pugnando pela condenação do assistente por “litigância de má-fé”; (cfr., fls. 621 a 635-v).

*

Responderam o Ministério Público e o assistente, pugnando pela (total) improcedência do recurso; (cfr., fls. 640 a 646-v e 647 a 656-v).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Condenado por tentativa de extorsão agravada (artigos 215.°, n.° 2, alínea a), 21.°, 22.° e 67.° do Código Penal) na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, vem A interpor recurso do acórdão condenatório, imputando-lhe erro notório na apreciação da prova e erros na aplicação da lei, no que é rebatido pelas contraminutas do Ministério Público e do assistente.
Diga-se, desde já, que se afigura improcedente a argumentação do recorrente, tal como a Exm.a colega faz notar na sua judiciosa resposta à motivação do recurso, cujo teor acompanhamos inteiramente, e como, de resto, também o assistente enfatiza.
Vejamos no que toca ao imputado erro notório na apreciação da prova.
Estão em causa a conclusão de que houve intenção de enriquecimento ilegítimo e a interpretação dada à expressão utilizada “irão bombardear a barraca”.
Diz o recorrente que não foi feita prova da intenção de enriquecimento ilegítimo e que, contrariamente ao significado que lhe foi atribuído pelo tribunal, a frase “irão bombardear a barraca” é uma expressão que, em gíria usada no mundo das transacções em bolsa, significa atacar as acções para fazer baixar o seu valor.
Pois bem, o recorrente traça a sua própria leitura da prova, que não mereceu o acolhimento do acórdão recorrido e também não suscita a nossa adesão.
Os factos provados e a realidade processual que deles resulta apontam para o lançamento da cotação em bolsa da sociedade “X Construction & Engineering C.° Ltd”, de que o assistente é director geral e presidente executivo, cuja operação foi intermediada por duas firmas de valores mobiliários indicadas por C. O assistente apenas contratou a intermediação com estas firmas, e a elas pagou a comissão convencionada. Posto isto, parece que as exigências de pagamento de 6 milhões e 200 milhões formuladas por C e por outros a seu mando, entre os quais o arguido ora recorrente, como contrapartidas relativas à cotação em bolsa, visam montantes que lhes não eram devidos a qualquer título, pelo que outra não podia ser a conclusão a extrair pelo tribunal.
Por outro lado, a expressão “bombardear a barraca”, mesmo com a conotação que o recorrente lhe dá, e que o assistente não conhecia, não deixa de reportar um mal importante. O mal a que se reporta o tipo pode evidentemente ser de expressão patrimonial. Mas, ainda que se deixe de parte essa expressão e o que ela pretende transmitir, não fica por preencher o elemento ameaça com mal importante, dadas as referências explícitas à mobilização de gangues e aos dados relativos ao assistente, à esposa e aos filhos previamente recolhidos pelo recorrente e por aqueles a mando de quem actuou. Toda a sociedade sabe – e os tribunais e os juízes que os compõem também não podem deixar de saber – que o que foi dito e a forma como foi dito pretende fazer passar a ideia de que há tríades por detrás das exigências daqueles pagamentos.
Nenhum erro se detecta na apreciação da prova, muito menos o erro notório exigido pelo artigo 400.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal, nenhuma censura havendo a dirigir ao acórdão por ter concluído que havia intenção de enriquecimento ilegítimo e que as ameaças aparentavam ter a marca das associações secretas.
Improcede este fundamento do recurso.
Depois, a coberto do erro na aplicação da lei, vêm colocadas três questões.
A primeira delas tem a ver com o preenchimento dos elementos típicos do crime de extorsão. O recorrente entende que os factos provados não são suficientes para concluir que foi cometido o crime de extorsão pelo qual foi condenado, o que o leva a pugnar pela sua absolvição. Diz, com efeito, que não ocorreu violência ou ameaça com mal importante; que não houve actos de constrangimento de outra pessoa a uma disposição patrimonial que acarretasse prejuízo para ela ou para outrem; e que não houve intenção de conseguir enriquecimento ilegítimo.
Já vimos, a propósito do erro na apreciação das provas, que foi legítima a conclusão do acórdão quanto à existência de ameaça com mal importante e quanto à intenção de enriquecimento ilegítimo, pelo que tais elementos do tipo têm que se considerar preenchidos. E no tocante ao constrangimento do ofendido a tomar medidas de disposição patrimonial que iriam provocar prejuízo, a si próprio e/ou ~ empresa de que era director geral e presidente executivo, é óbvia a sua existência, dada a forma, a gravidade e a reiteração das ameaças, que, como ficou provado, causaram medo e inquietação ao ofendido.
Improcede também este fundamento do recurso.
Uma outra questão, suscitada subsidiariamente em relação à pretensão de absolvição, é a da medida da pena e a da suspensão da sua execução. O recorrente entende que não devia ter sido condenado em pena superior a 1 ano e 6 meses de prisão e que a execução desta devia ter sido suspensa.
Crê-se que também aqui lhe falece a razão.
Importa notar que a pena se situou no patamar inferior da moldura penal abstracta, que oscila entre um mínimo de 7 meses e 6 dias e um máximo de 10 anos (cf artigos 215.°, n.° 2, 21.°,22.°, n.° 2, e 67.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal). Perante esta constatação, e tendo presentes as finalidades de prevenção geral positiva que presidem à determinação da pena – que apresentam grande premência em matéria deste género de ilícitos contra o património e contra a liberdade de disposição patrimonial – e considerando que, contrariamente ao que pretende fazer crer, não confessou os factos, afigura-se que a crítica apontada ao acórdão pelo alegado excesso da pena não tem fundamento plausível. De resto, e como temos vindo a dizer, os parâmetros em que se move a determinação da pena, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que não é o caso.
Por outro lado, e quanto à pretendida suspensão, o artigo 48.° do Código Penal postula que o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Trata-se de um poder-dever, que alguns autores denominam de discricionariedade vinculada, sujeito à verificação dos requisitos previstos na norma. No caso, apenas o pressuposto formal está preenchido, o mesmo não sucedendo com o pressuposto material, conforme o tribunal bem ponderou. Na verdade, a personalidade do recorrente, manifestada no cometimento dos factos e na sua não confissão, impede a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento no futuro, pelo que as finalidades da punição não saem satisfeitas com a mera censura do facto e ameaça da prisão.
Improcede igualmente este fundamento do recurso.
Finalmente, o recorrente censura a falta de condenação do assistente como litigante de má fé.
Nenhuma razão lhe assiste também nesta matéria. As situações que podem conduzir à condenação por litigância de má fé são as elencadas no artigo 385.° do Código de Processo Civil. Perscrutada a matéria de facto em que assentaram as decisões, penal e civil, é de afastar a verificação de qualquer daquelas situações passíveis de condenação por litigância de má fé e de arbitramento de indemnização nos termos do artigo 386.° do Código de Processo Civil. Como o tribunal explicou, o assistente limitou-se a recorrer aos meios ressarcitórios que a lei coloca ao seu dispor, tendo feito deles um uso normal, à luz do padrão de discernimento de um homem médio, tendo aliás logrado fazer prova da maioria dos factos e requisitos constitutivos da obrigação de indemnizar que impendia sobre o demandado, só não tendo o pedido sido procedente, na totalidade, pela dificuldade manifesta em estabelecer o nexo de causalidade entre a acção do demandado e os prejuízos do demandante, no tocante à queda das acções.
Nada há a censurar, igualmente neste ponto, ao acórdão, pelo que naufraga também este fundamento do recurso.
Improcede, pois, a argumentação do recorrente, pelo que deve ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 856 a 858-v).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 544 a 549-v e 677 a 694, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor da prática de 1 crime de “extorsão qualificada”, na forma tentada, p. e p. pelos art°s 215°, n.° 2, al. a), 21° e 22°, todos do C.P.M., na pena de 2 anos e 3 meses de prisão e no pagamento de MOP$50.000,00 de indemnização ao assistente dos autos.

