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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 03/10/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 882/2019
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguida com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenada como autora material da prática de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 e 2 e 198°, n.° 1, al. a) do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e no pagamento da quantia total de MOP$61.810,00 e RMB¥7.000,00 à ofendida dos autos; (cfr., fls. 417 a 426 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu, afirmando que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 443 a 453).

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Respondendo, pugna o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 456 a 458-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A impugna o acórdão de 19 de Julho de 2019, proferido no âmbito do processo comum colectivo CR4-19-0136-PCC, que a condenou na pena de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo da previsão do artigo 204.°, n.° 2, alínea b), com referência ao seu n.° 1 e ao artigo 198.°, n.° 2, alínea a), do Código Penal, imputando-lhe erro notório na apreciação da prova e erro na determinação da pena, contra cujo excesso se insurge.
Não creio que lhe assista razão, tal como bem destaca o Ministério Público na primeira instância, na sua resposta à motivação do recurso.
O recorrente alicerça a sua tese quanto ao erro notório numa referência do acórdão relativa à gravidade das lesões ocasionadas à ofendida. Importa notar que essa referência não pretende valorar os factos provados como integrando a alínea a) do artigo 204.°, n.° 2, do Código Penal, como resulta inequivocamente do texto do acórdão. A gravidade da lesão é de índole patrimonial, pois o valor subtraído é elevado, e é de expressão não patrimonial, dada a violência da actuação da arguida recorrente. Tenha-se presente os meios usados (a atracção ao quarto, o empurrão imediato e violento da vítima, a cobertura da sua cabeça, a sua manietação através de amarras, enfim, o seu abandono, assim presa, no quarto). É óbvio que todas estas circunstâncias em que se desenrolou a actuação da recorrente, tidas por provadas e que a recorrente não questiona, habilitam o tribunal a jogar, na determinação da pena, com a gravidade das lesões, não se tratando evidentemente da ofensa grave à integridade física prevista na alínea a) do artigo 204.°, n. ° 2, do Código Penal.
Nenhum erro se detecta na apreciação da prova, muito menos o notório, pelo que improcede este fundamento do recurso.
Por outro lado, e passando para a questão da medida da pena, que a recorrente pretende ver reduzida ao mínimo, ou seja, encurtada para os 3 anos, crê-se que não há fundamentos ponderosos para mexer na pena que o acórdão recorrido teve por adequada. Numa moldura abstracta de 3 a 15 anos, o tribunal aplicou uma pena de 3 anos e 6 meses, o que significa que conferiu especial ênfase valorativa às circunstâncias favoráveis à arguida, tais como a falta de antecedentes, a confissão e a reparação parcial e o que elas inculcam em matéria de arrependimento – embora deva notar-se que a confissão não se revelou importante para a dilucidação do crime e que a reparação parcial foi depositada no dia anterior à audiência de julgamento. Não obstante o peso das circunstâncias atenuantes, não pode esquecer-se a gravidade do crime e da violência da sua execução, como aliás o tribunal fez notar, e que o mesmo ocorre num círculo de interesses ligados à principal actividade económica de Macau, em que a questão da prevenção geral positiva tem um peso relevante na determinação da medida da pena.
Assim, haverá que concluir que não se mostram também procedentes as críticas dirigidas ao acórdão quanto à excessividade da pena.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 512 a 513).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Deu o Colectivo a quo como “provados” e “não provados” os factos elencados a fls. 419 a 420-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como se deixou relatado, vem a arguida recorrer do Acórdão que a condenou como autora material da prática de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 e 2 e 198°, n.° 1, al. a) do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e no pagamento da quantia total de MOP$61.810,00 e RMB¥7.000,00 à ofendida dos autos.

Entende que o Acórdão recorrido padece de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”.

Como se deixou adiantado e – bem – se evidencia no douto Parecer do Exmo. Representante do Ministério Público, que aqui se dá como reproduzido para todos os efeitos legais, manifesta é a improcedência do presente recurso, muito não se mostrando de consignar para o demonstrar.

–– Comecemos pelo imputado “erro”.

No que toca ao “erro notório na apreciação da prova”, temos entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.10.2018, Proc. n.° 803/2018, de 17.01.2019, Proc. n.° 812/2018 e de 07.03.2019, Proc. n.° 93/2019).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 24.01.2019, Proc. n.° 905/2018, de 21.02.2019, Proc. n.° 34/2019 e de 06.06.2019, Proc. n.° 476/2019).

No caso dos autos, nenhum “erro” – muito menos notório – existe, pois que as considerações pela arguida tecidas incidem sobre a fundamentação pelo Tribunal a quo exposta na apreciação, interpretação, valoração e enquadramento jurídico-penal da factualidade dada como provada, e não na no que toca à sua convicção e decisão.

Patente sendo assim a improcedência na parte em questão, continuemos.

–– Quanto ao “excesso de pena”.

O crime de “roubo” cometido é punível como a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 204°, n.° 2 do C.P.M.).

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, em sede de determinação da pena, importa considerar que como temos repetidamente entendido que:

“Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019, de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019 e a Decisão Sumária de 16.07.2019, Proc. n.° 667/2019).

Por sua vez, temos vindo a entender que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Como igualmente decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018, de 28.03.2019, Proc. n.° 133/2019 e de 09.05.2019, Proc. n.° 403/2019).

No mesmo sentido se decidiu também que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. deste T.S.I. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

No caso, a ora recorrente encontrava-se em Macau como turista, e não se coibiu de desenvolver a conduta a que se fez referência, ofendendo a integridade física e património da ofendida, não deixando aquela de causar alarme e preocupação social.

E atenta a dita factualidade dada como provada – utilizando-se um (falso) “esquema de câmbio”, atraindo a ofendida para um quarto de hotel, e aí, logo após no mesmo entrar, dominando e amarrando a ofendida, imobilizando-a e apoderando-se de todo o seu dinheiro, abandonando-a naquela situação, causando-lhe assim um prejuízo de valor elevado – e ponderando, e em especial, na intensidade do dolo, (directo), e no grau da ilicitude, (elevado), há que dizer que excessiva não se mostra a pena de 3 anos e 6 meses de prisão fixada, (a 6 meses do mínimo legal), onde não se deixou de ponderar todas as circunstâncias que lhe eram favoráveis, podendo apenas pecar por benevolência.

Dest’arte, e tudo visto, resta decidir como segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará a arguida a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 03 de Outubro de 2019
José Maria Dias Azedo
Proc. 882/2019 Pág. 16

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