Considera que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”, “erro na aplicação do direito” e “excesso de pena”, pugnando pela condenação do assistente por “litigância de má-fé”.

–– Comecemos, como se mostra lógico, pelo alegado “erro notório”.

De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.10.2018, Proc. n.° 803/2018, de 17.01.2019, Proc. n.° 812/2018 e de 07.03.2019, Proc. n.° 93/2019).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 24.01.2019, Proc. n.° 905/2018, de 21.02.2019, Proc. n.° 34/2019 e de 06.06.2019, Proc. n.° 476/2019).

Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).

E como se consignou no Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16, “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.

No caso, e como – bem – nota o Exmo. Representante do Ministério Público no seu douto Parecer, (que aqui se dá como reproduzido na sua íntegra), a apreciação da prova pelo Tribunal a quo apresenta-se equilibrada e sensata, não deixando de se explicitar de forma clara e lógica os motivos da convicção, não se vislumbrando qualquer desrespeito a (qualquer) regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, sendo pois de improceder o recurso na parte em questão.

Com efeito, e como se apresenta evidente, não é por existir um, dois, ou mais “depoimentos favoráveis” à versão do arguido, (que nega os factos), que vinculado está o Tribunal a dar como “não provada” a versão da acusação.

Atente-se pois na (detalhada) fundamentação pelo Colectivo exposta no Acórdão recorrido para justificar a sua convicção, onde, para além de rigorosa e adequada apreciação da prova testemunhal, se indicam, nomeadamente, registos de mensagens no telemóvel do ofendido e gravações de imagens do “encontro” entre o ofendido e o arguido (e outros), e que, claramente, sustentam, de forma lógica, a decisão proferida, nenhum erro, (muito menos “notório”) existindo.

Continuemos.

Nos termos do art. 215° do C.P.M.:

“1. Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. Se se verificarem os requisitos referidos:
a) Nas alíneas a), f) ou g) do n.º 2 do artigo 198.º, ou na alínea a) do n.º 2 do artigo 204.º, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos;
b) No n.º 3 do artigo 204.º, o agente é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos”.

E, perante o assim estatuído, temos vindo a entender que são elementos do crime de “extorsão”:

“- o emprego de violência ou ameaças, ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir;
- constrangimento, dai resultante, a uma disposição patrimonial que acarrete prejuízo para a vítima ou para terceiro;
- intenção de conseguir para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 27.06.2002, Proc. n.° 67/2002 e de 09.03.2006, Proc. n.° 39/2006, e a Decisão Sumária de 28.01.2019, Proc. n.° 64/2019).

No caso dos presentes autos, provado está que o ora arguido, e outros com “ameaças” de “prejuízo” para integridade física do ofendido, sua família e património, exigiu, (primeiramente, sob a forma de “empréstimo”) que aquele lhe entregasse a quantia de HKD$5.000.000,00, o que levou o ofendido, receoso, a denunciar a situação, acabando a Polícia Judiciária por vir a identificar e deter o arguido ora recorrente. (Atente-se pois nos “factos provados” e referenciados com os números 4 a 12, a fls. 544-v a 545-v).

Dest’arte, e verificados estando todos os elementos típicos do crime de “extorsão” pelo qual foi condenado, e sendo o mesmo “tentado”, dado que não chegou a haver a transferência da dita quantia do ofendido para o arguido, (cfr., v.g., Ac. do T.S.J.M. de 20.10.1999, Jurisprudência 1999, tomo II, pág. 668 e do T.S.I. de 16.02.2001, Proc. n.° 206/2000), nenhuma censura merece a decisão recorrida na parte em questão.

–– Continuemos, passando agora para a “pena”.

Pois bem, ao crime de “extorsão” pelo arguido cometido, porque na “forma tentada”, cabe a pena de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão; (cfr., art. 215, n.° 2, al. a) e 67° do C.P.M.).

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019, de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019 e a Decisão Sumária de 16.07.2019, Proc. n.° 667/2019).

In casu, (e como bem se assinalou no Acórdão recorrido), e ponderando nos critérios do art. 40° e 65° do mesmo C.P.M., à pena aplicável para o crime cometido, e tendo igualmente em conta as fortes necessidades de prevenção (especial e geral), excessiva não se apresenta a pena de 2 anos e 3 meses de prisão, que não deixa de se situar, mesmo assim, próxima do mínimo legal, e a 7 anos e 9 meses do seu máximo, evidente sendo que não deixou o Tribunal a quo de ponderar em todas as circunstâncias que eram favoráveis ao ora recorrente.

E, perante o assim (sinteticamente) exposto, evidente é que nenhum motivo existe para se reduzir a pena fixada.

Outrossim, e como (recentemente) também decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II – Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018, de 28.03.2019, Proc. n.° 133/2019 e de 09.05.2019, Proc. n.° 403/2019).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente considerado:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

Quanto à “suspensão da execução da pena”, vejamos.

Nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Tratando de idêntica matéria teve já este T.S.I. oportunidade de consignar que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018, de 27.06.2019, Proc. n.° 518/2019 e a Decisão Sumária de 10.07.2019, Proc. n.° 651/2019).

O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018, de 28.02.2019, Proc. n.° 61/2019 e de 27.06.2019, Proc. n.° 518/2019).

Ora, como se deixou consignado, no caso, muito fortes são as necessidades de prevenção criminal, (em especial, atento o “modus operandi”, com a participação de várias pessoas e com a invocação da pertença a “grupos ligados ao submundo do crime”), o que, em nossa opinião, afasta a possibilidade de accionar o art. 48° do C.P.M. para que possível fosse acolher a pretensão do arguido ora recorrente.

–– Por fim, quanto a invocada “litigância de má fé do assistente”.

Atento o estatuído no art. 385° do C.P.C.M. temos entendido que:

“Existe litigância de má-fé, quando um sujeito processual, agindo a título de dolo ou – agora, no âmbito do C.P.C.M. – negligência grave, tenha no processo, um comportamento desenvolvido com o intuito de prejudicar a outra parte ou para perverter o normal prosseguimento dos autos.
Todavia, na verificação de tal má-fé, importa proceder com cautela, já que há que reconhecer o direito a qualquer sujeito processual de pugnar pela solução jurídica que, na sua perspectiva, se lhe parece a mais adequada ao caso, isto, óbviamente, com excepção dos casos em que se demostra de forma clara e inequívoca a intenção de pretender prejudicar a outra parte ou perturbar o normal prosseguimento dos autos”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 13.06.2019, Proc. n.° 875/2017).

In casu, compulsados os autos, não se vislumbra que a “conduta processual” do assistente possa ser considerada como litigância de má-fé, pelo que, sem mais alongadas considerações se impõem a total improcedência do presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 8 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 26 e Setembro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 722/2019 Pág. 30

Proc. 722/2019 Pág. 31